¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, janeiro 12, 2014
 
A NOVA PRAGA URBANA


De uma boa amiga, leio no Facebook:

“Sou do tempo em que não havia shoping em Floripa, continuo sem saber do que se trata...Ouço e leio sobre os Rolezinhos não entendi o propósito. Realmente sou da antigas, onde dar uma banda ou um roler , era ir até o Parque da Luz curtir o por do sol. Sou do tempo em que não havia shoping em Floripa, continuo sem saber do que se trata...Ouço e leio sobre os Rolezinhos não entendi o propósito. Realmente sou da antigas, onde dar uma banda ou um roler, era ir até o Parque da Luz curtir o por do sol”.

Bom, sou mais antigo. Sou de 47. E só fui entrar em um shopping 53 anos depois. É que antes os shoppings eram longe dos centros. Dependiam em geral de automóvel. Em 2000 foi instalado um shopping a uma quadra de onde moro, e seria preconceito nele não entrar. No mínimo, falta de curiosidade.

Aos poucos, fui me habituando. O shopping é um dos mais solenes de São Paulo. Tem o básico para a sobrevivência: bares, cervejaria e farmácia. E ar condicionado. Como vai de uma rua a outra, nos dias em que “tá sol” – como dizem os paulistanos – é um refrigério para atravessar a quadra. Tem uma das mais fartas e simpáticas livrarias da cidade, com cerca de100 mil títulos, a Livraria da Vila. É ainda um território muito freqüentado por mulheres cheias de charme. Não há como não entrar.

Há os que compram. Como também os que não podem comprar e se comprazem só em olhar. É o que chamo de lambedores de vitrine, que abundam nos fins de semana e viram praga no Natal. Enfim, sonhar também é bom. Em suma: pelo menos aqui, é ambiente muito sofisticado, com balconistas elegantes e sempre afáveis. É o meu shopping, o único em que entrei na vida. Há quem se espante quando falo em meu shopping. Ora, se dizemos meu bar, minha rua, por que não meu shopping?

Acresce ainda que, ao lado da farmácia – cheguei àquela idade em que os farmacêuticos se tornam íntimos – há uma desgraça para o bolso, uma loja Fast. Desde o tempo que moro aqui, é nela que atualizo meus computadores. Nestes 23 anos, já terão sido uns cinco. Sou da época dos PCs esteatopígicos. Meu primeiro computador, comprei em 90, quando vivia em Curitiba. Tinha – juro – 40Mb de memória, e me custou quatro mil dólares. Isso que foi “importado” do Paraguai, onde os computadores eram bem mais baratos do que aqui.

Ainda nesta semana, fui tomado de amores por uma máquina que, a meu ver, está se aproximando do computador ideal, arquetípico, aquele que ainda paira no mundo platônico das idéias, antes de o demiurgo decidir criar as coisas a partir das mesmas. Para Platão, no mundo existem diversos tipos de cães – grandes, pequenos, claros, escuros, etc — mas apesar das diferenças, todos eles são cães, ou seja, todos têm em si a essência do que é um cão. Mas não são o cão, aquele que só existe no mundo perfeito das idéias, ao lado da Verdade, do Bem, do Humano.

É um Lenovo, Yoga 11, doublê de tablet e computador. Sem drive para DVDs, este achado tão recente e que já está se tornando obsoleto. Teclado confortável, pesa 1,3 k. Para minha surpresa, descobri que era chinês. A Lenovo está em terceiro lugar no ranking de vendas, ameaçando a Apple e a Samsung. Admirável China nova. Ontem comunista e atrasada, hoje competindo firme com o mundo capitalista.

Fosse consumista, teria aderido imediatamente ao Yoga. Mas estou bem servido com dois HPs, um de mesa e um notebook. Fica pra daqui a um ano ou mais, quando os chineses talvez tenham chegado ao computador que paira no eidos, o mundo das idéias. Por enquanto, vou continuar navegando no mundo da caverna e das sombras.

Mas falava de shoppings. Minha amiga diz não entender o propósito da nova moda, os ditos rolês. Eu entendo. São rescaldos da gloriosa Revolução de Junho de 2013, aquela que Veja comparava à queda do muro de Berlim e a invasão da Áustria pelos húngaros em 89.

“Esqueçamos os vândalos e os anarquistas, gente que não estava lutando por um governo melhor, mas por governo nenhum. A revolução verdadeira foi a que começou a ser feita pelos brasileiros que foram às ruas protestar por estar sendo mal governados” – escrevia a revista, para bem salientar que de revolução se trata. Qualquer dia o redator vira editor, como aconteceu com Eurípides Alcântara, quando caiu no conto do boimate.

Os desocupados – que são milhares no país – descobriram que é fácil perturbar a vida das cidades e de quem trabalha e, de inhapa, ganhar a simpatia de jornalistas que têm o coração à esquerda. Invadir um shopping é atacar o capital e o consumo, esse mesmo consumo que, por supérfluo que seja, espalha dinheiro por vasos capilares, que chegam até o mais humilde dos cidadãos. O sonho não morreu. Cuba e Coréia do Norte ainda desfraldam a bandeira do mundo sem desigualdades, ao menos para ingênuos verem.

Os rolezinhos – que estão sendo comparados a inofensivas e mesmo criativas flash mobs – vão continuar, com a complacência das autoridades ante os “jovens”. Alguns shoppings já conseguiram liminar na Justiça paulista que autoriza a proibição de tais arruaças, convocadas através da internet, quer em sua parte interna ou externa, sob pena de incorrer cada manifestante identificado na multa de R$ 10 mil por dia.

Pago para ver. Enquanto os “jovens” não forem em cana, a vida das cidades continuará sendo perturbada. Os shoppings, locais públicos, aos quais tem acesso uma cllentela minimamente endinheirada, são o alvo ideal. Declarando guerra ao consumo, os “jovens” – como a imprensa gosta de dizer – aproveitam o azo para saquear lojas.

As capitais do país – ninguém duvide que o movimento vai se espalhar – terão de conviver pelos próximos anos com esta nova praga urbana.