¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV
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Janer Cristaldo escreve no Ebooks Brasil Arquivos outubro 2003 dezembro 2003 janeiro 2004 fevereiro 2004 março 2004 abril 2004 maio 2004 junho 2004 julho 2004 agosto 2004 setembro 2004 outubro 2004 novembro 2004 dezembro 2004 janeiro 2005 fevereiro 2005 março 2005 abril 2005 maio 2005 junho 2005 julho 2005 agosto 2005 setembro 2005 outubro 2005 novembro 2005 dezembro 2005 janeiro 2006 fevereiro 2006 março 2006 abril 2006 maio 2006 junho 2006 julho 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 dezembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 novembro 2008 dezembro 2008 janeiro 2009 fevereiro 2009 março 2009 abril 2009 maio 2009 junho 2009 julho 2009 agosto 2009 setembro 2009 outubro 2009 novembro 2009 dezembro 2009 janeiro 2010 fevereiro 2010 março 2010 abril 2010 maio 2010 junho 2010 julho 2010 agosto 2010 setembro 2010 outubro 2010 novembro 2010 dezembro 2010 janeiro 2011 fevereiro 2011 março 2011 abril 2011 maio 2011 junho 2011 julho 2011 agosto 2011 setembro 2011 outubro 2011 novembro 2011 dezembro 2011 janeiro 2012 fevereiro 2012 março 2012 abril 2012 maio 2012 junho 2012 julho 2012 agosto 2012 setembro 2012 outubro 2012 novembro 2012 dezembro 2012 janeiro 2013 fevereiro 2013 março 2013 abril 2013 maio 2013 junho 2013 julho 2013 agosto 2013 setembro 2013 outubro 2013 novembro 2013 dezembro 2013 janeiro 2014 fevereiro 2014 março 2014 abril 2014 maio 2014 junho 2014 julho 2014 agosto 2014 setembro 2014 novembro 2014 |
terça-feira, abril 29, 2014
IRAQUE QUER LEGALIZAR ESTUPRO E PEDOFILIA Um projeto de lei quer legalizar o casamento das meninas e o estupro conjugal no Iraque. Um de seus artigos permite que as crianças se divorciem a partir dos nove anos, o que significa que podem se casar antes desta idade. Outro prevê que uma mulher seja obrigada a ter relações sexuais com seu marido quando ele pedir. É o que leio nos jornais. Tudo muito coerente com o Islã. Maomé – abençoado seja seu nome – não se casou com Aisha quando ela tinha seis e consumou o casamento aos nove? Se o profeta pode, por que não poderiam os crentes? Os opositores ao projeto afirmam que representa um retrocesso em matéria de direitos da mulher e que pode agravar as tensões entre diferentes confissões do país. Os partidários do projeto de lei afirmam que o texto apenas regula práticas que já existem. — A ideia da lei é que cada religião regule e organize a condição jurídica pessoal em função de suas crenças — estimou Ammar Toma, um parlamentar xiita do partido Fadhila. De minha parte, não me desagradaria que o projeto fosse adotado. Torna o Islã mais transparente, traz à luz sua barbárie. E isso não trará maiores prejuízos às meninas nem às mulheres. Os jornais seguidamente nos trazem notícias de casamentos de meninas e, de qualquer forma, elas não têm como escolher marido. São prometidas desde crianças a primos, tios e velhotes ricos, sem chance alguma de recusa. Quanto às mulheres casadas, duvido que alguma ouse recusar-se ao ato, quando solicitada por seu marido. Mereceria no mínimo um talak. Já falei da lei dos três talaks. Em 2002. Então é bom repetir. Aconteceu na Arábia Saudita, em 79, em uma copa de futebol. O fato foi relatado no jornal Al Medina, de Riad. Abdul Rahman El Otaibi, rico comerciante, assistia o jogo entre a equipe Ittihad, de Djeddah, e a equipe Ahli, de Riad. Abdul torcia por Ittihad, sua mulher preferia encorajar os Ahli. Para desgraça da senhora El Otaibi, seu time marcou um gol. Ela vibra e Abdul pronuncia a fórmula ritual: - Em nome de Alá, eu te repudio. O jogo continua. Os Ahli fazem um segundo gol, a senhora Otaibi não se controla e aplaude seu time. Abdul repete a fórmula: - Em nome de Alá, eu te repudio. Para suprema desgraça da senhora Otaibi, em uma dessas jogadas que nem mesmo um ficcionista ousaria criar, quis o destino que os Ahli marcassem um terceiro gol. Ela vibra. Abdul pronuncia pela terceira vez a fórmula fatídica: - Em nome de Alá, eu te repudio. Ora, no Islã basta que o marido repudie a mulher três vezes para que o divórcio se consume. A partir do terceiro gol, a senhora Otaibi estava no olho da rua. O caso acabou na corte corânica de Meca. Para sua sorte, em algum lugar disse Maomé: "o divórcio não será válido se for pronunciado sob o império de cólera extrema". Em severo editorial, o Al Medina anatematizava não o Corão, evidentemente, mas o futebol: "até quando nossa obsessão pelo futebol continuará a destruir o caráter sagrado de nossa família?" Ainda em janeiro daquele ano, o Corriere della Sera nos contava uma versão mais ágil do divórcio árabe. Uma professora de Literatura em Genova, casada em segundo matrimônio com um marroquino, descobriu-se divorciada por celular. Recebeu um singelo SMS com a mensagem: EU TE REPUDIO, EU TE REPUDIO, EU REPUDIO. O divórcio estava consumado. Em 2001, um tribunal de Manila, Filipinas, reconheceu que o direito dos maridos ao divórcio se poderá efetivar via SMS. A tecnologia unida à barbárie torna tudo mais rápido. É a chamada lei dos três talaks (repúdio). Pronunciado três vezes o repúdio pelo marido, a mulher está divorciada. Claro que o inverso é inimaginável. Mulher vale sempre metade no Islã. Se o Corão reconhece às mulheres o direito à herança, os doutores da lei decidiram que a mulher só pode receber metade da parte devida ao homem. O testemunho de um homem vale pelo testemunho de duas mulheres. Um homem pode ter quatro mulheres. A mulher, um homem só. Permitir legalmente que uma criança se case antes dos nove anos no Iraque é o mesmo que liberar as drogas no Brasil: há muito estão liberadas. Se o projeto não passar, tanto fez como tanto faz. A prática continua vigendo. A mulher nada pode esperar do Islã em matéria de direitos. Este é o nó górdio que separa muçulmanos de ocidentais e não há Alexandre que o desate. segunda-feira, abril 28, 2014
A UNIVERSIDADE É UM GALINHEIRO, ONDE RAPOSAS VELHAS VÃO CAÇAR Há pessoas com admirável poder de síntese. Frei Betto é um deles. Conseguiu resumir um amontoado de besteiras em uma curta frase, ao afirmar em um evento na UFRGS: “Não sei por que se fala do fracasso do socialismo na Europa e não se fala do fracasso do capitalismo no ocidente”. Em duas linhas, o frei consegue vários milagres: 1 – confunde social-democracia com comunismo; 2 – identifica Rússia e Leste europeu com Europa; 3 – exclui a Europa do Ocidente; 4 – equipara uma teoria utópica, totalitária e imposta por um Estado ditatorial com um sistema econômico que emerge espontaneamente em uma sociedade como resposta às suas necessidades. Amontoado de besteiras, dizia eu. Melhor diria amontoado de safadezas. Frei Betto não é um jovenzinho imberbe de cabeça em cujo oco se joga qualquer lixo, mas raposa peluda, autor de mais de meia centena de livros, que sabe como seduzir galinhas. Fracasso do capitalismo? Onde? A economia capitalista — ou neoliberal, como agora se convencionou chamar — vai bem, obrigado. Ou alguém pretende que a Europa seja socialista? Houve época em que, para enganar a clientela, os jornalistas de esquerda identificavam as sociais-democracias européias com o socialismo soviético. “A Europa caminha para o socialismo, é para lá que o mundo desenvolvido vai”, era o que pretendiam dizer. Mas antes que o jogo de palavras fizesse fortuna, a URSS afundou. Depois da queda do Muro de Berlim, o Leste europeu virou Europa. Há mais de dez anos, um leitor de Estocolmo contestava uma de minhas crônicas, com veemência. Que na Europa há miséria, sim senhor: “a Romênia tem muitos meninos de rua, sem contar a Rússia, Albânia. Vi muita pobreza em Portugal, Espanha, Alemanha, Holanda, Bélgica, Inglaterra. Até aqui em Estocolmo tem mendigo”. Vamos por partes. Há mais de vinte anos, havia uma Europa e um Leste europeu perfeitamente distintos. No Leste, universo socialista – ou seja, comunista – estavam os países da União Soviética onde, por definição, não havia desemprego nem greves ou conflitos trabalhistas. Muito menos miséria, mendigos, meninos de rua, estas mazelas decorrentes dos regimes capitalistas da velha Europa. Com a queda do Muro e o desmantelamento da URSS, a miséria oculta dos regimes socialistas veio à tona. De repente, a Rússia, Albânia ou Romênia passaram a fazer parte da Europa. Há mendigos morrendo de frio em Moscou? FRIO MATA MENDIGOS NA EUROPA — dizem as manchetes. Quem só costuma ler as primeiras páginas nos quiosques ou zapear TV já passa a imaginar mendigos morrendo nas ruas de Paris, Londres, Berlim. Os jornalistas são hábeis em matéria de trocar sinais. As misérias herdadas de sete décadas de tirania socialista passam agora a ser debitadas à Europa. O mesmo faz frei Betto. O leitor menos avisado, que desconhece a arte de manipular conceitos, acaba caindo nos sofismas diariamente repetidos pela grande imprensa. Nesta época televisiva, ninguém mais lembra que Dostoievski passou a vida toda bradando, ao falar dos russos: não somos Europa. O que é Europa? À primeira vista, a resposta é fácil. É aquele continente que de sul a norte vai da Grécia até a Escandinávia e de leste a oeste vai de Portugal à Áustria. É o que um dia chamamos de a Europa dos Quinze: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia , Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e Suécia. Há uns bons vinte anos, tive acirrada discussão com um desses jornalistas que quando vão ao Uruguai acham que já estão no estrangeiro. Ele, como bom comunista, defendia a tese de que a Rússia era Europa. Ora, nada mais anti-europeu que a Rússia. Em um discurso em homenagem a Pushkin, Dostoievski já se perguntava: “O que tem feito a Rússia durante dois séculos senão servir mais à Europa do que a si mesma?” Durante toda sua vida, o escritor católico russo sustentou que “nós, russos, não somos europeus”. Mas e a plataforma continental européia? – insistia o jornalista. Ora, plataforma pertence à área da geografia. E a definição de Europa não é geográfica, mas política e cultural. Antes de ser acidente geográfico, Europa é um conceito político, até hoje em construção. Juridicamente, a Europa era configurada pelo Acordo de Maastricht, que criou a União Européia, por sua vez baseada na Comunidade Européia. Neste espaço não se incluíam nem a finada União Soviética, nem os países do Leste Europeu, assim denominados justamente por não pertenceram ao que, politicamente, se considerava Europa. Isto é, a Europa dos Quinze. Que pressupunha democracia, sistema que a coitada da Rússia até hoje, mesmo após o desmoronamento da URSS, não conhece. Do tzarismo caiu no comunismo. Morto o comunismo, caiu nas mãos das máfias e de Putin. Que mais não seja, diz-nos a Enciclopédia Britânica: “Geógrafos modernos tratam a antiga União Soviética como uma unidade territorial distinta, comparável a um continente, separada da Europa ao oeste e do resto da Ásia ao sul e ao leste. Esta distinção indubitavelmente deve ser mantida para a Rússia, que ocupa três quartos da União Soviética”. Propus ao jornalista minha definição de Europa. No final dos 70, voltando de uma viagem da ex-Iugoslávia para a França, reservei um assento em uma cabina no trem Skopje/Belgrado. Escolhi uma cabina vazia e peguei assento na janela: se não dormisse, poderia praticar esse esporte que tanto me apraz, ver florestas, montanhas e neves desfilando ante meus olhos. Mal sentei, entrou o cobrador, seguido de uma prolífica família de iugoslavos. Junto com o cobrador, vinha um policial - acompanhado de um cão da mesma raça - com uma submetralhadora em punho. O cobrador mandou-me sair da cabina. Ingênuo e indefeso, eu exibia meu bilhete, mostrava o número nele e no assento, tentava explicar em todas as línguas que conhecia que tinha direito àquele lugar. Lacônico, o homem da submetralhadora me indicou a porta com o cano da arma. Que fazer ante tão sólida argumentação? Evidentemente, eu não estava mais na Europa. Iugoslávia, já em seu étimo, quer dizer eslavos do Sul. Ao falar de fracasso do socialismo na Europa e fracasso do capitalismo no ocidente, o frei exclui a Europa do Ocidente. Onde ficará então o Ocidente? Na Sibéria? Na Mongólia? É espantoso que um público universitário ouça uma sandice destas sem vaiar o palestrante. Se bem que quase nenhum universitário hoje, seja professor ou aluno, saiba dizer o que ocorreu em 9 de novembro de 1989. Concluindo: o orgânico não precisa ser organizado. Não é permissível comparar um sistema artificial, distanciado do real, nascido de uma teoria utópica, com uma economia que surge espontaneamente, decorre da própria natureza humana e hoje é almejada por todos os países que um dia foram comunistas. Capitalismo não tem profeta, não tem livro nem é imposto, manu militari, por Estados ditatoriais. Há teorias sobre o capitaliso? Há. São teorias que tentam explicá-lo, não teorias que surgem do nada para criar um modelo de organização social. La universidad es un acuário, donde las nenas ván pescar – dizem os espanhóis. Chez nous, é um galinheiro onde raposas velhas vão caçar. domingo, abril 27, 2014
SANTO ABENÇOA PEDÓFILO Em janeiro de 2011, eu escrevia: PAPA DEFENSOR DE PEDÓFILOS QUER CANONIZAR OUTRO PAPA DEFENSOR DE PEDÓFILOS Na época, Bento XVI estava lutando pela beatificação de seu antecessor, João Paulo II. Vamos aos fatos. Segundo The New York Times, o cardeal Joseph Ratzinger – hoje papa Bento XVI, é bom lembrar - não fez nada para impedir em 1980 que um padre acusado de pedofilia retomasse o sacerdócio em uma outra paróquia na Alemanha. No final de 1979 em Essen, Alemanha, o padre Peter Hullermann foi suspenso após várias queixas de pais que o acusavam de pedofilia. Uma avaliação psiquiátrica ressaltou seus instintos pedófilos. Algumas semanas depois, em janeiro de 1980, Ratzinger, que era na época arcebispo de Munique, dirigiu uma reunião durante a qual a transferência do padre de Essen para Munique foi aprovada. O futuro pontífice recebeu alguns dias depois uma nota na qual foi informado de que o padre Hullermann havia retomado o serviço pastoral. Em 1986, o mesmo padre foi declarado culpado de ter agredido sexualmente meninos em uma outra paróquia de Munique, após a transferência para a cidade bávara. Semana passada, novas acusações de pedofilia vieram à tona, envolvendo o início e o fim de seu sacerdócio. Segundo o jornal, "este caso é particularmente interessante porque ele revela que na época o cardeal Ratzinger estava em posição de lançar de processos contra o padre, ou pelo menos, de fazer com que não tivesse mais contato com crianças". Nada fez. O futuro papa acobertou ainda abusos sexuais de um padre americano, Lawrence Murphy, acusado de ter abusado de 200 crianças surdas de uma escola do Wisconsin (norte dos Estados Unidos), entre 1950 e 1972. Segundo o jornal novaiorquino, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé abriu mão de iniciar os trâmites contra o padre acusado de ter abusado de crianças surdas. Vamos a seu antecessor, o Karol Wojtyla, mais conhecido como João Paulo II. Além de notório acobertador de pedófilos - sobre sua mesa haviam-se acumulado acusações de pedofilia contra milhares de sacerdotes e também queixas pelo encobrimento desses delitos por alguns prelados nos EUA, Irlanda, Itália, Áustria e inclusive na Espanha - foi o grande protetor do sacerdote mexicano Marcial Maciel, o fundador dos Legionários de Cristo. Acusado de abusar sexualmente de mais de 20 seminaristas - incluindo os próprios filhos - Maciel teve filhos com várias mulheres e, como um outro santo moderno, o Martin Luther King, foi plagiador emérito: plagiou descaradamente o livro de cabeceira da legião, intitulado Saltério de Meus Dias, e impôs a toda a organização um quarto voto de silêncio para se proteger de denúncias. Um de seus antigos colaboradores o acusa inclusive de ter envenenado seu tio-avô, o bispo Guízar, que apoiou a bem-sucedida carreira eclesiástica do sobrinho no México dos anos 1930. Deste santo senhor, temos fartas fotos sendo abençoado pelo papa João Paulo II, recebido em audiência especial no Vaticano. Centenas de denúncias sobre o padre Maciel chegaram à mesa de Wojtyla. O papa as desprezou. Maciel enchia praças e estádios de futebol em suas viagens pelo mundo. Era merecedor da benção papal. Verdade que Ratzinger o expulsou do Vaticano, obrigando o padre Maciel a levar "uma vida reservada de oração e penitência, renunciando a qualquer forma de ministério público". Punição no mínimo carinhosa para um notório pedófilo. Maciel morreu em janeiro de 2008, no México. Segundo os jornais, Maciel não só teve aventuras amorosas, como em Madri vivia uma filha sua, com nome, sobrenome e um número concreto em luxuosos apartamentos na Calle de Los Madroños. A garota, já madura, chama-se Norma Hilda e fez um pacto de silêncio em troca de uma pensão vitalícia. Quem selou o acordo e cuidou de que a rocambolesca história acabasse aí foi o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, durante uma visita semioficial à Espanha. Ocorreu nos primeiros dias de fevereiro de 2010. O dinheiro não foi obstáculo. Há décadas que em ambientes hostis o grupo de Maciel é conhecido com ironia como os Milionários de Cristo. O cardeal Tarcisio Bertone é aquele impoluto senhor que, em fevereiro do ano passado, afirmava ser necessário que os padres pedófilos reconhecessem "suas culpas, já que das provas pode surgir a renovação interior”. Na época do abuso sexual das 200 crianças surdas em Wisconsin, Ratzinger presidia a Congregação para a Doutrina da Fé e Bertone era seu vice. Oito meses depois da denúncia, cardeal Bertoni encarregou os bispos de Wisconsin de instruir um processo canônico secreto que teria podido levar ao afastamento do padre Murphy. Bertone, segundo o NYT, encerrou o processo depois que padre Murphy escreveu pessoalmente ao então cardeal Ratzinger que não deveria ser submetido a processo porque estava arrependido e em precárias condições de saúde: “Quero simplesmente viver aquilo que me resta na dignidade de meu sacerdócio”, escreveu o padre, já perto de sua morte, o que ocorreu em 1998. Se estava arrependido, não precisava levar a frente o processo. Não se tratou exatamente, no caso, de uma ação entre amigos. Mas de uma ação entre cardeais. Vai, meu filho, teus pecados te são perdoados. Volto ao santo padre Marcial Maciel. A benção que lhe foi dada por João Paulo II desrecomenda qualquer santificação. Mesmo assim, Bento XVI quis beatificá-lo. Beatificar criminosos está se tornando norma no Vaticano. João Paulo II não beatificou aquela vigarista albanesa, Agnes Bojaxhiu, mais conhecida como madre Teresa de Calcutá, vigarista de alto bordo e apoiadora de ditadores como Envers Hodja e Baby Doc? Um papa protetor de pedófilos queria santificar seu antecessor, outro notório protetor de pedófilos. Se não o fez, legou ao papa argentino a tarefa vil. Hoje, Francisco canoniza João XXIII e, de inhapa, João Paulo II. A persistir a prática atual da Santa Madre, todo papa pode considerar-se santo já em vida. Ou alguém duvida da canonização de Bento - outro acobertador de pedófilos - tão logo morra? Canonização está se tornando não uma ação entre amigos, mas um conluio de vigaristas. A Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana tem dias insólitos pela frente. Em seu hagiológio, veremos um santo abraçando um pedófilo. Nada de espantar numa igreja em que um papa teve como amante a própria filha. Para facilitar a fabricação de santos em série, Francisco inovou. Dispensou aquela exigência que exigia a colaboração de médicos venais, a prática de dois milagres. Um para beatos e dois para santos. Agora não precisa nenhum. Mesmo assim, Wojtilla acaba de fazer um. Um jovem italiano morreu na quarta-feira passada, esmagado por um crucifixo gigante, na cidade de Cevo, região de Brescia, no noroeste do país. A estrutura de madeira de mais de 30 metros de altura, com uma imagem de Jesus Cristo na ponta – pesando 600 kg e presa por cabos de aço – havia sido erguida para lembrar a visita do Papa João Paulo II à região de Brescia, em 1998, e foi instalado em 2005. O prefeito de Cevo, Silvio Citroni, disse que o acidente foi "uma tragédia inexplicável". O que só comprova o caráter milagroso do fato. Milagres não têm explicação mesmo. sábado, abril 26, 2014
ADELINO DOS SANTOS PARRACHO E A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS * Hegel, filósofo da História, afirmava ser a leitura dos jornais sua prece cotidiana, e via em suas páginas a manifestação do Espírito. Ao chegarmos a um país, se quisermos sentir o momento histórico presente, basta comprar um jornal qualquer, de preferência o mais lido. Em suas linhas ou entrelinhas, colunas ou lacunas, o observador atento poderá auscultar o povo inteiro. Após uma fronteira, compro um jornal e leio: Deu violenta cabeçada num portão e teve morte instântanea Ilhavo — No lugar da Gafanha do Areão registrou-se um invulgar incidente, do qual resultou a morte de um indivíduo em condições invulgares. Adelino dos Santos Parracho, de 35 anos, e seu tio, Manuel Nunes, discutiram por causa da demarcação de uma propriedade que este último se recusara a fazer. Palavra puxa palavra, os ânimos exaltaram-se de tal modo que Manuel Nunes recolheu-se à casa, fechando atrás de si o portão. O sobrinho, não gostando da atitude do tio, que não lhe permitiu a entrada, tentou forçá-la, para o que atirou uma violenta cabeçada no portão, que lhe causou morte instantânea. Estamos, como o leitor já deve ter percebido, em Portugal. Com sua brusca transição de meio século de ditadura salazarista, colonialismo, opressão política e proibição do pensamento, para um governo que se dirige ao socialismo, buscando para isso o consenso popular através do voto livre, Portugal sofreria traumáticas transformações em suas manifestações culturais. Para evitar confusões de termos, começo definindo o que entendo por cultura: cultura é tudo o que homem faz. A meu ver, tanto Camões como Teixeirinha constituem cultura, como também é cultura um tacape, um automóvel ou a bomba de hidrogênio. Nesta conceituação, não cabem juízos éticos. Antes de ser boa ou má, cultura é algo que foi elaborado, que aí está. O bacalhau à Gomes Sá é cultura portuguesa, ao mesmo título que Fernando Pessoa. Nesta análise, quero deter-me apenas naquelas elaborações mais abstratas da cultura, ligadas ao jornalismo, literatura, artes, etc. Como as páginas de um jornal, uma banca de revistas nos dá uma boa idéia do nível cultural de um povo. Na banca estão as publicações de consumo imediato, os livros e revistas que a maioria mais gosta de ler. Hoje, em Portugal, lê-se apenas, na expressão de um editor, P & P, ou seja, política e putaria. Nas bancas, ao lado de obras de Marx, Mao, Lênin, Trotsky, e cartazes de Che, Ho Chi Min, Fidel, estão livros de Cassandra Rios, publicações da Artenova, pornografia barata feita às pressas para satisfazer a demanda e pornografia mais requintada, com melhor know how, importada da Escandinávia. Ao lado, naturalmente, dessa pornografia familiar de Playboy, Lui, Penthouse, etc. A ironia da situação nos faz descrer de qualquer ideal mais nobre: os revolucionários das esquerdas de braços dados com Cassandra Rios, fazendo a fortuna de editores que se pretendem progressistas. Nos meios mais intelectualizados, hoje não importa se um autor escreve bem ou mal. O que dará valor à sua obra será o fato de ter estado ou não preso sob o regime anterior. Num jornal, não interessa se o redator tem bom texto e espírito analítico. Pesará mais o fato de ser ou não militante. Não mais se informa, quer-se formar. Notícias e manchetes estão eivadas de adjetivos como fascista, antifascista, democrata, antidemocrata. O que provocou um comentário irônico de um jornalista brasileiro, recebido com certo constrangimento por seus colegas lusos: “A pior coisa que poderia ter acontecido para vocês foi a eliminação da censura. Antes, os jornais não valiam nada, mas se jogava a responsabilidade à censura. Agora, a situação é a mesma e não mais existe a desculpa da censura”. Senão, vejamos: Um jornal comenta os festejos carnavalescos. De alguma maneira se há de inserir na notícia as palavras fascismo e democrata: “... o fascismo não suportava as liberdades carnavalescas (...) Este ano, com a nova situação política virada para o auxílio às classes menos favorecidas, as ruas de Lisboa ofereceram por vezes aspectos inusitados de foliões a conceder aos passeantes momentos de hilaridade mais são, agora sem receio da repressão policial. Enquanto se caminha para uma democracia que liberta o país definitivamente do fascismo, o Carnaval novo...” Anuncia-se em Lisboa Toute une vie, de Lelouch. Seu grande mérito, salientado pelos críticos e também na legenda final do filme: “este filme acabou de ser rodado no dia 23 de abril de 1974, dois dias antes do movimento antifascista em Portugal”. Dispenso comentários. Um cineclube anuncia Alexandre Nevski, do grande cineasta antifascista Eisenstein. Quando o homem nem chegou a ter tempo de ser antifascista... Um gajo estaciona mal o carro? É fascista. Uma senhora fura uma fila qualquer? É uma fascista do antigo regime. A rica e variada gama de palavrões da língua portuguesa está hoje resumida em Portugal a um só palavrão. Festival da canção popular na Europa. Vejamos esta pérola que Portugal apresentou: O Pecado Capital Quem será que nos contratar no ano que vem? Quem será que nos vai enganar no ano que vem? Quem será que vai dizer que não tem dinheiro? Quem será que vai chuchar no dedo o ano inteiro? Quem será que nos vai encantar com tudo o que viu? Quem será que vai falar de coisas que nunca viu? Quem será que vai ser fuzilado no Chile? Quem será que vai ser torturado no Brasil? Quem está por cima afirma que a razão do mal Só tem a ver com o pecado original Mas diz o povo que o pecado essencial É o capital. Será desta vez que acaba o medo do comunismo? Será desta vez que acabam com o analfabetismo? Será desta vez que vai morrer a saudade Será desta vez que vai nascer a liberdade Será desta vez que o mundo assiste ao conflito atômico? Quem será que desta vez resiste ao caos econômico? Será que alguém desta vez vai ter salvação? Quem será que vai aproveitar esta canção? E assim por diante. Pelo que vemos, os compositores lusos estabelecem uma pequena confusão entre manifesto e canção. Vejamos, em O Primeiro de Janeiro, esta obra-prima: Decorreu com entusiasmo o Carnaval do Palácio promovido pelo P.C.P. No Palácio de Cristal decorreu na noite de sábado para domingo o Carnaval popular promovido pelo Partido Comunista Português. A festa teve a presença de milhares de comunistas e simpatizantes que alegremente conviveram até de madrugada, num Carnaval livre, de alegria transbordante, vivida sem equívocos. Na verdade este carnaval-convívio, o primeiro após 48 anos em que comunistas se viram arredios de qualquer participação, constituiu iniludível expressão de sua força junto às camadas populares. Abrilhantaram a festa conjuntos musicais e ranchos folclóricos, Júlia Rabo, Manuel Freire e Ari dos Santos, tendo sido cantadas músicas de intervenção. Ari dos Santos disse alguns poemas de sua autoria, tendo merecido, no meio da alegria, uma pausa para repensar, aquela dedicada ao martirizado Povo do Chile. A situação nos leva a uma pergunta: já que o PC português anda organizando o carnaval, não seria o caso de promover também a Páscoa? Mas enquanto se desenvolve esta revolução, a cultura (suas manifestações mais abstratas) é traumatizada. O fenômeno não é novo. Só para citar um exemplo, pergunto que nomes nos ofereceu a literatura russa após 1917. Ao que tudo indica, se fechará este século e continuaremos preferindo Dostoievski, Kuprin, Chekov, Gorki. O único gênio elaborado pela língua portuguesa no transcurso dos séculos, Fernando Pessoa, começa a ser acusado de fascista pelas esquerdas de Portugal. (Aliás, falar de esquerdas portuguesas é pleonasmo, pois hoje todo português se proclama esquerdista. Se Espínola vencesse em sua última tentativa e quisesse banir as esquerdas do país, não teria quem governar). A acusação é temerária, pois Pessoa é gênio e foge a qualquer clichê. Portugal terá seus 25 de Abril, 28 de Outubro, 11 de Março, as revoluções e golpes passarão. Pessoa ficará. Apressados em realizar a necessária distribuição do pão, os lusos estão jogando a um canto o homem que justifica a existência da língua e civilização portuguesas neste planeta. Quero crer nos novos rumos de Portugal. Mas sempre me resta, no fundo, uma apreensão: a técnica de abrir portas de Adelino dos Santos Parracho. * Porto Alegre, Correio do Povo, 12/04/75 sexta-feira, abril 25, 2014
PORTEIRA ABERTA Quando uma palavra se desgasta historicamente, urge trocá-la por outra. Acontecer com a palavra negro. Pelo jeito, a fama da raça já não desfrutava de muito prestígio. Passaram então a chamar-se afrodescendentes. Ou pretenderam passar a chamar-se. Se a moda pegou nos Estados Unidos, a grande nação criadora de eufemismos, aqui não pegou bem. Verdade que muito jornal a adotou, pelo menos de início. Mas soou como ridícula. Outra palavrinha que, pelo jeito, já andava com a barra suja, é homossexual. O mesmo aconteceu com esta outra palavrinha, ao que parece em declínio. Segundo o ministro Carlos Ayres Britto, do STF, homossexuais não mais existem. Agora são todos homoafetivos. Mas o neologismo do poeta e magistrado – mal construído, diga-se de passagem – não vai colar, a não ser talvez em sentenças judiciais. Suponho que até um homossexual se sentiria constrangido ao definir-se como homoafetivo. Uma das últimas palavras em mutação é adultério. Como já constituiu crime em nossas leis, ficou com má fama. Dizer que fulano é adúltero não fica bem em sociedade. Melhor falar em poliamor. Comentei o novo achado ano passado. Há seis anos, em Porto Velho, Rondônia, uma mulher obteve na Justiça o direito de receber parte dos bens do amante com quem conviveu durante quase 30 anos. Ele era casado e morreu em 2007, aos 71 anos. O juiz Adolfo Naujorks, que concedeu à moça o direito de herança, baseou-se em artigo publicado num site jurídico segundo o qual uma teoria psicológica, denominada "poliamorismo", admitia a coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas em que casais se conhecem e se aceitam em uma relação aberta. Em 2012, em Tupã, no interior de São Paulo, foi registrada em cartório a primeira união entre três pessoas, o poliamor. Sites jurídicos não só estão substituindo o Legislativo, como modificando o regime de transmissão de bens entre herdeiros. Mais ainda, estão legitimando a poligamia. Nada contra. Estou apenas constatando. Poliamorismo soa mais elegante. Procurei a palavrinha nos dicionários. Não encontrei. Nem meu processador de texto reconhece a palavra, sempre a sublinha em vermelho. Fui ao Google. Já está lá. Escreve um jurista: “As relações interpessoais de cunho amoroso, por vezes destoam do padrão habitual da monogamia entre os casais formados por pessoas de sexos diferentes. Assim, encontramos relacionamentos afetivos que envolvem um casal, vale dizer um dos cônjuges e um parceiro ou parceira, os quais se desenvolvem simultaneamente. Ditas relações são denominadas de poliamorismo ou poliamor, e se constituem na coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas ao matrimônio”. Ah! As palavras... Eu conhecia poligamia, poliandria, até mesmo policromia. Mas o tal de poliamorismo foi para mim novidade. Quem diria? Cheguei aos sessenta e ainda descubro palavrinhas exóticas. Me restam no entanto algumas dúvidas. Já que a palavrinha amor é parte constitutiva do novo palavrão, me pergunto: é preciso que exista o tal de amor? Ou sexo puro também serve? O conceito é extensivo a todas as profissionais que curtimos em nossas vidas, ou profissional não vale? Aquela distante namorada, que encontramos de ano em ano, é poliamor? Ou um amorzinho mixuruca, sem direito à herança? Os muçulmanos são mais práticos. Todo crente tem direito a quatro mulheres e estamos conversados. Não se fala em amor nem poliamor. Mas não precisamos ir até o Islã. No livro que embasa a cultura ocidental, temos o rei Salomão. “Tinha ele setecentas mulheres, princesas, e trezentas concubinas; e suas mulheres lhe perverteram o coração”, lemos no I Reis. Poliamantíssimo, o sábio rei. Bem que gostaria de ter meu meigo coração assim pervertido. Alexandre também cultivava intensamente o tal de poliamor. Mas no fundo preferia os meninos de seu exército. Na época, perguntei-me: homoafetividade exclui o tal de poliamor? Obviamente não. Se um homem pode amar duas mulheres, por que não poderia amar dois homens? Nada impede. Se obedecermos à boa lógica, em breve teremos três ou mais homens (ou mulheres, por que não?) registrando suas relações estáveis em cartório. O velho casamento católico vai virar partouse. (Nada contra. Apenas constato). Não se passaram dois anos, e a resposta veio. Dos Estados Unidos, é claro. Doll, Kitten e Bryn, americanas de Massachusetts, viviam juntas desde 2011 e, ano passado, resolveram oficializar a união. Todas usaram vestidos brancos e foram levadas ao altar por seus pais, em uma cerimônia com visual tradicional. Mas a história só foi divulgada agora que elas esperam seu primeiro bebê. Os pais acompanharam suas filhas ao altar. A notícia não diz se houve casamento civil. Para quando os casamentos entre cinco ou dez pessoas? A porteira foi aberta. quarta-feira, abril 23, 2014
O PIOR É NOSSO E NÃO ABRIMOS MÃO Em 2003, tive acirrada polêmica com universitários americanos a respeito das cotas raciais. Recebi cerca de 300 respostas – uma delas com 48 páginas – reação que nunca tive no Brasil. Em minha réplica, eu afirmava que, brasileiros, desconhecemos o racismo institucionalizado. Negros e brancos casam-se com brancas e negras, bebem e comem nos mesmos restaurantes, estudam e confraternizam nos mesmos bancos escolares. Se há menos negros que brancos na universidade, isto se deve a fatores econômicos, mas jamais legais. O branco pobre – e eles são legião – tem a mesma dificuldade de acesso aos bancos universitários que o negro pobre. O negro rico – e eles também existem – tem a mesma facilidade de acesso que o branco rico. É inteligível o ódio que um negro americano possa sentir por um branco americano. Não há no entanto razão alguma para que este ódio seja exportado ao Brasil. Neste país, do ponto de vista legal, o negro nunca foi discriminado. Nunca tivemos, entre nós, as famigeradas leis Jim Crow. Há décadas afirmo que o Brasil costuma importar as piores práticas do Primeiro Mundo. No censo de 2.000, quase sete milhões de norte-americanos, pela primeira vez, foram autorizados a identificar-se como integrantes de mais de uma raça. As categorias inter-raciais mais comuns citadas foram branco e negro, branco e asiático, branco e indígena americano ou nativo do Alasca e branco e "alguma outra raça". Os Estados Unidos deixam de lado a onedrope rule, pela qual um cidadão é considerado negro mesmo que tenha uma única gota de sangue negro em sua ascendência, e descobrem o mestiço. Enquanto os Estados Unidos reconhecem a multi-racialidade, alguns movimentos negros no Brasil pretenderam que até os mulatos se declarassem negros no último censo. O propósito é óbvio, exercer pressão legislativa. A população negra do Brasil, em 99, era de apenas 5,4%. Com o acréscimo de 39,9% do contingente de mulatos, o Brasil estaria perto de ser definido como um país majoritariamente negro, como aliás é hoje considerado por muitos americanos e europeus. Lula, em sua já proverbial incultura, caiu nesta armadilha, ao afirmar que o Brasil é a segunda nação negra do mundo. Não é. Negro é minoria ínfima no Brasil. A menos que, como fizeram os EUA, se pretenda negar este espécime híbrido, o mulato. Quando os americanos descobrem o mestiço, os ativistas negros brasileiros querem eliminá-lo do panorama nacional. Em uma imitação servil da imprensa ianque, os jornais tupiniquins passam a usar o termo afrodescendente para definir a população que o IBGE classifica como negra ou parda. Mas se um negro é obviamente afrodescendente, o pardo é tanto afro como eurodescendente. A adotar-se a nova nomenclatura, sou forçado a declarar-me eurodescendente. E não vejo nisso nenhum desdouro. A palavra racismo, pouco freqüente na imprensa brasileira em décadas passadas, passou a inundar as páginas dos jornais a partir da queda do Muro de Berlim. Apparatchiks saudosos da Guerra Fria, vendo desmoralizadas suas bandeiras de luta de classes, proletariado versus burguesia, trabalho versus capital, trataram logo de encontrar uma nova dicotomia, para lançar irmãos contra irmãos. Existem negros e brancos no Brasil? Maravilha. Vamos então lançá-los em luta fratricida. Criaram-se leis absurdas que, a pretexto de combater o racismo, só servem para estimulá-lo. Hoje, no Brasil, se você insultar um negro, incorre em crime hediondo, com prisão firme e sem direito à fiança. Mas se matar um negro, a lei é mais leniente. Se você for primário, pode responder ao processo em liberdade. Ou seja: se você, em um momento de ira, insultou um negro e quer escapar de uma prisão imediata, só lhe resta uma saída: mate-o. Segundo a lei absurda, assassinato é menos grave que ofensa verbal. Vamos às cotas. Em virtude deste hábito nosso de importar do Primeiro Mundo seus piores achados, acabamos instituindo as cotas raciais na universidade. Mais uma dessas tantas leis que fabricam racismo. Como pode um jovem pobre e branco encarar sem animosidade um negro que lhe tomou a vaga na universidade, só porque é negro? Quando o juiz federal Bernard Friedman determinou o fim da política de ação afirmativa da faculdade de Direito da Universidade de Michigan, os americanos começaram a perceber que a política de cotas era uma péssima idéia. Em 1977, a estudante branca Barbara Grutter abriu processo depois de não ter sido aceita pela faculdade de Direito. Para Friedman, levar em consideração a raça dos estudantes como fator para decidir se os aceita ou não é inconstitucional. Segundo o juiz, a política de ação afirmativa da faculdade assemelha-se ao sistema de cotas, que determina que uma certa porcentagem de estudantes pertença a grupos minoritários. Ao ordenar que a faculdade deixe de praticar essa política, escreveu: “Aproximadamente 10% das vagas em cada turma são reservadas para membros de uma raça específica, e essas vagas são retiradas da competição”. Em 2002, o programa 60 Minutes entrevistou um professor que mostrava a injustiça do sistema. De 51 estudantes brancos candidatos a um programa da faculdade, apenas um foi aceito. Entre dez candidatos negros, foram aceitos os dez. A universidade adota uma espécie de lei Jim Crow às avessas, aceitando qualquer candidato negro e recusando brancos. Quando os americanos descobrem que a política de afirmação positiva não constituiu uma idéia boa ou justa, autoridades brasileiras aderem a esta política infame. Leio hoje, no UOL, notícia à primeira vista alvissareira. A Suprema Corte invalidou o mecanismo das cotas em universidades de Michigan, sustentando o resultado de um referendo em 2006. A decisão vale para mais sete Estados que acabaram com as cotas por meio de consultas junto à população. Escreve Isabel Fleck, correspondente da Folha de São Paulo em Nova York: Os defensores de ações afirmativas sofreram ontem uma significativa derrota na mais alta instância da Justiça americana. A Suprema Corte sustentou, por 6 votos a 2, o resultado de referendo realizado em 2006 em Michigan, que determinou a proibição de cotas raciais em universidades públicas do Estado. Com isso, veta qualquer "tratamento preferencial a indivíduos ou grupos com base em raça, sexo, cor, etnia ou origem" na admissão a instituições públicas de ensino superior de Michigan. A decisão é mais ampla, no entanto, porque acaba endossando medidas semelhantes tomadas em outros sete Estados americanos, como Califórnia, Flórida, Arizona e Nebraska. Pode ainda servir de impulso para que grupos contrários às cotas pressionem pela realização de plebiscitos em outros Estados. Para ela, a decisão coloca às minorias um obstáculo que não é enfrentado por outros candidatos e, por isso, viola a defesa da igualdade pela Constituição dos EUA. "A Constituição não protege as minorias raciais da derrota política. Mas também não dá à maioria sinal verde para erguer barreiras seletivas contra elas". Notícia à primeira vista alvissareira, disse. Porque alvissareira para os americanos. Enquanto o país onde surgiram as cotas descobre que a idéia foi de jerico, no Brasil ela se estende desde o mundo das artes ao serviço público. Quando os Estados Unidos finalmente descobrem o mulato, o Brasil tenta extingui-lo. Chez nous, o melhor pouco interessa aos homens que fazem as leis. Importamos o pior e dele não abrimos não. terça-feira, abril 22, 2014
ODORES DO ORIENTE Seguidamente alguém me pergunta: e a Índia nunca te interessou? Jamais. Gosto de viajar só – isto é, com uma companheira – e seria muito difícil orientar-me naquelas bandas fora de uma excursão. Passo. Sou ocidental ferrenho e não abro. Se tinha alguma veleidade de um dia chegar lá, um escritor francês a pôs por terra. Nasci junto a uma geração que foi ensinada a gostar do Oriente, a partir de um dos mestres de então, Herman Hesse. Outro deles foi Aldous Huxley. Em seu último romance, A Ilha (1962), tenta uma fusão cultural do Ocidente e do Oriente na busca de uma convivência pacífica entre os homens. Vê o Oriente como um espelho do Ocidente. Ao invés da atitude predadora do consumo ocidental frente à mansidão oriental, o inverso acontece: o pensamento milenar tem como objetivo restaurar os resultados da inconseqüência gerada pelo avanço tecnológico. Em meus dias de Paris, recebi em meu apartamento gaúchas que vinham de Poona, onde haviam ido buscar paz e sabedoria nos ahsrams de Bhagwan Shree Rajneesh, aquele guru que após ter sua biografia mais suja que pau de galinheiro, preferiu trocar seu nome para Osho. O guru, que se se dizia Deus, fez fortuna enganando jovens e provocou um escândalo internacional com suas cerimônias tântricas, em verdade alegres orgias sexuais. Possuía terrenos, hotéis, uma rede de casa de massagens na Europa - isto é, prostituição - e uma frota de 91 Rolls-Royces. Acusado de perversão, realização de lavagem cerebral e sonegação de impostos, expulso de 21 países, foi deportado dos Estados Unidos para a Índia, onde morreu de Aids. Outras notícias tive da Índia através de um amigo dos dias de Paris, o fotógrafo colombiano Hernando Guerrero. Em uma exposição de fotos de uma viagem sua ao país, vi mendigos monstruosos que haviam sido deformados na infância para pedir esmolas nas ruas de Bombaim ou Nova Delhi, Benares ou Calcutá. Uma delas era particularmente repulsiva. A criança havia tido sua perna direita levantada na vertical com o pé escorado na parte interna do cotovelo. O conjunto formava um perfeito quadrado de ossos, junto ao qual estava colado um corpo esquelético, com uma perna e um braço pendurados do outro lado. Ainda em Paris, conheci o escritor cubano Severo Sarduy, que me exibiu orgulhoso suas fotos tomando banho no Ganges, no qual boiavam cadáveres de animais e gentes. Confesso que lhe apertei a mão com um misto de temor e asco. Durante muitas décadas, intelectuais do Ocidente viram uma fonte de sabedoria em um país onde os párias morrem de fome nas ruas enquanto ratos são alimentados com pires de leite nos templos budistas. Mesmo assim, sempre me restou um certo xodó pela Índia, particularmente por seus templos, onde o erotismo se mescla à espiritualidade. Sem falar que é uma civilização milenar, e sempre me agradaram as civilizações milenares. Assim sendo, comprei o livro Índia – Crenças, costumes e a sabedoria de uma das mais antigas civilizações do mundo – do escritor, ator, diretor e roteirista francês Jean-Claude Carrière. O autor, homem fascinado pela Índia, foi roteirista dos melhores filmes de Buñuel – como Belle du Jour, O Discreto Charme da Burguesia, O Fantasma da Liberdade – e também do épico Mahabharata, filme de cinco horas (nove horas, em outra versão) dirigido por Peter Brook. Carrière é também o co-autor de Meu último suspiro, um longo depoimento de Luis Buñuel sobre sua vida e obra. Recomendo. Carrière fez mais de trinta viagens à Índia e conhece o país e sua cultura com a palma de sua mão – se é que é possível conhecer algo da cultura de um país onde existem tantos deuses quanto devotos. O livro é uma viagem fascinante pelos seus templos e religiões, ritos e costumes. Também recomendo. É a melhor viagem que se pode fazer à Índia. Não tente outra. Porque, lá pelas tantas, nos conta Carrière: - De manhã, às sete ou oito horas, vemos os homens defecarem, uns ao lado dos outros, à beira da estrada, ou ao longo da via férrea, sem nenhum constrangimento. Vemos a mesma coisa nos campos, sempre de manhã, e também em Varanasi, bem perto do Gânges. O excremento humano é visível. Ele tem um cheiro, como em todos os lugares. Antigamente, os viajantes diziam que este cheiro pairava sobre toda a Índia. Hoje, parece que ele se atenuou. Ou então eu me habituei. Pelo jeito, o escritor se habituou. Há quatro anos, as autoridades de um distrito da região indiana de Jaipur decidiram colocar guardas "armados" com apitos e tambores para perseguir todos que urinarem ou defecarem em público. A iniciativa foi posta em prática em 34 municípios do distrito de Jhunjhunu, com uma população de cerca de 300 mil habitantes, e teve o objetivo de refrear os hábitos higiênicos de cerca da metade da população do país. Voluntários se encarregaram de tocar música pelas cidades perto dos que fazem suas necessidades em público, os identificando, para depois anunciar em público seus nomes. O governo iniciou há anos vários programas com o objetivo de erradicar a defecação ao ar livre, mas cerca da metade dos 1,21 bilhões de habitantes do país, sobretudo em zonas rurais, continuam tendo este hábito. "Somos a capital mundial da defecação ao ar livre. É um assunto que gera preocupação, angústia e raiva", disse na época o ministro de Desenvolvimento Rural indiano, Jairam Ramesh, que detalhou que 60% dessas ações no mundo acontecem na Índia. Depois deste relato de Carrière, Índia nem pensar. Mas pelo jeito a campanha de pouco ou nada adiantou. Leio no The Independent que um boneco batizado de Mr. Poo (Senhor Cocô, em inglês), que representa um monte de fezes, é o representante da mais recente campanha de saúde pública do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) lançada na Índia. Um vídeo, lançado no início deste ano, mostra um homem perseguido pelas ruas de uma cidade indiana por uma multidão de montinhos de fezes. Calcula-se que mais de 620 milhões de pessoas continuam defecando nas ruas -- o maior número no mundo. Mais de três Brasis. E ainda há quem sonhe em viajar à Índia. Melhor ler Carrière. segunda-feira, abril 21, 2014
QUEM PODE CONTAR A PIADA? "O riso é tão importante para nossa vida quanto a inteligência ou a criatividade. Rir nos torna mais inteligentes, criativos e saudáveis”, diz o neurocientista cognitivo Scott Weems, em entrevista para o site de Veja. Quando um neurocientista fala, já fico com um pé atrás, tantas foram os despautérios que ouvi destes senhores. Mas vamos adiante. Em suas pesquisas, Weems descobriu que o humor é o segredo de pessoas inteligentes e criativas para suas associações rápidas e inesperadas. No livro, reúne suas conclusões a outros estudos e traça um mapa que busca compreender o papel das risadas em nossa vida. Começa mostrando como a dopamina, o neurotransmissor ligado ao prazer e o responsável pela alegria, nos fez o que somos: seres em busca de emoção e de novas maneiras de melhorar a vida. Rindo, se possível. Não sou neurocientista, nem mesmo cientista, mas me custa admitir que uma substância seja responsável pelo riso, da mesma forma como não concebo que homossexualismo possa ser reduzido a uma questão genética. Mas como homem que ri – ou que riu um dia – me permito um pitaco sobre o que sinto. A meu ver, o riso é uma questão cultural, em pelo menos dois sentidos da palavra. Primeiro, o de cultura como aquele ambiente em que nos educamos. Você já viu índio rindo? Eu nunca vi um índio de perto, mas fotos deles é o que não nos falta na imprensa. É como se índio não tivesse senso de humor. E talvez não tenha mesmo. Pois senso de humor exige certa cultura, em um segundo sentido, o acervo de conhecimentos que acumulamos. Don Giovanni, de Mozart, ou o Quixote, fazem rir a um homem culto. Mas não provocariam reação alguma em um bugre. Ele não tem os conhecimentos necessários para entender o humor ou a piada. Que são gêneros completamente distintos. No Brasil, os piadistas baratos de televisão – e mesmo de jornais – proclamam-se humoristas. Ora, humor é coisa rara no Brasil. Podemos encontrá-lo tanto em Machado como em Nelson Rodrigues, em Campos de Carvalho ou Millôr Fernandes. E o resto é piada. O que não quer dizer que não haja piadas excelentes. Suponho também que seja coisa de idade. Ri muito em minha juventude, e mesmo em idade madura. Hoje, há muito não rio. No máximo um sorriso diante do humor. Houve três filmes que cheguei a vê três ou quatro vezes, e sempre ri às pampas: O Incrível Exército de Brancaleone, A Vida de Brian e M.A.S.H. Em Brancaleone, eu já começava a rir com a musiquinha introdutória do filme: Branca, Branca, Branca, Leone, Leone, Leone. Há uns dez anos, revi o filme. Não achei graça alguma. Brian agora só me faz sorrir. Quanto a M.A.S.H, precisaria rever. Mas suponho que não me faria rir como já fez. O mesmo aconteceu com O Grande Ditador, do Chaplin. Se desopilou meu fígado na juventude, hoje nele não acho graça alguma. Aliás, nem mesmo nas gags do Chaplin, que hoje vejo como piadas circenses. Mas ainda permaneço sensível ao humor. Cervantes e Swift, Voltaire ou Ambrose Bierce, continuam me fazendo sorrir. Aliás, Weems se contradiz, quando afirma que o humor é o segredo de pessoas inteligentes e criativas para suas associações rápidas e inesperadas. Até aí, de acordo. Mas logo adiante o neurocientista apela à dopamina. Será que os selvagens são desprovidos de dopamina? Ou eu a perdi com a idade? Repasso a pergunta aos leitores de minha faixa etária: você que hoje tem 60 ou mais, consegue rir com a mesma facilidade que ria quando jovem? Você já deve ter notado a profusão de flatulências nas comédias americanas. É um cinema feito para os jovens, que são tão bestas a ponto de rir de uma função biológica. “E as mulheres tendem a rir menos quando ficam mais velhas, ao contrário dos homens”, diz o cientista. Não é o que vejo. O velho, seja lá de que sexo for, tende mais a sorrir que rir. Aos 60, todas as piadas e suas variantes são nossas velhas conhecidas. Até aí, minhas discordâncias, como dizia, de homem que um dia riu, com o neurocientista. Mas o grave em sua entrevista é endossar o politicamente correto. Há mais de década venho afirmando que o politicamente correto está matando o humor. As viúvas do Kremlin – pois de censura stalinista se trata – já conseguiram em vários países, inclusive neste nosso, tipificar o humor como crime. Como bom americano, Weems não consegue fugir ao gênero. Pergunta o repórter: - Em outras palavras, piadas sexistas, sobre negros ou deficientes apenas ampliam preconceitos? - Essa questão é muito importante. Anedotas preconceituosas dão voz a nossas crenças, sejam elas latentes ou escancaradas. Uma pessoa sexista só terá seus preconceitos ampliados por essas piadas enquanto alguém que não adota essas crenças terá mais convicção contra o preconceito. O humor, porém, sempre veicula mensagens múltiplas. Tudo depende da intenção. - Como assim? - Alguém que não é machista pode contar uma piada machista com a intenção de caçoar dos homens machistas, não das mulheres. Ou um machista pode contar essa mesma piada com a simples intenção de ofender as mulheres. - E onde está a diferença? - Na intenção e no alvo. Se o propósito é ofender, não há nada de engraçado nisso. Mas se o esquete é mais denso — como acontece quando o comediante negro Chris Rock satiriza o racismo — então devemos olhar essas anedotas em um nível mais profundo, porque sua intenção não é insultar e, sim, educar. No fundo, o que o neurocientista diz, é que negro pode fazer piada de negro, é pedagógico. Mas se branco fizer piada de branco, é ofensa. O caráter ofensivo ou pedagógico da piada não depende da piada, mas da cor da pele de quem a profere. Este episódio, contei há quatorze anos. Como ninguém deve lembrar mais, conto de novo. Almoçávamos em três, em um restaurante de Perdizes. Este gaúcho que vos escreve, mais dois amigos jornalistas, um judeu e outro negro. Como seria de esperar-se neste tipo de encontro, logo surgiram as piadas. Contei as que lembrava de gaúchos, de judeus e quando comecei as de negro, o afrodescendentão a meu lado protestou: - Vamos fazer uma coisa. Gaúcho conta piada de gaúcho, judeu de judeu e negro de negro. Ali estava, a meu lado, o racista atroz. Contaminado pelo fanatismo dos movimentos negros americanos, ele pretendia regulamentar conversas em mesa de bar. Contar piadas de negro era politicamente incorreto, a menos que um negro as contasse. Ora, faz parte do humor - e particularmente do humor negro, sem trocadilhos - rir das desgraças alheias. Em boa parte das piadas, sempre há uma vítima. A vítima, de modo geral, é quem está por baixo. Antes ser rico e ter saúde, que ser pobre e doente. Difícil fazer piada com quem está por cima. Ocorreu-me então uma piadinha que, espero, ainda não seja proibido contar. Três pessoas perambulavam perdidas no deserto, um judeu, um negro e um alemão. De repente, o alemão tropeça numa lâmpada. Pega, esfrega e dela salta um gênio, que se propõe a satisfazer três desejos, um de cada um dos três. Pergunta ao judeu o que ele quer. - Bom, eu gostaria que você varresse da face da terra a raça negra. - Muito bem - diz o gênio - E você? - pergunta ao negro. - Quero que você extermine a raça infame dos judeus. O gênio dirige-se ao alemão. O alemão pondera: - Você vai mesmo atender os pedidos desses dois? - Claro. Prometi, vou cumprir. - Bom, então acho que vou pedir um cafezinho - respondeu o Fritz. Dentro dos critérios de meu amigo negro, a quem caberia contar esta piada? Fui curto e rasteiro com ele: e tu vai pra puta que te pariu. Eu conto piada de gaúcho, de negro e de judeu e sobre quem me aprouver, e jamais vou proibir-me de contar piadas, seja sobre quem for. Neste sentido, os gaúchos são campeões em rir de si mesmos. Vários volumes de piadas de gaúcho foram editadas em Porto Alegre, e nem sempre o personagem se sai bem nelas. Piada sem vítima não tem muita graça. domingo, abril 20, 2014
PAPA PEDE AO DEUS ERRADO Neste domingo de Ramos, vejo manchete no Globo News: PAPA PEDE A DEUS O FIM DAS GUERRAS Suponho tenha pedido ao deus da Bíblia, como é de supor-se. Logo a quem foi pedir. Quer privar o bom Jeová de um de seus prazeres diletos, o de matar. Pediu ao deus errado. Me vejo obrigado a repetir uma pequena e incompleta compilação que fiz há alguns anos. Este é o deus a quem Francisco pede o fim das guerras. Êxodo 23:23 - Porque o meu anjo irá adiante de ti, e te introduzirá na terra dos amorreus, dos heteus, dos perizeus, dos cananeus, dos heveus e dos jebuseus; e eu os aniquilarei. (...) Enviarei o meu terror adiante de ti, pondo em confusão todo povo em cujas terras entrares, e farei que todos os teus inimigos te voltem as costas. Também enviarei na tua frente vespas, que expulsarão de diante de ti os heveus, os cananeus e os heteus. Êxodo 34:12 - Guarda-te de fazeres pacto com os habitantes da terra em que hás de entrar, para que isso não seja por laço no meio de ti. Mas os seus altares derrubareis, e as suas colunas quebrareis, e os seus aserins cortareis (porque não adorarás a nenhum outro deus; pois o Senhor, cujo nome é Zeloso, é Deus zeloso). Números 33:51 - Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: quando houverdes passado o Jordão para a terra de Canaã, lançareis fora todos os habitantes da terra de diante de vós, e destruíreis todas as suas pedras em que há figuras; também destruíreis todas as suas imagens de fundição, e desfareis todos os seus altos. Levítico, 26:29 - E comereis a carne de vossos filhos e a carne de vossas filhas. Destruirei os vossos altos lugares, derrubarei as vossas imagens do sol, e lançarei os vossos cadáveres sobre os destroços dos vossos ídolos; e a minha alma vos abominará. Reduzirei as vossas cidades a deserto, e assolarei os vossos santuários, e não cheirarei o vosso cheiro suave. Assolarei a terra, e sobre ela pasmarão os vossos inimigos que nela habitam. Espalhar-vos-ei por entre as nações e, desembainhando a espada, vos perseguirei; a vossa terra será assolada, e as vossas cidades se tornarão em deserto. Números 31:7 - E pelejaram contra Midiã, como o senhor ordenara a Moisés; e mataram a todos os homens. Com eles mataram também os reis de Midiã, a saber, Evi, Requem, Zur, Hur e Reba, cinco reis de Midiã; igualmente mataram à espada a Balaão, filho de Beor. Também os filhos de Israel levaram presas as mulheres dos midianitas e os seus pequeninos; e despojaram-nos de todo o seu gado, e de todos os seus rebanhos, enfim, de todos os seus bens; queimaram a fogo todas as cidades em que eles habitavam e todos os seus acampamentos; tomaram todo o despojo e toda a presa, tanto de homens como de animais; e trouxeram os cativos e a presa e o despojo a Moisés, a Eleazar, o sacerdote, e à congregação dos filhos de Israel, ao arraial, nas planícies de Moabe, que estão junto do Jordão, na altura de Jericó. Saíram, pois, Moisés e Eleazar, o sacerdote, e todos os príncipes da congregação, ao encontro deles fora do arraial. E indignou-se Moisés contra os oficiais do exército, chefes dos milhares e chefes das centenas, que vinham do serviço da guerra, e lhes disse: Deixastes viver todas as mulheres? Eis que estas foram as que, por conselho de Balaão, fizeram que os filhos de Israel pecassem contra o Senhor no caso de Peor, pelo que houve a praga entre a congregação do Senhor. Agora, pois, matai todos os meninos entre as crianças, e todas as mulheres que conheceram homem, deitando-se com ele. Mas todas as meninas, que não conheceram homem, deitando-se com ele, deixai-as viver para vós. Números 31:25 - Disse mais o Senhor a Moisés: Faze a soma da presa que foi tomada, tanto de homens como de animais, tu e Eleazar, o sacerdote, e os cabeças das casas paternas da congregação; e divide-a em duas partes iguais, entre os que, hábeis na guerra, saíram à peleja, e toda a congregação. E tomarás para o Senhor um tributo dos homens de guerra, que saíram à peleja; um em quinhentos, assim dos homens, como dos bois, dos jumentos e dos rebanhos; da sua metade o tomareis, e o dareis a Eleazar, o sacerdote, para a oferta alçada do Senhor. Mas da metade que pertence aos filhos de Israel tomarás um de cada cinqüenta, tanto dos homens, como dos bois, dos jumentos, dos rebanhos, enfim, de todos os animais, e os darás aos levitas, que estão encarregados do serviço do tabernáculo do Senhor. Fizeram, pois, Moisés e Eleazar, o sacerdote, como o Senhor ordenara a Moisés. Ora, a presa, o restante do despojo que os homens de guerra tomaram, foi de seiscentas e setenta e cinco mil ovelhas, setenta e dois mil bois, e sessenta e um mil jumentos; e trinta e duas mil pessoas, ao todo, do sexo feminino, que ainda se conservavam virgens. Deuteronômio 7:5 - Mas assim lhes fareis: Derrubareis os seus altares, quebrareis as suas colunas, cortareis os seus aserins, e queimareis a fogo as suas imagens esculpidas. Porque tu és povo santo ao Senhor teu Deus; o Senhor teu Deus te escolheu, a fim de lhe seres o seu próprio povo, acima de todos os povos que há sobre a terra. Deuteronômio 12:1 - São estes os estatutos e os preceitos que tereis cuidado em observar na terra que o Senhor Deus de vossos pais vos deu para a possuirdes por todos os dias que viverdes sobre a terra. Certamente destruíreis todos os lugares em que as nações que haveis de subjugar serviram aos seus deuses, sobre as altas montanhas, sobre os outeiros, e debaixo de toda árvore frondosa; e derrubareis os seus altares, quebrareis as suas colunas, queimareis a fogo os seus aserins, abatereis as imagens esculpidas dos seus deuses e apagareis o seu nome daquele lugar. Deuteronômio 32:19 - Vendo isto, o Senhor os desprezou, por causa da provocação que lhe fizeram seus filhos e suas filhas;(...) Males amontoarei sobre eles, esgotarei contra eles as minhas setas. Consumidos serão de fome, devorados de raios e de amarga destruição; e contra eles enviarei dentes de feras, juntamente com o veneno dos que se arrastam no pó. Por fora devastará a espada, e por dentro o pavor, tanto ao mancebo como à virgem, assim à criança de peito como ao homem encanecido. Josué 6:20 - Gritou, pois, o povo, e os sacerdotes tocaram as trombetas; ouvindo o povo o sonido da trombeta, deu um grande brado, e o muro caiu rente com o chão, e o povo subiu à cidade, cada qual para o lugar que lhe ficava defronte, e tomaram a cidade. E destruíram totalmente, ao fio da espada, tudo quanto havia na cidade, homem e mulher, menino e velho, bois, ovelhas e jumentos. Juízes 21:10 - Pelo que a congregação enviou para lá doze mil homens dos mais valorosos e lhes ordenou, dizendo: Ide, e passai ao fio da espada os habitantes de Jabes-Gileade, juntamente com as mulheres e os pequeninos. Mas isto é o que haveis de fazer: A todo homem e a toda mulher que tiver conhecido homem, totalmente destruireis. E acharam entre os moradores de Jabes-Gileade quatrocentas moças virgens, que não tinham conhecido homem, e as trouxeram ao arraial em Siló, que está na terra de Canaã. I Reis 18:22 - Então disse Elias ao povo: Só eu fiquei dos profetas do Senhor; mas os profetas de Baal são quatrocentos e cinqüenta homens. (...) Disse-lhes Elias: Agarrai os profetas de Baal! que nenhum deles escape: Agarraram-nos; e Elias os fez descer ao ribeiro de Quisom, onde os matou. II Crônicas 14:12 - E o Senhor desbaratou os etíopes diante de Asa e diante de Judá; e os etíopes fugiram. Asa e o povo que estava com ele os perseguiram até Gerar; e caíram tantos dos etíopes que já não havia neles resistência alguma; porque foram quebrantados diante do Senhor, e diante do seu exército. Os homens de Judá levaram dali mui grande despojo. Feriram todas as cidades nos arredores de Gerar, porque veio sobre elas o terror da parte do Senhor; e saquearam todas as cidades, pois havia nelas muito despojo. Também feriram as malhadas do gado, e levaram ovelhas em abundância, e camelos, e voltaram para Jerusalém. Esdras 9:1 - Ora, logo que essas coisas foram terminadas, vieram ter comigo os príncipes, dizendo: O povo de Israel, e os sacerdotes, e os levitas, não se têm separado dos povos destas terras, das abominações dos cananeus, dos heteus, dos perizeus, dos jebuseus, dos amonitas, dos moabitas, dos epípcios e dos amorreus; pois tomaram das suas filhas para si e para seus filhos; de maneira que a raça santa se tem misturado com os povos de outras terras; e até os oficiais e magistrados foram os primeiros nesta transgressão. Ezequiel 6:4 - E serão assolados os vossos altares, e quebrados os vossos altares de incenso; e arrojarei os vossos mortos diante dos vossos ídolos. E porei os cadáveres dos filhos de Israel diante dos seus ídolos, e espalharei os vossos ossos em redor dos vossos altares. (...) Em todos os vossos lugares habitáveis as cidades serão destruídas, e os altos assolados; para que os vossos altares sejam destruídos e assolados, e os vossos ídolos se quebrem e sejam destruídos, e os altares de incenso sejam cortados, e desfeitas as vossas obras. Ezequiel 6:13 - Então sabereis que eu sou o Senhor, quando os seus mortos estiverem estendidos no meio dos seus ídolos, em redor dos seus altares, em todo outeiro alto, em todos os cumes dos montes, e debaixo de toda árvore verde, e debaixo de todo carvalho frondoso, lugares onde ofereciam suave cheiro a todos os seus ídolos. E estenderei a minha mão sobre eles, e farei a terra desolada e erma, em todas as suas habitações; desde o deserto até Dibla; e saberão que eu sou o Senhor. Ezequiel 9:4 - E disse-lhe o Senhor: Passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal as testas dos homens que suspiram e que gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela. E aos outros disse ele, ouvindo eu: Passai pela cidade após ele, e feri; não poupe o vosso olho, nem vos compadeçais. Matai velhos, mancebos e virgens, criancinhas e mulheres, até exterminá-los; mas não vos chegueis a qualquer sobre quem estiver o sinal; e começai pelo meu santuário. Então começaram pelos anciãos que estavam diante da casa. E disse-lhes: Profanai a casa, e enchei os átrios de mortos; saí. E saíram, e feriram na cidade. Ezequiel, 30:13 - Também destruirei os ídolos, e farei cessar de Mênfis as imagens; e não mais haverá um príncipe na terra do Egito; e porei o temor na terra do Egito. E assolarei a Patros, e porei fogo a Zoã, e executarei juízos em Tebas; e derramarei o meu furor sobre Pelúsio, a fortaleza do Egito, e exterminarei a multidão de Tebas; também atearei um fogo no Egito; Pelúsio terá angústia, Tebas será destruída, e Mênfis terá adversários em pleno dia. Os mancebos de Om e Pi-Besete cairão à espada, e estas cidades irão ao cativeiro. E em Tapanes se escurecerá o dia, quando eu quebrar ali os jugos do Egito, e nela cessar a soberba do seu poder; quanto a ela, uma nuvem a cobrirá, e suas filhas irão ao cativeiro. Assim executarei juízos no Egito, e saberão que eu sou o Senhor. Salmos, 137:8 - Ah! filha de Babilônia, devastadora; feliz aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós; feliz aquele que pegar em teus pequeninos e der com eles nas pedras. sexta-feira, abril 18, 2014
OS DEUSES PRECURSORES 1. JEZEUS CRISTNA Livro que recomendo para estes dias em que se celebra a morte infamante do Cristo: Pablo de Tarso, ¿Apóstol o Hereje?, da espanhola Ana Martos. Apesar de alguns lapsos, como falar da existência de três reis magos na Bíblia – o Livro fala apenas de magos, jamais diz que são reis e muito menos que são três – Martos faz importantes reflexões sobre as origens do cristianismo e sobre a heresia de Paulo. Para começar, segundo a autora, os poemas e livros sagrados hindus, que narram o mito do primeiro casal que desobedeceu e foi expulso do paraíso terrenal do Ceilão, afirmam que Brahma finalmente os perdoou, mas que, posto que era um deus, conhecia de sobra a natureza humana e soube de antemão que continuariam pecando e ofendendo-o, porque o mal já havia entrado no mundo e não era fácil tirá-lo dali. Por isso, decidiu enviar Vischnu, a segunda pessoa da Trindade, para que se encarnasse no ventre de mulher mortal e redimisse o gênero humano do mal e da morte eterna. Vischnu se encarna mais de uma vez. Sua oitava reencarnação foi Cristna, e a nona, Buda. 3500 anos antes de nossa era, Cristna nasceu de mãe virgem, tendo sido profetizada sua vinda ao mundo pelos livros santos. Acho que o leitor já conhece história semelhante. Adelante! A concepção da mãe de Cristna foi marcada pelo divino. Vischnu apareceu em sonhos a uma mulher justa e boa chamada Lakmy, que esperava um filho, advertindo-a que daria luz a uma filha, que seria eleita por Deus para ser mãe do futuro redentor do mundo. A criança deveria chamar-se Devanaguy e não deveria conhecer varão, mas permanecer virgem e entregue à oração. Anos depois, Cristna foi concebido milagrosamente durante uma cena mística, na qual Devanaguy entrou em êxtase enquanto orava fervorosamente, ofuscada pela luz e esplendor do espírito divino que se encarnou em seu ventre. Mas Rausa, tirano e tio de Devanaguy, foi advertido em sonhos de que a criança que nasceria de sua sobrinha o destronaria algum dia e a encerrou em uma torre. Nove meses depois chegou o momento esperado do parto e, ao primeiro gemido de dor da parturiente, um forte vendaval a elevou milagrosamente e a transportou até a cova do pastor Nauda, onde nasceu um menino a quem deram o nome de Cristna. Todos os pastores acudiram a adorá-lo e a atender a mãe e o filho, mas Rausa soube que a criança havia nascido fora de sua prisão e, enfurecido, mandou degolar todos os meninos que tivessem nascido naquela noite. Devanaguy recebeu a advertência celestial e fugiu com o menino para colocá-la a salvo da degola, quando os soldados do tirano se aproximavam perigosamente. Passaram-se os anos e Cristna, a criança celestial, cumpriu dezesseis. Chegou então o momento de abandonar a proteção materna para percorrer a Índia e predicar uma nova moral. Uma moral que a todos impactou, porque se atreveu a proclamar a igualdade entre os homens e inclusive, com coragem, entre as castas hindus, algo que ninguém até então havia sido capaz de mencionar. E não só isso, mas também pôs em destaque a hipocrisia dos sacerdotes brâmanes, o que lhe valeu sua ira e suas contínuas perseguições. Quando foi necessário, Cristna realizou o milagre de curar enfermos e leprosos, fazer andar os paralíticos, devolver a visão aos cegos e inclusive ressuscitar os mortos. Muita gente o seguiu porque sua doutrina falava de bondade, de ajudar e amar-se mutuamente e de socorrer os frágeis e inválidos. Ensinou que é preciso amar aos demais como a si mesmo, que é melhor devolver bem por mal e que a melhor forma de viver é praticar a caridade e todas as virtudes. Disse ter vindo ao mundo para redimir os homens do pecado de seus primeiros pais, rodeou-se de discípulos que continuariam seu trabalho e ensinou sua doutrina através de parábolas. Certa ocasião, Cristna teve de repreender o principal de seus discípulos, Ardjuna, por sua escassa fé, já que ele e outros seguidores entraram em pânico quando sentiram aproximar-se os esbirros do tirano. Mas Cristna soube infundir neles novo ânimo, mostrando-se com todo seu divino resplendor da segunda pessoa da Trindade divina. Após sua transfiguração, seus discípulos começaram a chamar-lhe Jezeus, que significa “nascido da essência divina”. Quando soube que havia chegado sua hora, retirou-se a um lugar para rezar, proibindo a seus discípulos que o seguissem. Submergiu no rio Gânges e logo ajoelhou-se às suas margens, recostando-se a uma árvore e esperando sua morte. Enquanto rezava, chegaram os soldados do tirano e os esbirros dos sacerdotes e um deles feriu-o com uma flecha. Para que terminasse de morrer, o dependuraram em uma árvore para que o devorassem os animais selvagens. Seus discípulos o procuraram ansiosos quando souberam de sua morte e correram para apanhar seus restos, mas nada encontraram porque o filho de Deus havia ressuscitado e voltado aos céus. Isto aconteceu 3500 anos antes de nossa era. Qualquer semelhança com aquela outra história não é mera coincidência. Continuo mais tarde o relato dos demais mitos anteriores ao cristianismo, feito por Ana Martos. 2. AGNI E MITRA Segundo a autora, encontramos mais um mito precursor nos Veda, os livros sagrados da Índia revelados pelo próprio Brahma e compilados por Vyasa, que datam do século XIV antes de nossa era. Traduzo. Agni nasceu no 25 de dezembro, solstício de inverno, tendo sido sua vinda anunciada ao mundo por uma estrela no firmamento. Desde então, quando reaparece, os sacerdotes anunciam a boa nova ao povo e repetem o rito do descobrimento do fogo, esfregando os lenhos cruzados, até que surge a chispa como uma criatura celestial que colocam sobre palhas para que prenda fogo. Os sacerdotes levam até o berço de palha uma vaca que leva a manteiga e um asno que leva o soma, um licor alcoólico de cor dourada, com os quais alimentam a pequena chama, à qual chamam criatura. No ritual, os sacerdotes lhe oferecem pão e vinho e cada fiel recebe uma pequena partícula da oferenda, que contém parte do corpo de Agni, nome que se transformou em Agnus, cordeiro em latim, no contato com o povo romano. O cordeiro que se oferece a Deus como vítima propiciatória pela redenção dos homens, o cordeiro de Deus, Agnus Dei. O nome de Agni significa “unção”, que em grego se diz “cristnos”, de onde procede “cristo”, o “ungido”, o Messias judeu e cristão dito em grego, porque em hebraico se mashiakh, que se translitera como messias. Os dois lenhos cruzados são a cruz onde se gera o fogo, o Sol, que é a origem do deus segundo o dogma ariano de uma trindade composta pelo Sol, pai celeste; o fogo, encarnação do Sol e o espírito, sopro de ar que acende a chama. Nos conta a autora que a Índia teve um outro deus, não tão importante, mas que passou ao panteão persa – e depois ao romano – com todas as características de um deus principal. Seu nome era Mitra, também chamado o Senhor, e fez nascer com suas flechas a fonte eterna do batismo, já na Pérsia. Nasceu de mãe virgem, em um 25 de dezembro, a festa mais importante da religião dos magos persas. Seu nascimento foi anunciado por uma estrela que apareceu no Oriente e os magos acudiram a adorá-lo, levando-lhe perfumes, ouro e mirra. Mitra morreu no equinócio da primavera, em março, para ressuscitar triunfante no terceiro dia. Na religião mitraica, que primeiro foi hindu, logo persa e finalmente foi adotada por Roma como religião oficial, Mitra, que originalmente foi o ministro principal do deus Ormuz, venceu o touro que simbolizava a vida, arrastou-o a uma cova e lá o degolou para beber seu sangue, porque de seu sangue surgiu a vida e de sua carne se originaram todos os animais e todas as plantas. Por isso, Mitra se converteu em criador do universo e, ao mesmo tempo, em mediador entre Ormuz e o ser humano. Os ritos de iniciação nos mistérios de Mitra incluíam batizar o neófito com sangue de touro sacrificado em um lugar mais elevado, de onde o sangue manava para banhar o iniciado. A iniciação começava com o batismo e terminava com a comunhão, em que se consumia a carne do touro com água, pão e vinho. O pão e o vinho se consagravam previamente com uma fórmula mística que os converteria em corpo e sangue do deus. O culto de Agni surgiu 1400 anos antes de nossa era. Qualquer semelhança com aquela outra história não é mera coincidência. 3. OSÍRIS, DIONISOS E SERAPIS Ana Martos vai adiante e envereda pela mitologia egípcia. Os Textos das Pirâmides mostram que Osíris oferece seu corpo como pão de vida e seu sangue como vinho. “Tu és o pai e a mãe dos homens que vivem de teu sopro, comem a carne de teu corpo e bebem teu sangue. O que come tua carne e bebe teu sangue viverá eternamente”. Os gregos identificaram Osíris com Dionisos, o deus encarnado, o salvador, filho de Deus, nascido de uma mulher mortal, em um 25 de dezembro, em uma cova humilde onde pastores o adoraram. Osíris Dionisos oferecia a seus seguidores o renascimento para a vida eterna mediante a imersão ritual na água. Em sua vida terrena converteu a água em vinho durante uma cerimônia nupcial. Entrou triunfalmente na cidade montado em um asno, enquanto as pessoas brandiam palmas. Morreu na Páscoa (na primavera) pelos pecados do mundo, desceu aos infernos e ressuscitou no terceiro dia para ascender glorioso à sua morada celestial, de onde descerá ao final dos tempos para julgar os homens bons e os maus. Dionisos, como Baco e, em alguns cultos, Orfeu, foi crucificado pelos pecadores, mas não em uma cruz de dor, senão em uma cruz de salvação, porque a cruz é símbolo e totem de muitos povos. Sua morte e ressurreição se celebravam com um ágape ritual com pão e vinho que simbolizavam sua carne. A conversão do pão e do vinho em carne e sangue do deus era um ritual tão popular que Cícero, cético, chegou a protestar em De natura deorum e a perguntar se alguém podia estar tão louco para acreditar que o que ingeria era a carne e o sangue de um deus. O culto a Osiris se ampliou e se aperfeiçoou durante o período helenístico, no qual o Egito esteve governado pelos gregos, para configurar uma nova divindade cuja morte e ressurreição assegurava vida eterna a seus fiéis. Unindo todas estas facetas, Ptolomeu I proclamou a religião de Serapis no Egito como religião oficial imposta, não espontânea como a de Isis ou Adonis, mas mantendo a tolerância em relação a outros deuses e outras religiões. Serapis era a união de Osiris e Apis, dois deuses egípcios que naquela época já incorporavam os aspectos do deus grego Dionisos, pelo que se proclamou Redentor filho da Trindade egípcia. Serapis nasceu de mãe virgem no solstício de inverno, morrendo no equinócio da primavera para ressuscitar no terceiro dia. Não escapou de ameaças de morte, o que obrigou sua mãe, a virgem Isis, a fugir com o filho, montada em um asno. Isso sem falar da imagem de Orfeos Bakkikos, a primeira que se conhece de um deus crucificado, utilizada nos mistérios órficos e dionisíacos celebrados no Mediterrâneo... desde o século VI antes da era cristã. Conhecemos essa história, não? É a do cara aquele que nasceu num 25 de dezembro de mãe virgem, foi anunciado por anjos, curou enfermos e leprosos, fez andar os paralíticos, devolveu a visão aos cegos, transformou água em vinho e ressuscitou mortos. Sua doutrina falava de bondade, de ajudar e amar-se mutuamente e de socorrer os frágeis e inválidos. Ensinou que é preciso amar aos demais como a si mesmo, que é melhor devolver bem por mal e que a melhor forma de viver é praticar a caridade e todas as virtudes. Desafiou os sacerdotes de sua época, foi crucificado, morto e sepultado e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos. Se alguém ainda acha que isto não é ficção de hábeis sacerdotes, que se vai fazer? quinta-feira, abril 17, 2014
DO FUNDO DOS TEMPOS, EMERGE UMA VOZ DISSONANTE Falei ontem de Celso, nobre romano do século II da era cristã, e de seu Discurso Verdadeiro, escrito por volta de 178 d.C., primeiro ataque de vulto ao cristianismo de que temos notícia. O livro perdeu-se no tempo, talvez destruído pelos cristãos. Dele só restou, por ironia, o que foi reproduzido por Orígenes da Alexandria, para contestar o autor, em Contra Celso, escrito em 248. Celso deve ter tocado fundo nos brios da nova seita, para ser contestado, 70 anos depois, em nada menos que oito livros. Aproveitando esta semana, dominada pelo judeu aquele, reproduzo este texto de meados do ano passado. Falei também de meu espanto em descobrir que a obra de Orígenes foi publicada no Brasil, em 2004, pela editora Paulus. Pois bem, recebi hoje o livro, uma bela edição em capa dura, 688 páginas. Nestes dias de best-sellers e livros anódinos, nada mais louvável que a iniciativa de uma editora que desenterra, do fundo dos séculos, uma discussão fundamental entre judeus e cristãos, vista pelos olhos de um romano, na época em que a nova seita começava a assumir poder dentro do Estado. Mais louvável ainda se revela esta iniciativa editorial, quando vivemos em uma época onde os livros fundamentais pouco ou nada interessam. Contra Celso não é obra para leitores em busca de evasão, lazer ou auto-ajuda. Interessa apenas àqueles raros curiosos que questionam as origens da cultura ocidental. (Foi também com espanto - e alegria - que descobri vários leitores cultivando este proto-Nietzsche). Reproduzo a súmula dos editores: No Prefácio, Celso se comove com o fato de os cristãos enfrentarem a morte, por sua fé, com tanta disposição. Ao mesmo tempo, constata a condição ilegal dos cristãos no Império, enquanto constituem uma seita ilícita, não reconhecida. Isso os expõe a serem punidos com a morte e Celso se pergunta se vale a pena este sacrifício, se a religião cristã merece que seus adeptos arrisquem a vida por ela. Na Primeira Parte, que vai de Celso questiona as origens do cristianismo. Procura levantar o descrédito mostrando sua origem recente e suspeita. O cristianismo é um movimento sectário cuja doutrina, antiquíssima, é comum aos povos e aos sábios. Moisés a deformou em monoteísmo rígido e a impôs a seus pastores rudes. Jesus, tido por Filho de Deus por uma multidão de iletrados e alguns homens da elite, a retomou e a ensinou. Em seguida, expõe as invectivas de um judeu contra Jesus: o judeu opõe e defende suas idéias messiânicas e critica as pretensões de Jesus. Este não foi o messias, mas um homem miserável, como o mostram suas origens sem nobreza. Os títulos escriturísticos que lhe dão são sem autenticidade. Sua carreira é sem glória. Depois o judeu passa a atacar os judeus-cristãos que apostataram da religião de seus pais para crerem erroneamente em Jesus como o messias e o filho de Deus. Há, segundo Celso, boas razões para não crer: as profecias que se lhe aplicam convêm melhor a outros; sua conduta não é digna de um Deus; seus milagres semelhantes aos de outros carismáticos; a paixão de Jesus não tem um fim assinalável; a pregação de sua morte é uma invenção de seus discípulos. Assim, segundo Celso, os cristãos são refutados por seus escritos e a pretensão messiânica de Jesus, por sua impotência. Dizem que, para escrever essa obra, Celso teve que aprender hebraico e recorrer aos textos sagrados do Antigo Testamento. Assim, cita Moisés, Jonas, Ló, Daniel, ou a Sodoma e Gomorra. Demonstra conhecer os costumes e tradições judaicas. Na Segunda Parte, Celso procura mostrar que o cristianismo é uma religião sem fundamento verdadeiro, uma insurreição judaica frustrada. Quais os elementos que Celso invoca para fundar sua demonstração? Para ele, a vinda de Jesus-salvador só serve de pretexto para uma disputa inútil entre judeus e cristãos. Esta luta é reveladora do espírito de revolta, cujo único resultado é seu poder de provocar rupturas com a comunidade de origem, com as antigas tradições, com a vida social e familiar e com a comunidade ideal dos sábios. Questiona o fato básico da encarnação, a descida ao mundo de um Deus ou Filho de Deus. Critica como um absurdo a ideia de que um Deus tenha podido se encarnar. Para ele, trata-se de operação impossível, cuja imaginação implica em erros no próprio conceito que temos de Deus. Ela pressupõe uma mudança em Deus, o que é inadmissível, o que contraria a sua imutabilidade. Impugna o cristianismo atacando a ideia messiânica dos cristãos e se empenha em desqualificar o cristianismo como religião. Os hebreus se originaram ao se separarem da religião egípcia; os cristãos, por sua vez, ao se separarem dos judeus. O conceito grego de uma natureza espiritual de Deus, eterna e imutável, não se concilia com a crença cristã da humanização, paixão e morte de Deus. Do mesmo modo, a participação imediata de Deus nos acontecimentos do mundo entra em conflito com a sua bem-aventurança eterna, que descansa sobre si mesma. O conhecimento filosófico da niilidade e mutabilidade de tudo o que é material faz parecer absurda a crença cristã da ressurreição da carne, pois apenas a alma, devido a sua natureza espiritual, pode considerar-se que continue a viver para além da morte do corpo. A ressurreição nada mais é do que a velha metempsicose. Desse modo, para ele as narrativas do Antigo Testamento são equivalentes às da mitologia grega e implicam ainda em erros sobre a natureza, já que esta não é obra de Deus; implicam em erro sobre o universo, pois este não é criado exclusiva ou preferentemente para o homem mais que para os animais irracionais. Nem os cristãos são algo extraordinário, já que vêm do judaísmo do qual apostataram, e sua situação é ainda pior que a dos judeus: sua angelologia é mais desconcertante e seu sectarismo aumentado. O credo dos cristãos não tem nada de original. Não é outra coisa que uma hábil mistura de elementos estoicos, eleatas, judaicos, persas e egípcios. Demonstra conhecer os evangelhos, e não somente aqueles que serão estabelecidos no século IV por são Jerônimo como “canônicos”, “oficiais” na Vulgata, mas também os evangelhos apócrifos que deviam circular livremente na época de Celso e que a censura expurgou ao longo do século IV. É possível, inclusive, deduzir-se que o esforço de “fixar” os textos “oficiais” da Igreja tenha surgido como método para anular os ataques pagãos e reações como as de Celso. Na Terceira Parte, Celso combate as idéias particulares do cristianismo. Confronta as doutrinas tradicionais com as dos judeus e cristãos, para mostrar a inferioridade destas sob todos os aspectos, na medida em que se afastam das doutrinas tradicionais. Por isso, o cristianismo professa uma doutrina sem valor. Estigmatiza como sectarismo e intolerância a recusa cristã de altares e imagens, do culto dos demônios e do imperador, provas de um comportamento político irresponsável, inconseqüente e perigoso que enfraquece a autoridade e a força do Estado, expondo-o aos bárbaros iníquos e selvagens. Passa em revista os livros sagrados dos cristãos, ataca a cosmogonia da “criação dos seis dias”, qualificando-a de infantil. Ataca as profecias, argumentando que elas destroem a liberdade. Ataca a possibilidade de um Deus antropomorfo, assim como o inviável da ressurreição dos corpos. Isto nos dá ideia de que o cristianismo do século II devia estar numa linha “muito dura” e que logo se abrandou um tanto ao assimilar parte do platonismo com o que era atacado, deixando-se impulsionar pela simbiose universal. A Quarta Parte é uma defesa radical da religião e do Estado Romano pagão tal como se encontrava no século II, ressaltando que a seita dos cristãos é um iminente perigo social e político. A razão é que os cristãos se negam a prestar o serviço militar. Para o bem da pátria, todo cidadão deve assumir cargos na função pública e muitos cristãos se negam a fazê-lo. Os cidadãos não podem deixar de render o devido culto ao Imperador, como fazem os cristãos. Os cidadãos não devem negar-se a participar nos sacrifícios e nos banquetes sagrados, e os cristãos se negam. Um cidadão deve tomar a toga viril quando chega a idade para isso, e os cristãos rompem com essa tradição do passado. Celso vê nos cristãos um perigo social e uma subversão política, e conclui: “Que a terra seja expurgada dessa canalha”. As perseguições devem muito, seguramente, a essa obra de Celso. Portanto, resta a cada um o dever de sustentar o imperador e tomar parte no governo, se for necessário, como nos serviços comuns da vida. Na Conclusão, Celso indica como é preciso viver: exorta os cristãos a deixar de lado o universalismo, a combater pelo imperador, a participar no governo da pátria para defender as leis e a religião. Para quem gosta de antigas querelas, boa leitura! quarta-feira, abril 16, 2014
REMEMBER CELSO Por falar em Cristo, entre 176 e 180 d.C. surgiu uma das mais virulentas críticas ao cristianismo, elaborada pelo nobre romano Celso. Já naqueles dias, a nova seita era acusada de criar um Estado dentro do Estado. "Há uma raça nova de homens, nascidos ontem, sem pátria nem tradições, unidos contra todas as instituições religiosas e civis, perseguidos pela justiça, universalmente marcados de infâmia, mas que se vangloriam da execração comum". Para os romanos de então, era normal que cada nação tivesse seus deuses. Os romanos tinham os seus, os gregos e egípcios também. Os judeus, por sua vez, tinham um só, Jeová. Com o cristianismo surgia algo novo. A nova raça de homens, como diz Celso, tinha também um só deus, mas este não pertencia a nação nenhuma. Não pertencendo a nação nenhuma, se pretendia o deus de todos. Estas reflexões, Celso as reuniu em O Discurso Verdadeiro, obra que foi entusiasticamente queimada pela nova Igreja. Dela só restou o Contra Celso, de Orígenes, teólogo cristão que pretendeu refutá-lo. Sorte nossa. Conforme prática da época, ao discutir um livro, era costume primeiro citar seus argumentos para depois rebatê-lo. Não fosse este zelo dos teólogos cristãos, nada teríamos do pensamento do pensador romano. A propósito, Orígenes foi aquele santo homem que levou a sério as palavras do Cristo transcritas por Mateus: "Ai do mundo, por causa dos tropeços! pois é inevitável que venham; mas ai do homem por quem o tropeço vier! Se, pois, a tua mão ou o teu pé te fizer tropeçar, corta-o, lança-o de ti; melhor te é entrar na vida aleijado, ou coxo, do que, tendo duas mãos ou dois pés, ser lançado no fogo eterno. E, se teu olho te fizer tropeçar, arranca-o, e lança-o de ti; melhor te é entrar na vida com um só olho, do que tendo dois olhos, ser lançado no inferno de fogo." O que fazia Orígenes tropeçar não era bem a mão ou o pé, muito menos o olho, mas um outro membrinho inquieto que o fazia pecar. O santo homem decidiu então cortá-lo. Pelo menos preservou longos trechos do Discurso Verdadeiro. É Celso quem aventa uma hipótese bastante plausível, que Cristo teria sido filho de Maria com um soldado romano chamado Pantera. Que não era filho de José, isto está nos Evangelhos. Quanto a ser filho do Paráclito, isto ultrapassa a humana razão. Filho de algum pai haveria de ser. Celso faz perguntas bastante pertinentes: “Por que te viram então, a ti, filho de Deus, vagabundo de infelicidade, vergado sob o pavor, desamparado, correndo o país com os teus dez ou onze acólitos recrutados na ralé do povo, entre publicanos e marinheiros sem eira nem beira, e ganhando envergonhadamente uma precária subsistência? Por que foi preciso que te levassem para o Egito? Para te salvarem do extermínio pela espada? Mas um Deus não pode temer a morte. Um anjo veio de propósito do céu ordenar a ti e a teus pais a fuga. O grande Deus, que já tinha tido o trabalho de enviar dois anjos por ti, não podia então preservar o próprio filho no seu próprio país?” É pergunta de difícil resposta. Não por acaso, os cristãos abominam Celso. Relendo o Contra Celso, encontrei este texto escrito há quase vinte séculos, mas de extraordinária lucidez mesmo em nossos dias. “Há muitos que, embora careçam de reputação ou nome, exercem seu ofício ao menor estímulo, com a maior facilidade, dentro e fora dos lugares sagrados como se estivessem submetidos ao êxtase profético. Outros, vagando como mendigos e visitando as cidades e os acampamentos militares, oferecem o mesmo espetáculo. Cada um deles tem as palavras na ponta da língua e usam-nas instantaneamente: “Sou Deus”, “filho de Deus” ou “espírito de Deus”. Vim porque o fim do mundo se aproxima e vós, os humanos, sereis destruídos por vossa maldade! Mas eu vos salvarei e vós me contemplareis vir novamente com poder celestial! Bem-aventurado quem agora me honre! Eu relegarei todos os demais ao fogo eterno, as cidades bem como seus países e seus povos. Aqueles que não reconheçam agora as sentenças que caem sobre suas cabeças logo se lamentarão e mudarão de opinião inutilmente! Mas aqueles que tiverem acreditado em mim, preservarei eternamente! A essas ameaças grandiloqüentes acrescentam palavras raras, meio loucas e absolutamente incoerentes, cujo sentido não pode ser compreendido por nenhum homem, por mais inteligente que seja, tão obscuras e vazias. Mas o primeiro simplório ou charlatão que as ouve pode explicá-las como lhe parecer melhor... Estes pseudoprofetas, a quem em mais de uma ocasião ouvi pessoalmente, admitiram sua fraqueza depois que os convenci e confessaram que inventaram todas suas inúteis palavras”. Sempre é bom voltar aos antigos. segunda-feira, abril 14, 2014
EINFÜHRUNG * Der Kunst bleibt nur eine radikale und revolutionäre Kundgebung nachdem Gott tot und die Ideologien im Zusammenbruch sind. Was ist ein empörter Mensch? - fragt sich Camus. Es ist „ein Mensch, der Nein sagt. Aber wenn er verneint, verzichtet er dennoch nicht: er ist gleichzeitig ein Mensch, der ‚Ja‘ sagt, von Anfang an.“ Albert Camus sagt, dass diese Ablehnung sich in drei Formen ausdrückt: Erstens in dem Menschen, der seine Kondition und seine ganze Beschaffenheit ablehnt, finden wir die metaphysische Auflehnung, eine dem Christentum zeitlich gleich gestaltete Bewegung. Der Verfasser stellt diese Ablehnung oder Verneinung in den ersten Theogonien (mystischen Darstellungen) fest, in dem „Prometheus, der an eine Säule gekettet ist, am Ende der Welt, ein ewiger Märtyrer, für immer der Vergebung verlustigt, die er nicht zu erbitten gewillt ist“. Eine Revolution wird keinen fruchtbaren Boden innerhalb einer Kultur finden, in der die Götter unter den Menschen weilen, in der ein Fremder mit der klassischen Anrede empfangen wird: „wer immer Du auch seist, Mensch oder Gott...“ Die Gewissheit von der Existenz eines einzigen Gottes, der verantwortlich ist für die ganze Schöpfung und der vom Christentum erstellt worden ist und der in sich dieses wage Gefühl von Generationen vereint. Diese Revolution, dieses Aufbegehren „ist metaphysisch, denn sie widersprechen dem Ziel und Zweck des Menschen und der Schöpfung.“ - Und bald danach, als logische Konsequenz der metaphysischen Revolution, bricht die Revolution in der Geschichte aus, ein verzweifelter Versuch und blutig dazu, um den Menschen vor der Verneinung zu schützen. Indem der Mensch den Kampf gegen Gott ablehnt, stürzt er sich in einen Holocaust. Camus besteht darauf, dass diese historische Revolution nicht mit einer Rebellion zu verwechseln ist. Spartacus strebt keine Rebellion an, er will nur gleiche Rechte wie die des Herrn, er will der Herr sein, anstelle des Herrn. Wir stehen einer Rebellion gegenüber. Wenn eine Rebellion Menschen tötet, tötet eine Revolution Menschen und Prinzipien. - Und schließlich die Revolution der Schöpfung, der Rivalität mit Gott, die Revolution der Kunst: eine Bewegung, die gleichzeitig preist und verneint. Kein Künstler kann die Wirklichkeit ertragen, sagt Nietzsche. „Das ist wahr“, sagt Camus, „aber kein Künstler kommt ohne die Wirklichkeit aus“. Ernesto Sabato, der einsame Schriftsteller von Santos Lugares, dessen erster Roman den französischen Verlegern von Camus empfohlen wurde, erscheint heute als Höhepunkt der Prosa und des Gedankenganges von Lateinamerika. Aus freiem Willen fern der intellektuellen Kreise, jahrelang unterdrückt durch das vorwiegend politische Ansehen von Garcia Márquez, Cortázar oder Vargas Llosa, ist dieser Argentinier mit seinen nur drei Romanen heute das Thema vieler Thesen in Europa und Nordamerika. Sein Name wurde schon dreimal für den Nobelpreis vorgeschlagen. Unabhängig von literarischen Geschmacksrichtungen arbeitet er an seinen originellen und schlichten Werken mit der Geduld eines Mönches. Der „Tunnel“ erschien 1948, „Über Helden und Gräber“ 1961 und „Abadon, der Vernichter“ 1974. Unendlich selbstkritisch wurden diese 3 Romane von Matilde, seiner Frau und von einigen Freunden vor dem Verbrennen gerettet. „Ich habe mehr vernichtet und verbrannt als herausgegeben“, sagte Sabato in einem Interview zu Marcos Santarrita. „Ich bin von Natur aus ein unzufriedener Mensch“. - Seine Werke, die von vielen Kritikern als das tiefgreifendste metaphysische Manifest der gegenwärtigen Literatur bezeichnet wird, wurden gerade aus diesem Grunde von gewissen Kritikern ignoriert. „Man erwartet von uns die Beschreibung wilder Reitereien in der Steppe, sie lechzen nach Exotischem und Lokalkolorit.“ Die Werke Sabatos, seien es Romane oder Essays, lehnen sich beträchtlich an die Gedanken von Camus an. Für beide Schriftsteller hat die Kunst ihre Wurzeln in der Revolution und es ist eben diese Revolution, diese Auflehnung gegen die menschliche Natur, die sie zum Schreiben treibt. „Wir hatten die metaphysische Unruhe gemeinsam, sowie die ethischen Sorgen und die sehr ähnliche politische Einstellung“, sagt Sabato über Camus. Ich habe mir zum Ziel gesetzt, auf diesem Gang durch die Werke Sabatos und Camus, die drei Manifestationen der Revolte {Empörung) herauszuarbeiten: Die Suche nach Gott, die Revolution und die Kunst. Zuerst werde ich die Einstellung dieser 2 Autoren zu diesem völlig leeren Grundsatz analysieren, zu einer Welt, in der es keinen Gott gibt und wo alles, selbst Mord, gebilligt wird. Gottlos, wie verschiedene andere Geister derselben Epoche, schließen sie eine geschichtliche Wette ab und nähern sich dem Marxismus. Aber der neue Glaube ist anspruchsvoll, er verlangt gedankliche Unterwerfung und die Zustimmung zum Verbrechen zum Wohl des Staates. Als Menschen, die sich an nichts und niemanden anschließen, entfernen sie sich von der neuen Kirche, nicht ohne den Grund für diese Entfernung für sich und ihr Publikum zu analysieren. Da es mir unmöglich erscheint, das Leben und die Werke eines Schriftstellers der ersten Hälfte unseres Jahrhunderts zu untersuchen, ohne Stalin zu zitieren, betrachten wir einige Ereignisse, die die hier untersuchten Autoren beeinflussten, speziell das große Fiasko der 40iger Jahre, die Affäre Lyssenko. Ohne Gott und ohne Marx haben Sabato und Camus dieselbe Reaktion: sie schreiben einen Roman, in dem es für die darin erscheinenden Personen keinen Ausweg gibt. Ihr Aufschrei findet eine Antwort, sie überwinden den Nihilismus, indem sie die Aufgaben eines Schriftstellers auf sich nehmen, der als Bote der Furien erscheint. Der Roman erscheint als eine mögliche Antwort und nimmt bei Sabato neue Konfigurationen an. Und schließlich werden wir noch die neuen Formen der Revolution in einer neuen geografischen Umgebung untersuchen, wobei der Roman sich mit den Träumen einer Menschengruppe auseinandersetzt und in dem sich die metaphysischen Ängste und Qualen sogar in einem Tango ausdrücken. In der Analyse der Werke in denen sich Sabato und Camus einander nähern ist die chronologische Folge ihres Erscheinens nicht immer eingehalten, denn die Schriftsteller verzeichnen häufig in späteren Werken dieselben Qualen vorhergegangener Arbeiten. Was Sabato betrifft, so müssen wir Essays und schöngeistige Literatur betrachten, denn der Schriftsteller selber unterscheidet sie nicht. Als früherer Journalist überlasse ich darum immer dem Schriftsteller das Wort, wenn es sich darum handelt, dem Grundgedanken seiner Werke nachzugehen. So wie wir keiner absoluten Zeitfolge nachgegangen sind, so haben wir auch keine absolut ordnungsgemäße Seitenfolge bei beiden Autoren eingehalten. Es handelt sich hier nicht um ein Parallellaufen, um eine rhetorische Untersuchung der respektiven Vorzüge oder um einen Vergleich der beiden Schriftsteller. Ich muss gestehen, dass es vielmehr die Erklärungen und Deutungen von Sabato über Camus waren, die mich reizten. Das Studium beider war notwendig für unsere Arbeit, die man gut das „Absurde bei X oder Y“ nennen könnte. Um eine zu große Kürzung oder Gleichschaltung (überkreuzte Leben) und Vereinheitlichung zu vermeiden, habe ich mich zu einem vielleicht zuerst oberflächlich erscheinenden Vorgehen entschlossen, das die Originalität des einzelnen Schriftstellers respektiert, wobei vordergründig jede Eigenproblematik in ihrer Einheit behandelt wird. Mag dies auch paradox erscheinen, so habe ich doch aufgrund dieses Vorgehens und aufgrund der Untersuchung jedes Einzelnen hier einen Lesestoff vorzustellen, in dem Sabato Camus und Camus Sabato gegenübergestellt wird: nichts Anderes wurde mit dieser Arbeit angestrebt. Als Grundlage und zur Dokumentierung sei hier ein Brief Sabatos beigefügt, ein Interview in Santos Lugares, und der Briefwechsel mit Ernesto Guevara, der in „Abadon, der Vernichter“ erscheint und last but not least, der Aufschrei eines empörten Menschen, der sich gegen die Mittelmäßigkeit seiner Zeit auflehnt. „Seien wir wir selbst.“ * Em alemão, até pareço profundo. |
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