¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, agosto 26, 2013
 
ECOCHATOS CRIMINALIZAM CULINÁRIA


A conspiração contra as boas coisas da vida tem milênios. Começou com o bom Jeová criminalizando o sexo. Depois a carne de porco. De lá para cá, o homem já nem mais invoca deus para privar o próximo do que é bem bom. A partir da primeira segunda-feira do mês de outubro - leio nos jornais -, entrará em vigor a lei que proíbe a comercialização de carne vermelha nas segundas-feiras em Teresina, Piauí. A lei não inibe o consumo do alimento na data estabelecida, mas reflete uma preocupação da prefeitura com o consumo excessivo de carne vermelha, que, além de causar danos à saúde, também traz problemas ao meio ambiente, causados pela produção do alimento.

Ora, se carne vermelha causasse danos à saúde, o Rio Grande do Sul, sem ir mais longe, seria um imenso hospital a céu aberto. Quanto a trazer problemas para o meio ambiente, a tese rivaliza com aquela de que a flatulência bovina reduz a camada de ozônio. E por que não a humana? Vamos então exterminar o ser humano para o bem do planeta. Se alguém acha que faço piada, saiba que há quem defenda tal tese.

Segundo a autora da lei, a vereadora Teresa Britto, do PV – et pour cause – "a segunda sem carne tem como objetivo conscientizar a população quanto aos malefícios do consumo, é fazer a população entender que tem outras alternativas de alimentos. A carne provoca câncer e outras doenças e a pecuária é a atividade que mais emite gases do efeito estufa. É muito danoso para o meio ambiente e para a saúde humana".

Não é bem isso. É modismo importado dos Estados Unidos, a Meatless Monday, campanha para encorajar as pessoas a não comer carne nas segundas-feiras, em nome da saúde do planeta e da própria saúde. A campanha, inaugurada em 2003, é uma iniciativa sem fins lucrativos de The Monday Campanhas Inc. em associação com o Hopkins Bloomberg School of Public Health Center para um futuro habitável.

Em verdade, suas origens estão mais atrás no tempo e nada têm a ver com saúde do planeta. Durante a I Guerra Mundial, a United States Food Administration (USFA) exortou as famílias a reduzir o consumo de produtos básicos para ajudar no esforço de guerra. Para incentivar o racionamento voluntário, a USFA cunhou o termo "Meatless Monday" e "Wheatless Wednesday" – quarta-feira sem trigo - para lembrar aos americanos de reduzir a ingestão desses produtos.

Até aí, uma sugestão. Nada de lei proibindo a comercialização destes alimentos. Os ecochatos adaptaram o que parecia ser necessário em período de guerra a suas fantasias em torno ao meio ambiente. O embuste do aquecimento global já caiu por terra. Persistem ainda os estragos do fanatismo dos estraga-prazeres.

Os católicos, durante muito tempo, proibiram o consumo de carne de animais nas sextas-feiras de quaresma. Digo proibiram porque suponho que os padres tenham se rendido à evidência de que é proibido comer carne numa sexta-feira para contingentes humanos que comem carne só por milagre. O costume tinha intenções moralistas. O jejum é tradição que antiga e que se consolidou na Idade Média, quando a carne vermelha era consumida só em banquetes, nas cortes e nas residências dos nobres. Como era símbolo da gula – isto é, do bem-bom, pecado seja.

Durante a Guerra Civil Espanhola, para financiar a luta, Franco instituiu prática semelhante, o chamado "lunes sin postre". Às segundas-feiras, os espanhóis dispensavam a sobremesa, para colaborar com o esforço de guerra. Com um detalhe: a sobremesa era paga, mas não consumida. O objetivo não era a salvação do planeta, mas da Espanha.

No Brasil, a iniciativa da vereadora tem precedentes. Em março do ano passado, a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP lançou o projeto Segunda Sem Carne na FSP. Ele consiste na inclusão de um cardápio sem carne em uma segunda-feira de cada mês no restaurante universitário da FSP, que oferecerá aos usuários preparações diferentes com legumes, verduras e soja que sejam de boa aceitação e baixo impacto ambiental. Seja como for, não era uma imposição legal a todo um município.

Não bastasse a vereadora verde piauiense pretender proibir o consumo de carne vermelha a todo um município, na semana passada, entrou em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo o projeto de lei que proíbe a produção e venda do foie gras na cidade. O que também vem dos Estados Unidos.

O projeto de lei, do vereador Laércio Benko (PHS), também tem suas origens na civilização mais sensaborona do planeta. Inspirou-se na lei do Estado americano da Califórnia assinada em 2004 pelo exterminador do futuro, Arnold Schwarzenegger, então governador. A proibição, no entanto, só entrou em vigor ano passado. A alegação é que os patos ou gansos são submetidos a uma alimentação forçada. Enfim, se o projeto passar, sempre será um pretexto para ir a Paris.

Não bastasse o vereador querer privar os paulistanos de uma iguaria que vem do tempo dos faraós, na quarta-feira passada, um estudo publicado no Journal of Experimental Biology, afirma que os crustáceos são capazes de sentir dor. A conclusão decorre de pesquisa realizada com caranguejos-verdes. "Bilhões de crustáceos são capturados ou criados para atender à demanda da indústria agroalimentar. Em comparação com os mamíferos, eles não gozam de quase nenhuma proteção sob a única presunção de que não podem sentir dor. Nossas pesquisas sugerem o contrário", resumiu Bob Elwood, biólogo da Universidade Queen's em Belfast, na Irlanda.

É claro que não é o sofrimento dos caranguejos-verdes que está na mira. Mas a lagosta, sempre apreciada pelos cultores da bona-xira. oDavid Foster Wallace, autor de Consider the Lobster and Other Essays (Pense na lagosta e outros ensaios), dramatiza o sofrimento do bicho:

"Quando é despejada do seu recipiente para dentro do tacho fumegante, às vezes a lagosta tenta se segurar nas bordas do recipiente ou até mesmo enganchar as garras na beira do tacho como uma pessoa dependurada de um telhado, tentando não cair. Pior ainda é quando a lagosta fica imersa por completo. Mesmo que o sujeito tampe o tacho e saia de perto, normalmente é possível ouvir a tampa chacoalhando e rangendo enquanto a lagosta tenta empurrá-la. Ou escutar as garras da criatura raspando o interior do tacho enquanto se debate. Em outras palavras, a lagosta apresenta um comportamento muito parecido com o que eu ou você apresentaríamos se fôssemos atirados em água fervente (com a óbvia exceção dos gritos)”.

Vá lá. Pessoalmente não entendo porque a lagosta deva ser jogada viva no tacho, embora haja quem julgue que o melhor da lagosta é o chiado. Mas se não quisermos impor sofrimento nenhum a animais, a opção é o vegetarianismo – se é que planta não sofre. A humanidade, que desde seus primórdios se alimentou de carne, hoje morreria de fome se quisesse poupar sofrimento – ou morte – a animais. Pois todo ser vivo, se não gosta de sofrer, certamente tampouco gosta de morrer.

Em verdade, não passa dia sem que alguém, em algum lugar, criminalize práticas culinárias. A ética está invadindo o universo da culinária. Na Índia, pessoas jazem famintas nas ruas, enquanto as vacas passeiam pelas calçadas. Por trás das interdições alimentares, há um espírito religioso sedento de expiar alguma culpa. Os prejudicados são quem? Obviamente, os que podem comer bem. E hoje quem come bem é obviamente culpado de algum desastre social.

Sem ser exatamente um adepto de foie gras ou lagostas – embora não rejeite tais pratos – penso que para que o homem viva, alguém vai ter de morrer. Entre mim e esse alguém, minha opção é óbvia. E as restrições alimentares são veleidades de ecochatos.

No fundo, a maldita e tirânica mania, típica de religiosos, de impor suas idiossincrasias aos demais. Se alguém acha que animal sofre no preparo de seu consumo, que não os coma, ora bolas. Não precisa privar o resto do mundo de certos prazeres.