¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, setembro 30, 2013
 
PAPA MORTO, SANTO POSTO. AINDA
QUE ACOBERTADOR DE PEDÓFILOS



Segundo os jornais de hoje, os papas João XXIII e João Paulo II vão ser canonizados em 27 de abril do ano que vem, conforme anunciou o papa Francisco em latim. "Fazer a cerimônia de canonização dos dois juntos é uma mensagem para a Igreja: esses dois são bons", declarou Francisco ao voltar da visita ao Brasil, onde participou da Jornada Mundial da Juventude, em julho passado.

Para a canonização, a Igreja exige normalmente dois milagres confirmados, embora Francisco tenha aprovado a de João XXIII - com quem partilha uma perspectiva reformista - baseado em apenas um. Francisco reconheceu um segundo milagre de João Paulo II, depois do parecer favorável da Congregação para as Causas dos Santos.

Se dois milagres – ou um – são necessários para fazer um santo, parece que integridade moral é perfeitamente dispensável. Canonizar João Paulo II, notório acobertador de pedófilos, foi desejo expresso por Bento XVI, outro acobertador de pedófilos.

Nos primórdios da Igreja, havia uma grande dificuldade para declarar santo algum crente. Pouco se sabia sobre ele. Hoje, a dificuldade é inversa: sabe-se demais sobre o candidato a santo. Antes de Francisco, Bento XVI já estava lutando pela beatificação de seu antecessor, João Paulo II. Vamos aos fatos.

Segundo The New York Times, o cardeal Joseph Ratzinger não fez nada para impedir em 1980 que um padre acusado de pedofilia retomasse o sacerdócio em uma outra paróquia na Alemanha. No final de 1979 em Essen, Alemanha, o padre Peter Hullermann foi suspenso após várias queixas de pais que o acusavam de pedofilia. Uma avaliação psiquiátrica ressaltou seus instintos pedófilos.

Algumas semanas depois, em janeiro de 1980, Ratzinger, que era na época arcebispo de Munique, dirigiu uma reunião durante a qual a transferência do padre de Essen para Munique foi aprovada. O futuro pontífice recebeu alguns dias depois uma nota na qual foi informado de que o padre Hullermann havia retomado o serviço pastoral.

Em 1986, o mesmo padre foi declarado culpado de ter agredido sexualmente meninos em outra paróquia de Munique, após a transferência para a cidade bávara. Em janeiro de 2011, novas acusações de pedofilia vieram à tona, envolvendo o início e o fim de seu sacerdócio. Segundo o jornal, "este caso é particularmente interessante porque ele revela que na época o cardeal Ratzinger estava em posição de lançar de processos contra o padre, ou pelo menos, de fazer com que não tivesse mais contato com crianças".

Nada fez. O futuro papa acobertou ainda abusos sexuais de um padre americano, Lawrence Murphy, acusado de ter abusado de 200 crianças surdas de uma escola do Wisconsin (norte dos Estados Unidos), entre 1950 e 1972. Segundo o jornal novaiorquino, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé abriu mão de iniciar os trâmites contra o padre acusado de ter abusado de crianças surdas.

Vamos a seu antecessor, o Karol Wojtyla, mais conhecido como João Paulo II. Além de notório acobertador de pedófilos - sobre sua mesa haviam-se acumulado acusações de pedofilia contra milhares de sacerdotes e também queixas pelo encobrimento desses delitos por alguns prelados nos EUA, Irlanda, Itália, Áustria e inclusive na Espanha - foi o grande protetor do sacerdote mexicano Marcial Maciel, o fundador dos Legionários de Cristo.

Acusado de abusar sexualmente de mais de 20 seminaristas - incluindo os próprios filhos - Maciel teve filhos com várias mulheres e, como um outro santo moderno, o Martin Luther King, foi plagiador emérito: plagiou descaradamente o livro de cabeceira da legião, intitulado Saltério de Meus Dias, e impôs a toda a organização um quarto voto de silêncio para se proteger de denúncias. Um de seus antigos colaboradores o acusa inclusive de ter envenenado seu tio-avô, o bispo Guízar, que apoiou a bem-sucedida carreira eclesiástica do sobrinho no México dos anos 1930.

Deste santo senhor, temos fartas fotos sendo abençoado pelo papa João Paulo II, recebido em audiência especial no Vaticano (vide ilustração). Centenas de denúncias sobre o padre Maciel chegaram à mesa de Wojtyla. O papa as desprezou. Maciel enchia praças e estádios de futebol em suas viagens pelo mundo. Era merecedor da benção papal.

Verdade que Ratzinger o expulsou do Vaticano, obrigando o padre Maciel a levar "uma vida reservada de oração e penitência, renunciando a qualquer forma de ministério público". Punição no mínimo carinhosa para um notório pedófilo.

Maciel morreu em janeiro de 2008, no México. Segundo os jornais, Maciel não só teve aventuras amorosas, como em Madri vivia uma filha sua, com nome, sobrenome e um número concreto em luxuosos apartamentos na Calle de Los Madroños. A garota, já madura, chama-se Norma Hilda e fez um pacto de silêncio em troca de uma pensão vitalícia. Quem selou o acordo e cuidou de que a rocambolesca história acabasse aí foi o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone – recentemente ejetado da Santa Sé pelo papa Francisco - durante uma visita semioficial à Espanha. Ocorreu nos primeiros dias de fevereiro do ano passado. O dinheiro não foi obstáculo. Há décadas que em ambientes hostis o grupo de Maciel é conhecido com ironia como os Milionários de Cristo.

O cardeal Tarcisio Bertone é aquele impoluto senhor que, em fevereiro de 2010, afirmava ser necessário que os padres pedófilos reconhecessem "suas culpas, já que das provas pode surgir a renovação interior”. Na época do abuso sexual das 200 crianças surdas em Wisconsin, Ratzinger presidia a Congregação para a Doutrina da Fé e Bertone era seu vice. Oito meses depois da denúncia, cardeal Bertoni encarregou os bispos de Wisconsin de instruir um processo canônico secreto que teria podido levar ao afastamento do padre Murphy.

Bertone, segundo o NYT, encerrou o processo depois que padre Murphy escreveu pessoalmente ao então cardeal Ratzinger que não deveria ser submetido a processo porque estava arrependido e em precárias condições de saúde: “Quero simplesmente viver aquilo que me resta na dignidade de meu sacerdócio”, escreveu o padre, já perto de sua morte, o que ocorreu em 1998.

Se estava arrependido, não precisava levar a frente o processo. Não se tratou exatamente, no caso, de uma ação entre amigos. Mas de uma ação entre cardeais. Vai, meu filho, teus pecados te são perdoados.

Volto ao santo padre Marcial Maciel. A benção que lhe foi dada por João Paulo II desrecomenda qualquer santificação. Mesmo assim, Bento XVI quer beatificá-lo. Beatificar criminosos está se tornando norma no Vaticano. João Paulo II não beatificou aquela vigarista albanesa, Agnes Bojaxhiu, mais conhecida como madre Teresa de Calcutá, vigarista de alto bordo e apoiadora de ditadores como Envers Hodja e Baby Doc?

Um papa protetor de pedófilos quis santificar seu antecessor, outro notório protetor de pedófilos. Canonização está se tornando não uma ação entre amigos, mas um conluio de vigaristas. A Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana tem dias insólitos pela frente. Em seu hagiológio, poderemos ver um santo abraçando um pedófilo.

Como papa santificar papa está virando rotina, o próximo candidato de Francisco será obviamente Ratzinger. Papa morto, santo posto. Ainda que acobertador de pedófilos.

domingo, setembro 29, 2013
 
IPCC CONFIA NA FRÁGIL
MEMÓRIA DAS GENTES



Com o desmoronamento do comunismo, era preciso encontrar uma nova bandeira para enfrentar o Grande Satã, o capitalismo. A luta de classes, além de ser instrumento muito manjado, morrera com o muro de Berlim. Desde há muito se sabia que a nobre classe proletária – tão orgulhosa de si mesmo no início do século – não queria ser proletária. Havia um desejo profundo de capitalismo em todo o mundo socialista, e a queda do Muro foi a gota d’água que transbordou do copo dos utopistas: milhares de alemães da RDA fugindo alegremente do paraíso socialista para o inferno capitalista.

Mentira morta, mentira posta. A grande ameaça deixou de ser o capital. Passou a ser o aquecimento global. O que no fundo dava no mesmo. Era a sociedade capitalista, com seus índices de consumo, o fator maior de aquecimento. Nem as vacas – que produzem carne, este luxo capitalista – foram poupadas. Suas flatulências destruíam a camada de ozônio. Por trás da nova denúncia, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática, ligado à ONU).

O IPCC foi desmacarado em 2009, quando o famoso climatologista Phil Jones, diretor da Unidade de Investigação do Clima da Universidade de East Anglia, foi acusado de haver manipulado dados para exagerar os efeitos da mudança climática. Ele renunciou depois que foram divulgadas na internet mensagens que supostamente demonstrariam a fraude. Em um dos e-mails invadidos por hackers, Jones menciona um "truque" empregado para maquiar as estatísticas de temperatura para "ocultar uma redução".

Como na imprensa nada se conserva – tudo se esquece – o IPCC voltou à tona na sexta-feira passada, brandindo o velho e eficaz apocalipse. Segundo o novo relatório, as pesquisas mais recentes apontam que existe 95% de certeza do envolvimento humano no aquecimento global. E desta vez a denúncia é mais contundente. Há seis anos, quando o relatório anterior foi divulgado, a certeza era de 90%. Da manipulação de dados , descoberta há cinco anos, parece que ninguém lembra mais.

Jones era diretor da Unidade de Investigação do Clima da Universidade de East Anglia, um dos centros de maior reputação do mundo nesta área. Ele renunciou depois que foram divulgadas na internet mensagens que supostamente demonstrariam a fraude. Em um dos e-mails invadidos pelos hackers, Jones menciona um "truque" empregado para maquiar as estatísticas de temperatura para "ocultar uma redução".

A teoria do aquecimento global teve seu guru precursor, James Lovelock, inventor do Electron Capture Detector, aparelho que ajudou a detectar o (suposto) buraco crescente na camada de ozônio e outros nano-poluentes, considerado “uma das mentes científicas mais inovadoras e rebeldes da atualidade”, é o criador da chamada Hipótese Gaia, que vê a Terra como um organismo vivo.

Não há de novo sob o sol. Aliás, desde o Qohelet não havia. Já comentei há alguns anos. Lovelock chegou à conclusão que a raça humana está condenada. Que mais de seis bilhões de pessoas morrerão neste século. Enquanto caminhava em um parque em Oslo, declarou ao escritor americano Jeff Goodel:

- Até 2040, o Saara vai invadir a Europa, e Berlim será tão quente quanto Bagdá. Atlanta acabará se transformando em uma selva de trepadeiras kudzu. Phoenix se tornará um lugar inabitável, assim como partes de Beijing (deserto), Miami (elevação do nível do mar) e Londres (enchentes). A falta de alimentos fará com que milhões de pessoas se dirijam para o norte, elevando as tensões políticas. “Os chineses não terão para onde ir além da Sibéria”, sentencia Lovelock. “O que os russos vão achar disso? Sinto que uma guerra entre a Rússia e a China seja inevitável.” Com as dificuldades de sobrevivência e as migrações em massa, virão as epidemias. Até 2100, a população da Terra encolherá dos atuais 6,6 bilhões de habitantes para cerca de 500 milhões, sendo que a maior parte dos sobreviventes habitará altas latitudes – Canadá, Islândia, Escandinávia, Bacia Ártica.

Em entrevista para a Veja, em 2006, falando sobre seu livro A Vingança de Gaia, lançado naquele ano na Inglaterra, Lovelock brandia o apocalipse. O repórter, não por acaso um dos crentes no efeito estufa, queria saber quando o aquecimento global chegaria a um ponto sem volta. Respondeu o guru, com a convicção dos profetas:

- Já passamos desse ponto há muito tempo. Os efeitos visíveis da mudança climática, no entanto, só agora estão aparecendo para a maioria das pessoas. Pelas minhas estimativas, a situação se tornará insuportável antes mesmo da metade do século, lá pelo ano 2040.

- O que o faz pensar que já não há mais volta?
- Por modelos matemáticos, descobre-se que o clima está a ponto de fazer um salto abrupto para um novo estágio de aquecimento. Mudanças geológicas normalmente levam milhares de anos para acontecer. As transformações atuais estão ocorrendo em intervalos de poucos anos. É um erro acreditar que podemos evitar o fenômeno apenas reduzindo a queima de combustíveis fósseis. O maior vilão do aquecimento é o uso de uma grande porção do planeta para produzir comida. As áreas de cultivo e de criação de gado ocupam o lugar da cobertura florestal que antes tinha a tarefa de regular o clima, mantendo a Terra em uma temperatura confortável. Essa substituição serviu para alimentar o crescimento populacional. Se houvesse um bilhão de pessoas no mundo, e não seis bilhões, como temos hoje, a situação seria outra. Agora não há mais volta.

- O senhor vê o aquecimento global como a comprovação de que sua teoria está certa?
- O aquecimento global pode ser analisado com base na Hipótese Gaia, e, por isso, muitos cientistas agora estão se vendo obrigados a aceitar minha teoria.

Quem se viu obrigado a fazer meia-volta – quem diria? – e negar sua própria teoria, foi Lovelock. Como o planeta teimava em não aquecer-se, Lovelock confessou em abril do ano passado ter sido alarmista: "cometi um erro".

- O problema é que não sabemos o que o clima está fazendo. Pensávamos que sabíamos nos últimos vinte anos. Isto levou a alguns livros alarmistas – o meu inclusive – porque parecia óbvio, mas isto não aconteceu. O clima está fazendo seus truques usuais. Não há nada realmente acontecendo ainda. Já era para estarmos a meio caminho de um mundo tórrido. O mundo não aqueceu muito desde a virada do milênio. Doze anos é um tempo razoável... a temperatura permaneceu quase constante, enquanto devia ter-se elevado. O dióxido de carbono está aumentando, não há dúvida quanto a isso.

Lovelock arrebanhou milhares de malucos no mundo todo que saíram a fazer campanhas para impedir a construção de barragens e hidrelétricas. Isso sem falar nos que condenavam a pecuária brandindo a flatulência das vacas como fator de aquecimento do planeta. Era tudo alarme falso. A retratação de Lovelock ocorreu há pouco mais de ano. Pelo que vimos nos jornais deste final de semana, a imprensa parece jamais ter tido conhecimento dela.

Com a morte do comunismo, uma outra religião laica tomou seu lugar. Lovelock via de um lado a emissão de gás carbônico (característica de países industrializados), desmatamento de biomas (característica também destes países), concentração de renda, consumismo e má distribuição da terra. De outro, a miséria e a exclusão humana. Traduzindo: militando no lado do Mal estão os países ricos. Os países pobres sofrem no lado do Bem. Se não me falha a memória, já ouvi essa tese. Data do século XIX, se bem me lembro.

O homem que desenvolveu a tese absurda acabou por renegá-la. Ao IPCC isto tanto faz como tanto fez. Os neocomunas sabem – como também os antigos comunas sabiam – que curta é a memória das gentes. A imprensa continuará a bater na batida tecla como se nada tivesse acontecido.

sábado, setembro 28, 2013
 
INDÚSTRIA DA MISÉRIA
É LUCRATIVA E JAMAIS
SERÁ ERRADICADA



Os cerca de 200 moradores de rua que haviam montado acampamento na Praça da Sé acordaram nesta quinta-feira,26, com a presença da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e equipes de limpeza da Prefeitura de São Paulo. A ordem era desmontar as barracas e liberar a área. É o que diz o Estadão, edição de ontem.

A equipe enviada ao local chegou de caminhão, que foi usado para retirar sacos plásticos, madeira, móveis e outros objetos. Alguns moradores saíam irritados, xingando o prefeito Fernando Haddad (PT) e dizendo não ter para onde ir. O jeito, disseram outros, era esperar a equipe da Prefeitura sair e voltar depois. Promessa que vários cumpriram no fim da tarde de quinta-feira.

A ocupação na Sé une usuários de drogas, meninos de rua e famílias desabrigadas. Muitos usam barracas de camping, distribuídas por igrejas e entidades assistenciais. Outros montam barracos de lona e madeira. Algumas partes da praça ficam completamente obstruídas e cheias de lixo.

A cracolândia, antes restrita às imediações da Santa Ifigênia, após as providências do governo para erradicá-la, espalhou-se pelo centro da cidade toda. Tomaram conta inclusive da Praça da Sé, cartão postal de São Paulo.

Em 2011, quando as autoridades tomaram as primeiras providências para erradicar a cracolândia – que já existia há mais de vinte anos sem restrição alguma – paguei para ver. A indústria da miséria gera lucros e jamais será erradicada.

ONDE SE VIU ACABAR COM A INDÚSTRIA DA MISÉRIA? *

A Prefeitura de São Paulo quer retirar das ruas, à força se for preciso, usuários de drogas que recusem tratamento. A administração já busca uma alternativa jurídica para isso. É o que lemos na Folha de São Paulo de hoje. Segundo o prefeito Gilberto Kassab, a idéia é dar mais liberdade para as equipes de saúde e de assistência social da prefeitura poderem atuar com usuários de drogas. O alvo principal seria a cracolândia.

Pago para ver. A cracolândia existe há mais de duas décadas e só agora um administrador pensou em tratar do assunto. Antes tarde do que nunca, direis. Mas não vejo como reprimir o consumo da droga em Santa Ifigênia e liberar a marcha da maconha na avenida Paulista. A propósito, os marchadores da maconha parecem pretender estabelecer uma hierarquia entre maconheiros e fumadores de crack. Os maconheiros seriam seres moralmente superiores à turma do crack e não gostam de ser confundidos com estes.

A primeira marcha da maconha foi proibida pela polícia, enquanto a turma do crack acendia tranquilamente seus cachimbos na cracolândia. Ora, há apenas três ou quatro quilômetros entre a Paulista e a Santa Ifigênia. Bem que os Unidos na Cannabis podiam organizar sua marcha na cracolândia. Seria divertido ver a polícia permitindo o consumo de drogas em um lugar e, ao mesmo tempo e a três quilômetros dali, proibindo uma manifestação em sua defesa.

Em nome da liberdade de expressão, o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente liberar as tais de marchas da maconha. Desde que não se fizesse apologia da droga. Como se não fosse apologia da droga permitir manifestações em favor de sua descriminalização. As moscas tontas do STF estão se comportando como os teólogos bizantinos, que discutiam se deus era três em um ou um em três.

Cláudio Lembo, secretário de Negócios Jurídicos e ex-governador – o palhaço aquele que cunhou a expressão “elite branca” - disse estar conversando com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública sobre o assunto. Lembo pretende criar um "consenso jurídico" para embasar as ações da prefeitura. A indecisão é tal no que diz respeito à política ante as drogas que a Defensoria negou que esteja participando das discussões. O TJ não confirmou estar participando da discussão e o Ministério Público não respondeu.

Segundo Lembo, o principal argumento de quem é contrário à medida é que o direito à locomoção, ou "direito de ir e vir", não permite a retirada compulsória de pessoas das ruas. Ora, o que está em jogo não é o direito de ir e vir. Que vão e que venham, nada contra. Os defensores da cracolândia, ao que tudo indica, estão reivindicando um novo item a ser acrescido aos direitos humanos, o direito de deitar. Porque essa turma não vai nem vem. Estão jogados nas calçadas.

Ano passado ainda, a polícia andou retirando os zumbis do crack das ruas e os levou para uma delegacia. Para que, não sei, porque hoje ninguém mais é preso por consumo de drogas. Houve uma grita geral de assistentes sociais e agentes da saúde. Que a polícia estava minando a confiança que os drogados neles depositavam. Que droga não é questão de polícia, mas de saúde pública. Ou seja, que os zumbis permaneçam onde estão.

Contei em crônica recente. Há alguns anos dei um chute em um mendigo que se atravessara na entrada de meu prédio. Ele reagiu prontamente: e o direito de ir e vir onde fica? O vagabundo, pelo jeito, entendia de direito constitucional. Claro que ali havia o dedo de alguma assistente social. Contei também a história dos mendigos que haviam sumido do largo Santa Cecília. Dia seguinte, uma assistente social bradava num jornaleco da paróquia: onde estão nossos mendigos? Quem os expulsou daqui? Queremos nossos mendigos de volta.

Ou seja, não há um efetivo interesse em retirar mendigos e drogados das ruas. Mendigos e drogados são altamente rentáveis. Há toda uma indústria da miséria que se locupleta com a miséria. Igrejas e ONGs recebem subsídios de sonho do Primeiro Mundo, particularmente da França, Holanda e Alemanha, para tratar da mendicidade. Sem mendigos, pas d’argent.

Mutatis mutandis, foi o que aconteceu com bin Laden. Os Estados Unidos enviavam milhões de dólares ao Paquistão para capturar bin Laden. Ou seja, o Paquistão precisava proteger o terrorista. Sem bin Laden, adeus dólares. Não por acaso, as autoridades paquistanesas estão prendendo os elementos anti-sociais que denunciaram o esconderijo da galinha de ovos de ouro.

A pretensão de Kassab é tão ridícula quanto o próprio Kassab, um político arrivista mais interessado em sua sobrevivência política do que na administração de São Paulo. Ao definir-se a favor da Marcha da Maconha, o ministro Celso de Mello considerou que a Constituição "assegura a todos o direito de livremente externar suas posições, ainda que em franca oposição à vontade de grupos majoritários”. Mello também classificou como insuprimível o direito dos cidadãos de protestarem, de se reunirem e de emitirem opinião em público, desde que pacificamente.

A decisão do STF de permitir a passeata em prol da maconha, a rigor libera passeatas em defesa de qualquer droga, seja crack, óxi ou cocaína. Não vejo como retirar drogados da rua quando, alguns quilômetros adiante, a polícia protege uma passeata em defesa da maconha.

Com o aval da Suprema Corte.

* 21/06/2011

sexta-feira, setembro 27, 2013
 
UNAMUNO: MENTIRA SE
REPETE AD NAUSEAM



No século passado, os comunistas criaram mentiras que vararam o século todo e vieram desembocar neste. A mais berrante – e tão absurda quanto a ressurreição do Cristo – foi elaborada em torno da tela Guernica, de Picasso.

O malaguenho havia pintado uma tela de oito metros de largura por três e meio de altura, intitulada La Muerte del Torero Joselito, plena de cores fúnebres, que iam do preto ao branco, em homenagem a um amigo seu, o toureiro Joselito, morto em uma lídia. O quadro ficara esquecido em algum canto de seu ateliê. Ao receber uma encomenda para o pavilhão republicano da Exposição Universal de Paris de 1937, Picasso lembrou do quadro. Foi quando, para fortuna do malaguenho, em 26 de abril daquele ano, a cidade de Guernica foi bombardeada pela aviação alemã. Ali estava o título e a glória, urbi et orbi.

Uns retoques daqui e dali, e Picasso deu nova função ao quadro. No entanto, multidões hipnotizadas pela propaganda comunista, vêem em uma cena de arena, com cavalo, touro e picador, uma homenagem aos mortos de Guernica. De um só golpe de pincel, o vigarista malaguenho traiu a memória do amigo e mentiu para a História.

Hoje se conhece o embuste, embora as esquerdas continuem repetindo ad nauseam a versão mentirosa. Não passa mês sem que algum jornal atribua o quadro ao bombardeio da cidade basca. Outra mentira, também ad nauseam repetida, versa sobre o ocorrido na Universidade de Salamanca, no 12 de outubro de 1936, Día de la Raza.

No Estadão de ontem, Gilles Lapouge, o correspondente do jornal em Paris – que vive sempre em cima do muro, mas quando balança, balança para a esquerda – repete a farsa mil vezes repetida.

“Em 12 de outubro de 1935, uma cerimônia é realizada na Universidade de Salamanca por soldados fascistas. O general franquista Milan Astray, homem caolho, manco e perneta, pronuncia um discurso que termina com essa frase: "Viva a morte!". “O reitor da Universidade de Salamanca é o grande filósofo Miguel de Unamuno (O sentimento trágico da vida). É um homem de direita, mas não é fascista. Ele toma a palavra. "Acabo de ouvir um grito insano e desprovido de sentido, 'Viva la muerte'. É um grito bárbaro, repugnante." Na sala, desencadeia-se a desordem. O general fascista repete mecanicamente: "Viva a morte! Morte à inteligência!"

“Os legionários fascistas marcham na direção do filósofo Unamuno. Este se retira dignamente em meio ao público vociferante. Morrerá alguns dias mais tarde, no último dia do ano de 1936. De tristeza”.

Lapouge começa errando a data. O episódio ocorreu em 36, três meses após a eclosão da guerra civil. Isso é o de menos, vamos que seja erro de digitação. O mais grave é o que o correspondente omite. Que Unamuno, naquele momento, era mais franquista que Astray, se é que podemos falar de franquismo já naqueles dias. Pois Unamuno, na cerimônia, representava nada menos que Francisco Franco. E se morreu de tristeza, não foi pela ofensiva de Franco.

Deste engodo, participou até mesmo o culto Fernando Henrique Cardoso, em 2005, em artigo para o Estadão, intitulado "Democracia e Terrorismo". Assim termina seu artigo:

"A Espanha heróica que, na pessoa de Miguel Unamuno, um de seus maiores pensadores, se indignou com os que proclamaram, durante a guerra civil, 'Viva a Morte! Abaixo a Inteligência!', haverá de inspirar-nos, una vez mais, para a reafirmação da esperança na paz, na democracia ou na vida".

Marxismo é como caxumba - costumo afirmar - ou dá na idade certa ou deixa seqüelas. FHC, pelo jeito, persistiu no obscurantismo além da idade normal do fenômeno. De seu artigo se depreende que um Unamuno republicano enfrentou, na Universidade de Salamanca, perversos militantes franquistas.

Vamos aos fatos. Como ocorreram, e não como a imprensa conta. Na verdade, o reitor foi salvo da ira de Astray e da vaia de muitos dos presentes por Doña Carmen Pollo, mulher de Franco, que o conduziu pelo braço até uma viatura do Quartel General. No entanto, ao referir-se ao episódio, não há redator que não se refira ao "intelectual anti-franquista Miguel de Unamuno".

Em História Ilustrada de la Guerra Civil, Ricardo de Cierva considera o episódio maltratado pela propaganda, silenciado pelos testemunhas autênticos e tergiversado por comentaristas empenhados em com ele demonstrar uma ou várias teses preconcebidas.

"Celebrava-se no Paraninfo da Universidade de Salamanca a Fiesta de la Raza. Assistia o ato a esposa do recém nomeado chefe de Estado, Dona Carmen Polo de Franco. Presidia a cerimônia o reitor da Universidade, don Miguel de Unamuno. Também estavam presentes, entre outras personalidades, José María Pemán e o general Millán Astray. Este último, em um breve discurso, intercalou um inciso inoportuno no qual confundiu regionalismo com separatismo. Invocou logo a Morte, noiva de sua Legião. Feito o silêncio, todos os olhares convergiram para don Miguel de Unamuno".

Millán Astray era um general de Infantaria, que havia participado das campanhas das Filipinas e Marrocos. Nesta última, perdera um olho e um braço. Julián Zugazagoitia o descreve como um "general recomposto com garfos, madeiras, cordas e vidros". Em sua alocução, falara dos dois cânceres que corroem a Espanha: País Basco e Catalunha. Unamuno, basco e iracundo, tomou a palavra.

- Calar, às vezes, significa mentir - disse o reitor com voz firme - porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência. Eu não poderia sobreviver a um divórcio entre minha consciência e minha palavra, que sempre formaram um excelente par. Serei breve. A verdade é mais verdade quando se manifesta desnuda, livre de adornos e palavrório. Gostaria de comentar o discurso - para chamá-lo de alguma forma - do general Millán Astray, que se encontra entre nós.

Segundo o relato de Luis Portillo, em Vida y martírio de don Miguel de Unamuno, o general tornou-se rígido.

- Deixemos de lado - continuou Unamuno - o insulto pessoal que supõe a repentina explosão de ofensas contra bascos e catalães. Eu nasci em Bilbao, em meio aos bombardeios da segunda guerra carlista. Mais adiante, me casei com esta cidade de Salamanca, tão querida, mas sem esquecer jamais minha cidade natal. O bispo, queira ou não, é catalão, nascido em Barcelona.

Após uma pausa em meio ao silêncio tenso, continuou:

- Acabo de ouvir o grito necrófilo e sem sentido de Viva a Morte! Isto me soa o mesmo que Morra a Vida! E eu, que passei toda minha vida criando paradoxos que provocaram o enfado dos que não os compreenderam, tenho de dizer-lhes, como autoridade na matéria, que este ridículo paradoxo me parece repelente. Posto que foi proclamado em homenagem ao último orador, entendo que foi dirigida a ele, se bem que de uma forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele mesmo é o símbolo da morte. E outra coisa! O general Millán Astray é um inválido. Não é preciso dizê-lo em tom mais baixo. É um inválido de guerra. Também o foi Cervantes. Mas os extremos não servem como norma. Desgraçadamente, há hoje em dia inválidos demais na Espanha e logo haverá mais, se Deus não nos ajuda. Um inválido que careça da grandeza espiritual de Cervantes, que era um homem - não um super-homem - viril e completo apesar de suas mutilações, um inválido, como disse, que careça dessa superioridade do espírito, costuma sentir-se aliviado vendo como aumenta o número de mutilados em torno a si. O general Millán Astray gostaria de criar uma Espanha nova - criação negativa, sem dúvida - segundo sua própria imagem. E por isso desejaria ver uma Espanha mutilada, como inconscientemente deu a entender.

Astray não consegue conter-se e grita:
- Morra a inteligência!
José María Pemán corrige:
- Não! Viva a inteligência! Morram os maus intelectuais!

Há um alvoroço no Paraninfo, professores togados cercam Unamuno, os camisas azuis se juntam em torno a Astray. Unamuno retoma a palavra:

- Este é o templo da inteligência. E eu sou seu sumo sacerdote. Vós estais profanando seu recinto sagrado. Eu sempre fui, diga o que diga o provérbio, um profeta em meu próprio país. Vencereis mas não convencereis. Vencereis porque tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis, porque convencer significa persuadir. E para persuadir, necessitais algo que vos falta: razão e direito de luta. Me parece inútil pedir-vos que penseis na Espanha. Tenho dito...

A esposa do general Franco, rodeada por sua escolta, toma Unamuno pelo braço e o conduz até a porta da Universidade, onde o esperava um carro do Quartel General. Mas a narração soa melhor aos ouvidos dos leitores - amestrados por um pensamento de esquerda - mostrando Astray como franquista, afinal era general. Unamuno - basco, filósofo e reitor de uma universidade - só poderia ser antifranquista. Para vender, os jornais transmitem ao leitor o que o leitor gosta de comprar. A mentira impressa passa então a fundamentar teses e tende a fixar-se como História. Mas os fatos são teimosos e, mais dia menos dia, mostram sua verdadeira face.

Há um sofisma safado na frase final de FHC. Ele mescla realidades completamente distintas. Ao falar "na Espanha heróica que, na pessoa de Miguel de Unamuno, se indignou...", está falando em verdade na Espanha do gerenalíssimo Franco Franco de Bahamonde - que salvou a Espanha e a Europa do totalitarismo soviético – representado naquela cerimonia por Unamuno. Mas FHC jamais admitiria tal fato. Seria renegar toda sua vida. Conclui então sua frase com outra completamente oposta: "...se indignou contra os que proclamaram, durante a guerra civil, 'Viva a Morte! Abaixo a Inteligência!".

A frase, proferida no ardor do debate, é de uma infelicidade extrema. Mas Millán Astray e José Maria Pemán, naquele momento, representavam o pensamento do mesmo Francisco Franco que Unamuno também representava. Ambas as partes defendiam o mesmo lado. O qüiproquó era outro: o confronto entre os nacionalismos do galego - como Franco - Millán Astray e do basco Miguel de Unamuno.

Gilles Lapouge também age com má-fé. É difícil conceber como um jornalista francês, com acesso à farta bibliografia e à história do país vizinho, possa proferir tal bobagem. Oito décadas após a Guerra Civil Espanhola, ainda prevalece a mentira dos comunistas.

quinta-feira, setembro 26, 2013
 
PAPA ARGENTINO
E TUPA URUGUAIO,
MESMO COMBATE



Em menos de uma semana, tanto o papa Francisco – que já declarou não ser de direita - como o presidente uruguaio, José Mujica – que já foi guerrilheiro tupamaro – fizeram pronunciamentos contra o capitalismo.

No domingo, em uma viagem a Cagliari, capital da Sardenha, o papa teceu críticas à idolatria ao dinheiro que rege a atual sociedade. Em um discurso de improviso para desempregados, falou por 20 minutos e estimulou-os a ter esperança e a não desanimar com as dificuldades da vida.

"Não queremos esse sistema econômico globalizado que nos faz tão mal. Homens e mulheres têm que estar no centro do sistema econômico como Deus quer, não o dinheiro. O mundo passou a idolatrar um deus chamado dinheiro".

Toda vez que alguém condena o sistema econômico globalizado – este sistema que faz o intercâmbio de todos os bens do mundo, onde um livro impresso na China sai mais barato no Brasil que um livro impresso no Brasil – me pergunto qual sistema defende. Pois basicamente há dois sistemas, o socialista e o capitalista. O capitalista pode ter suas falhas e bolsões de miséria. Mas o mundo socialista – nomenklatura à parte – é só miséria e não deu certo em lugar algum do mundo.

Ontem, o presidente do Uruguai, José Mujica, criticou duramente o consumismo durante seu discurso na 68º Assembleia Geral da ONU:

“O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”, afirmou.

Que um ex-tupamaro diga isto, se entende. Seu pronunciamento me lembra o Dr. Strangelove, do filme homônimo de Kubrick. Quem o viu deve lembrar dos reflexos condicionados do braço esquerdo do cientista semiparalítico, que mal seu dono se descuidava, se erguia na saudação nazista. Strangelove tinha de contê-lo com a mão direita.

No discurso, que durou 40 minutos, ele também elogiou a utopia “de seu tempo”, mencionou sua luta pelo antigo sonho de uma “sociedade libertária e sem classes” e destacou a importância da ONU, que se traduz para ele um “sonho de paz para a humanidade”.

O sarampo da juventude recidivou. É preciso, pois, continuar lutando pela Idéia, como se dizia então. Pelas manhãs que cantam. Ex-comunista é como ex-seminarista. Fica para sempre marcado na paleta.

“A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade – continua o ex-tupamaro – . Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. No mesmo tom, ressaltou o fracasso do modelo adotado no capitalismo: “o certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas. Nossa civilização montou um desafio mentiroso”.

Para o presidente, o atual modelo de civilização “é contra os ciclos naturais, contra a liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e a família transcendem. Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.

O tempora, o mores! Quem diria que um dia entre os dias, um papa e um ex-guerrilheiro teriam o mesmo discurso. Nunca fui consumista. Nunca tive carro, jamais usei roupa de grife e ainda não cheguei aos iPhones da vida. Fora viagens, meus gastos se resumem ao comer e vestir, livros e música. Mas sempre defendi o consumismo. É o consumo, mesmo desbragado, que distribui trabalho e dinheiro no mundo, e não o socialismo.

Em um dezembro do século passado em Madri, quando buscava um singelo Rioja para fim de noite no hotel, ao cair na rua tive de enfrentar uma multidão furiosa, compacta, invasiva, imiscuindo-se em todo e qualquer lugar onde houvesse algo para comprar. Investi de ombros contra a massa e lutei bravamente por meu vinho. Até aí, nada demais. Lá pelas tantas, em plena Puerta del Sol, deparei-me com um grupo de católicos vestidos de andrajos – simulando pobreza, pois pobres não seriam – que ostentavam cartazes contra a sociedade de consumo e o consumismo. Se já não nutro muita simpatia por estes senhores, naquela noite meu sentimento foi de asco.

O que aqueles papistas pareciam não entender é que consumo, por estúpido que seja, gera trabalho e riqueza. Aquela histeria desmesurada dos madrilenhos beneficiava o último produtor de queijos, presunto ou vinhos, nos confins de uma vila qualquer na Espanha ou na Europa. Lubrificava a ampla capilaridade de distribuição e venda, os setores de transporte e comércio, do país todo. O consumo quase irracional dos madrilenhos azeitava a economia da nação, demonstrava a eficiência plena do capitalismo. Claro que o sentido original do Natal fica empanado, para não dizer abolido. Mas melhor que o culto piegas de um deus obsoleto é assistir o espetáculo de uma economia pujante.

Conquistada minha botellita de Rioja, fugi da massa e busquei uma bodega discreta para continuar minhas leituras. Não imagine o leitor que tais orgias de consumo me fascinem. Mas tenho de convir que são salutares para a saúde das nações. Aqueles gatos pingados católicos, travestidos de pobres e humildes, eram, naqueles dias de festa, os piores inimigos da humanidade.

Como o papa e o ex-tupamaro.

quarta-feira, setembro 25, 2013
 
A TOCA DA TARÂNTULA

Ney Messias


Assim falava Zaratustra: «Tranqüilo é o fundo do mar. Quem adivinharia que oculta monstros divertidos! A minha profundidade é inabalável, mas radiante de enigmas e gargalhadas». Esta e outras verdades, por vezes pronunciadas com pernosticismo de cabala e de profecia, põe Nietzsche na boca do seu super-homem, que no fundo era ele mesmo: ele mesmo que nos seus espasmos de loucura vagava alucinado pelas florestas da Turíngia. Foram frequentes as vezes que voltei à leitura dessas frases, e de cada vez, mais maduro que nas anteriores, fui descobrindo que o super-homem daquele alucinado não é mais do que resultado da vigília constante do homem comum. Talvez os outros loucos não compreendam se me deixo vencei pela tentação de afirmar que o «homem sublime» nietzscheano saiu da vulgaridade porque descobriu o tremendo perigo que é a vida, e transformou o próprio medo na impostura de uma forma de glória.

Levou-me a esse comentário o uso imoderado da navalha de barbeiro, segundo se lê em telegrama de Niterói, Estado do Rio. Lá o barbeiro Albino Sá Benavides, ao intervir em uma discussão entre fregueses, anavalhou com seu instrumento profissional três homens que esperavam a vez de cortar a barba: João Batista Machado foi cortado no rosto e no braço direito; Alfredo Cunha ganhou um corte no pescoço e José de Sousa recebeu um ferimento e coxa direita. Tranqüilo é o fundo do mar. Quem adivinharia que oculta monstros divertidos!

Tenho sido muito criticado na intimidade dos amigos pela fato de que, sentindo que a vida é extremamente perigosa. vivo a contorcer-me da expectativa do pior. Na realidade. quando deitamos a cabeça para trás, na cadeira do barbeiro, para que ele escanhoe a nossa pele nas proximidades do pomo de Adão, corremos o risco do degolamento: acho que não sentimos arrepio desse risco porque somos embalados por uma boa fé sem limites. Nunca pedimos ao barbeiro que nos exiba um atestado médico positivo a respeito de sua sanidade mental.

Quando embarcamos em um avião, partimos do pressuposto de que o piloto, que até ali manteve a conduta dentro da normalidade, não foi atacado durante a noite pelo demônio da insânia. Nada nos garante que a própria caneta esferográfica, que o pacífico amigo empunha na nossa frente, para assinar o documento que lhe apresentamos, não vai ser usada para o ato de furar nosso olho esquerdo. Quando mandamos as crianças para o colégio, simplesmente confiamos em que a professora ainda não foi atacada de paranóia persecutória, e não vai estrangular o seu pequeno aluno. Se damos de presente um punhal ao amigo, fazemo-lo certos de que ele não nos vai apunhalar. Nada nos garante que o barbeiro, o piloto do avião, o amigo que assina, a professora e o companheiro que recebeu o punhal não foram, ou já não estavam, tangidos pela especial transfiguração da vontade que pode fazer do homem, de repente, o monstro das profundidades desse mar de coexistência em cuja superfície navegamos.

Se os barbeiros conhecidos de repente põem na cabeça a idéia de usar suas navalhas para fins diferentes dos que lhes são assinados; se as pessoas com quem convivemos podem, repentinamente, implicar com o nosso olho direito ou com a inerme confiança do nosso sorriso; se o piloto do avião em que viajamos bem que pode ter a ocorrência de fumar maconha durante o vôo, não há motivo algum para que sejamos confiantes. A estabilidade deste mundo é problemática, e é por isso que a vida é uma grande aventura que só enfrentamos porque a ingenuidade incurável dos nossos corações faz da existência um permanente ato de fé.

Só os loucos duvidam, só os loucos sabem do tremendo risco de estarmos vivos. Os loucos e os pessimistas que esperam, como eu, tudo de todos, a qualquer momento. Assim falava Zaratustra: «Olha: é esta a toca da tarântula. Queres vê-la, a ela mesma? Está aqui a sua teia; toca-a para a veres tremer!»

PS – Ney Messias, dublê de jurista e jornalista, foi um dos mais geniais poetas gaúchos. Estas crônicas e outras mais, por mim compiladas e editadas postumamente, podem ser encontradas em O Construtor de Mistérios, 1975, nos bons sebos da praça.

terça-feira, setembro 24, 2013
 
PALOMBA GASTA LATIM


Quando ocorre uma tragédia humana de proporções, nunca falta um psi ou um ólogo para dizer bobagens. Me refiro a psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, antropólogos e sociólogos. Ora é uma deformação no cérebro, ora são as condições da infância, o meio social, quando não a fixação no pai e na mãe. Sempre há algo que absolve o criminoso.

Desta vez, o privilégio coube a um psiquiatra forense, no caso o dr. Guido Palomba, ao referir-se ao caso do menino que teria massacrado a família e depois se suicidado. Antes de ir adiante, foi este mesmo senhor que disse, em 2007, a propósito do rabino ladrão de gravatas:

“O rabino Henry Sobel pode ter apresentado um "estreitamento de consciência, denominado estado crepuscular pela literatura médica. Por um momento, a pessoa perde a noção da gravidade de seu ato".

Alegação interessante para o ladrão que for pego em flagrante: "Desculpe, dr. delegado, fui acometido por um estado crepuscular". Não é de hoje que o dr. Palomba diz bobagens. Está apenas recidivando.

Segundo o perito, por conta da encefalopatia, Marcelo passou a desenvolver uma perda da noção da realidade, comparada pelo psiquiatra com Dom Quixote. O portal Terra, subestimando seus leitores, esclarece que o personagem “é do livro escrito pelo escrito espanhol Miguel de Cervantes”.

“Ao matar os familiares Marcelo viu-se livre para o mundo imaginado, tornou-se de fato um justiceiro e forniu a mochila com perfume, uma calça, uma faca, um pequeno revólver e alguns rolos de papel higiênico (...) e saiu para dar andamento ao seu ideal quixotesco, na acepção exata do termo”, diz o laudo elaborado sobre o caso.

Longe de mim pretender ser psiquiatra, ocorre que o Quixote eu já li. Palomba está comparando um ente do mundo real, Marcelo, com um ente imaginário, o Quixote. Para o perito, sem os pais, o adolescente partiu rumo a um ideal “quixotesco”.

“Dom Quixote perdeu a razão depois de ler muitos livros de cavalaria (Marcelo depois de muitos videojogos) e partiu para se tornar um cavaleiro errante (Marcelo, justiceiro errante). O automóvel de Marcelo no lugar do cavalo Rocinante; a faca e o revólver em vez da lança e do escudo; Sancho Pança (o escudeiro) seria os amigos de escola, convidados no dia seguinte; a saída de Dom Quixote de um lugar de La Mancha, tal qual Marcelo de casa. (...) E ainda mais, o fim de ambos é igual em um ponto: ao retornarem ao lugar de origem, sentiram-se fracassados; porém, o cavaleiro andante morreu de tristeza e o justiceiro andante se suicidou”, diz o documento.

Não é que o Quixote tenha perdido a razão depois de ler muitos livros de cavalaria. Ocorre que Cervantes pretendeu fazer uma sátira aos livros de cavalaria da época. E atribuiu a estes o delírio do herói. Alonso Quijana teria treslido. Pelo jeito, o d Palomba também. As razões do Quixote são literárias. As de Marcelo, só Deus saberia, se existisse.

Para começar, apesar de bravo e aguerrido, Dom Quixote não mata ninguém. Tampouco lhe ocorre matar seus familiares. Rocinante é o seu matungo e arma de luta.

"Dichosa edad y siglo dichoso aquel donde saldrán a luz las famosas hazañas mías, dignas de entallarse em bronces, esculpirse en mármoles y pintarse en tablas, para memoria en lo futuro. Oh tú, sabio encantador, quienquiera que seas, a quien ha de tocar ser cronista desta peregrina historia! Ruegote que no te olvides de mi buen Rocinante, compañero eterno mío em todos mis caminos y carreras".

Considero Cervantes antes de tudo um humorista. Este trecho, a meu ver, dá o diapasão de toda sua obra. Ali está o personagem e aquilo a que vem: desfazer tortos, para glória na eternidade. Esta divertida ironia em relação a si mesmo é o que mais me fascina no Quixote.

Quixote persegue um ideal de justiça, o fulcro dos romances de cavalaria da época. Cervantes quer rir desses senhores que enfrentam exércitos e dragões, em nome de uma princesa e em busca de justiça.

O caso de Marcelo é bem mais prosaico e não merece tais vôos literários. Não é fácil entender porque alguém faz isso – e isso se faz todos os dias – e mais difícil ainda é entender que uma criança mate os seus e se mate. A meu ver, não há razão nenhuma para seu crime. Pirou e pronto. Quantas pessoas não enlouquecem da noite para o dia? A loucura só vem a público quando dela decorre uma tragédia. Decorrências menores passam despercebidas.

E da loucura, ninguém ainda descobriu as causas. Marcelo, pelo que se sabe, não perseguia ideal nenhum. Seu Rocinante – o carro, segundo Palomba – sequer era seu. A loucura é irracional e imprevisível. Se conhecemos as razões de um crime, já não é loucura.

Segundo o laudo do psiquiatra, o delírio de Marcelo começou no início deste ano, “quando passou a convidar seus amigos para fazerem parte de um grupo denominado Mercenários”. Os games fizeram com que o adolescente, que havia aprendido a atirar e dirigir com Luis Marcelo e Andréia, querer ser um herói, “mais importante que seus próprios pais. Assim, despontou a sua realidade, não mais fictícia como nos videojogos, cujos atores sempre retornam à vida, mas um mundo real que lhe satisfazia o sentimento de ser um justiceiro de verdade.”

Hoje, o bode expiatório são os vídeogames. Há uns vinte anos, eram os filmes violentos. Ora, me criei – e os leitores certamente também – vendo filmes violentos, e jamais nos ocorreu matar alguém ou massacrar a própria família. Da mesma forma, há milhões de crianças e adolescentes brincando com videogames violentos e nenhuma delas matou seus pais. Procedesse a tese de Palomba, massacre de famílias pelos filhos seria epidêmica.

O vírus da insanidade não avisa, ocorre quando menos se espera e contra ele não temos defesa. Se nós entregamos nosso pescoço à navalha do barbeiro, é porque confiamos que ele não será tomado por esta peculiar anomalia.

Talvez estivesse mais perto de uma explicação se usasse o mesmo argumento que usou para justificar o gesto do rabino, o tal de estado crepuscular, quando por um momento a pessoa perde a noção da gravidade de seu ato.

De minha parte, não vou tão longe. A meu ver, as gerações contemporâneas perderam a noção do valor de uma vida. Não passa mês sem que vejamos um assaltante matando alguém só porque este alguém andava sem dinheiro no bolso. A ninguém ocorre chamar isto de estado crespuscular de consciência, anomalia que só acomete gente fina. Tampouco ocorre citar Cervantes quando um pobre diabo de favela mata os seus.

Dr. Palomba gastou seu latim e não disse nada. O caso de Marcelo continua sendo um mistério, que nem mesmo Marcelo saberia explicar.

EM TEMPO Uma boa amiga, Laís Legg, me escreve: "Janer, imagino um laudo teu: "pirou e pronto" Ah, ah, ah. Mas eu gostei da conclusão do Palomba (milhões acham que foi a polícia quem os chacinou), realmente, o menino foi influenciado por muitas coisas, a piração foi multifatorial. E foi ele, não há dúvida, para desgosto de muitos”.
Ora, Laís, laudo é uma coisa, opinião é outra. Mais honesto é admitir que não se entende a loucura do que emitir metáforas literárias. Seja como for, o recurso ao Quixote é totalmente despropositado. Eu atestaria: "por razões que ainda nos são desconhecidas..."

segunda-feira, setembro 23, 2013
 
EINFÜHRUNG *


Der Kunst bleibt nur eine radikale und revolutionäre Kundgebung nachdem Gott tot und die Ideologien im Zusammenbruch sind. Was ist ein empörter Mensch? - fragt sich Camus. Es ist „ein Mensch, der Nein sagt. Aber wenn er verneint, verzichtet er dennoch nicht: er ist gleichzeitig ein Mensch, der ‚Ja‘ sagt, von Anfang an.“ Albert Camus sagt, dass diese Ablehnung sich in drei Formen ausdrückt: Erstens in dem Menschen, der seine Kondition und seine ganze Beschaffenheit ablehnt, finden wir die metaphysische Auflehnung, eine dem Christentum zeitlich gleich gestaltete Bewegung. Der Verfasser stellt diese Ablehnung oder Verneinung in den ersten Theogonien (mystischen Darstellungen) fest, in dem „Prometheus, der an eine Säule gekettet ist, am Ende der Welt, ein ewiger Märtyrer, für immer der Vergebung verlustigt, die er nicht zu erbitten gewillt ist“.

Eine Revolution wird keinen fruchtbaren Boden innerhalb einer Kultur finden, in der die Götter unter den Menschen weilen, in der ein Fremder mit der klassischen Anrede empfangen wird: „wer immer Du auch seist, Mensch oder Gott...“ Die Gewissheit von der Existenz eines einzigen Gottes, der verantwortlich ist für die ganze Schöpfung und der vom Christentum erstellt worden ist und der in sich dieses wage Gefühl von Generationen vereint. Diese Revolution, dieses Aufbegehren „ist metaphysisch, denn sie widersprechen dem Ziel und Zweck des Menschen und der Schöpfung.“

Und bald danach, als logische Konsequenz der metaphysischen Revolution, bricht die Revolution in der Geschichte aus, ein verzweifelter Versuch und blutig dazu, um den Menschen vor der Verneinung zu schützen. Indem der Mensch den Kampf gegen Gott ablehnt, stürzt er sich in einen Holocaust. Camus besteht darauf, dass diese historische Revolution nicht mit einer Rebellion zu verwechseln ist. Spartacus strebt keine Rebellion an, er will nur gleiche Rechte wie die des Herrn, er will der Herr sein, anstelle des Herrn. Wir stehen einer Rebellion gegenüber. Wenn eine Rebellion Menschen tötet, tötet eine Revolution Menschen und Prinzipien. - Und schließlich die Revolution der Schöpfung, der Rivalität mit Gott, die Revolution der Kunst: eine Bewegung, die gleichzeitig preist und verneint. Kein Künstler kann die Wirklichkeit ertragen, sagt Nietzsche. „Das ist wahr“, sagt Camus, „aber kein Künstler kommt ohne die Wirklichkeit aus“.

Ernesto Sabato, der einsame Schriftsteller von Santos Lugares, dessen erster Roman den französischen Verlegern von Camus empfohlen wurde, erscheint heute als Höhepunkt der Prosa und des Gedankenganges von Lateinamerika. Aus freiem Willen fern der intellektuellen Kreise, jahrelang unterdrückt durch das vorwiegend politische Ansehen von Garcia Márquez, Cortázar oder Vargas Llosa, ist dieser Argentinier mit seinen nur drei Romanen heute das Thema vieler Thesen in Europa und Nordamerika. Sein Name wurde schon dreimal für den Nobelpreis vorgeschlagen. - Unabhängig von literarischen Geschmacksrichtungen arbeitet er an seinen originellen und schlichten Werken mit der Geduld eines Mönches. Der „Tunnel“ erschien (1948), „Über Helden und Gräber“ (1961) und „Abadon, der Vernichter“ (1974).

Unendlich selbstkritisch wurden diese drei Romane von Matilde, seiner Frau und von einigen Freunden vor dem Verbrennen gerettet. „Ich habe mehr vernichtet und verbrannt als herausgegeben“, sagte Sabato in einem Interview zu Marcos Santarrita. „Ich bin von Natur aus ein unzufriedener Mensch“. - Seine Werke, die von vielen Kritikern als das tiefgreifendste metaphysische Manifest der gegenwärtigen Literatur bezeichnet wird, wurden gerade aus diesem Grunde von gewissen Kritikern ignoriert. „Man erwartet von uns die Beschreibung wilder Reitereien in der Steppe, sie lechzen nach Exotischem und Lokalkolorit.“ Die Werke Sabatos, seien es Romane oder Essays, lehnen sich beträchtlich an die Gedanken von Camus an.

Für beide Schriftsteller hat die Kunst ihre Wurzeln in der Revolution und es ist eben diese Revolution, diese Auflehnung gegen die menschliche Natur, die sie zum Schreiben treibt. „Wir hatten die metaphysische Unruhe gemeinsam, sowie die ethischen Sorgen und die sehr ähnliche politische Einstellung“, sagt Sabato über Camus. - Ich habe mir zum Ziel gesetzt, auf diesem Gang durch die Werke Sabatos und Camus, die drei Manifestationen der Revolte {Empörung) herauszuarbeiten: Die Suche nach Gott, die Revolution und die Kunst.

Zuerst werde ich die Einstellung dieser zwei Autoren zu diesem völlig leeren Grundsatz analysieren, zu einer Welt, in der es keinen Gott gibt und wo alles, selbst Mord, gebilligt wird. Gottlos, wie verschiedene andere Geister derselben Epoche, schließen sie eine geschichtliche Wette ab und nähern sich dem Marxismus. Aber der neue Glaube ist anspruchsvoll, er verlangt gedankliche Unterwerfung und die Zustimmung zum Verbrechen zum Wohl des Staates. Als Menschen, die sich an nichts und niemanden anschließen, entfernen sie sich von der neuen Kirche, nicht ohne den Grund für diese Entfernung für sich und ihr Publikum zu analysieren. Da es mir unmöglich erscheint, das Leben und die Werke eines Schriftstellers der ersten Hälfte unseres Jahrhunderts zu untersuchen, ohne Stalin zu zitieren, betrachten wir einige Ereignisse, die die hier untersuchten Autoren beeinflussten, speziell das große Fiasko der 40iger Jahre, die Affäre Lyssenko.

Ohne Gott und ohne Marx haben Sabato und Camus dieselbe Reaktion: sie schreiben einen Roman, in dem es für die darin erscheinenden Personen keinen Ausweg gibt. Ihr Aufschrei findet eine Antwort, sie überwinden den Nihilismus, indem sie die Aufgaben eines Schriftstellers auf sich nehmen, der als Bote der Furien erscheint. Der Roman erscheint als eine mögliche Antwort und nimmt bei Sabato neue Konfigurationen an. Und schließlich werden wir noch die neuen Formen der Revolution in einer neuen geografischen Umgebung untersuchen, wobei der Roman sich mit den Träumen einer Menschengruppe auseinandersetzt und in dem sich die metaphysischen Ängste und Qualen sogar in einem Tango ausdrücken.

In der Analyse der Werke in denen sich Sabato und Camus einander nähern ist die chronologische Folge ihres Erscheinens nicht immer eingehalten, denn die Schriftsteller verzeichnen häufig in späteren Werken dieselben Qualen vorhergegangener Arbeiten. Was Sabato betrifft, so müssen wir Essays und schöngeistige Literatur betrachten, denn der Schriftsteller selber unterscheidet sie nicht. Als früherer Journalist überlasse ich darum immer dem Schriftsteller das Wort, wenn es sich darum handelt, dem Grundgedanken seiner Werke nachzugehen.

* Não pareço mais filosófico e profundo em alemão?

domingo, setembro 22, 2013
 

DE NADA ADIANTA CHORAR
POR EMBARGO DERRAMADO



Veja dá uma capa de luto na edição desta semana, com uma só chamada:

Brasília, 18 de setembro de 2013

Manchete da reportagem:

A JUSTIÇA SE CURVA.
OS MENSALEIROS RIEM


Faz a crônica de um luto anunciado. Os mensaleiros até podem ir para a cadeia. Quem não pode ir é Zé Dirceu. Braço direito do capo di tutti i capi, o ex-ministro conhece coisas que a nossa vã informação desconhece. Se for em cana, por certo abrirá a boca. Abrindo a boca, demole a reputação do homem que realmente deveria estar na cadeia.

A quem interessa o crime? A quem interessava a compra de deputados? A Zé Dirceu é que não, afinal para o ministro tanto fazia como fizesse se os deputados votassem assim ou assado. O que estava na berlinda era o governo de Lula. Zé Dirceu não se beneficiaria pessoalmente comprando votos para tungar os aposentados. Mas o governo sim.

Ser corrupto não é para qualquer um – afirmava eu no ano passado. É para quem pode. E mais: exige trabalho. Por mais dura que seja sua jornada, certamente Carlinhos Cachoeira, Zé Dirceu, Maluf, Delúbio, Marcos Valério suaram mais a camiseta que você. Não se constrói uma quadrilha eficiente sem esforço e dedicação. São centenas de milhares de horas-homem de trabalho.

O mensalão começou a ser montado no dia 10 de fevereiro de 1980, no colégio Sion, em São Paulo, quando o PT foi criado. Foram mais de vinte laboriosos anos de trabalho de consolidação da quadrilha. Ser honesto pode não compensar muito. Mas sem dúvida é menos trabalhoso.

Corrupção não dá recibo. Daí a impunidade de seus agentes. Até os cisnes do lago do Itamaraty sabem que Zé Dirceu está à cabeça da quadrilha que comandou a operação. Daí a prová-lo, são outros quinhentos. Para condenar o mandalete de Lula, Joaquim Barbosa foi cavoucar no direito alemão a exótica teoria do domínio do fato. A teoria foi criada por Hans Welzel em 1939 para julgar os crimes ocorridos na Alemanha pelo Partido Nazista. Consiste na aplicação da pena ao mandante de um crime, mas como autor e não como partícipe do crime. Na época do julgamento dos crimes do Partido Nazista, devido à jurisprudência alemã, a teoria não foi aceita.

A teoria só ganhou projeção internacional em 1963, quando Claus Roxin publicou a obra Täterschaft und Tatherrschaft . Negro que fala alemão é um perigo, costumo afirmar. Para ser aplicada a teoria, é necessário que a pessoa que ocupa o topo de uma organização emitir a ordem do crime e comandar o fato.

Joaquim Barbosa não ousou ir até o fim do caminho. Quem comandava os fatos? Certamente não era Zé Dirceu. Na Folha de São Paulo de hoje, Ives Gandra põe pra fora da boca o que estava na ponta da língua de todos.

- O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.

Os juízes do STF têm agido como formigas enlouquecidas ante a proximidade de um temporal. Tomam decisões insólitas sem prever as graves conseqüências, a longo prazo, de suas irresponsabilidades. Em reportagem de capa, na edição de hoje, o Estadão aponta uma delas.

“A decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir um novo julgamento para parte dos condenados no processo do mensalão - a partir do acolhimento dos embargos infringentes -, pode beneficiar réus de 306 ações penais que se arrastam na Corte, sem previsão de conclusão. Enquanto advogados de defesa se empolgam com a possibilidade de lançar mão de mais um recurso, ministros e ex-integrantes do STF revelam apreensão com o efeito dominó da decisão”.

Beneficiários? Entre outros, esses impolutos vultos da pátria, como os deputados Paulo Maluf e Eduardo Azeredo, e os senadores Fernando Collor de Mello e Jader Barbalho , que respondem ações por crimes.

Segundo o jornal, um outro ministro que rejeitou empurrar para 2014 o desfecho do mensalão é categórico. "Se entrar (embargos infringentes) para todas as ações nessa situação (com 4 votos), será a inviabilidade do tribunal. Já imaginou? Toda vez que tiver quatro votos vai ficar rejulgando? O tribunal não consegue nem julgar as ações originárias!", disse o ministro, que pediu anonimato.

O mesmo reitera o ex-ministro Eros Grau, ainda no Estadão:

- Há inúmeras ações penais a serem ainda apreciadas e, sem dúvida, em todos os casos em que houver quatro votos favoráveis ao réu, o moto perpétuo processual será instalado. O Supremo será transformado em um tribunal penal de terceira instância.

Agora não adianta chorar sobre embargos derramados. Se a Veja acha que os mensaleiros riem, está sendo tímida em sua manchete. A elite dos corruptos está rindo. Impunidade ampla, geral e irrestrita para todos.

sábado, setembro 21, 2013
 
Crônicas da Guerra Fria:
ODE AO OCIDENTE *



Atirando-se no reservatório de água de uma aldeia das montanhas do sul da China, seis jovens camponesas se suicidaram pelo fato de não poderem descer ao vale, porta de um mundo exterior, maravilhoso e inacessível. É o que nos informa o jornal A Tarde, de Cantão. O fato, que não mereceu destaque algum na imprensa ocidental, nos faz pensar.

Em Paris, partilhei meus dias com amigas fugitivas do Leste europeu. Não que fossem ativistas políticas, nada disso. Fugiam, isto sim, de uma vida cinzenta que mais se assemelhava a uma morte em vida. Sair de tal inferno para cair no paraíso consumista parisiense não deixa de ser traumático. Era com um misto de humor e lástima que eu as via trocar desengonçadas calcinhas de pano vagabundo e sem cor, por excitante lingerie em seda vermelha ou preta. Mais divertido era observá-las perplexas, em um supermercado, sem entender como um povo podia permitir-se o luxo de escolher papel higiênico em função da cor. Mais perturbador ainda — ó, utopia! — era saber que poderiam escolhê-lo pelo perfume.

Habituadas às ásperas páginas da Pravda — dura é a verdade e tem grande tiragem — as bravas camaradas tinham, no entanto, uma espantosa capacidade de adaptação. Com poucos meses de Ocidente, as sofridas eslavas despiam-se do casulo socialista e se transformavam em libélulas de fazer inveja a muita parisiense. Não era esta traumática metamorfose o que nelas mais me comovia. E sim seus transportes, infantis e quase histéricos, frente a uma agência de turismo. As duas primeiras vítimas, diz o jornal de Cantão, amarraram-se juntas pelas mãos, antes de atirar-se nas águas em Huilan.

Falava das eslavas. Mas antes melhor explicar o que é uma agência de viagens na Europa. Cá no Brasil, se você não tem informações anteriores sobre o país para onde quer ir, terá de ser vidente para saber o que vai encontrar. Os agentes de viagem são mais avaros com papel impresso do que os regimes comunistas com papel higiênico. Em Paris, as coisas são um pouco diferentes. Você entra em qualquer agência e apanha quilos de prospectos, luxuosamente impressos, que lhe oferecem o planetinha todo, do Saara à Lapônia, de Machu Picchu ao Katmandu, no inverno ou no verão, a preços baixos ou altos, de avião ou de trem, em lombo de dromedários ou em trenós puxados por cães. Por esse cardápio de povos e paisagens você paga... absolutamente nada. É chegar e pegar. Se quiser, depois voltar e partir.

Mas por que não ficaste por lá? — é o que me perguntam quando me ponho a xingar o Brasil. Não fiquei por uma simples razão: daqui sempre posso sair e um dia chegar lá. O mesmo não ocorria com minhas Olgas e Úrsulas. Voltassem a seus países, de lá jamais poderiam voltar a sair. O que nelas mais me comovia, não era o fascínio ante lingeries sofisticadas ou ante as diversas opções de papel higiênico, isso sem falar na oferta alucinante do mercado parisiense. O que me dava vontade de chorar era vê-las abraçadas a quilos de sonhos. Ou seja, de prospectos de viagem, que ofereciam o planeta todo a preços módicos.

Ou nem tanto. Para a Índia, pode-se tanto voar em primeira classe rumo a hotéis cinco estrelas como tomar um ônibus Paris/Benares, coisa de uns trinta dias, isto conforme a evolução das guerras ou guerrilhas pelos países por onde se passa. Carnaval no Rio, mariachis no México, lamas no Tibete, gurus na Índia, glaciares na Patagônia, fjordes na Noruega, dunas e oásis no Saara, todas estas promessas de viagens elas portavam sob os braços. Para meu espanto. As coitadas mal conseguiam pagar suas cervejinhas no Quartier Latin e desejavam o mundo.

Para que tantos prospectos? — quis saber — afinal vocês mal têm centavos para o metrô. “Ah — me responderam — aqui pelo menos se pode sonhar. Lá, até sonhar é proibido”. Das outras quatro chinesas desaparecidas quinze dias depois em Huilan, só foram encontrados seus sapatos junto ao reservatório de água.

Donde concluímos: xerox é como liberdade, só percebemos sua importância quando a perdemos. Por que xerox? Porque sempre o utilizei sem sequer imaginar o que significava em termos de liberdade. Pois na União Soviética, mesmo nestes dias de Gorbachov, possuir uma máquina de xerox é crime de lesa-socialismo. E o pesquisador que quiser uma cópia de um documento qualquer, terá antes disso de rastejar para obter pelo menos umas dez assinaturas da Nomenklatura, antes de obter sua cópia, única e irreproduzível.

Ou viajar. Imaginou o leitor ter de pedir permissão ao Estado para ir de Florianópolis a Porto Alegre? Ou de Porto Alegre a Dom Pedrito? Parece-nos absurda tal hipótese e espero que assim pareça, pelos séculos dos séculos, amém. Para minhas amigas russas, era rotina. Se quisessem afastar-se cinqüenta quilômetros de Moscou, teriam de explicar muito detalhadamente as razões pelas quais queriam varar os cinqüenta quilômetros. O jornal de Cantão informou que as razões dos suicídios das seis chinesas são simples: as moças, analfabetas, tinham visto alguns filmes e escutaram os relatos deslumbrados de alguns aldeões que visitaram a cidade.

Ocidentais, degustamos quase com tédio nossos privilégios cotidianos, direitos que são negados a pelo menos dois terços dos habitantes do planeta. Quando velho, eu adorava falar na “sifilização ocidental e cristã”. Com o passar dos anos, rejuvenesci. Hoje, apesar do cristianismo, aceito o Ocidente e seus valores e contradições. Pois aqui ainda se pode respirar. Convencidas de que estavam condenadas a vegetar em suas montanhas, as seis moças de Huilan preferiram a morte.

Jamais ocorreu talvez ao leitor avaliar o tremendo privilégio que desfruta ao passar um dia na praia, nestes estertores do século XX. Para começar, pode ir à praia que quiser, sem dar satisfação à autoridade alguma, o que já não ocorre no universo chinês ou soviético. Você pode beber o que quiser, inclusive uísque ou cerveja. E cerveja gelada, bem entendido. Em países muçulmanos ou comunistas, não encontraria álcool nem pra remédio. Nos primeiros, porque Alá não gosta. Nos segundos, porque a livre iniciativa é pecado.

Mas deixemos de lado estas sociedades ainda mergulhadas nas trevas da Idade Média. Na esplendorosa e cosmopolita Estocolmo, recentemente indicada como a melhor cidade do mundo para se viver, uma cervejinha na praia dá cadeia. Pois beber ao ar livre — beber álcool, bem entendido — é crime. Mais ainda: é proibido beber em bares. Mas para que então bares? Ora, nos bares pode-se tomar chá, chocolate, sucos de laranja, pepsi e xaropes do gênero. Mas onde se pode beber no paraíso nórdico? — já estará se perguntando o sedento leitor. Nos restaurantes, desde que se peça almoço ou janta. Mas atenção: só a partir das doze horas em ponto até as 24. Nem um minuto a mais ou a menos. E a preços de tornar sóbrio qualquer cristão ou Cristaldo.

Sem falar nas mulheres que nos presenteiam, com uma generosidade quase lúbrica, com o festival de suas curvas. Exato; nossas praias têm mulheres. O cronista hoje ensandeceu, dirá o leitor. O pior é que não. Apenas acometeu-me uma crise de lucidez. Bem mais da metade do planeta está proibida de contemplar a nudez do sexo oposto. Já nem falo do mundo islâmico, que de mulher Alá também não gosta. Desloquemo-nos para um país laico e materialista. Bulgária, por exemplo. Em Varna, principal porto do Mar Negro, ainda hoje, neste ano da graça de 1989, há praias para homens e praias para mulheres. Cerveja, não sei se tem. Quando soube que em minha praia não podia contemplar estes seres sem os quais as praias não têm sentido, dei meia volta e amaldiçoei Varna, Bulgária e Marx e prometi a mim mesmo jamais voltar lá.

Nossas mulheres têm clitóris. Exato: nossas mulheres têm clitóris. Grande coisa, dirá o leitor. Grande mesmo, insisto. Pois ainda hoje, neste finzinho de século XX, 50 milhões de mulheres foram submetidas, na infância, à ablação do clitóris e à infibulação da vagina. Pois de clitóris Alá também não gosta. Outro dia, uma amiga que voltava da Nicarágua, cansada de colher café e aspirando emoções mais fortes, confidenciou-me o desejo de conhecer a Líbia de Kadhafi. Vais voltar sem a grande coisa, adverti. Consegui empanar, no olhar da fanática, o carisma do líder líbio: “Não vão levar. Morro dando e não entrego”. Prevalecera o bom senso ocidental.

Vivemos dias duros, é verdade. Faz bem olhar, de vez em quando, o universo circundante. Enquanto tivermos praias, cervejas e clitóris, o Ocidente está salvo. Tim-tim, leitora!

* Porto Alegre, jornal RS. 15/10/1989. Hoje já se pode beber nos bares na Suécia.

sexta-feira, setembro 20, 2013
 
IGREJA VÊ MERCADO


Que o papa decida acolher os gays na Igreja, nada mais previsível. O rebanho está mermando no mundo todo, e particularmente na América Latina.

Em julho passado, Francisco pedia para a Igreja brasileira reconquistar os fiéis que se tornaram evangélicos ou que abandonaram a religião, em um longo discurso diante de cardeais e bispos do país com mais católicos do mundo.

Há muito venho afirmando que cristianismo e tabagismo é vício de país pobre. A tendência nos países ricos é eliminar o cigarro e a religião. Francisco sabe disso e o Brasil tem o rebanho mais numeroso de ovelhinhas para serem tosquiadas no mundo. A Igreja Católica vem enfrentando uma diminuição do número de fiéis no país há mais de três décadas. Os católicos representavam 64,6% da população em 2010, contra 91,8% em 1970. São números mais que preocupantes.

Os evangélicos, por sua vez, crescem de vento em popa, apoiados pelo uso da televisão e das redes sociais e por uma extensa rede de templos. Além do mais, além de não pregarem pobreza a seus fiéis, acenam com uma teologia da prosperidade. Aumentaram de 5,2% da população em 1970 para 22,2% em 2010 (42,3 milhões). É um desfalque e tanto nas hostes da Santa Madre.

É preciso recuperar os que "buscam respostas nos novos e difusos grupos religiosos" – diz nota da AFP - e "aqueles que já parecem viver sem Deus. Precisamos de uma Igreja que saiba dialogar com aqueles discípulos que, fugindo de Jerusalém, vagam sem uma meta, com seu próprio desencanto, com a decepção de um cristianismo já considerado estéril, infecundo, impotente para gerar sentido", afirmou.

As ditas igrejas "inclusivas" - voltadas predominantemente para o público gay - vêm crescendo a um ritmo acelerado no Brasil, à revelia da oposição de alas religiosas mais conservadoras. Estimativas feitas por especialistas a pedido da BBC Brasil indicam que já existem pelo menos dez diferentes congregações de igrejas "gay-friendly" no Brasil, com mais de 40 missões e delegações espalhadas pelo país.

Concentradas, principalmente, no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, as igrejas inclusivas somam em torno de 10 mil fiéis, ou 0,005% da população brasileira. A maioria dos membros (70%) é composta por homens, incluindo solteiros e casais, de diferentes níveis sociais. O crescimento das igrejas inclusivas ganhou força com o surgimento de políticas de combate à homofobia, ao passo que o preconceito também diminuiu, alegam especialistas. Hoje, segundo o IBGE, há 60 mil casais homossexuais no Brasil. Para grupos militantes, o número de gays é estimado entre 6 a 10 milhões de pessoas. Na falta de tu vai tu mesmo. Há muito o marketing descobriu que o mercado gay é imenso e não pode ser ignorado. A Igreja de Roma está descobrindo o fenômeno. Mas antes tarde do que perder uma massa de dizimistas.

O que espanta é ver homossexuais procurando a Igreja, logo aquela igreja cujo livro os condena à morte e ao fogo do inferno. Há muito venho me queixando de que não se fazem mais homossexuais como antigamente. Tanto que viraram gays, homoafetivos, tudo menos homossexuais. Convivi com eles desde o ginásio à universidade e mais tarde na vida profissional. Ostentavam uma certa aura, não digo de heróis, mas de rebeldes avessos à sociedade bem comportada, à ética vigente, ao casamento e à religião. Entre os homossexuais com os quais convivi – e alguns eram companheiros de bar – nunca vi casais nem pessoas com pendores religiosos.

Todos tinham consciência de que as religiões vigentes condenavam seus comportamentos, e das igrejas só queriam distância. Eram geralmente pessoas cultas e sensíveis. Quando penso nos homossexuais de minha juventude, sempre me vem à mente o “non serviam” de Lucifer, a primeira afirmação de liberdade ante a arrogância do Altíssimo.

Hoje, os homossexuais querem casar na Igreja, de véu e grinalda preferentemente. Seria pouco inteligente da parte do vice-deus fazer ouvidos de mercador a esse enorme contingente.

quinta-feira, setembro 19, 2013
 
FRANCISCO DIZ BOBAGENS


Os papas, presos à burocracia do Vaticano e tentados pelos ideais dos tempos contemporâneos, tendem a esquecer a Bíblia. Por vezes, é preciso que um ateu, mais atento aos textos sagrados, os chame à razão. O primeiro papa a negar os Evangelhos no que diz respeito à morte do Cristo foi João XXIII.

Na Sexta-feira santa de 1959, fez desaparecer da liturgia o adjetivo “pérfidos judeus” e rezou pelos “judeus”. No documento Nostra Aetate, de 1965, isentou os judeus da culpa pela crucificação de Cristo. Que elimine da missa um insulto racial, nada mais justo. Ainda mais quando os judeus contemporâneos nada têm a ver com os atos de seus antepassados. Daí a absolvê-los pelo episódio no monte Calvário, vai uma longa distância.

Lemos na Nostra Aaetate que “o mal praticado na sua paixão não pode ser atribuído indiscriminadamente a todos os judeus que viviam então, nem aos judeus dos nossos tempos”. A mesma bobagem foi repetida por Bento XVI, há dois anos, no livro Jesus de Nazaré. Desde sua entrada em Jerusalém à Resurreição. Ratzinger, repetindo João XXIII, também isenta os judeus das alegações de que foram responsáveis pela morte de Jesus. “Perguntemo-nos, antes de mais nada, quem eram exatamente os acusadores? Quem insistiu em condenar Jesus à morte? Segundo João, se trata simplesmente dos ‘judeus’, mas a expressão deste evangelista não indica o povo de Israel como tal, e menos ainda tem uma intenção racista”.

É óbvio que João não fala do povo de Israel. Se falasse, teria escrito o povo de Israel, ora bolas. Ou simplesmente Israel, como era denominado o Estado judeu. Por outro lado, o papa pretende corrigir a versão de Mateus, que atribuiu a pressão para condenar Cristo a “todo o povo”. Segundo Ratzinger, não se trata de um fato histórico porque não é possível que todo o povo expressasse seu rechaço.

Foi obviamente força de expressão do Mateus. Nunca na História um povo inteiro se reuniu para matar um só homem. Seria preciso, no caso, que todo Israel se reunisse em Jerusalém. Sem falar que o evangelho de João não poderia mesmo ter nenhuma intenção racista, já que racismo é categoria contemporânea. Você pode percorrer a bíblia de ponta a ponta e nela não encontrará a palavrinha. Vamos ao texto de João, XI 49-50:

Então, os chefes dos sacerdotes e o fariseus reuniram o Conselho e disseram: "Que faremos? Esse homem realiza muitos sinais. Se o deixarmos assim, todos crerão nele e os romanos virão, destruindo nosso lugar santo e a nação". Um deles, porém, Caifás, que era Sumo Sacerdote naquele ano, disse-lhes: "Vós de nada entendeis. Não compreendeis que é de nosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda? Não dizia isto por si mesmo, mas sendo Sumo Sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus iria morrer pela nação - e não só pela nação, mas também para congregar na unidade todos os filhos de Deus dispersos. Então, a partir desse dia, resolveram matá-lo.

Óbvio está que não foi o povo judeu. Foi pior. Foram os líderes supremos dos judeus que condenaram o Cristo. Que mais não seja, os judeus foram responsáveis não só pela morte do Cristo. Foram eles que mandaram Paulo para uma prisão em Roma. Entre outras acusações, estava a sua boa amizade com Trófimo, que era não-circuncidado.

Outra sandice do Bento. Em Roma, num 06 de janeiro, Sua Santidade repetiu essa suma asneira que os jornais repetem todos os anos: os três reis magos. Leia a Bíblia de ponta a ponta. Nela jamais encontrará reis magos e muito menos que eram três. O mais específico que encontramos está em Mateus, 2:1: “Tendo, pois, nascido Jesus em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram do oriente a Jerusalém uns magos que perguntavam (...)"

Uns magos e nada mais. Nem reis nem três.

O besteirol pontifício se repete. Hoje, em entrevista a uma revista jesuíta, o papa Francisco relatou um episódio em que uma pessoa perguntou se ele “aprovava” a homossexualidade. “Eu respondi com outra pergunta. "Diga-me, quando Deus olha para um gay, ele confirma a existência dessa pessoa com amor, ou rejeita e condena esta pessoa? Nós devemos sempre considerar esta pessoa. Aqui entramos no mistério da humanidade”, disse.

Sua Santidade esqueceu de dizer o que diz o bom Deus a respeito dos homossexuais. Jeová é taxativo. No Levítico 20:13 lemos: "Se um homem se deitar com outro homem, como se fosse com mulher, ambos terão praticado abominação; certamente serão mortos; o seu sangue será sobre eles".

Será isso confirmar a existência dessa pessoa com amor?

quarta-feira, setembro 18, 2013
 
GAYS OPERAM MILAGRES


O beijo, esta manifestação de afeto ou sensualidade, está mudando de significado. Se antes foi gesto que identificava amigos ou amantes, hoje virou arma de ativistas, e das mais contundentes.

Duas jovens foram parar na delegacia após se beijarem em um culto comandado pelo deputado federal e pastor Marcos Feliciano (PSC-SP). O caso ocorreu anteontem, durante evento evangélico que reuniu cerca de 2.000 pessoas em São Sebastião, litoral norte paulista.

Na manchete, a Folha de São Paulo publica:

Beijo em culto de Feliciano leva mulheres à delegacia

Na linha fina, já não temos mais beijo, mas protesto:

Pastor ordena prisão de duas jovens que protestavam em ato evangélico

Os gays estão operando milagres. Estão conseguindo gerar apoio a um vigarista e explorador da fé dos simples. Duas meninas se beijarem durante um ato religioso não é gesto de carinho. É provocação barata, agressão às crenças alheias. No fundo, desejo de mídia. O pastor Feliciano é a bola da vez. Elas sabiam muito bem que, após o gesto, teriam a primeira página dos jornais.

Por que não beijar-se durante uma missa? A Igreja católica participa da mesma crença do pastor, e obviamente nenhum padre toleraria tal acinte. Acontece que o pastor é primeira página na certa.

Quem me acompanha sabe que sou ateu e mantenho uma distância crítica de todas as religiões. Apesar de ser ateu, defendo a existência de todas elas. Se o ser humano gosta de ser enganado, amém! Mas os tais de pastores evangélicos há muito deviam estar na cadeia. Não administram religiões, mas caça-níqueis. Isso sem falar no exercício ilegal da medicina. Em cada emissão televisiva, os milagres superam de longe o número de milagres que Cristo realizou em toda sua vida. Ocorrem em cadeia industrial, ao ritmo de dois ou três por minuto. O pastor até parece entediar-se com a freqüência dos mesmos e descarta rapidamente o miraculado que tem nos braços para abraçar o seguinte.

Durante algum tempo, dediquei alguns minutos na madrugada para assistir às pregações dos pastores. (Ultimamente, cansei). Não que pretendesse ouvir suas baboseiras. O que me fascinava era ver aqueles templos imensos lotados, com quatro mil, cinco mil ou mais pessoas, sem que se veja uma só cadeira vazia, todos fanatizados por um discurso estúpido e obviamente desonesto. Gosto de ver quando a câmera foca rostos. Pessoas de boa aparência, com traços até mesmo inteligentes, hipnotizadas pela lábia precária do pastor.

É meu modo de entender melhor o mundo. Vivo em um pequeno universo rarefeito, de poucos amigos, todos cultos e inteligentes. Corro o risco de achar que o mundo é mais ou menos assim. A televisão então me mostra, sem que eu precise sair de casa, a verdadeira face dessa pobre humanidade. Os pastores, sem nenhum pudor, ensinam como preencher cheques e boletos bancários.

No entanto, ainda há pouco, a bicharada me obrigou a tomar defesa do pastor Feliciano.

Foi em março passado, quando li no Estadão que, na tentativa de retirar o deputado e pastor evangélico Marco Feliciano do comando da comissão de Direitos Humanos, uma vez que ele se recusa a renunciar, o PPS decidiu entrar com processo por quebra de decoro parlamentar contra o pastor no Conselho de Ética do Congresso. O colegiado tinha a possibilidade de decidir por um afastamento de Feliciano da função. "Precisamos acabar de vez com a situação vexatória vivida na a Câmara desde a eleição do pastor para presidir o colegiado", afirmou o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA).

Para o PPS, além das acusações de racismo e homofobia, o pastor precisa explicar denúncias de uso irregular de verbas de sua cota na Câmara. Jordy alega que Feliciano paga com dinheiro público escritórios de advocacia que lhe defendem em processos de interesse pessoal. O pastor nega irregularidade. O deputado do PPS defendeu ainda como outra alternativa uma renúncia coletiva dos integrantes da comissão de Direitos Humanos, mas a idéia teve de ser descartada pelos líderes porque a maioria do colegiado é composta por apoiadores do pastor.

Medíocres tempos estes nossos, em que me vejo obrigado a defender um pastor evangélico. Que o deputado seja afastado por uso irregular de verbas, é normal. Se bem que assim sendo, o Congresso ficaria reduzido à metade, ou muito menos. Que seja afastado por opinião, é voltar aos tempos da ditadura. É o que quer um punhado de gatos pingados, que constituem certamente a minoria mais barulhenta do país.

O deputado Feliciano foi instado a renunciar, por suas opiniões sobre homossexualismo. Bateu pé e disse que não renunciava. No dia em que um deputado legitimamente eleito para uma comissão tiver de renunciar em função da gritaria de baderneiros, acabou a democracia no país.

Os gays estão operando milagres, dizia. Além de obrigar quem tem bom senso a apoiar o pastor, vão acabar por reelegê-lo.

terça-feira, setembro 17, 2013
 
UM MUSEU EM TOLEDO (II)


Em meio a estes instrumentos mais brutais, o museu exibia outros aparentemente anódinos, mas que não deixam de ter sua eficácia. Por exemplo, os látegos com correntes. Na ponta, uma bola de ferro com pontas agudas. Sua utilização não requer maior prática ou habilidade. Mas há um outro látego, de aparência bem mais inocente, porém de atroz eficácia, é o látego para esfolar. É um chicote de couro, com dezenas de cordas, aparentemente inofensivas. Na extremidade de cada cordel há uma ponta de ferro afiadíssima. Os cordéis eram empapados em uma solução de sal e enxofre dissolvidos em água, de forma que a vítima, ao ser fustigada, tinha sua carne reduzida a uma polpa e ao final do suplício ficava com pulmões, rins, fígado e intestinos expostos. Durante este procedimento, a zona afetada ia sendo umedecida com a solução quase em estado de ebulição.

Ou algo ainda mais prosaico, que imaginação para fazer seu próximo sofrer é o que não falta ao ser humano: um funil e alguns baldes de água. A vítima é inclinada com os pés para baixo e obrigada a engolir quantidades imensas de água através do funil, enquanto o nariz é tapado, o que a força a tragar todo o conteúdo do funil antes de poder respirar um hausto de ar. Sem falar no terror da asfixia, a todo instante repetido, quando o estômago se distende e incha de maneira grotesca, inclina-se o supliciado de cabeça para baixo. A pressão contra o diafragma e o coração ocasiona sofrimentos inimagináveis, que o verdugo intensifica golpeando o abdômen. Esta prática é bastante utilizada ainda nos dias atuais, por ser fácil de administrar e não deixar marcas delatoras.

Que mais? Pois afinal mal entramos no museu. Continuando, há as aranhas espanholas, também chamadas de aranhas de bruxas.
O instrumento é de uma estrutura elementar: garras metálicas com quatro pontas em forma de tenazes, usadas tanto frias como em brasa, para içar a vítima pelas nádegas, pelos seios ou pelo ventre, ou ainda pela cabeça, em geral com duas pontas nos olhos e as outras duas nos ouvidos.

Este passeio está ainda longe de seu fim, e isso que estou resumindo. Há por exemplo a cegonha, também chamada de “a filha do lixeiro”. É constituída por quatro hastes metálicas que prendem, ao mesmo tempo, o pescoço, as mãos e as pernas do supliciado. À primeira vista, é apenas um método a mais de imobilização, mas em poucos minutos a vítima é acometida de fortes cãibras que afetam primeiro os músculos abdominais e retais e, depois, os peitorais, cervicais e as extremidades. Com o passar das horas, a cegonha produz uma agonia contínua e atroz, que pode ser intensificada, ao prazer do verdugo, com chutes, golpes e mutilações.

As maneias de ferro, para pulsos e tornozelos, as deixo de lado. Paremos alguns segundos ante um instrumentozinho de concepção elementar, mas efeitos abomináveis. É o esmaga-cabeças, patente italiana, contribuição veneziana às artes do medievo. É uma espécie de torno munido de um capacete, que comprime a cabeça do condenado contra uma barra metálica. Comentários supérfluos: primeiro são destroçados os alvéolos dentários, depois as mandíbulas, até que o cérebro escorra pelas cavidade dos olhos e por entre os fragmentos do crânio.

Com a mesma finalidade, há outras versões mais simples do mesmo instrumento, tipo um arco metálico que se cerrando em torno à cabeça, com pregos internos que vão perfurando a calota craniana. Há técnicas que parecem ter sido concebidas por um deficiente mental, de elementares que são. A tartaruga, por exemplo: põe-se a vítima estendida no solo e, sobre ela, uma superfície quadrada de madeira, sobre a qual vai-se empilhando vários quintais de peso. Para aumentar o sofrimento, pode-se acrescentar, sob o dorso do supliciado, um calço transversal de forma triangular chamado de báscula. Ou a forquilha do herege, este um verdadeiro achado, prático, baratinho e eficacíssimo.

Imagine o leitor uma espécie de garfo, com duas pontas em cada extremidade. Duas destas pontas são cravadas
profundamente sob o queixo, enquanto que as pontas da outra extremidade são apoiadas sobre o externo. Uma pulseira de couro fixa a forquilha contra o pescoço. A forquilha, ao ir penetrando nas carnes, impedia qualquer movimento de cabeça, mas permitia que o acusado de heresia, com voz apagada, pudesse dizer abiuro, palavra que estava gravada em um dos lados do instrumento.

Ou a mordaça, também chamada de babeiro de ferro, uma espécie de colar de ferro, com um tipo de funil achatado na parte interna do aro, que era enfiado na boca do torturado, enquanto o colar era preso na nuca. Tinha por função evitar que os berros da vítima atrapalhassem a conversa dos torturadores. Um pequeno buraco permitia a passagem de ar, o que também permitia que o carrasco sufocasse sua presa, com o simples gesto de obstruir o buraco com um dedo. Giordano Bruno, uma das inteligências mais brilhantes de sua época – e nisto constituía seu crime – foi queimado pela Inquisição em 1600 e submetido a uma destas mordaças provistas de duas longas puas, uma das quais perfurava a língua e saía pela parte inferior do queixo enquanto a outra perfurava o palato.

Em outra sala do museu, tão solene quanto a donzela de ferro, está a cadeira de interrogatórios, uma espécie de poltrona metálica, toda forrada de pregos agudíssimos, desde o espaldar até o assento e inclusive na parte inferior, que fica junto à barriga da perna e sob os pés. O suplício podia ser aumentado mediante pancadas nos membros ou com um fogareiro aceso sob o assento. Versões modernas deste instrumento são muito apreciadas pelas polícias de todos os países e no Brasil – todos devem ainda estar lembrados – tivemos a cadeira do dragão.

A fogueira, todos conhecemos, que mais não seja das festas juninas. Só que na saudosa Idade Média não era utilizada exatamente para assar pinhões, inclusive a Igreja deu-se ao luxo de fazer churrasco de uma santa. Quem quiser maiores detalhes sobre o assunto, pode ler Gilles & Jeanne, de Michel Tournier, romance que me coube a honra de traduzir no Brasil. Mas a fogueira em si pouca ou nenhuma arte exige naquela época em que, como sabemos, as artes se desenvolveram extraordinariamente. Verdugos mais criativos bolaram uma versão bastante engenhosa: a vítima era atada a uma escada, que por sua vez era inclinada sobre as chamas, no melhor estilo de um autêntico churrasco gaúcho. Em algumas execuções, atava-se um saco cheio de pólvora junto ao peito.

Havia também o touro, método este já bem mais sofisticado. Era simplesmente um touro de metal, dentro do qual se metia o condenado. Depois, acendia-se uma fogueira embaixo. O touro logo começava a mugir, para deleite do público. Consta que em versões orientais deste instrumento, um complexo sistema de tubos transformava em uma espécie de música os berros do coitado.

Já o potro é de origem italiana, e todos já o teremos visto até mesmo em revistas em quadrinhos, pois tornou-se um dos instrumentos mais simbólicos dos porões da Inquisição. É uma mesa onde o condenado é atado de pés e mãos e um cabrestante passa a espichar os seus membros. Antigos testemunhos narram casos em que se obteve até trinta centímetros a mais em um ser humano, pelo deslocamento de articulações de braços e pernas, pelo desmembramento da coluna vertebral e rompimento dos músculos de extremidades, tórax e abdômen, isso evidentemente antes que o homem morresse.

As mulheres, por sua vez, mereciam atenções e instrumentos específicos, todos mutilando as partes sexuais. Tenazes incandescentes para esmagar mamilos, garras para rasgar seios ou nádegas, etc. Um achado digno de menção é a pêra, um objeto de madeira em forma da dita fruta, que é introduzido na vagina das pecadoras ou no ânus dos homossexuais. Depois, por meio de um parafuso, a pêra abria-se em quatro partes, até sua distensão máxima.

O desfile de horrores de nosso jardim já vai longe, não os compilei todos e creio que nem os próprios organizadores do museu de Toledo conseguirão um dia catalogar todos os métodos que o homem criou para fazer seu próximo sofrer. Mas antes de concluir, permito-me arrolar esta maravilha para comprovar-se se uma mulher era ou não bruxa: atava-se a acusada pelas mãos e pés e se a jogava em um rio. A comprovação era imediata e de clareza meridiana. Sendo a água um elemento puro e inocente, no caso da acusada ser bruxa, a água a recusaria e a faria flutuar, com o que a mulher seria conduzida à fogueira e queimada. Se, ao contrário, a água a aceitava e a mulher se afogava, sua inocência estava comprovada.

segunda-feira, setembro 16, 2013
 
UM MUSEU EM TOLEDO (I)


Nos anos 80, visitei em Toledo uma exposição itinerante, intitulada Instrumentos de Tortura desde la Edad Media a la Época Industrial.

Percorrendo as vielas da antiga capital espanhola, perguntei a uma transeunte onde ficava o dito museu das torturas. A boa senhora hesitou inicialmente em informar-me. “Nós temos uma catedral imponente, por que o senhor não vai visitá-la?” A catedral de Toledo, de fato, é imponente e eu já a visitara. Queria saber agora como fora construída. As informações que seguem são extraídas da publicação-guia da exposição.

Já na entrada, reinava, soberana, a Donzela de Ferro. Para quem já viu antigos filmes de terror, nada de novo. A donzela
é uma espécie de sarcófago com duas portas, no interior das quais estão fixados pregos que penetram o corpo da vítima quando o aparelho é fechado. Foi muito utilizada a partir do século XVI e tem seus requintes: os pregos estão fixados em posições que não atinjam órgãos vitais, que isso de a vítima morrer mal se fecha o sarcófago, decididamente não tem graça. Diz a crônica da época, a respeito de um falsificador de moeda submetido ao amplexo da donzela: “as pontas afiadíssimas lhe penetravam os braços, as pernas, em vários lugares, e a barriga e o peito, e a bexiga e a raiz do membro, e os olhos e os ombros e as nádegas, mas não a ponto de matá-lo; e assim permaneceu fazendo grande gritaria e lamentações durante dois dias, depois dos quais morreu”. Nos filmes de terror de nossa adolescência, o herói sempre dava um jeito de escapar do abraço da donzela. O mesmo não acontecia na Idade Média.

Ainda na mesma sala, estavam o machado e a espada de decapitar, instrumentos que animaram grandes festas públicas na Europa central e nórdica há uns 150 anos, e ainda hoje a televisão ou os jornais nos mostram algumas práticas da antiga arte nos países orientais. Se o verdugo era hábil, sorte da vítima. Caso contrário, teria de sofrer na carne as várias tentativas do aprendiz de carrasco.

Adelante! Ainda na entrada do museu, solene, sinistra, está a guilhotina, que durante a Revolução Francesa foi considerada um instrumento de humanização da pena de morte, tanto que mereceu o apodo de l’amie du peuple. Luis XVI e Maria Antonieta, no 21 de janeiro de 1793, mereceram sua homenagem, após o que a máquina passou a chamar-se de la Louisiette. Seu inventor, o médico francês Joseph-Ignace Guillotin, teria sido mais tarde submetido a seu próprio invento, o que não é historicamente verdadeiro, pois morreu pacificamente em 1821. O que é verdadeiro, isto sim, é que a guilhotina só foi abolida na França durante o governo Mitterrand. Nada a ver com a Idade Média, é verdade, mas nem por isso menos sinistra.

Villiers de L’Isle-Adam, um dos desconhecidos precursores do modernismo em literatura, há cerca de duzentos anos preocupava-se com o novo instrumento de execução. Em um de seus Contos cruéis, um médico, imbuído do espírito de investigação do Iluminismo, tenta convencer, um condenado à morte a prestar uma última colaboração à pesquisa neurológica: no momento da execução, ele, o médico, estaria do outro lado da guilhotina, junto ao cesto que recolhe a cabeça do condenado. Não poderia este, em nome da ciência, é claro, responder com um ligeiro piscar de olhos, após a descida da lâmina, para confirmar a continuidade da consciência após a separação da cabeça do corpo? O condenado aceita a proposição, mas seu gesto é tão vago que não permite ao pesquisador conclusão alguma. Hoje se sabe que uma cabeça cortada por machado ou guilhotina continua consciente enquanto roda ou cai no cesto. O que deve ser uma percepção no mínimo desagradável.

Logo após vem a roda. Todos já teremos visto, em pinturas ou xilogravuras medievais, ou mesmo em filmes alusivos à época, intermináveis seqüências de corpos agonizantes, atados a uma espécie de roda de aranha erguida sobre um alto poste. Muitas vezes em minha vida vi a reprodução de tais cenas e sempre imaginei que lá estariam os cadáveres dos condenados, para exemplo e edificação da plebe. Pois não é nada disso, feliz do condenado se assim fosse. A roda para despedaçar – que assim era chamada – constituiu o instrumento de execução mais comum depois da forca na Europa germânica, desde a baixa Idade Média até o século XVIII. E seu emprego é um pouco mais sofisticado do que eu imaginava.

A vítima, nua, era espichada, com a boca para cima, no chão ou no patíbulo, com os membros distendidos e atados a estacas ou argolas de ferro. Sob os punhos, cotovelos, joelhos e quadris eram colocados, atravessados, pedaços de madeira. O verdugo, assestando violentos golpes com a roda, ia quebrando osso após osso, articulação após articulação, incluindo os ombros e quadris, sempre procurando não assestar golpes fatais. Segundo uma crônica anônima do século XVII, a vítima transformava-se então em “uma espécie de grande títere gemente retorcendo-se, como um polvo gigante de quatro tentáculos, entre rios de sangue, carne crua, viscosa e amorfa misturada com lascas de ossos quebrados”.

Mas tudo seria muito simples se a tortura terminasse neste ponto. Após o despedaçamento, a vítima era desatada e introduzida entre os raios da grande roda horizontal, no extremo de um poste que era então erguido. Logo entravam os corvos em ação, arrancando tiras de carne e vazando os olhos até a chegada da morte, constituindo talvez o suplício da roda a mais longa e atroz agonia que o poder era capaz de infligir.

Junto à fogueira e o esquartejamento – diz o catálogo de horrores que apanhei no museu – este era um dos espetáculos mais populares entre os muitos outros semelhantes que tinham lugar diariamente nas praças européias. Multidões de nobres e plebeus deleitavam-se com um bom despedaçamento, de preferência quando a ele eram submetidas várias mulheres em fila.

Há também a gaiola, este bem mais simples. Pendura-se a vítima a uma gaiola de madeira ou de ferro, até que morra de frio, fome ou devorado pelos corvos. Uma versão mais simples e prática desta modalidade é simplesmente pendurar o condenado pelos pés em uma vara horizontal, na qual também são pendurados, um cada lado, dois lobos famintos.

Depois vem a serra, muito usada no século XVIII, criação espanhola. A não ser pelos dentes mais espaçados, em nada difere de uma prosaica serra de madeira. Pela xilogravura que explica a utilização do instrumento, pareceu-me que naquele século faltou imaginação ao verdugo: pendurava-se a vítima pelos pés em uma vara, e dois homens passavam a serrá-la, a partir do cóccix. Tortura idiota, pensei, o homem deve morrer já no início do suplício. Santa ingenuidade minha! Devido à posição invertida do corpo, que garante suficiente oxigenação ao cérebro e impede a perda geral de sangue, a vítima só perdia a consciência quando a serra alcançava o umbigo e, às vezes, o peito.

Embora se associe este suplício à Espanha, sua origem vem de época em que nem se pensava em Espanha. Os leitores atentos de versões antigas da Bíblia devem lembrar que o sábio rei Davi (II Samuel 12:31) exterminou os habitantes de Rabbah e de todas as outras cidades amonitas submetendo homens, mulheres e crianças ao suplício da serra e sofisticações outras da época. Era aplicada preferentemente a homossexuais de ambos sexos. (Nas versões modernas da Bíblia, esta referência foi atenuada. Menciona-se a serra como instrumento de trabalho). Na Espanha foi utilizada como método de execução militar, na Alemanha luterana era destinada aos líderes camponeses rebeldes e, na França, fazia justiça às mulheres emprenhadas por Satanás.

Mais adiante, encontramos a “cunha de Judas”, uma pirâmide pontiaguda de madeira sustentada por um tripé. Sua finalidade não exige maiores esforços de imaginação. A vítima, nua, é içada por cordas, de forma que todo seu peso repouse sobre o ponto situado no ânus ou na vagina. O carrasco, conforme determinação dos interrogadores, pode variar a pressão do peso do corpo e inclusive sacudi-lo repetidamente sobre a cunha.