¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, agosto 02, 2013
 
REMEMBER RAABE


Sou à prova de publicidade. Certo dia me disseram que o Facebook estava repleto de publicidade. Ora, posto estas crônicas na rede todos os dias, converso com leitores e confesso que jamais havia visto. Uma vez alertado, fui ver onde estava a propaganda. Estava debaixo de meu nariz, à direita. Como sou cego à qualquer texto do gênero, tive de procurá-lo para vê-lo.

A imprensa tem denunciado que estamos nas mãos das grandes redes, que Google, Facebook e outros tantos sites conhecem o mais íntimo de nossos desejos e nos enviam anúncios dirigidos. Vai ver que não desejo nada: uma vez alertado sobre a publicidade, passei a examiná-la. Até há pouco, os oráculos da Internet não me sugeriram um único objeto de meu desejo. Jamais me senti estimulado a comprar qualquer coisa pela publicidade que invade meu computador.

Até há pouco, dizia. Nas últimas semanas, tem aparecido na coluna à direita o livro Contra Celso, de Orígenes. É algo que obviamente me interessa. Mas o Facebook foi lento. Só o anunciou em minha página depois que eu o havia comprado. E certamente porque o havia comprado.

Surgiu há poucas semanas o escândalo da vigilância eletrônica, feita pelos Estados Unidos e também pelos países europeus. Curiosamente, ninguém mais parece lembrar do Echelon. Denunciado nos anos 80, o sistema Echelon seria um alegado projeto secreto, criado na década anterior, para o qual não existiam então explicações oficiais de suas funções.

“Alguns estudiosos da área afirmam que serve para interceptação mundial de telecomunicações (internet, fax, telemóvel) encabeçado pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), com a colaboração de agências governamentais de outros países (Reino Unido, Austrália, Canadá, Nova Zelândia), - o Pacto UKUSA - para analisar as comunicações em nível mundial, com o fim de procurar mensagens que representem ameaças à segurança mundial. Devido a todo o mistério que envolve o Sistema Echelon, algumas teorias o acusam de promover até mesmo espionagem industrial”.

A polêmica durou mais de década. Em 2006, a Electronic Frontier Foundation, uma entidade ligada à defesa das liberdades no mundo digital, iniciou uma ação judicial contra a operadora de telefonia estado-unidense AT&T devido a uma suposta colaboração com o Echelon. Os defensores da teoria de que o sistema existia alegavam que tudo o que se fala pelo telefone ou transmite pela Internet e pelo fax, seria controlado, em tempo integral, via satélite, pelo Echelon.

Com o advento da Internet, o Echelon captaria as mensagens de telecomunicações, inclusive de cabos submarinos e da rede mundial de computadores. O objetivo do Echelon seria captar sinais de inteligência, conhecidos como SIGINT.

Visto como uma colossal ficção desde que surgiu na imprensa, o Echelon acabou caindo no território das teorias conspiratórias. Ora, que é a rede de espionagem eletrônica mantida pelo governo americano que recentemente veio à tona? Chame-se como quiser, é o próprio Echelon. Monitorado por quem? Pela NSA.

Segundo os jornais, o governo Barack Obama entregou relatórios que antes eram mantidos sob segredo de Estado para o Comitê de Justiça do Senado, que está conduzindo audiências sobre o aparato de espionagem digital. Os papéis descrevem o programa da NSA, para vigiar redes de telefonia dentro dos EUA – envolvendo, portanto, principalmente cidadãos americanos.

O segundo país implicado até a medula neste sistema de espionagem é justamente a Inglaterra. O Pacto UKUSA não era exatamente ficção. As nações, com seus segredos de Estado, manifestam indignação. Ora, espionagem existe de que existe guerra. Está na Bíblia. Remember Raabe. Em Josué, lemos:

“De Sitim Josué, filho de Num, enviou secretamente dois homens como espias, dizendo-lhes: Ide reconhecer a terra, particularmente a Jericó. Foram pois, e entraram na casa duma prostituta, que se chamava Raabe, e pousaram ali.

”Então deu-se notícia ao rei de Jericó, dizendo: Eis que esta noite vieram aqui uns homens dos filhos de Israel, para espiar a terra. Pelo que o rei de Jericó mandou dizer a Raabe: Faze sair os homens que vieram a ti e entraram na tua casa, porque vieram espiar toda a terra. Mas aquela mulher, tomando os dois homens, os escondeu, e disse: é verdade que os homens vieram a mim, porém eu não sabia donde eram; e aconteceu que, havendo-se de fechar a porta, sendo já escuro, aqueles homens saíram. Não sei para onde foram”.

A intriga prossegue por mais versículos. Há mais episódios de espionagem no Velho Testamento. Moisés foi orientado por Deus a enviar doze agentes para espionar seus inimigos em Canaã, a terra prometida dos judeus. Quer dizer, nada de novo sob o sol. Se nossa época torna mais eficaz à espionagem graças à rede de computadores, isso é uma decorrência natural de nossa época, ora bolas.

Que os Estados sintam-se prejudicados pela descoberta de seus segredos, entende-se. Mas não vejo nenhuma razão para que o cidadão comum se indigne – como estão se indignando – com esta espionagem. Vai na chuva quem quer se molhar. Se você joga informações a seu respeito numa rede que é pública, não tem razão alguma para queixar-se.

De minha parte, me sinto muito honrado em ser espionado. Espero que saibam de cabo a rabo tudo o que escrevo. Pois para isso escrevo, para ser lido.

No entanto, ao que tudo indica, meus dados são solenemente ignorados pelas redes mundiais de vigilância. Se nem o Facebook, que freqüento diariamente, consegue anunciar-me algo que me interesse, duvido que Obama ou outras potestades saibam algo de minha vidinha.

Infelizmente. Enquanto há uma grita geral por privacidade, remo contra a maré: por favor, espionem-me até o mais íntimo de mim mesmo. Minha cândida alminha, penhorada, agradece.