¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, junho 15, 2013
 
FALTA UM ORIONINO
EM FLORIANÓPOLIS



Começou ontem em Florianópolis o 1º Fórum Mundial de Contatados, que reúne pessoas que dizem ter tido proximidade com extraterrestres e pesquisadores do assunto. Haverá palestrantes de países como Estados Unidos, Argentina, Itália e Peru, além de brasileiros.

Entre os que afirmam que tiveram contato com alienígenas está um italiano que diz ter filmado objetos voadores não identificados, uma brasileira que afirma ter sido abduzida e um coronel norte-americano que denunciou que extraterrestres estariam vigiando o arsenal atômico dos Estados Unidos.

Já no lado dos pesquisadores estão brasileiros e um norte-americano que estudam abduções, um argentino que pesquisa sobre novas espécies e brasileiros que investigam o contato com alienígenas e a interferência dos mesmos na vida na Terra e na genética.

Pelo que leio, só está faltando o Carlos Ducatti no encontro. Com excelente prata da casa, os contatados e ufólogos brasileiros foram buscar no estrangeiro depoentes e testemunhas do fenômeno. Companheiro de charlas no Chalé da Praça XV em Porto Alegre, enquanto ufólogos discutiam viagens siderais, Ducatti ia e vinha de seu planeta natal com a aisance de um ilhéu que vai de Floripa a São José. Falo dele em Ponche Verde e fui honrado com o convite para prefaciar seu livro de poemas, publicado cá na Terra.

Porto-alegrenses de minha idade certamente lembrarão do cientista, filósofo e poeta orionino, que decidiu conviver conosco, terráqueos. Ou orionano, não lembro agora. Ele não era do sistema solar. Viera da nebulosa de Orion e tinha uma missão na Terra. À guisa de camuflagem, estudava Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Espantava-se com a idade das trevas em que viviam seus colegas de curso. Seguidamente eu o encontrava no Chalé da Praça XV e certa vez tivemos uma longa discussão sobre o que era ser orionino ou orianano. Não lembro agora como ele se definia. Mas havia uma substancial diferença entre um e outro conceito.

Ora, vivíamos em uma cultura na qual milhões de pessoas acreditam na existência de uma mãe virgem. Por que eu não aceitaria então que ele viera de Orion? Nunca pus em dúvida suas origens e, a cada vez que o encontrava, perguntava como estava a temperatura em Orion.

Ducatti fundou o Clube dos Sábios, que congregava sete pessoas, sendo uma delas sua mãe. Considerava que a mulher é prejudicial ao gênio. Só não seria prejudicial em uma circunstância: durante a relação, o homem deveria liberar um só espermatozóide. Interrogado por uma jornalista como isto seria possível, respondeu com um piscar de olhos:

- Questão de prática.

Pasmem! Foi de Ducatti que ouvi falar pela primeira vez a teoria dos buracos negros. Ele os conhecia muito antes de Stephen Hawking. Andava em busca de Galactus, ser galático que odiava a vida e se alimentava de planetas. Galactus fora, inicialmente, uma ilação teórica. Com o correr do tempo, sua existência passou a ser um imperativo de ordem conceitual, única explicação plausível para o desaparecimento de civilizações cósmicas multimilenares.

Até hoje, guardo em meus arquivos os panfletos nos quais Ducatti explicava seus projetos. Um deles era o esquema de uma complexa máquina matapardais. O Homem de Orion julgava que os ditos predadores tinham qualquer ligação com os poderes do mal, sem falar que não lhes suportava o chilreado. E os bichinhos eram legião em torno ao Chalé, particularmente na primavera. A máquina consistia basicamente em uma metralhadora giratória acoplada a quatro canhões sonoros e a um computador com gravação dos sons de pardais em sua memória. Ao ouvi-los, os canhões direcionais apontavam a arma para a fonte de emissão de ruídos e a metralhadora era acionada automaticamente. Havia pensado em uma arma à base de raios laser, mas sua filosofia ecológica não permitia sacrificar árvores.

Um outro projeto era uma proposição para viver com menos de um salário mínimo, cá neste infame planeta consumista. A proposição tinha 33 itens, entre os quais se destacavam: não ter carro, televisão, aspirador, batedeira, etc., coisas perfeitamente dispensáveis; ser autodidata, evitar pagar cursos; acostumar o estômago a exigir pouco alimento; botar pouco açúcar no chá; fritar ovos com água; não seguir a moda, coisa irracional que nos impele a fazer compras; não fazer seguros, confiar no cósmico e na fraternidade; ir de preferência a espetáculos grátis; em caso de esgotamento nervoso, ir ao campo (as clínicas são caríssimas); não fumar; não comprar boné contra o sol: andar pela sombra ou proteger-se com um jornal; não estragar os tênis ou sapatos jogando futebol; não comprar quadros, pintá-los; ter letra pequena, afim de economizar papel. Etc.

Em um outro prospecto, fazia uma crítica ao filme Guerra nas Estrelas, a partir de suas experiências astrais. Vinte seriam as falhas do filme, entre elas o fato de todas as estrelas aparecerem iguais, desprezando-se as diferenças de tamanho, distância e cor; mesmo em satélites, a gravitação é igual à da Terra; entre os extra-terrestres há muitos tipos monstruosos, cerca de oitenta por cento, quando o normal seria quinze; a invisibilidade de naves e pessoas, recurso muito usado por seres evoluídos, jamais ocorre; pessoas supostamente evoluídas alimentando-se com pratos e talheres, quando seres adiantados ingerem só líquidos ou prana.

Homem de ampla visão, Ducatti alimentava o projeto UNAT - União das Nações da Terra - com sede em Brasília, para substituir a ineficiente ONU. Seu principal objetivo, a busca inteligente e objetiva das soluções para os problemas humanos, sendo uma das primeiras tarefas resolver a questão palestino-israelita. E planejava a construção de um espaçoporto em Porto Alegre, para receber os óvnis de galáxias distantes. Creio que só eu acreditava piamente em suas viagens astrais.

Certo dia, quase tive uma eclampsia. Eu voltava das Ilhas Canárias. Na Gran Canária, estive no povoado de Arucas. Percorrendo sua geografia, encontrei uma espécie de oásis, algo como um mar sereno de areia em meio a montanhas pontiagudas. Lembrei do Homem de Orion e disse à minha Baixinha: “se os extras chegam à Terra, só pode ser aqui que eles aterrissam. Preciso comunicar ao Ducatti.” Encontrei-o no Chalé, como sempre.

- Ducatti, estive em Arucas, na Gran Canária. Acho que é lá que os extras aportam.
- Sei disso – respondeu o Homem de Orion -. Já escrevi ao prefeito de Arucas.

E puxou do bolso uma carta, a resposta do prefeito de Arucas. Profundo mistério!

Iludidos pelo cintilar de luzes da mídia, os organizadores do encontro em Florianópolis foram buscar no Exterior pretensas sumidades, que certamente jamais chegaram um aninho-luz sequer perto de Orion. E deixaram de lado quem deveria, na verdade, ser o homenageado do encontro.

Desde que abandonei Porto Alegre, perdi o contato com o viajante espacial. Não tenho idéia de qual será sua idade em Orion, mas deve estar sexagenário em anos terrestres, contemplando com terna ironia nossa insciência em matéria de visão do universo.