¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, junho 26, 2014
 
FSP TORNA-SE CÚMPLICE
DE INVASORES DE PRÉDIOS



Leio nos jornais que a Educafro, ONG que combate o racismo, está protestando contra a ausência de negros nos estádios da Copa do Mundo --que a entidade chama de "apartheid padrão Fifa". "Estamos estarrecidos", diz o frei David Santos, presidente da organização. "Nós somos 50,7% do povo brasileiro, mas quantos negros há nas arenas?"

Frei David parece não ter entendido a sociedade em que vive. Parece – ou finge – ignorar que, para assistir aos jogos é preciso pagar. E os ingressos não estão exatamente ao alcance de todos. Ou estará pretendendo o frei que sejam reservadas cotas à afrodescentada? Não só negros, mas milhares, senão milhões de brancos, estão privados dos jogos por uma razão simples: comer tem prioridade sobre a Copa. Claro que ninguém vai reclamar da ausência destes milhões. São brancos. Que se lixem.

Querendo bancar o magnânimo, ano passado Jérôme Valcke, secretário-geral da federação, afirmou que na Copa "brancos, negros, povos indígenas e imigrantes" teriam "as mesmas oportunidades para poder desfrutar do evento".

Oportunidades, claro que têm. O que falta é grana. A Fifa reafirma que seu "objetivo não é beneficiar apenas um grupo em detrimento de outros", mas favorecer a presença de todos. "A maior parte da compra de ingressos ocorreu por meio de sorteios, proporcionando chances iguais e justas para todos os torcedores brasileiros e estrangeiros. A Fifa criou condições para que os interessados de todas as classes sociais possam assistir aos jogos", afirma.

Os sorteios da compra de ingresso, sem dúvida alguma, proporcionam chances iguais e justas para... os que podem comprar. As queixas do frei me lembram as dúvidas de um solipsista – digo, psolista – nas redes sociais, que se perguntava se um pobre terá direito de jantar no Fasano ou no D.O.M. Direito, obviamente tem. Mas ninguém janta apenas empunhando direitos. É preciso puxar cheque ou cartão de crédito do bolso. É o mesmo direito que todos têm a freqüentar um boteco vagabundo. Mas não sem pagar.

São os eternos utopistas que aspiram a um país da Cocanha ao alcance de todos. Basta deitar sob uma árvore e os frutos caem na boca de cada um. Essas utopias dominaram o século passado. Saldo do sonho: cem milhões de mortos, miséria, fome, canibalismo. Do século só se salvou o capitalismo, que não tem livro nem teorias. Há fome nos regimes capitalistas? Claro que sim. A Cocanha só existe no bestunto de alguns desvairados. As utopias do século passado afundaram e as que ainda sobrevivem – apenas duas – vivem na miséria, escassez e mesmo falta de alimentos.

A mesma utopia está sendo brandida pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que estão invadindo prédios em bairros nobres da cidade, exigindo o direito de morar junto aos ricos sem pagar um vintém. Uma pessoa leva uma vida para juntar um patrimônio e conseguir viver bem. Estes senhores acham ser possível pular da miséria para o luxo sem trabalho algum.

O líder do movimento, Guilherme Boulos, que de sem-teto nada tem, é um aventureiro oriundo da Fefelech - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – que se diz professor de psicanálise. Tem cacife. Infringe tranquilamente as leis e foi recebido pelo prefeito e pelo governador de São Paulo, como também por Dona Dilma.

Atualmente, está sitiando, com outros sedizentes sem-teto, a sede da Câmara Municipal de São Paulo, em uma tentativa de dobrar os vereadores na definição do Plano Diretor, projeto que determina as diretrizes urbanísticas da cidade nos próximos 16 anos. Sem teto mas com smartphones. Ontem os manifestantes – como agora são chamados os delinqüentes que sitiam o Legislativo - tiveram acesso a duas senhas para uso do Wi-Fi, segundo informações do Estadão.

O elevado número de pessoas navegando na rede através do Wi-Fi da Câmara Municipal prejudicou o trabalho dos funcionários e dos jornalistas que acompanhavam as sessões do plenário. A dificuldade aumentou quando parte do sinal foi perdido durante a tarde.

A atitude é de chantagem. Boulos, filho de papai rico, mais do que ninguém, sabe ser impossível pobres viverem em zonas nobres, mesmo que tenham teto. Se ganharem teto, não terão como suportar o custo de vida do bairro. Ou seja, acabarão vendendo o que lhes foi dado com dinheiro público.

Escreve hoje na Folha de São Paulo o sem-teto-mas-com-smartphone:

“Muitos não conseguem mais morar onde sempre moraram. São expulsos por essa lógica para regiões mais distantes e periféricas. E isso implica uma piora geral nas condições de vida: mais tempo no transporte para ir e voltar do trabalho, serviços públicos ainda piores e menor infraestrutura urbana”.

Ora, é a dinâmica do capitalismo, regime onde há de tudo mas tudo tem seu preço. O mesmo aconteceu em Lisboa. Com a restauração de bairros antigos, como Alfama e Mouraria, a cidade ficou mais limpa e mais linda, mas muitos dos moradores tiveram de mudar-se. Quem morava nas imediações do Parque das Nações, onde se realizou a Expo 98, a última exposição mundial do século XX, teve de mudar-se para mais longe ainda.

Com o aumento do preço do metro quadrado e dos aluguéis, os “trabalhadores” querem aproximar-se ainda mais dos bairros caros. Trabalhadores que trabalham em quê? Ninguém sabe. Segundo os jornais, Boulos é professor de psicanálise. Mas jornal nenhum informa onde trabalha. Falta também saber quem financia a massa de sem-teto-mas-com-smart que ele lidera.

A Folha de São Paulo, em gesto de cumplicidade explícita com a invasão de prédios, acaba de contratar Boulos como colunista. A delinquência tem agora um porta-voz bem situado junto à grande imprensa.