¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, agosto 16, 2014
 
DRA. RUBRA VULVA E
AS CANÇÕES LADINAS *



(Nestes últimos meses, os jornais têm publicado notícias sobre a insolvência da USP. Nada de espantar. Republico crônica escrita há três anos).

Há horas venho afirmando que as universidades brasileiras são as agências de turismo mais em conta para jovens com pouca grana e muita sede de conhecer o mundo. Em meus dias de Santa Catarina, a melhor agência era, sem dúvida alguma, a UFSCTUR. Quatro ou cinco anos às margens do Sena, com todas as mordomias, para estudar o teatro do nordestino Nelson Rodrigues ou os dialetos do Veneto... no meio-oeste catarinense. Muitas vezes, o doutorando voltava de mãos abanando, mas que se vai fazer? Nem todos conseguem terminar uma tese.

Já tive notícias de uma professora de literatura comparada gaúcha, que atravessou o planeta, de Porto Alegre a Tóquio, para apresentar um vital comunicado, de vinte minutos... sobre literatura comparada. Conheci outra que foi de Brasília a Paris, para apresentar um textículo de poucas páginas sobre Guimarães Rosa em um colóquio na Sorbonne. Isso sem falar de acadêmicos que vão estudar Clarice Lispector em Londres ou Berlim. Tudo isto, às custas do contribuinte.

A USPTUR também tem se revelado muito conveniente para voltas ao mundo. Leio nos jornais que, a fim de identificar as características culturais da alimentação mundial, pesquisadores do Laboratório de Ecologia Isotópica do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP viajaram o mundo para analisar o Big Mac, principal e mais conhecido produto da rede de fast-food McDonald's, que está presente em mais de 100 países. "O lanche, considerado o carro-chefe do McDonald's, funciona como um poderoso traçador do sistema de produção de carne dos países. O hambúrguer fornece diversas e variadas informações", informa o pesquisador Luiz Antonio Martinelli, responsável pela pesquisa divulgada pela USP.

Os pesquisadores uspianos se muniram de alta tecnologia. Para descobrir onde e como é produzido o principal produto do Big Mac, o hambúrguer, a pesquisa rastreou a cadeia alimentar do gado. Martinelli chegou à conclusão que, apesar de o Big Mac ser uma comida global, seu sabor é local, pois o hambúrguer é originário do rebanho de cada país. "Mas isso não ocorre no mundo todo. Os isótopos estáveis do carbono e do nitrogênio da carne contida em cada um dos Big Macs estudados mostraram, por exemplo, que o lanche consumido no Japão é proveniente da Austrália, com gado alimentado com gramíneas do tipo fotossintético C4".

Esta conclusão foi baseada no fato que as carnes dos lanches japoneses tinham uma razão isotópica do carbono-13/carbono-12 mais elevada do que os esperados num país baseado em uma agricultura de ciclo C3. O fato comprova que o Japão importa carne da Austrália, onde prevalece o modo fotossintético C4 da lavoura, ou seja, das plantas que suportam altas luminosidades, fato que não ocorre no país nipônico.

Ou seja, para concluir que o Japão importa carne da Austrália, os bravos pesquisadores precisaram deslocar-se às antípodas. Não seria mais fácil – e bem mais econômico - enviar uma consulta às câmaras de comércio de ambos os países? Ou às franquias do McDonald’s? A pesquisa permitiu chegar a três conclusões. "A primeira é que com um simples hambúrguer é possível rastrear o que o gado come pelo mundo todo. A segunda nos confere a possibilidade de estabelecer como carnes produzidas em diferentes países viajam pelo mundo. E a terceira é que, por uma questão de mercado, o igual não é tão semelhante assim", relata Martinelli, que empregou o conceito "glocal" (global + local) para caracterizar o Big Mac.

Será preciso ir a Tóquio ou Camberra para saber o que o gado come no mundo todo? Além disso, para que serve ao conhecimento nacional saber o que os bois comem nas diferentes latitudes? Gastar milhões de reais para saber que o igual não é tão semelhante assim?

Turismo disfarçado de pesquisa e nada mais do que isso. O que me lembra o caso da Dra. Rubra Vulva, da Universidade Federal de Santa Catarina. Se a dita cuja era rubra, não sei. Ocorre que ela escreveu um poema onde falava de “minha rubra vulva”. Pediu, levou. A doutora elaborou um projeto de pesquisa comparativa do cancioneiro ladino. Ou seja, turismo garantido por onde quer que houvesse sefarditas: Espanha, Portugal, Israel e países do norte da África. Não fiquei sabendo quantos países visitou. Mas Dra. Rubra Vulva tinha especial consideração pelas verbas públicas que recebia. Segundo minhas fontes na Receita Federal, tentou abater de seu imposto de renda até mesmo os cafezinhos que tomava em aeroportos.

Há muitas teses lindas de defender, e de vital interesse para a humanidade. Generoso como sou, sugiro algumas:

O comportamento sexual das adolescentes nórdicas nas ilhas gregas. Creta, Mykonos, Santorini, Lesbos, Paros, Antiparos, etc.

A tributação da banana nas ilhas canárias. Tenerife, Gran Canária, Lanzarote, Fuerte Ventura, El Hierro, La Palma, Gomera.

As variantes regionais da pizza na Sicília, Calábria, Costa Amalfitana e Emilia Romagna. Palermo, Siracusa, Agrigento, Taormina, Tropea, Amalfi, Positano, Ravello, Bolonha, Rimini, Modena, Parma, Ravenna.

As concepções sueca e dinamarquesa do smörgåsbord. Passeios pelos canais de Estocolmo e Copenhague, Millesgården, Gamla Stan, Tivoli.

As traduções de Machado em Berlim, Londres, Roma e Paris. Spree, Kurfürstendamm, Tâmisa, Convent Garden, Tibre, Trastevere, Coliseu, Capitólio, Sena, Champs Elysées, Quartier Latin, torre Eiffel, Notre Dame, Louvre, etc.

A incidência de luz solar nos fjordes noruegueses durante o verão e inverno boreais. Bergen, Trondheim, Bodø, Lofoten, Tromsø.

Gadus morhua e o conceito de bacalhau nas ilhas Lofoten. De preferência com sol da meia-noite.

A influência de Jean Genet na dramaturgia rodrigueana. Dias tranqüilos às margens do Sena.

O Alienista, de Machado, e Nau dos Insensatos, de Sebastian Brant. Alsace-Lorraine, Strasbourg, Nancy, Meuse, Moselle.

As sutis nuanças das safras de Rioja no País Basco. San Sebastián, Navarra, Pamplona.

A cuisine du terroir em Provence. Marselha, Aix-em-Provence, Avignon, Arles.

Traços de Simone de Beauvoir na obra de Raquel de Queiroz. Mais dias tranqüilos em Paris.

As distintas arquiteturas dos castelos do Val de Loire. Um roteiro romântico pelos castelos medievais da França.

A geografia humana do Quartier Latin. Mais dias tranqüilos às margens do Sena.

A consistência das massas nos restaurantes do Trastevere. E o melhor da culinária de Roma.

Os fluxos migratórios em Kreutzberg. Turismo em um dos bairros mais típicos de Berlim.

Vasto é o mundo e vastos são os campos do conhecimento humano. Se você é acadêmico e tem pistolão junto à Capes ou CNPq, não se peje. Vá em frente que o contribuinte paga.

* 13/07/2011