¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, julho 31, 2013
 
PRIMEIRA EPÍSTOLA
AOS HOMOSSEXUAIS
DE BOA VONTADE



Perdão, leitores, por voltar à vaca fria. Acontece que ainda estou perplexo. Não com o papa. Como todos os papas, ele corre mundo montado em mentiras milenares: deus (a mais antiga e prestigiosa ficção já criada pela literatura), mãe virgem, ressurreição, três-em-um. Mentiras que sequer são originais, mas copiadas de cultos mais antigos. Ou seja, está em seu papel. Fosse eu papa, não poderia fugir do roteiro. Bergoglio interpretou bem seu personagem: repetiu as bobagens que os papas sempre repetem. Nem poderia ser diferente.

Minha perplexidade é outra. É com a subserviência da imprensa, que perdeu todo e qualquer senso crítico e atribuiu ao papa afirmações que ele não fez, mas que são simpáticas ao grande público. Vejamos esta manchete do Estadão, assinada por Jamil Chade, enviado especial a Roma:

Anulação de casamento será revista, diz papa

Na linha fina, o jornal escreve:

Francisco falou também sobre escândalos financeiros, ordenação de mulher e aborto

Vejamos então o que Francisco disse sobre o aborto:

"Aborto e casamento gay. A Igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não queria voltar sobre isso (no Rio). Não era necessário, como também não falei sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a mentira. Para isso, a Igreja tem uma doutrina clara. Queria falar de coisas positivas, que abrem caminho aos jovens. E qual é a do papa? É a da Igreja, sou filho da Igreja".

Ou seja, não disse nada. Muito menos sobre o casamento gay, como afirma o intertítulo. Como pode um jornal respeitável afirmar que o papa disse o que na verdade não disse, como o próprio texto da reportagem confirma? Neste momento, o jornal perdeu toda respeitabilidade.

Em outra reportagem, escreve o enviado especial:

"O papa Francisco abre as portas da Igreja aos gays e se prepara para acolher os divorciados, facilitando a anulação de casamentos. Os anúncios foram feitos pelo pontífice que, quebrando tabus, deixa claro que estende a mão a esses segmentos. "Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", declarou. "O catecismo da Igreja explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas devem ser integrados na sociedade."

Onde abriu portas? Bergoglio nada disse, apenas saiu pela lateral: "Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?" Não disse se aceita ou não a condição homossexual. O que disse, no fundo, foi: já que vocês estão aí, se quiserem entrar na igreja, as portas estão abertas. Não se definiu. Mas sabe – como o mercado sabe – que os homossexuais formam um considerável contingente no Ocidente. Fechar-lhe as portas seria perder fiéis, e pior, mermar ainda mais nas estatísticas da Igreja, que hoje se inclinam para as igrejas rivais, particularmente no Brasil.

O Globo acrescenta um ponto ao conto (ou o Estadão o subtraiu, sabe-se lá): “se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la?”.

Temos agora um novo e insólito personagem, o homossexual de boa vontade. Quem é o homossexual de boa vontade? O que procura Deus, é claro. Se não procura Deus, que tipo de homossexual será? Certamente um homossexual abominável, ao qual sua igreja não oferece redenção.

Quem é o papa para julgar? É o representante de Jeová na terra, daquele Jeová que julga, condena e manda matar. É o representante do Filho, daquele que virá num cavalo branco, para o Juízo Final. Em Mateus, Jesus diz: “Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória.”

Mais ainda: vem com a Sétima Frota. Lemos no Apocalipse: “E seguiam-no os exércitos no céu em cavalos brancos, e vestidos de linho fino, branco e puro (...) E vi a besta, e os reis da terra, e os seus exércitos reunidos, para fazerem guerra àquele que estava assentado sobre o cavalo, e ao seu exército”.

“Não julgueis, para que não sejais julgados – diz o Cristo -. Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão”. Mas que é juízo senão julgamento? O Juízo Final é muito mais que julgamento. O Cristo volta com tropas para execução imediata dos réus condenados. É bom lembrar que, nos Evangelhos, Cristo só andou de burrico. Tampouco vemos cavalos junto à manjedoura, mas um burro e uma vaca. O cavalo era arma de guerra do invasor romano, e o Messias – pelo menos na acepção dos cristãos – não podia vir armado.

No Apocalipse, Cristo vem com tudo. Com sentença e execução. Quem é o papa para julgar? É nada menos que o representante daquele que julga. Que vem, armado, para julgar. Bergoglio sabe disso. Mas não pode rejeitar o exército de homossexuais, especialmente nesta época de vacas magras que vive a Igreja.

Como a causa homossexual hoje é causa ganha, os jornais, com unanimidade, afirmam que o papa foi ousado. Na verdade, foi covarde. Fugiu a qualquer definição com um jogo de palavras. Homossexualismo não mais se discute, é comportamento consumado e aceito. O que está sendo hoje discutido é o casamento gay, e sobre este o pio Papa não disse um pio.

El País, jornal que sempre tive como sério, se rende ao culto do argentino. Compara o papa aos bíblicos patriarcas. Pergunta-se se Francisco será um novo Moisés:

“No Brasil, a igreja - com Francisco como um novo Moisés bíblico - foi chamada a atravessar seu deserto em busca de uma terra nova para fugir da escravidão em que a havia colocado seu afastamento das pessoas.É possível que, como Moisés, Francisco também não veja a igreja chegar a essa terra prometida com que ele sonha, na qual não exista a "psicologia de príncipes" nos bispos; na qual estes sejam pobres de coração e de bens; que não suspirem pelas cebolas e os cozidos de carne que deixaram para trás e que não voltem a adorar os bezerros de ouro”.

Façamos votos para que não seja. O jornal parece esquecer que Moisés mandou passar a fio de espada três mil judeus. Continua El País: “A revolução que o papa lançou do Brasil para todo o mundo, como já se esperava, é séria”.

Que revolução para todo o mundo? Seria a Revolução de Julho de 2013, que sucedeu à gloriosa Revolução de Junho de 2013? Duas revoluções em dois meses seguidos? Decididamente, a imprensa viveu seus piores dias neste mês de julho.