¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, junho 23, 2013
 
Entrevista:
POVO É CONIVENTE
COM A CORRUPÇÃO



Por Ernani Fernandes

- Janer, como você define “corrupção”?
- Corrupção é roubo de dinheiro público.

- O que você pensa do uso das redes sociais em campanhas contra a corrupção?
- Não simpatizo nada com esses protestos em redes sociais e muitos blogs contra a corrupção. De modo geral, é coisa de militante de sofá. Corrupção não é coisa que possa ser combatida – nem mesmo denunciada – por cândidas almas indignadas. Para se desvendar um esquema corrupto, é preciso promotoria pública, polícia, boa equipe de repórteres. Que tem a dizer sobre o Maluf um pobre diabo indignado, se nem a máquina da Justiça consegue colocá-lo atrás das grades? A maior parte dos protestos contra a corrupção que se vê por aí é coisa de bobalhões que se pretendem heróis.

- Crê que não há valor nas marchas contra a corrupção, no “Fora, Renan!”, nas manifestações e passeatas contra a PEC 37, a PEC 33, pela caracterização da corrupção como crime hediondo, entre outros?
- Adiantaram de algo essas marchas?

- Sendo dispensável o uso das redes sociais, qual é o melhor meio para divulgação das manifestações populares?
- Que sejam divulgadas pelas redes sociais. Mas de nada adianta. Os militantes de sofá se acham muito solidários com os injustiçados do mundo. É muito confortável denunciar a injustiça sentado em casa.

- Ainda que se demande capacidade técnica para a investigação e a descoberta de tais delitos, não há valor na mobilização de cidadãos comuns como forma de apoio a entidades, como o Ministério Público, bem como para a cobrança de atitudes pelas autoridades, tornando o problema público e eludindo possíveis “engavetamentos”? Isto é, não podem tais atuações implicarem um ação conjunta, não necessariamente excludente? Desse modo, ainda que o cidadão pouco instruído não possa “desvendar” tais delitos, não pode ele contribuir incentivando, por diversos meios, tais ações?
- Você acha que algum corrupto se preocupa com tais reações? Se eles não se preocupam nem com ações judiciais, pouco ou nada se preocuparão com recadinhos públicos de anônimos cidadãos.

- O fato de a Justiça não “conseguir” colocar Maluf atrás das grades não pode ser atribuída à falta de motivação política, ou ainda a conluios que aderiram ao aparato estatal? Não poderia isso ser revertido por uma maior pressão e mobilização da sociedade civil?
- Nada disso. Se deve aos bons advogados que Maluf pode pagar e às brechas que a lei deixa para salvar os amigos do Rei.

- Como fazer com que cidadãos que se manifestam apenas nas redes sociais passem a comparecer às marchas e manifestações marcadas nas mesmas ou colaborem em estruturas de controle e conscientização?
- Sei lá. Só sei que marchas de nada adiantam. Podem até dar aparência de legitimidade a certas reivindicações, mas não mais do que isso.

- Que tipo de modelo estatal tende a acentuar os índices de corrupção?
- Não tenho a mínima idéia. Mas quanto maior é o orçamento, maior é a corrupção.

- Qual a diferença entre corrupção pública e privada? Qual causa mais danos à sociedade? Como evitá-las?
- Não existe corrupção privada. Se o dono do bar me pede 50 reais por uma cerveja e eu pago, sou um panaca mas pago com meu dinheiro. Corrupção só existe quando existe dinheiro público em jogo. Para ser corrupto, algum acesso se precisa ter ao poder. Este acesso o pobre não tem. Ser corrupto não é para qualquer um. É para quem pode. E mais: exige trabalho. Por mais dura que seja sua jornada, certamente Carlinhos Cachoeira, Zé Dirceu, Maluf, Delúbio, Marcos Valério suaram mais a camiseta do que você. Não se constrói uma quadrilha eficiente sem esforço e dedicação. São centenas de milhares de horas-homem de trabalho. O mensalão, por exemplo, começou a ser montado em 1980, no colégio Sion, em São Paulo. Foram mais de vinte anos de trabalho só para a consolidação da quadrilha. Ser honesto pode não compensar muito. Mas sem dúvida é menos trabalhoso.

- Como você caracteriza a apropriação indébita, a cobrança irregular por funcionários, os furtos de estoque, adulterações e trocas de estoque, bem como o superfaturamento nas compras realizadas por empresas?
– Como os códigos as caracterizam. Como crimes.

- A corrupção ocorrente no Brasil é mais agravada que em outros países? Por quê?
- Não sei. Só organismos internacionais especializados podem saber disso. Fala-se muito na Índia e na Rússia como campeões neste esporte.

- Há soluções para a corrupção? Quais foram aplicadas com sucesso por outros países?

- Vigilância bancária e fiscal. Transparência de gastos do governo. A Receita Federal tem dado provas de muita eficiência. Mas muitas vezes barra na malha fina o contribuinte que esqueceu de declarar umas merrecas e deixa passar os Malufs e Cacciolas da vida.

- Como tais falhas podem ser sanadas?
- Corrigindo leis tortas, eliminando suas brechas e não admitindo a idéia de que certos criminosos estão acima de toda e qualquer lei.

- Como a cultura brasileira interfere para a prática da corrupção? Há uma interferência relevante?
- O brasileiro não é lá muito avesso à corrupção. Importa-se mais com o sucesso. Se o corrupto é bem sucedido, louvado seja. Prova disto é o Lula. Este é o supremo critério de uma certa elite abastada e inculta: o tal de sucesso. Vale tanto para Lula como Maluf, Sarney ou Collor. Seja Hebe Camargo ou Sílvio Santos. Paulo Coelho ou Chico Buarque. Vale também para o povão. Pouco importa nesta São Paulo que gerou tanto Lula como Maluf, que o líder petista se abrace com o criminoso procurado internacionalmente pela Interpol. Maluf só está livre porque está no Brasil. Se der um passo no estrangeiro, pode ser preso. Lula se abraça com o mafioso, em seu jardim, e consegue eleger seu candidato em São Paulo. A cúpula do PT foi condenada pelo mensalão e os criminosos portam uma aura de mártires.

- Isso pode ser mudado? Em caso positivo, como?
- Não acredito que possa ser mudado. De um país que elege e reelege corruptos notórios, nada se pode esperar nesse sentido.

- Como a corrupção pode deteriorar o Estado e a vida pública?
- Deteriora no sentido em que empobrece o Estado em favor dos vivaldinos.

- Como a privatização pode auxiliar no combate à corrupção? Ela pode auxiliar a corrupção?
- O Estado tem bolso grande e ninguém cuida. A empresa privada tem de zelar por seu dinheiro. A menos que seja cúmplice do Estado, como sói acontecer no Brasil. Como entender que Eike Batista, que surgiu do nada e virou milionário da noite para o dia, não esteja na cadeia. É óbvio que sua súbita fortuna foi decorrência de informação privilegiada. Como os novos milionários russos, que saltaram como cogumelos após a chuva, logo depois da desintegração da União Soviética.

- A corrupção no governo atual é maior que em tempos passados? Por quê?
- Maior e mais deslavada. Nos governos militares, não temos notícia de que os governantes comprassem leis. No governo petista, se comprou deputados aos magotes, e as leis compradas vigem até hoje. O STF, que hoje pune os mensaleiros, é o mesmo STF que um dia julgou constitucionais as leis compradas. O ministro Joaquim Barbosa, o novel Catão tupiniquim, que hoje condena os criminosos acusados de comprar deputados, é o mesmo Joaquim Barbosa que em 2007 julgou constitucional a tunga dos aposentados.

- Como o aumento do Estado aumenta a incidência de corrupção?
- Em razão direta.

- A corrupção política ocorrente no Brasil restringe-se a alguns partidos ou é totalmente disseminada?
- No Brasil, um político só não é corrupto enquanto não tem a chance de sê-lo.

- Há exceções?
- Se há, é só nos primeiros meses de exercício do cargo. Logo depois, o político tem de fazer alianças, concessões.

- Comente alguns casos notórios de corrupção, explicando como poderiam ser evitados.
- Muito exaustivo, senão impossível para uma só pessoa. Isso é trabalho para equipes. Veja e outros jornais têm sites especializados no assunto, é só procurar.

- Como os jornalistas podem contribuir para combater a corrupção?
- Denunciando a corrupção, como têm denunciado. A imprensa sempre tem saído à frente nas denúncias de corrupção. Ministério Público e polícia geralmente seguem a reboque. Mas atenção: jornalista não julga nem pune. Seu trabalho não vai além de denunciar.

- Você atribui a vantagem da imprensa a quais fatores?
- Bom, jornalista tem de investigar. Esta é a função do jornalismo.

- Como o índice de liberdade de imprensa afeta este combate?
- É conditio sine qua non. Com imprensa amordaçada, não há denúncia nenhuma. O PT sabe muito bem disso e há horas vem lutando pelo que chama de “controle social da imprensa”.

- Como pretendem fazê-lo? O que tal controle pode acarretar?
- Pretendem fazê-lo promulgando leis que aparentemente defendem a liberdade de imprensa. Tal controle acarretaria, obviamente, censura. Mas essa o PT não vai levar. Há no Brasil uma economia e um jornalismo suficientemente fortes que não permitirão isso.

- Como ocorre a corrupção nos meios públicos em geral?
- Como tem ocorrido. O corrupto vai enfiando a mão, vê que é correspondido, enrola políticos em suas malhas, permanece impune. Mais ainda: se é flagrado, renuncia, dá um tempo e volta ao poder eleito por grande número de votos. O povo brasileiro é conivente com a corrupção.