¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, outubro 26, 2013
 
EM BADERNEIRO NÃO SE
BATE NEM COM FLOR



Vamos voltar no tempo. Não muito longe. Só cinco meses atrás. Voltemos às festas juninas, digo, à gloriosa Revolução de Junho de 2013. Quando dona Dilma dizia que depredar ônibus, carros e bancos eram manifestações pacíficas próprias da democracia.

“O Brasil hoje acordou mais forte. A grandeza das manifestações de ontem comprovam (o plural é dela) a energia da nossa democracia, a força da voz das ruas e o civismo da nossa população. É bom ver tantos jovens e adultos, o neto, o pais, o avô juntos com a bandeira do Brasil cantando o hino nacional, dizendo com orgulho ‘eu sou brasileiro’ e defendendo um país melhor. O Brasil tem orgulho deles”, disse então a presidente.

Temos então que o Brasil se orgulha de seus baderneiros. Fernando Henrique Cardoso, que de seu glorioso climatério assistia de camarote os distúrbios de rua, perdeu uma ocasião única de ficar calado. Desqualificar os protestos dos jovens em São Paulo e outras capitais "como se fossem ação de baderneiros" constitui, na avaliação do ex-presidente, "um grave erro". Para ele, "dizer que essas manifestações são violentas é parcial e não resolve. É melhor entendê-las, perceber que essas manifestações decorrem da carestia, da má qualidade dos serviços públicos, das injustiças, da corrupção".

Enquanto dizia isso, os “jovens” arrombavam os portões do palácio Bandeirantes, onde governa seu companheiro de partido, Geraldo Alckmin. Se estava faltando o governador vir a público para dizer que o arrombamento da porta do palácio Bandeirantes era uma manifestação legítima e própria da democracia – pensei com meus botões.

Não faltou. Alckmin, que uma semana antes classificara os manifestantes como "vândalos" e "baderneiros", logo acudiu com panos quentes: "Queria fazer um elogio às lideranças do movimento e também à segurança pública e à Polícia Militar”. Para o governador, a primeira reunião com os utópicos desvairados do Movimento Passe Livre (MPL) foi positiva. "Foi uma reunião muito madura, muito proveitosa."

Assustados com as manifestações nas ruas, os políticos, sempre à procura do que rende mais votos, apressaram-se a tomar a defesa dos baderneiros. Fernando Haddad, incontinenti, congelou o preço das passagens. A conta da Revolução de Junho já chegou: metade dos contribuintes paulistanos terá de pagar aumento consecutivo do IPTU até 2018.

Haddad fixou tetos de aumento de 20% para imóveis residenciais e de 35% para os comerciais em 2014, e de 10% e 15%, respectivamente, a partir de 2015. Com isso, 1,5 milhão de contribuintes, ou 49,7% dos 3,1 milhões, pagará resíduos do reajuste por mais de quatro anos. De algum lugar precisa sair o subsídio às reivindicações dos “jovens”. Estourou no bolso da classe média.

Apenas seis meses depois de declarar que “a grandeza das manifestações comprovam (o plural é dela) a energia da nossa democracia, a força da voz das ruas e o civismo da nossa população”, vários meses depois das contínuas depredações de imóveis, que custaram mais de seis milhões de reais aos cofres públicos, dona Dilma tem outra concepção dos “jovens e adultos”.

Neste sábado, a presidente classificou como "barbárie" os atos de vandalismo ocorridos na noite de ontem em São Paulo e cobrou punição dos responsáveis pelo quebra-quebra realizado por mascarados na região central da cidade, aliás os mesmos que depredavam em junho passado.

"São barbáries antidemocráticas. A violência cassa o direito de quem quer se manifestar livremente. Violência deve ser coibida", disse a presidente por meio do Twitter. "As forças de segurança têm a obrigação de assegurar que as manifestações ocorram de forma livre e pacifica", acrescentou.

Em junho passado, a barbárie era das forças de segurança. Hoje, mudou o sinal. Em vez de louvar a “grandeza das manifestações” de “jovens e adultos”, ela cobrou que a Justiça puna os abusos, nos termos da lei. Os atos de vandalismo que geraram destruição no centro da cidade teve início durante o Ato do Movimento Passe Livre (MPL) – o mesmo movimento que gerou os vandalismos de junho – em defesa do transporte gratuito.

"Agredir e depredar não fazem parte da liberdade de manifestação. Pelo contrário", acrescentou a presidente. Em junho, agredir e depredar comprovavam “a energia da nossa democracia, a força da voz das ruas e o civismo da nossa população”.

A manifestação de ontem, segundo o Estadão, terminou com 78 pessoas detidas. Claro que não ficarão nem duas ou três horas em cana. As cenas de destruição se concentraram no Terminal Parque Dom Pedro II quando manifestantes quebraram dez ônibus e a bilheteria.

Na ação também foram depredados 17 caixas eletrônicos e orelhões. No meio do quebra-quebra, o coronel da PM Reynaldo Rossi foi agredido com uma placa de ferro e após ser espancado por alguns mascarados deu entrada no Hospital das Clinicas com fratura na escápula e suspeita de traumatismo craniano.

Espanta ver que a força pública foi impotente para impedir a quebra de ônibus, bancos, caixas eletrônicos e orelhões. Não conseguiu sequer impedir o espancamento de um de seus comandantes. Os policiais, pelo visto, têm agido como agem ante os usuários do crack: apenas assistem o crime sendo praticado sob seus olhos. As declarações irresponsáveis de Dilma, Fernando Henrique e Alckmin constituíram poderoso combustível para a fogueira.

Um dogma não pode ser quebrado: em baderneiros não se bate nem com flor. Quanto a policiais, podem ser espancados à vontade.