¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, março 28, 2014
 
REITORA DA UFSC DEFENDE
DIREITOS UNIVERSITÁRIOS



Freqüentadores da Cracolândia, na Luz, região central de São Paulo, entraram ontem em confronto mais uma vez com policiais militares durante uma ação de rotina para prender traficantes de drogas. Com paus e pedras, os usuários quebraram vidros de quatro viaturas da PM, que revidou com bombas e balas de borracha. Durante o tumulto generalizado, dependentes aproveitaram para roubar trabalhadores da região. Ao todo, três pessoas foram presas.

É o que diz o Estadão. Os PMs observavam o chamado "fluxo" - concentração de dependentes na rua – já que nisto parece consistir sua função, observar e garantir o uso da droga. Quando prenderam uma mulher cujo parceiro portava 15 pedras de crack dentro de uma caixa de fósforos, começou a confusão. A mulher resolveu espernear e gritar. Do fluxo, começaram a voar paus e pedras em direção ao carro da polícia, que teve os vidros quebrados. Os PMs pediram auxílio a colegas pelo rádio, e as duas primeiras unidades que chegaram lá também foram recebidas a pedradas.

Onde se viu, nesta altura dos acontecimentos, prender um traficante de crack? Não deixa de assistir certa razão aos nóias. Se o consumo é permitido, e mesmo protegido, como prender o fornecedor da droga?

O mesmo ocorreu na terça-feira passada, no campus da UFSC, durante uma operação antidrogas da Polícia Federal. O confronto ocorreu quando cerca de 300 universitários não aceitaram a detenção de colegas flagrados com uma pequena quantidade de maconha nas mochilas.

Os universitários chegaram a montar barricadas para impedir a saída dos carros da polícia com os colegas detidos. Dois veículos da PF foram depredados e virados durante o confronto. Cerca de 15 agentes dispararam balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo em direção a estudantes e professores. No confronto, dois policiais federais e outros dois policiais militares se feriram, segundo a PF.

O superintendente da Polícia Federal, Paulo César Barcelos Cassiano Júnior parece ter descoberto que a universidade estaria se tornando uma república de maconheiros:

- A reitoria divulgou uma nota lamentável. A Policia Federal não vai permitir que a reitoria transforme a UFSC em uma república de maconheiros. Aquilo é um antro do crime. Autonomia universitária não é libertinagem.

O superintendente descobriu a América. Um pouco tarde, é verdade. Lecionei na UFSC nos anos 80 – há mais de vinte anos, portanto – e o campus já era um território liberado ao consumo da maconha. Na época, as duas cidades mais reputadas pelo uso da droga eram Florianópolis e Brasília.

Em aula, não vi meus alunos fumando, nem senti o cheiro de maconha. Mas participei de algumas festas, onde a cannabis era mais consumida que bebida. Quando os alunos vinham visitar-me em grupo, não para estudos, mas para conversar, a maconha era norma. Que fumassem, nunca fui contra. Mas sempre recusei os baseados que me ofereciam. As reuniões transcorriam tranqüilas, nunca ninguém demonstrou estados alterados de consciência ou ímpetos agressivos. Na verdade, comportavam-se normalmente, como em qualquer outra circunstância.

Mais de duas décadas depois, a polícia descobre que a universidade é um antro de maconheiros. Como se as demais universidades, hoje, não o fossem. Há muito, os campi são os lugares mais seguros para drogar-se. E a polícia inventa de repente, não mais que de repente, perturbar esta santa paz.

Sou do tempo em que a cannabis era estigma de bandidos. Uma edição da revista O Cruzeiro publicou, nos anos 50, uma reportagem significativa sobre a "erva do diabo", como era então chamada a Cannabis sativa. Para aproximar-se da droga, que circulava então nas favelas e no presídio, um repórter deixou crescer a barba, como camuflagem junto aos traficantes e consumidores. Maconha era então coisa de submundo, e barba logotipo de marginal. Mas tarde, a barba virou logotipo de corrupto petista, mas isto já é outra história.

Bastou os universitários norte-americanos adotarem a marijuana - voz mexicana que indicava a origem do produto - a erva virou moda no Brasil, particularmente nos campi. Como jamais suportei modas, e particularmente as vindas do Norte, meu repúdio à maconha era antes de tudo teórico, político. Por outro lado, o consumo da maconha era vício gregário, e sempre me afastei de cerimoniais coletivos. Os curtidores da cannabis eram em geral pessoas de pouca ou nenhuma leitura, e nada me impelia a confraternizar com eles.

Com a adoção da droga pelos universitários, o consumo tomou outro cariz. Tornou-se o pão do espírito dos intelectuais. Não fumar era ser careta. Os grandes difusores da maconha e outras drogas foram os roqueiros e a universidade. Não se concebe show de rock ou rave sem drogas. Muito menos universidade. Consumida anteriormente por marginais, a maconha foi elevada à dignidade acadêmica. Com esta bendita mania que temos de importar do Primeiro Mundo o que de pior o Primeiro Mundo produz, logo foi adotada pela universidade brasileira.

O leitor deverá ter conhecido ou ouvido falar de pequenas comunidades do interior do país, onde a droga inexistia. Basta criar um curso ou extensão universitária nalguma dessas comunidades, e no dia seguinte a droga e o tráfico lá se instalam. Em meus dias de Dom Pedrito, maconha era fenômeno distante, que só ocorria nas metrópoles do centro. Bastou um campus na cidade e a droga passou a ser vendida em plena Barão de Upacaraí.

Quando a maconha era proibida no Brasil – início dos anos 90 – os campi eram os locais mais seguros para quem queria drogar-se sem ser perturbado pela polícia. Um dos mais reputados fumódromos de São Paulo é o campus da PUC. Desde há muito se sabe que os campi abrigam aprazíveis fumódromos, protegidos pela asa cúmplice dos reitores. Mas ai de quem disser que o rei está nu.

Foi o que aconteceu com o psiquiatra Içami Tiba, ao afirmar, há mais de dez anos: “A PUC é um antro de maconha”. Que a maconha tinha livre curso na PUC, isto era público e sabido, e nenhum universitário negará este fato. A PUC, melindrada, entrou com dois processos contra o psiquiatra: um de indenização por danos morais e uma queixa-crime por difamação. O crime foi dizer em público, com todas as letras, o que era público mas jamais admitido. Sobre o episódio na UFSC, declarou a reitora Roselane Neckel:

- Não podemos aceitar quaisquer ações de repressão violenta dentro do campus. Nós acreditamos que a PF tenha uma expertise muito importante que são as estratégias e inteligência, mas que quaisquer ações de combate às drogas deveriam ser feitas fora do campus da UFSC por questão de segurança das pessoas, principalmente de crianças. Eu não estou entendendo essa postura, provavelmente é desconhecimento do superintendente em relação às nossas posições quando colocamos claramente que somos contra ações violentas dentro da universidade como a de ontem (terça-feira), feita de forma desnecessária.

O que disse a reitora, em bom português, foi: aqui no campus a maconha está liberada. Se quiserem coibir o uso ou o tráfico, que o façam lá fora. Aqui não.

Que a maconha há muito está liberada, não só nos campi como no país todo, isto não é novidade. O que de novo ocorreu na UFSC – aquela mesma universidade que deu o título de Dr. Honoris Causa a Fidel Castro – foi ver uma reitora sendo manifestamente conivente com a prática.

Usar drogas virou privilégio acadêmico.