¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, julho 22, 2014
 
BRANCA E RADIANTE
VAI A NOIVA...



Santana do Livramento, minha cidade natal – mas não aquela em que fui criado - parece ter decidido profanar o Santo dos Santos. Verdade que os santanenses sempre foram pioneiros. Foi em Livramento que surgiu a primeira célula comunista no Brasil, já em 1918, apenas um ano após a revolução russa, criada por anarquistas italianos que haviam aportado em Rio Grande. Os paulistanos se gabam - como se louvável fosse gabar-se da humana estupidez - de que o Partido Comunista tenha nascido em 1922, em São Paulo. Não é verdade. O obscurantismo tem origens gaúchas.

Mas os comunistas russos estavam eivados de boas intenções e na época ninguém sonhava com a tirania que resultou dos nobres propósitos dos bolcheviques. De certa forma, era dever de todo humanista aderir à revolução. As melhores mentes da época jogaram-se de corpo e alma na Idéia, como então se dizia. Agora o puchero é mais gordo.

A celebração da união entre pessoas do mesmo sexo em um CTG (Centro de Tradições Gaúchas) foi sugerida pela diretora do Foro de Livramento, juíza Carine Labres. Que asco, tche! Deve ter muito maula sofrendo arcadas de vômito. Pior ainda, a magistrada entende que a melhor data para o casamento é 13 de setembro, justo quando se iniciam os festejos da Semana Farroupilha e as homenagens a figuras como o o general Bento Gonçalves da Silva, o símbolo maior da valentia gaúcha.

Contrabandista e ladrão, é verdade, mas naqueles tempos tudo era muito embaralhado e algum herói se precisava cultuar.

Há alguns anos, provoquei um deus-nos-acuda definindo a Semana Farroupilha como a celebração de uma derrota e chamando o obelisco do Ponche Verde de pequeno poste. Imagino como devem andar eriçados os brios da gauchada com a provocativa sugestão da juíza, que nos traz à mente a exótica imagem de um gaúcho dançando a chula de leque em punho.

Gaúcho, sempre me manifestei contra o casamento gay. Não por ser gaúcho nem por ter algo contra homossexuais. Convivi com eles desde o ginásio à universidade e mais tarde na vida profissional. Ostentavam uma certa aura, não digo de heróis, mas de rebeldes avessos à sociedade bem comportada, à ética vigente, ao casamento e à religião. Entre os homossexuais com os quais convivi – e alguns eram companheiros de bar – nunca vi casais nem pessoas com pendores religiosos. Todos tinham consciência de que as religiões vigentes condenavam seus comportamentos, e das igrejas só queriam distância. Eram geralmente pessoas cultas e sensíveis. Quando penso nos homossexuais de minha juventude, sempre me vem à mente o “non serviam” de Lucifer, a primeira afirmação de liberdade ante a arrogância do Altíssimo.

Sou, isto sim, contra o casamento. Quando vejo um homem casar com homem, vejo uma pessoa que trocou os prazeres por deveres, os bares e as saunas pelo lar, a vida alegre e solta pela monotonia do casal. Em suma, a liberdade por grilhões. Volto a esses teatrinhos da classe média, os CTGs.

O gaúcho é personagem de três países, Brasil, Uruguai e Argentina. Mas só entre nós se fez de um marginal um herói, todo coragem e virtudes, o centauro dos pampas. O gaúcho dos CTGs é inumano: valente ao extremo, honesto, leal, generoso, em suma, um santo. E principalmente macho. O que é um absurdo. Por que não poderia um gaúcho ser homossexual? Como reação a este machismo, abundam as piadas do gaúcho bicha, e algumas delas são muito pertinentes.

Na fronteira oeste, sempre houve tolerância ao homossexualismo. Costumo contar a saga do pedritense Rui Bastide, gaúcho de fibra, homossexual assumido já nos anos 60, que saiu do armário muito antes que se falasse em sair do armário. Querido por seus conterrâneos, era vereador aguerrido e foi prefeito da cidade. Em meus dias de ginásio, tive pelo menos dois colegas de aula que eram homossexuais e nenhum deles era por isso hostilizado. Havia inclusive um outro, já sessentão, personagem importante da cidade. Consta que suas netinhas faziam roda em torno dele, cantando: “Vovô é bicha, vovô é bicha”.

Os CTGs, ao cultivar o mito, ignoram o homem de carne e osso. Verdade que o patrão do CTG Sentinela do Planalto, o advogado e vereador Gilbert Gisler, acatou a idéia, provocando reações indignadas. O mesmo não pensam outros cetegistas.

"Que se casem onde quiserem, cada um vive do jeito que quer, mas um CTG não é o lugar para isso", disse o presidente da Associação Tradicionalista de Livramento, Rui Ferreira Rodrigues. Na semana passada, foram convocados os representantes das 40 entidades tradicionalistas de Livramento para uma reunião de urgência. Dos 38 que compareceram, todos repudiaram o casamento gay em CTG.

Os cetegistas não estão entendendo os tempos que vivem. A partir do dia 20 de agosto de 2012, os travestis e transexuais interessados poderão ter um documento de identidade no gênero no qual se identificam. O documento vale apenas em território gaúcho e é feito no Instituto Geral de Perícias (IGP). Se até o Estado já assumiu esta realidade, que esperam os CTGs para adaptar-se aos novos tempos? Seja como for, será no mínimo divertido ver a noiva - um baita macho - casando com as pilchas prescritas pelos CTGs:

SAIA E BLUSA OU BATA: 1) Saia: com a barra no peito do pé, godê, meio-godê ou em panos. 2) Blusa ou bata: de mangas longas, três quartos ou até o cotovelo (vedado o uso de “boca de sino” ou “morcego”), decote pequeno, sem expor os ombros e os seios, podendo ter gola ou não. 3) Bordados e pinturas: se utilizados, devem ser discretos. As pinturas com tintas para tecidos. 4) Tecidos: lisos. Nas Blusas ou batas, mais encorpados. 5) Cores: escolher cores harmoniosas e lisas, esquecendo as cores fortes, proibidas as cores berrantes e fosforescentes. 6) Cuidados: Nas apresentações artísticas, o traje feminino deve representar a mesma classe social do homem. 7) Vedações: enfeites dourados, prateados, pinturas à óleo e purpurinas.

VESTIDO: 1) Modelo: Inteiro e cortado na cintura ou de cadeirão ou ainda corte princesa com barra da saia no peito do pé, corte godê, meio-godê, franzido, pregueado, com ou sem babados. 2) Mangas – longas, três quartos ou até o cotovelo, admitindo-se pequenos babados nos punhos, sendo vedado o uso de “mangas boca de sino” ou “morcego”. 3) Decote – pequeno, sem expor ombros e seios. 4) Enfeites – de rendas, bordados, fitas, passa-fitas, gregas, viés, transelim, crochê, nervuras, plisses, favos. É permitida pintura miúda, com tintas para tecidos. Não usar pérolas e pedrarias, bem como, os dourados ou prateados e pintura a óleo ou purpurinas. 5) Tecidos - lisos ou com estampas miúdas e delicadas, de flores, listras, petit-poa e xadrez delicado e discreto. Podem ser usados tecidos de microfibra, crepes, oxford. Não serão permitidos os tecidos brilhosos, fosforescentes, transparentes, slinck, lurex, rendão e similares. 6) Cores – devem ser harmoniosas, sóbrias ou neutras, evitando-se contrastes chocantes. Não usar preto, as cores da bandeira do Brasil e do RS (combinações) 7) Na categoria mirim: não usar cores fortes (ex: marrom, marinho, verde escuro, roxo, bordô, pink, azul forte).

Quem viver, verá!