¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, fevereiro 13, 2014
 
MUITO ESTETOSCÓPIO
AINDA HÁ DE ROLAR...




Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas,
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sangüínea e fresca a madrugada...

Os seres humanos têm um especial pendor para lutar – e matar – por idéias estúpidas. Houve época em que se mataram discutindo se deus era três em um ou um em três. As relações entre católicos eram tão afáveis que, quando se reuniam em concílio para discutir um dogma, a facção derrotada tinha de escolher entre o exílio e a fogueira.

Depois surgiram as ideologias. As pessoas se inimizavam por acontecimentos em distantes rincões do planeta. Foram milhões os que, no século passado – e pior, até hoje – se digladiaram pelo que acontecia em Moscou. A ruptura mais emblemática terá sido a de Sartre com Camus.

Em 1946, Camus publica em Combat uma série de artigos, sob o título genérico de "Ni victimes ni bourreaux", reflexões que antecipam O Homem Revoltado. Se o século XVII foi o século das matemáticas, argumenta Camus, se o XVIII foi o século das ciências físicas, se o XIX foi o da biologia, o homem contemporâneo vive o século do medo.

"Dir-me-ão que isto não é uma ciência. Mas, primeiramente, a ciência aí está para qualquer coisa, pois seus últimos progressos teóricos a levaram a negar-se a si mesma, dado que seus aperfeiçoamentos práticos ameaçam a terra inteira de destruição. Além disso, se o medo em si mesmo não pode ser considerado como uma ciência, não resta dúvida alguma que seja uma técnica".

O que choca Camus é o fato de que homens que viram "mentir, aviltar, matar, deportar, torturar" se façam de surdos cada vez que se tenta dissuadir os homens que mentiam, aviltavam, matavam, deportavam e torturavam, pois estes lutavam em nome de uma abstração. O diálogo entre os homens morreu. "Um homem que não se pode persuadir é um homem que faz medo".

O que estava em jogo era o comunismo. Sartre, stalinista convicto – e bom amigo dos oficiais nazistas durante a ocupação de Paris – não gostou. "L'amitié, elle aussi, tend à devenir totalitaire; il faut l'accord en tout ou la brouille, et les sans-parti eux-mêmes se comportent en militants de partis imaginaires",revidou o filósofo mais confuso do século passado. Visando Camus, disse: “tout anticomuniste est un chien”. Todo anticomunista é um cão. Sartre não tinha as mãos sujas de sangue, mas sempre apoiou os tiranos que assassinavam em massa.

Anos 60, estava em jogo o Leste asiático. Até mesmo aqui no Brasil, amizades se desfaziam pelo que acontecia na China ou no Vietnã. Eu mesmo, perdi não poucos leitores, em função das escaramuças de Ho Chi Min ou dos massacres de Pol Pot, que hoje poucos saberão quem foi. Mao era outro fator de desavenças. Assassino maior que Hitler ou Stalin, era venerado urbe et orbi como o Grande Timoneiro.

Hoje, fora alguns malucos renitentes que portam luto por Stalin, o último santo a cultuar é Fidel Castro. A ditadura cubana há duas boas décadas já estava desmoralizada na Europa, mas mantém insólita reputação em terras brasílicas. Hoje ainda, há quem acredite no excelente nível de saúde e educação em Cuba, como se pudesse haver saúde em país cujos cidadãos vivem no limite da fome, e como se pudesse haver educação onde não existe liberdade de pensamento. E, por inaudito que pareça, ainda há pessoas cortando relações em função de Cuba.

Aconteceu comigo. Não há uma década, mas ano passado. Uma boa amiga, minha aluna nos anos 80, enviou seu filho, estudante de Medicina, à Cuba. Ela é de Florianópolis, um dos últimos celeiros do castrismo no Brasil. Sempre é bom lembrar que a UFSC foi a única universidade no Brasil a ter a excelsa coragem de conceder um Doutorado Honoris Causa ao Supremo Comandante, Fidel Castro Ruz. Doutorado em Tiro na Nuca, é de supor-se. Ainda ano passado, a universidade oferecia um seminário sobre Direito e Marxismo, no qual se estudava essa obra-prima do Direito intitulada O Capital.

Mantive com minha ex-pupila boas relações nos últimos trinta anos, com algumas décadas de intervalo, é verdade. Até seu filho voltar de Cuba. Postou mensagem no Facebook, louvando a ilha como a representação terrena do paraíso. Discretamente, fiz um rápido comentário.

- Maravilha de ditadura! Que estou ainda fazendo neste país infame? Por que ainda não fui para lá?

Três décadas de bom convívio rolaram Varadero abaixo, por uma rápida uronia quanto à ditadura cubana. O estudante deslumbrado com a ditadura permaneceu silente. Já a mãe, com uma fúria tipicamente materna, reagiu como uma tigra parida. Deletou a postagem e me excluiu definitivamente de seu círculo afetivo. Não teve sequer a coragem de defender a cria. Melhor deletar. Acredite quem quiser. Ou puder.

Vivemos hoje dias interessantes. Era mais que previsível. E a debandada recém começou. Apesar dos pesares, dos problemas de trânsito, violência, miséria, analfabetismo, o Brasil é uma ante-sala do paraíso diante de Cuba. Em nome dos bons laços que unem petistas à Cuba – onde treinou guerrilha o mensaleiro José Dirceu, entre outros – Dona Dilma fechou uma corvéia entre Brasil e a ditadura dos irmãos Castro.

O acordo há muito vinha sendo gestado, mas a presidente, mentindo descaradamente, o anunciou como uma resposta à gloriosa Revolução de Junho de 2013, revolução verdadeira, como a definiu a Veja na época. E importou alguns milhares de médicos a preço vil para suprir as deficiências nossas na área de saúde, através do plano Mais Médicos. Os profissionais eram contratados por dez mil reais – o equivalente a pouco mais de quatro mil dólares. Só que destes quatro mil dólares só viam quatrocentos, 958 reais no câmbio de hoje. Os restantes 3.600 dólares vão para sustentar a falida ditadura dos Castro no Caribe.

Ora, no Brasil de hoje, nem enfermeira aceita trabalhar por tal miséria. Pior ainda, sabendo que 90% do salário combinado vai para uma ditadura. Minha diarista, sem curso universitário algum, ganha quase o dobro. As defecções eram esperadas. A ave precursora foi a médica Ramona Matos Rodriguez, que buscou abrigo no início do mês no gabinete da liderança do DEM na Câmara dos Deputados depois de abandonar o programa. Ramona afirmou que pedirá asilo ao governo brasileiro.

Dona Dilma está entre a cruz e a espada. O ano é eleitoral e não há clima para repetir o gesto do capitão-de-mato Tarso Genro, que devolveu para a Disneylândia das esquerdas, em 2007, os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, depois de uma frustrada tentativa de deserção em julho daquele ano, durante os Jogos Pan-Americanos do Rio.

Ramona já ganhou um emprego burocrático na Ordem dos Médicos do Brasil – que lhe rende três vezes o que lhe era pago quando trabalhava como escrava – enquanto espera resposta a seu pedido de asilo. Asilo que não há, hoje,como negar-lhe. Enquanto isso, mais quatro médicos cubanos deram no pé, rumo aos Estad0s Unidos. De repente, não mais que de repente, soube-se que já são 5 mil os médicos cubanos asilados nos States, oriundos de programas na Venezuela, Bolívia, Angola e Moçambique. Também não mais que de repente, o Ministério Público descobriu que o trabalho escravo dos médicos cubanos... era trabalho escravo.

O mais insólito em tudo isso é que, junto com os médicos-escravos, Cuba exportou também seus métodos ditatoriais. A corvéia não pode sequer deslocar-se de suas residências sem a permissão dos feitores. Junto com os médicos, há monitores que decidem quando e como eles podem sair para a rua. O governo, passivamente, submeteu-se a esta suprema humilhação.

Os médicos cubanos no Brasil já são 7.400. E virão mais outros. Muito estetoscópio ainda há de rolar entre a senzala e a casa grande. Os stalinistas de plantão já mostram as garras. No Estadão de hoje, escreve Luis Fernando Verissimo:

“Inacreditável é que a reação mais forte à vinda de médicos estrangeiros para suprir a falta de atendimento no interior do Brasil, e a exploração da questão dos cubanos insatisfeitos para sabotar o programa, venha justamente de associações médicas”.

Ora, a Ordem dos Médicos acolheu uma colega que foge de uma ditadura. Nem mesmo a empregou como médica, pois falta-lhe o exame que a habilita a exercer sua profissão no País. Enfim, teremos dias divertidos pela frente. Foi-se a primeira pomba despertada... Foram-se outras mais. Serão dezenas? Serão centenas?

O tiro saiu pela culatra. A tentativa petista de dar alguns milhões de dólares à ditadura amiga só servirá para afundar ainda mais a imagem de Cuba, que só resta intocada neste país sempre à reboque da História.