¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, julho 21, 2013
 
PAPA LOUVA ASSASSINO


Nestes dias em que a Veja parece ter virado porta-voz do Vaticano, saudando com entusiasmo a visita de um padre argentino que vem ao Brasil fazer proselitismo, ao custo em 350 milhões de dólares – dos quais 118 milhões sairão do bolso do contribuinte – comprei a primeira biografia do papa Paco, de autoria de Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, intitulada O papa Francisco – Conversas com Jorge Bergoglio. O livro tem 176 páginas.

Ora, em 176 páginas, não há papa que não profira bobagens, apostei com meus botões. Ganhei a aposta e nem precisei ler o livro todo. Me ative às páginas finais, onde os autores reproduzem uma mensagem papal, dirigida por Bergoglio às comunidades educacionais de Buenos Aires, na páscoa de 2002, “Uma reflexão baseada em Martín Fierro”. Ora, que tem a ver um gaúcho desertor, haragano, assassino e peleador, com a doutrina de um judeu monoteísta crucificado por romanos há vinte séculos. Bergoglio, malandramente, foi demagogo ao invocar o poema tão cultuado pelos argentinos. Mas misturou azeite e água.

Costumo afirmar que Martín Fierro é um poema profundamente cristão, no sentido em que invoca uma difusa simbologia do cristianismo, até hoje presente no inconsciente coletivo gaúcho. É aquela crença de que algum deus criou aquele universo todo, e que esse deus seria justo e poderoso. Daí a qualquer alusão a um Cristo que oferece uma face quando a outra é batida, vai uma longa distância. O poema, um canto à liberdade e ao indivíduo, nada tem a ver com uma Igreja que ignora o que seja liberdade e não suporta a idéia de indivíduo.

Hernández começa seu poema invocando Deus e os santos do céu. Mas é uma invocação retórica, que pouco ou nada tem a ver com fé.

Pido a los santos del cielo
que ayuden mi pensamiento:
les pido en este momento
que voy a cantar mi historia
me refresquen la memoria
y aclaren mi entendimiento.

Vengan santos milagrosos,
vengan todos en mi ayuda,
que la lengua se me añuda
y se me turba la vista;
pido a mi Dios que me asista
en una ocasión tan ruda.

Deus é citado cá e lá no poema, quase como exclamação, sem nenhum compromisso com qualquer doutrina. Em determinado momento, a obra divina até que cai mal nos dias que correm.

A los blancos hizo Dios,
a los mulatos San Pedro,
a los negros hizo el diablo
para tizón del infierno.

Em sua alocução, Bergoglio cita sextilhas esparsas, nas quais Hernández defende o direito do gaúcho a ter “casa, escuela, Iglesia y derechos” e seus conselhos, que constituíriam um “compêndio de ética cívica”.

Ni el miedo ni la codicia
es bueno que a uno lo asalten.
Ansi no se sobresalten
por los bienes que perezcan
Al rico nunca le ofrezcan
Y al pobre jamás le falten.

Este é um dos conselhos de Fierro a seus filhos, na segunda parte do poema. Bergoglio esqueceu os conselhos do Viejo Viscacha:

Hacete amigo del Juez
- No le dés de qué quejarse; -
Y cuando quiera enojarse
Vos te debés encojer,
Pues siempre es güeno tener
Palenque ande ir a rascarse.

A naides tengas envidia,
Es muy triste el envidiar,
Cuando veas a otro ganar
A estorbarlo no te metas -
Cada lechón en su teta
Es el modo de mamar.

Y gangoso por la tranca
Me solía decir,: Potrillo,
Recién te apunta el colmillo,
Mas te lo dice un toruno,
No dejés que hombre ninguno
Te gane el lao del cuchillo.

Las armas son necesarias
Pero naides sabe cuándo;
Ansina si andás pasiando,
Y de noche, sobre todo,
Debés llevarlo de modo
Que al salir, salga cortando.

Além de esquecer estes conselhos matreiros do Viejo Vizcacha, lá pelas tantas Bergoglio justapõe um trecho do Evangelho de Lucas:

Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? Jesus, prosseguindo, disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de salteadores, os quais o despojaram e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. Casualmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. De igual modo também um levita chegou àquele lugar, viu-o, e passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão; e aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que gastares a mais, eu to pagarei quando voltar. Qual, pois, destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu o doutor da lei: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe, pois, Jesus: Vai, e faze tu o mesmo.

Ora, que tem isto a ver com o gaúcho que mata um negro em um baile por uma bravata boba?:

Me hirvió la sangre en las venas
Y me le afirmé al moreno,
Dándole de punta y hacha
Pa dejar un diablo menos.

Por fin en una topada
En el cuchillo lo alcé
Y como un saco de güesos
Contra un cerco lo largué.
Tiró unas cuantas patadas
Y ya cantó pa el carnero.
Nunca me puedo olvidar
De la agonía de aquel negro.

Não bastasse matar o negro por uma fanfarronada, matou outro gaúcho em uma pulpería:

Se tiró al suelo; al dentrar
Le dió un empellón a un vasco
Y me alargó un medio frasco
Diciendo "Beba, cuñao".
"Por su hermana" contesté,
"Que por la mía no hay cuidao".

"¡Ah, gaucho!", me respondió,
"¿De qué pago será criollo?
Lo andará buscando el hoyo,
Deberá tener güen cuero;
Pero ande bala este toro
No bala ningún ternero.

Y ya salimos trensaos,
Porque el hombre no era lerdo;
Mas como el tino no pierdo
Y soy medio lijerón,
Lo dejé mostrando el sebo
De un revés con el facón.

Y como con la justicia
No andaba bien por allí,
Cuanto pataliar lo vi,
Y el pulpero pegó el grito,
Ya pa el palenque salí
Como haciéndome el chiquito.

Ou Bergoglio não leu bem os Evangelhos, ou de Fierro conhece apenas algumas sextilhas. Na verdade, o futuro papa quis ser popular recitando um poema popular e querido pelos argentinos. Mas esqueceu que Fierro, por popular que seja, era um desertor e assassino, o que decididamente nada tem a ver com os Evangelhos.