¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, junho 26, 2013
 
PERFEITA IDIOTA QUER
PLEBISCITO SOBRE
ARABESCOS COLATERAIS



Nossa perfeita idiota revelou-se tardiamente, escrevia eu em crônica recente. O brilhante achado de dona Dilma – a convocação de uma Constituinte - não durou sequer o que duram as rosas. Inviável do ponto de vista jurídico, no dia seguinte foi unanimemente rechaçado por ministros e juristas. Em menos de 24 horas, o governo tatibitate do PT deu marcha a ré.

Nunca um presidente da república foi desmoralizado em tão curto espaço de tempo. Tentando remendar o soneto, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público dizer que dona Dilma não disse o que disse:

"A presidente da República, ontem na sua manifestação, falou em processo constituinte específico. Ela não defendeu uma tese. Há várias maneiras de se fazer um processo constituinte específico. Uma delas seria uma Assembleia Constituinte específica como muitos defendem. A outra forma seria, através de um plebiscito, colocar questões que balizassem o processo constituinte específico feito pelo Congresso nacional. Há várias teses. A presidente falou genericamente sobre isso".

Desautorizada em seu reflexo de perfeita idiota, dona Dilma não abre mão pelo menos da idéia de plebiscito. Mas atenção: plebiscito sobre reformas políticas, questiúnculas de representação, jamais sobre o que realmente importa.

Há três ou quatro temas candentes, que há horas pedem plebiscito, que acaba sendo barrado por quem teme o resultado da vontade da maioria. Para começar, a descriminalização do aborto, que na verdade há muito deixou de ser crime.

Em janeiro de 2009, Veja lembrava um dado que na época já não era novo: os especialistas estimavam que cheguasse a um milhão o número de abortos no Brasil. O cenário teria sido bem pior na década de 80, quando os abortos clandestinos podem ter chegado a 4 milhões por ano. A redução desse número se deveria ao aperfeiçoamento dos métodos anticoncepcionais e à disseminação no país de políticas de planejamento familiar, logo estas duas medidas às quais à Igreja se opõe ferozmente.

Ora, quando se cometem um milhão de um mesmo crime ao ano – ou quatro milhões – há muito o crime deixou de ser crime. Aborto entrou na categoria dos usos e costumes. Neste país onde 250 mil criminosos, já condenados, vivem livres como passarinho, porque não há mais vagas nas prisões, onde colocar um milhão – ou quatro milhões – de mulheres, mais os milhares de profissionais que as assistiram durante o aborto? Se aborto ainda é considerado crime pela legislação, é crime de condenação impossível. E sem sanção não há crime.

Mas continua sendo crime na letra da lei. Em abril passado, a procuradora da mulher no Senado Federal, Vanessa Grazziotin, defendia um plebiscito para que a população decidisse sobre a flexibilização do aborto no país.

- O tema é tão polêmico – dizia a procuradora - que nunca o Congresso Nacional conseguiu avançar. Porque há uma parte importante da população, inclusive médicos, cientistas, movimento de mulheres, que tem essa mesma opinião, ou seja, de autonomia da mulher sobre seu próprio corpo. Mas há uma outra parte, uma parcela importante também da sociedade, que não permite de maneira nenhuma. De tal sorte que eu entendo que esse é um caso típico que nós deveríamos decidir através de um plebiscito, chamar o povo a votar.

Essa outra parte é a Igreja Católica e demais confissões cristãs. Mas a Igreja não tem muita base histórica para defender a idéia – bastante recente do ponto de vista histórico – de que a tal de alma já está presente no embrião. Há vários anos venho lembrando que dois campeões da Igreja, são Tomás e santo Agostinho, eram favoráveis ao aborto. Segundo o aquinata, só haveria aborto pecaminoso quando o feto tivesse alma humana o que só aconteceria depois de o feto ter uma forma humana reconhecível. Para o Doutor Angélico, como o chamam os católicos, a chegada da alma ao corpo só ocorre no 40º dia de gravidez. A posição de Aquino sobre o assunto foi aceita pela igreja no Concílio de Viena, em 1312.

Nunca é demais lembrar que foi apenas em pleno século XIX, em 1869 mais precisamente, que o Papa Pio IX declarou que o aborto constitui um pecado em qualquer situação e em qualquer momento que se realize. Se os católicos se pretendem contra o aborto, deveriam começar destituindo seus santos da condição de sapiência e santidade. Ou seja, faz apenas 140 anos que a Igreja decidiu que uma mulher não mais é dona de seu próprio corpo.

Outra questão a pedir plebiscito era o casamento homossexual, ao qual se opõe a maioria da população, mas foi empurrado goela abaixo pelo STF, cujos ministros não hesitaram em rasgar a Constituição para passar por avançadinhos. Na verdade, este plebiscito foi pedido pelo pastor Marco Feliciano. Exato, aquele mesmo da cura gay. A proposta foi apresentada em 2011. Em dezembro de 2012 o projeto começou a ser analisado pelos membros da CDHM, mas não foi votado por um pedido de vista feito pelo deputado Ronaldo Fonseca (PR-DF), que alegou precisar de mais tempo para analisar o teor da proposta. E mais não se falou no assunto.

Mas a questão candente mesmo, regida por uma legislação que só faz aumentar a criminalidade no país, é a maioridade penal, hoje fixada em 18 anos. Qualquer marmanjo de 16 ou 17 anos, até mesmo faltando um dia para completar 18, pode matar e estuprar à vontade e só é punido com dois ou três aninhos de Casa. Mesmo que tenha matado meia dúzia de pessoas, sai de ficha limpa e sem folha corrida.

Esta é a discussão que hoje mais preocupa o país. O assunto voltou à pauta em abril passado, quando a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara rejeitou a inclusão na pauta do Projeto de Decreto Legislativo 1002/03, do ex-deputado Robson Tuma, que convocava um plebiscito para consultar a população sobre a redução ou não da maioridade penal. A intenção é reduzir para 16 anos a maioridade penal. Se aos 16 anos um jovem pode eleger o presidente da República, pode muito bem responder penalmente por seus atos. Quatro partidos (PT, PCdoB, PSDB e PSB) se uniram para obstruir a votação.

Sobre estas questões cruciais, que dividem o país em dois, sempre há quem barre um plebiscito. O desejado por dona Dilma é sobre arabescos colaterais, sobre como eleger quem vai decidir o que é ou não legal.

Nada que vá ao cerne da questão. Discutir maioridade penal, aborto, casamento homossexual, nem pensar. Há sempre o risco de os plebiscitados votarem com sensatez.