¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, maio 19, 2014
 
ATOR ALMEJA UM
BRASIL DE MARIGHELLA



Comentei outro dia a extraordinária capacidade de síntese de frei Betto, que conseguiu resumir um amontoado de besteiras em uma única frase: “Não sei por que se fala do fracasso do socialismo na Europa e não se fala do fracasso do capitalismo no ocidente”. Mas não só frei Betto tem esse dom que, aliás, é característico de não poucos intelectuais.

É o caso do ator Wagner Moura, que declarou ao Estadão na quarta-feira passada: "Tenho o maior amor por esse País, mas não está dando para viver aqui”. A frase é típica de um jovem, embora Wagner já não coza na primeira fervura. Se um ator bem sucedido, com ampla divulgação na mídia e possibilidades no cinema não consegue viver aqui, quem conseguirá? O Zé da Silva que ganha salário mínimo ou pouco mais e nem sabe o que comer em um bom restaurante e tomar um bom vinho?

Frase típica de jovem, disse. E disse porque já fui jovem, condição que todos viveram vivem ou tiveram vivido. Também pensei assim, há mais de quatro décadas, quando busquei asilo cultural e espiritual na Suécia. Dá pra viver, sim senhor, e particularmente quando se é Wagner Moura. Em nenhum outro país o ator terá a fama, prestígio e facilidades das quais goza no Brasil.

Ele reclama do preconceito e do conservadorismo – diz a reportagem do jornal - e diz que Praia do Futuro (seu último filme) vai contra isso, mas reclama mais ainda da política. Na eleição passada, já se havia distanciado do PT e apoiado Marina Silva para presidente. "O PT não inventou o toma lá/dá cá, mas o institucionalizou", diz, desiludido.

Mais uma Madalena tardia. De sua declaração, deduzimos que votou no PT e nas últimas eleições apoiou uma hipotética candidata que levaria o país a um desastre que nem o PT conseguiria levar. Se o leitor acha que exagero, peço que espere algumas linhas para ver quais líderes Moura queria para o Brasil.

O PT é a última flor do Lácio marxista, ou do marxismo latino, como quisermos. Verdade que, uma vez no poder, degustou as delícias do capitalismo e das empreiteiras e desprendeu-se de suas plumas vermelhas. Se perdeu as plumas, não perdeu as garras e até hoje tenta instituir no país uma ditadura travestida de democracia – ao estilo do PRI mexicano –, seu projeto de controle social da mídia que o diga.

O Brasil é um bom país para se viver, que o digam os exilados que fugiram com o rabo entre as pernas durante o regime militar e hoje estão todos de volta, gozando as benesses do país que os militares salvaram da condição de republiqueta soviética. Mais ainda, gozando de gordas bolsas-ditadura, benefício que não tiveram as vítimas da guerrilha ou seus familiares.

Verdade que o país tem seus bolsões de miséria e uma rotina de violência. E seus preços, hoje, são exageradamente altos. Mas alguém na condição de Moura passa ao longe de tudo isso. Sua declaração é charminho de antigo petista que hoje, com o partido mais sujo que pau de galinheiro, pretende manter distância daquilo que um dia apoiou. Mas vejamos qual Brasil o ator almeja.

“Pai dedicado, Wagner adora curtir os filhos. Quer um Brasil melhor para eles. Ia fazer logo seu longa sobre Marighella, que agora está prevendo para 2016. "Tem gente que diz que era um assassino, mas ele entendeu o Brasil e sabia que a chapa ia esquentar, já antes do golpe. Marighella pertence a uma geração que se sacrificou pelo Brasil, eu quero fazer o filme sobre ele para a minha geração. Ficou difícil, hoje, entender e aceitar esse idealismo, as pessoas estão muito centradas."

Ah bom! Moura queria um Brasil comunista, liderado por um facínora. PT e seus desmandos para ele é pouco. Preferia uma ditadura nos melhores moldes soviéticos ou cubanos. Por isso não está dando para viver aqui. Enfim, Havana não fica muito longe.

Mas é claro que para lá o ator não vai. A não ser, é claro, como turista e hóspede privilegiado de hotéis aos quais o cubano não tem acesso. É espantoso que, 25 anos após a queda do Muro e do desmoronamento do comunismo ainda haja quem aspire viver em regimes cuja inviabilidade a história recente acaba de mostrar.