¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, novembro 29, 2005
 
Tá tudo dominado!





Aqui em Paris, neste final de novembro, estamos em ritmo de tango argentino:

Silencio en la noche, ya todo está en calma, el músculo duerme, la ambición descansa.

As depredações do início do mês já são passado e a cidade se entrega às suas orgias cotidianas de consumo, gastronomia, pornografia e luxos outros de país desenvolvido. Os brasileiros, informados por uma imprensa politicamente correta, não sabem muito bem o que aconteceu por aqui. Leiamos, por exemplo, esta pérola de desinformação, da Folha de São Paulo, do dia 11 passado. A matéria é assinada por um certo Fábio Victor, certamente jovem e que nada entende de Paris.


ONGs e governo têm instado mães e irmãs a convencerem os jovens franceses a não tomarem parte dos distúrbios

Francesas apaziguam ânimo incendiário

Segundo o enviado a Paris, são os jovens franceses que tomaram parte nos distúrbios. E suas mães e irmãs, naturalmente francesas, tentam convencê-los a não participar das depredações, que já custaram mais de oito mil carros destruídos e dezenas de escolas e prédios públicos. O desinformador continua:

Enquanto alguns homens franceses têm gastado as noites queimando carros e outros tentando apagar os incêndios, as mulheres se mobilizam para ajudar a dar um fim definitivo à onda de violência que há duas semanas atinge o país - e ontem apresentou queda pelo terceiro dia seguido.

O correspondente deixava bem claro, em seu texto mentiroso, que são "alguns homens franceses" que queimam carros. Verdade que alguns jornais - e mesmo a própria Folha - noticiaram em outra páginas que se trata de uma rebelião provocada por imigrantes e filhos de imigrantes árabes e africanos, a maior parte deles com cidadania francesa.

Ou seja, as depredações nunca foram exatamente provocadas por "alguns homens franceses", como diz desastradamente o correspondente, mas por árabes e negros que, em sua maioria, conquistaram a cidadania francesa. É diferente. Esta também foi a tônica dos noticiários televisivos. Para o espectador analfabeto - que se nutre de televisão e que constitui a maioria dos brasileiros - o que se vê é uma reprise de 68, a revolução que não houve, o movimento que em nada mudou o país, mas que pareceu existir graças às ficções criadas pela mídia. Pas de sang, trop de sperme. Ou seja, revolução sem sangue, mas com excesso de esperma.

A depredação das cidades francesas era crônica há muito tempo anunciada. O ódio dos imigrantes árabes e africanos ao país que generosamente os recebe vem de longe. Em março de 1979, quando correspondente em Paris, escrevi crônica intitulada Islã ameaça franceses. Já se podia ver no ovo os contornos da serpente. Na época, um imigrante podia trazer suas quatro esposas e seus 15 ou 16 ou mais filhos, tudo isto em nome do sagrado respeito à "cultura do outro" e do reagrupamento familiar. Se o Corão permitia a Mohamed quatro esposas, este sagrado direito concedido pelo profeta tinha de ser respeitado pela legislação francesa, que considerava a poligamia um crime, desde que praticada por franceses ou ocidentais. A poligamia é punida na França com penas de até um ano de prisão e multa de 45 mil euro. Exceto se o polígamo for africano.

Claro que todo este clã tinha garantido o direito à escola, aos serviços de saúde, auxílios para moradia. Uma vez Mohamed desempregado, recebia durante vários anos um auxílio-desemprego, proporcional ao número de mulheres e filhos. M. Dupont, o francês médio, que mal conseguia sustentar cachorro e amante além da própria família, não podia ver isto com bons olhos. Esta situação, criada por Giscard d`Estaing, perdurou até 1993, quando foi proibido por lei conceder vistos a mais de um cônjuge, o que não impediu que as esposas dos imigrantes polígamos continuassem entrando ilegalmente no país.

Os imigrantes têm mordomias jamais sonhadas em suas miseráveis villayas. Mas permanecem encerrados em seu sufocante universo islâmico. Não renunciam à poligamia, em um país em que poligamia é crime. Continuam a cortar o clitóris de suas filhas e preservam seu hímen intacto para algum primo, lá nas Árabias, ao qual fora prometida ao nascer. Estas meninas convivem na escola com as coleguinhas francesas, para as quais virgindade é um desconforto a ser o quanto antes jogado ao lixo, e que jamais admitiriam que seus pais lhes escolhesse e impusessem um marido. O conflito entre as famílias árabes e a escola francesa estava maduro para explodir. Quando eclode e acaba na Justiça, os pais muitas vezes perdem o pátrio poder e a menina é enviada para alguma instituição assistencial. Fica flanando em um limbo indefinido, longe das raízes paternas e sem estar integrada na sociedade francesa. O mesmo diga-se dos jovens árabes, para os quais integração significa ter acesso a bons empregos e carros de luxo, mas jamais assumir o respeito às mulheres que é norma no Ocidente.

Depois de centenas de prédios públicos, escolas, delegacias de polícia, centros assistenciais queimados e depredados, depois de mais de dez mil carros incendiados, depois de um prejuízo calculado por baixo em 200 milhões de euro, o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, cuja política linha-dura com a delinqüência juvenil é apontada como uma das causas dos conflitos, anunciou os processos de expulsão... de dez estrangeiros implicados na onda de distúrbios da França. Haja política linha-dura! Dependendo dos humores da Justiça, dez vândalos serão expulsos do país. Sarkozy está em campanha para a Presidência da República e não quer bancar o politicamente incorreto.

Ya todo está en calma, dizia eu. Mas é aquela calma que antecede as tempestades, aquela imobilidade sinistra do olho dos furacões. Os imigrantes já perceberam que podem destruir mais de dez mil carros ao custo da eventual deportação de dez dentre eles. É óbvio que os conflitos se espalharão pela Europa, totalmente contaminada pela intransigência islâmica. Expulsos da península ibérica há cinco séculos, os árabes voltaram com força, escorados na mauvaise conscience européia e na política hipócrita dos tais de Direitos Humanos. Voltaram com força e para ficar.

Em West Yorkshire, no Reino Unido, livros contendo histórias de porcos foram eliminados das bibliotecas, porque muçulmanos não gostam de porcos. Nesta altura, os Três Porquinhos de Disney constituem anátema. Bottons com a cruz vermelha da bandeira britânica estão sendo desaconselhados, porque a cruz vermelha lembra as Cruzadas e fere a sensibilidade dos cortadores de clitóris. Em certas cidades italianas, os prefeitos já aceitam fotos de muçulmanas com véus nos documentos de identidade. Na Austrália, a polícia é instruída para não levar a sério casos de violência doméstica em lares muçulmanos, já que se trata de "traços culturais".

Tá tudo dominado. Daqui a dez anos, Paris será uma cidade mais violenta que o Rio de Janeiro. No Rio ainda não tivemos atentados como os de Madri e Londres. Quando o exército muçulmano de homens-bomba optar por um terrorismo de resultados, terror será o cotidiano dos europeus. Não vai demorar muito. Venha logo antes que a Europa que amamos acabe.

segunda-feira, novembro 21, 2005
 
Cria cuervos...





Minha primeira viagem à Europa foi em 71. Parti com a intenção de não mais voltar. Não exatamente pelos motivos que levaram muitos brasileiros a debandar naqueles dias. Estes quiseram um dia tomar o poder, contaminados pela ideologia marxista, e a aposta foi perdida. Não, o que me levava à Europa não era uma derrota. Era algo bem maior: eu queria fugir do país do futebol e carnaval. Me repugnava pertencer a um país cujas maiores virtudes eram estas vulgares manifestações de massa.

Percorri toda a Europa. Comecei pelo Portugal de Salazar, pela Espanha onde ainda governava Franco, subi por aquela ilha onde a cerveja sempre é quente, passei pelo país das 400 cervejas sempre geladas, continuei pela geografia incrível daquele outro país pequeno e rico, a Holanda, onde as prostitutas se exibiam nas vitrines, ante crianças que iam para a escola ou fiéis que rumavam à Igreja. Subi depois pela Dinamarca e Suécia, voltei para França e Itália e tomei uma decisão: vou voltar para a Suécia e ficar por lá. A decisão foi de meu baixo ventre, como adoram dizer meus detratores. Sejamos mais elegantes: o que eu queria, no fundo, era desfrutar do carinho das adoráveis louras nórdicas, como dizia a propaganda dos suecos para atrair imigrantes. A liberação sexual era a imagem mais cultivada pelos Svensons e era isso mesmo que eu queria. Queria também saber como era viver em uma sociedade do bem-estar.

Foi lá que os conheci. Naqueles anos, nossa imprensa jamais falava deles. Antes da viagem, ingênuo, eu imaginava que o bem-estar sueco era fruto exclusivo do esforço dos suecos. Não era. Quem dava suporte ao alto padrão de vida dos Svensons era uma massa significativa de imigrantes, turcos, árabes, eslavos e mesmo latinos. Na época, Portugal e Espanha eram os países mais pobres da Europa ocidental - o que não quer dizer que fossem miseráveis como uma Albânia ou Romênia - e portugueses e espanhóis iam ao país dos hiperbóreos buscar os altos salários que lhes faltavam. Estes migrantes ganhavam muito bem - se comparado ao que ganhariam em seus países de origem - para fazer os trabalhos servis que os Svensons não se dignavam executar. A aposta era boa. Conheci gaúchos que trabalhavam três meses no verão sueco, em jornada dupla, e com o ganho se refestelavam pelo resto do ano em Ibiza ou nas Baleares.

Lá pelas tantas, comecei a ouvir perguntas estranhas. Em que diska eu trabalhava? - me perguntavam os suecos. (Att diska é lavar pratos). Ora, eu não lavava pratos nem em minha casa. Obviamente, não pretendia lavar pratos no paraíso. Eu estava lá para conhecer uma sociedade altamente desenvolvida e, first and least, conhecer as adoráveis louras nórdicas. Conheci estas duas realidades y algunas cositas más: aprendi um idioma, conheci uma literatura exótica e tomei conhecimento desse ser para mim desconhecido, o imigrante. Bem entendido, eles existiam no Brasil, mas de modo geral perfeitamente integrados à sociedade brasileira, o que os tornava quase invisíveis. Deles dependia o bem-estar europeu.

Avancemos trinta anos. Hoje eles fazem as manchetes de primeira página dos jornais quase todos os dias, inclusive dos jornais brasileiros. Se há três décadas eram minorias que chegavam ao velho continente em busca de trabalho, hoje são legiões que o invadem, exigindo, desde o primeiro dia em solo estrangeiro, seus "direitos". Se antes chegavam com o rabo entre as pernas, humildes e perplexos ante os benefícios que o novo país lhes oferecia, hoje, instalados na nova pátria, se dão ao luxo de depredar suas cidades, para\r\nextravasar o ódio em relação aos generosos anfitriões que os acolhem.

Espanha e Portugal, de países exportadores de mão-de-obra, enricaram e hoje lutam com unhas e dentes para impedir a entrada de magrebinos e subsaharianos. A Itália tem de vigiar suas costas para conter os famintos oriundos do socialismo albanês e romeno. A Escandinávia, antes coberta pelo manto protetor do frio, hoje está saturada de sul a norte por árabes e turcos. Os bebedores-de-laranjada - como os define Oriana Fallaci - já subiram até Tromsø, na Noruega, além do Círculo Polar Ártico. Na pequena Malmö, ao sul da Suécia, os suecos estão fugindo da cidade para evitar a convivência com muçulmanos. Africanos, em geral, não gostam do frio. "A neve é nossa proteção", me dizia um canadense no Québec. Depois da calefação, o frio não protege mais.

Estou agora em Amsterdã, cidade tida como símbolo da tolerância e da liberdade de expressão. Na semana passada, na Arábia Saudita, um tribunal condenou um professor de química de uma escola secundária a levar 750 chicotadas e a mais de três anos de prisão por blasfêmia. Mohamad-al-Harbi foi acusado de infundir dúvidas nas crenças de seus alunos ao discutir com estes temas como o cristianismo e o judaísmo, segundo disse a acusação que tachou o mestre de "blasfemo". Entre bárbaros, entende-se que um professor leve 750 chibatadas por tentar esclarecer seus alunos.

O que não se entende foi o que aconteceu aqui na Holanda, em 2004, quando Theo Van Gogh foi assassinado por um fanático marroquino, que não gostou das críticas do escritor e cineasta ao Islã e à sociedade pluricultural. Ou seja, o islamismo já não pode ser criticado nem mesmo no Ocidente. Há dois anos, foi assassinado o político Pym Fortuin, homossexual assumido e adversário da imigração na Holanda. Considerando-se que o último assassinato político no país havia sido o de Wilhelm van Oranje, no século XVI, é forçoso constatar que a Europa mudou. Os grupos terroristas oriundos do sistema soviético - IRA, ETA, RAF, Brigadas Vermelhas - morreram de inanição com o desmoronamento da fonte provedora, a União Soviética. O terror agora é verde, a cor do Islã. Semana passada, Sarkozy, o ministro do Interior francês, denunciava que a França já está exportando homens-bombas.

Cria cuervos y te picarán los ojos - dizem os espanhóis. A generosidade com que os europeus acolheram os migrantes árabes é o fator que mais contribuirá para a instalação do terror na Europa. Mais alguns anos e este aprazível continente será uma espécie de Iraque. Cansados de matar-se entre si, os fanáticos do Islã se dedicarão ao aprazível esporte de matar infiéis. 72 virgens os esperam no Paraíso. Alá-u-akbar!

sábado, novembro 19, 2005
 
MELAINA EIMI KAI KALE




Leio na Folha de São Paulo:

Ouro Preto muda bandeira "racista"

Considerada racista e motivo de constrangimento para os moradores, a bandeira da cidade histórica de Ouro Preto (89 km a sul de Belo Horizonte) ganhou ontem um novo texto. A frase em latim "proetiosum tamen nigrum" (precioso ainda que negro), referência ao ouro coberto por óxido de ferro encontrado na região, foi substituída por "proetiosum aurum nigrum" (precioso ouro negro). A lei que mudou a bandeira de 1931 foi sancionada ontem pelo prefeito Ângelo Oswaldo (PMDB). Segundo ele, a alteração é uma reivindicação antiga de intelectuais, movimentos negros e até turistas de Ouro Preto.


Pelo jeito, os politicamente corretos vão ter de exigir mudanças no texto da Bíblia. Na abertura de seu mais belo livro, o Cântico dos Cânticos, lá está: "Eu sou negra, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de Salomão". Vamos à Vulgata Latina, tradução da qual deriva a maior parte das traduções atuais. Lá está: nigra sum, sed formosa. A Vulgata, por sua vez, deriva da tradução dos Septuaginta- feita a partir do original hebraico - onde está, em grego: Melaina eimi kai kale.

quinta-feira, novembro 17, 2005
 
OUTRAS REAÇÕES (3)



Janer Cristaldo

enviada em 14/11/2005

Excelente o artigo "Meu Coqueiro", de Janer Cristaldo. Parabéns ao MSM por proporcionar um fórum de discussão para as diversas correntes de pensamento sobre os mais variados temas.

Davi Correia

 
OUTRAS REAÇÕES (2)



"Meu coqueiro"

enviada em 14/11/2005

Prezado Cristaldo,

Acreditar ou não em Deus é uma questão de foro íntimo de cada um e não deveria nem um pouco irritar ou preocupar, quem verdadeiramente anseia em crer (sou um cristão esforçado). Penso, entretanto, ser uma obrigação estar bem informado sobre o tema em que está se escrevendo. Refiro-me ao trecho da sua última crônica:
"Parece que andei machucando os leitores do MSM, que não conseguem admitir que um ser humano não creia em deuses. Mas nem tudo está perdido, senhores devotos de Maria".

É fato que cerca da metade dos autodenominados cristãos em todo o mundo não são devotos de Maria, considerando tal proceder idolatria e sem base bíblica (só se adora a Deus), portanto, não os insulte com a sua simplificação atéia, continue estudando e progredindo nas suas crônicas e sem ironia, que Deus continue acreditando em você.

Saudações,

Ailton Oliveira

 
OUTRAS REAÇÕES (1)



Apoio a Cristaldo

enviada em 14/11/2005

Nem sempre concordo com os pensamentos dele, mas admiro muito a forma objetiva, coerente, lógica e, principalmente, verdadeira com que os expõe sem cair em ladainhas piegas do 'politicamente correto' ou outras baboseiras hipócritas. A verdade é para ser exposta doa a quem doer!!! Entendo-o bem sobre estas classificacões que lhe atribuem confusamente, fazem-no porque não o entendem, não o entendem porque não entendem quem forma seus próprios pensamentos fora da massificacão cinzenta, fazem o mesmo comigo e divirto-me muito: aos foqueiros da minha rua, já pedi que se decidam pois já disseram que sou vagabunda por ter namorados; se ando com amigas, dizem que sou lésbica; se trabalho muito, sou capitalista e gananciosa; se não trabalho sou vadia; não gosto de nenhuma religião e contesto muitas coisas na Bíblia então sou herege, ateu e atoa ainda que eu viva baseada no princípio do respeito a mim mesma e ao próximo, mas não 'amar ao próximo', respeito mas não tenho que 'amar'. Bom, sou aquele tipo de pessoa 'ame-me ou odeie-me' e parece que o Senhor também... eu gosto disso pois mantém longe de mim aquelas pessoas 'pálidas' que fazem a vida chata e monótona e parece que o Senhor também...

Verena

segunda-feira, novembro 14, 2005
 
MEU COQUEIRO



Leitores de minha idade certamente curtiram um dia os quadrinhos de Carlos Estevão, na revista O Cruzeiro. Uma historieta que jamais esqueci foi a do João do Coqueiro. Um certo João decidiu um dia fincar seu rancho à beira de uma estrada e frente à fachada plantou um coqueiro. Mal a árvore cresceu, não faltou passante que o apelidasse de João do Coqueiro.

João não gostou do apelido. E tomou uma decisão radical. Numa calada de noite, pegou um machado cortou seu coqueiro. Se achava que bastava um machado para eliminar o problema, enganou-se redondamente. Passou a ser chamado de João do Toco. Irritado, João decidiu arrancar o toco. Mas infatigável é a malícia humana. Dia seguinte, era o João do Buraco. João tapou o buraco. Passou a ser chamado de João do Buraco Tapado. Já não lembro como terminava a história. Creio que João, que queria apenas ser João, bateu na marca e mandou-se à la cria. Cronista, desde há muito vivo os avatares de João do Coqueiro.

A partir de meus primeiros artigos, publicados em um pequeno jornal de Dom Pedrito, o Ponche Verde, no início dos 60, passei a ser tachado como comunista. Meus artigos tinham um forte viés anticlerical, no que nada havia de espantar, afinal eu sofria a opressão intelectual de um colégio de padres oblatos. Se era anticlerical, obviamente era comunista. E com essa pecha - e outras, é bom salientar - fui expulso de minha cidade natal. Ora, na época eu tinha 16 ou 17 anos e desde os 15 já lia filosofia. Quando os comunistas tentaram cooptar-me - afinal a cidade toda me julgava ser um deles - eu já tinha nítida consciência de ser o marxismo uma filosofia excessivamente tosca, sem fundamento racional algum. Mesmo assim, fiquei marcado na paleta: comunista.

Uma vez na universidade, em Porto Alegre, um de meus primeiros artigos publicados no Correio do Povo, em 06 de janeiro de 1969, intitulava-se Marxismo Gaúcho Contemporâneo, e constituía uma sátira aos membros do PC gaúcho, alguns deles ministros ou ex-ministros do atual governo. Na universidade, passei a ser visto como um perigoso reacionário e agente do imperialismo. No curso de Filosofia, era tido como agente do DOPS e perdi não poucas mulheres por essa pecha. Em Dom Pedrito, quando fui rever meus pais, fui preso por um delegado, que via em mim um perigoso comunista. Motivo? O artigo publicado no Correio, do qual o delegado só havia lido o título. Ou talvez tivesse lido o artigo mas não tivesse bestunto para entender ironia. Minha prisão foi rápida em Dom Pedrito. Ao voltar a Porto Alegre, fui interrogado no DOPS, por suspeição de ser elemento subversivo. Enquanto isso, na universidade, ora era nazista, ora era fascista.

Finda a universidade, viajei. Fui para Estocolmo e, honestamente, não pretendia mais voltar ao Brasil. Na época, a Suécia constituía um dos locais de asilo preferidos pelos comunistas brasileiros, que comunista que se preze não é maluco a ponto de pedir asilo em Cuba ou Moscou. Em 71, assistindo uma palestra de um desses heróicos senhores, nos salões da ABF, ouvi gritos de vitória como "A revolução é amanhã", "O povo está nas ruas", "O país está pronto para explodir". Da platéia, enviei um bilhetinho ao palestrante. Que, de fato, o povo estava nas ruas... comemorando a vitória do Brasil na Copa do Mundo. Perguntava se ele não se pejava de estar viajando pela Suécia, hospedado em hotéis cinco estrelas, paparicado como herói pelas árdegas louras nórdicas, enquanto seus companheiros de luta sofriam tortura e prisão no Brasil. Eu escrevera em sueco. Meu bilhete passava de mão em mão, como brasa quente, e nenhum dos participantes da mesa ousava traduzi-lo. Como me pareceu que não iam lê-lo, acabei abandonando a palestra. Em boa hora. Meu bilhete acabou sendo lido e, se eu lá estivesse, talvez não fosse linchado pelos bravos suecos, mas certamente passaria por maus momentos. De agente do DOPS, fui imediatamente promovido pelo palestrante a agente do SNI, pago pela ditadura militar para vigiar os revolucionários no exílio.

Em 77, após ter percorrido toda a Europa, ganhei uma bolsa em Paris. Nova e imediata promoção. Agora não havia mais dúvidas. Eu fora finalmente desmascarado: trabalhava para a CIA. Assim fosse. Escassos eram meus francos. Bem que os dólares da CIA me seriam muito oportunos nos bistrôs de Paris.

Curiosamente, boa parte de meus amigos era ou fora comunista. Coisas do Sul: para um gaúcho da Fronteira, a amizade sempre fala mais alto que as ideologias. Estes amigos passaram um recado aos militantes: tirem isso da cabeça, o Janer não tem nada a ver com a ditadura. Estes boatos cessaram. Que fazem as gentes quando insultos ideológicos não colam? Apelam aos insultos sexuais. Apesar da generosa rede de proteção feminina que me cercava, passei a ser nada menos que homossexual. O raciocínio era de uma lógica impecável: homem que anda sempre atrás de mulheres, no fundo está procurando um homem. Mas de mulher deve-se gostar moderadamente. Gostar demais é politicamente incorreto. Não faltou quem me apodasse de paxá dos pampas. Fui também chamado de Robin Hood às avessas, o que tira de todos e não dá nada a ninguém.

Fui lecionar em Florianópolis. Lá, longe da memória gaúcha, voltei a ser comunista para uns, porco imperialista para outros. Certos setores da universidade me consideravam maçom. Os maçons, por sua vez, juravam que eu era um líder petista em disputa pela Reitoria. Outros, mais gentis, me definiam simplesmente como um libertino.

Esgotados os chavões da Guerra Fria, algum novo epíteto eu mereceria. Em São Paulo, passei a ser racista. Se o leitor presta atenção na imprensa, deve ter notado que após a queda do Muro de Berlim, as palavras racismo e racista brotaram nos jornais como cogumelos após a chuva. Luta de classes morta, luta racial posta. Fui inclusive denunciado ao Ministério Público por sete entidades ligadas à questão indígena por crime de racismo, por artigo escrito na Folha de São Paulo, no qual negava a farsa do massacre de ianomâmis montada em agosto de 1993. Os afáveis indigenistas pediam para mim nada menos que cinco anos de prisão. Claro que não levaram nada.

Não é tarefa fácil agradar gentes. Pior ainda, agradar leitores. Embora tenha recebido cumprimentos efusivos por minhas crônicas, os descontentes são legião. E pelos mais diversos e descabidos motivos. Em recente crônica, ironizei de alto a baixo a hipocrisia do abbé Pierre, um dos ícones das esquerdas francesas, por suas práticas sexuais enquanto religioso, religioso que um dia fez voto de castidade. Estas práticas foram confessadas pelo próprio abade, em livro intitulado Mon Dieu... Pourquoi?. Ora, não faltou o leitor que reclamasse. Voltei a ser comunista ou algo similar:

?Esse último artigo de Cristaldo, em 31/10, exalta a figura de um herói dos esquerdistas franceses, Abbé Pierre. O objetivo do jornalista é tão somente dar razão às suas taras e para isso, com o maior descaro, faz elogios a esse senhor que só é considerado ?santo? pelos comunistas. Só nos falta agora ter de ler do sr. Cristaldo elogios a D. Hélder Câmara, frei Betto, Leonardo Boff por causa das posições anti-clericais destes?.

Parece estar faltando massa cinzenta ao leitor. Ou, pelo jeito, nunca ouviu falar do que seja ironia. Lembrou-me o delegado de Dom Pedrito, que me prendeu como comunista, por um artigo em que eu baixava a lenha nos comunistas. Mas, pelo jeito, ainda não perdi a antiga fama. Outro dia, aqui em São Paulo, me dizia um súbito amigo: "nós, da direita...". Polidamente, o interrompi: "Nós, não. Eu nada tenho a ver com a direita".

Em função das últimas crônicas que escrevi, fui definido como apóstata, herege e cheguei a merecer o trocadilho infame de Satanaldo. Parece que andei machucando os leitores tefepistas do MSM, que não conseguem admitir que um ser humano não creia em deuses. Mas nem tudo está perdido, senhores devotos de Maria. Eu comentava outro dia com uma amiga de Orkut um versículo de Isaías (14:12), e minha interlocutora, num acesso de ira, pespegou-me um epíteto que jamais imaginei merecer: cristão fanático. Perplexidade total. Por este eu não esperava. Ou seja, não é muito evidente que eu seja exatamente um herege.

Parece que há Cristaldo para todos os paladares. Seja como for, não pretendo cortar meu coqueiro.

domingo, novembro 13, 2005
 
MISÉRIAS DO JORNALISMO



Deu na Folha de São Paulo, na sexta-feira passada:

Chávez chama Vicente Fox de "cachorrinho"

DA REDAÇÃO - O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chamou na quarta-feira à noite seu colega mexicano, Vicente Fox, de "cachorro". Segundo Chávez, o presidente do México agiu como "um cachorrinho" dos EUA na Cúpula das Américas. A agressão de Chávez teria sido uma resposta ao comentário que Fox fez após a cúpula, afirmando que "existem alguns presidentes que culpam outros países por todos os seus problemas". A frase seria uma referência às críticas do presidente venezuelano aos EUA. Chávez disse ontem que divulgará fitas com as reuniões da cúpula realizadas a portas fechadas.

Vejamos, em espanhol, o que disse o histriônico presidente:

"Qué triste que un Presidente de un pueblo como el mexicano se preste a ser un cachorro del imperio".

A Folha exige de seus redatores o domínio de pelo menos dois idiomas além do português. Pelo jeito, não dá importância alguma ao conhecimento de espanhol. Cachorro, em espanhol, é perro. Cachorro quer dizer filhote. Um hispânico pode muito bem dizer: los cachorros del tigre. Não é que o tigre tenha cachorros. O tigre tem filhotes.

É o que dá exigir, para o exercício da profissão, diploma em vez de competência.

sexta-feira, novembro 11, 2005
 
A CHISPA DA FERRADURA QUANDO BATE NA CALÇADA



El País - Para lembrar, entre outras coisas, que a idéia da morte contribui para que perdure o poder da Igreja...

José Saramago - Pior que isso. O problema da Igreja é que precisa da morte para viver. Sem morte não poderia haver Igreja porque não haveria ressurreição. As religiões cristãs se alimentam da morte. A pedra angular sobre a qual se assenta o edifício administrativo, teológico, ideológico e repressor da Igreja desmoronaria se a morte deixasse de existir. Por isso os bispos no romance convocam uma campanha de oração para que a morte retorne. Parece cruel, mas sem a morte e a ressurreição a religião não poderia continuar dizendo para nos comportarmos bem para viver a vida eterna no além. Se a vida eterna estivesse aqui...

quarta-feira, novembro 09, 2005
 
NOVAS REAÇÕES (14)



Janer Cristaldo

enviada em 07/11/2005

Admiro os artigos escritos pelo Sr. Janer Cristaldo. Entretanto após se declarar ateu (o que causou-me surpresa por considerá-lo uma pessoa inteligente) passou a escrever somente artigos desta natureza e se tornou extremamente chato.

José Artur Silva

segunda-feira, novembro 07, 2005
 
NOVAS REAÇÕES (13)



Janer Cristaldo: elogiando ídolo das esquerdas

enviada em 01/11/2005

Esse último artigo de Cristaldo, em 31/10, exalta a figura de um herói dos esquerdistas franceses, Abbé Pierre. O objetivo do jornalista é tão somente dar razão às suas taras e para isso, com o maior descaro, faz elogios a esse senhor que só é considerado "santo" pelos comunistas. Só nos falta agora ter de ler do sr. Cristado elogios a D. Hélder Câmara, Frei Betto, Leonardo Boff por causa das posições anti-clericais destes. O jornalista já havia carimbado na própria testa suas deficiências intelectuais e filosóficas ao ridicularizar a inteligência de São Tomás de Aquino, e agora vai mais baixo ao defender posições de comunistas declarados.

Antonio Gomes Junior

 
STRULDBRUGS



Um bom amigo me pergunta se fui ao cemitério, neste dia de Finados, visitar minha Baixinha. Não fui. Além de detestar datas, detesto multidões. Não bastasse isto, ela não está em cemitério algum. Para tê-la junto a mim, joguei suas cinzas em meu jardim. Passo por ela - entre ela, melhor dizendo - todos os dias, ao sair e voltar para casa. Em agosto, quando as azaléias florescem, sinto que ela me sorri. Dói, mas me sinto bem estando sempre junto a ela.

Segundo os historiadores, nos cemitérios está a origem das cidades. À medida em que as tribos nômades escolhiam um território para sepultar seus mortos, as cidades iam se formando em torno a este território. Nos países escandinavos, encontrei uma instituição muito simpática. Os cemitérios são construídos em torno às igrejas. Assim, toda vez que um fiel vai a um ofício religioso, sempre pode fazer um aceno aos entes queridos que já passaram. Em sueco, cemitérios chamam-se kyrkogården, isto é, jardins da igreja. Já bati muita perna pelo mundo e hoje estou um tanto cansado de nomadismo. Estabeleci então meu kyrkogård particular - ou janergård, como quiserem - onde certamente deixarei também minhas cinzas, quando voltar ao grande nada.

Mal falo em grande nada, não falta quem me pergunte se acredito em uma vida eterna. Ainda bem que não. Só a idéia me apavora. Se no decurso de uma vida a humana insensatez já me entedia, que dirá uma eternidade. A primeira percepção disto, eu a tive ao ler Todos os homens são mortais, um dos raros livros de Simone de Beauvoir que gostei de ler. Neste romance, Simone narra a tragédia do conde Fosca, personagem do século XIII, que teve a desgraça de beber do elixir da imortalidade e chegar a nossos dias. Fosca vê a história sempre se repetindo, as revoluções se instaurando com os mais belos propósitos e acabando em tiranias atrozes, os homens repetindo sempre os mesmos erros, e ele, Fosca, carregando a maldição de não poder morrer.

Imaginemos o inverso da hipótese de Beauvoir, que todos os homens fossem imortais. Pra começar, não daria nem para respirar no planetinha. Quem tivesse nascido em era civilizada, teria de conviver com os bugres da época do tacape. O trabalho seria uma maldição para a eternidade, pois qualquer sistema previdenciário seria inviável. Toda vida perderia seu sabor, pois o que a torna dinâmica é sua curta duração. Imortais, os jovens só pensariam em uma universidade talvez aos cem anos, no casamento aos mil. Decididamente, não funciona. Só de imaginar a quantidade de crias que gerariam pessoas eternas, dá vertigens.

Só no século passado, tivemos não poucas estupidezes mortíferas. Nazismo, comunismo, maoísmo, polpotismo, castrismo, Envers Hodja, Ceaucescu, o terrorismo islâmico, Chávez, o PT. Como nunca depositei confiança no tirocínio das massas, viver mais um século ser-me-ia doloroso. Ainda mais quando se prevê que em 2020 cem milhões de turistas chineses invadirão a Europa. Se sem os cem milhões de chineses a Europa já está começando a ficar desconfortável, imagine o horror daqui a quinze anos. Para ter uma pálida idéia do que nos espera, leia os jornais destes dias. Paris, cercada por um cinturão africano-árabe de ódio, está sendo depredada. Na noite deste último sábado, 1.300 carros foram incendiados, o que dá um total de 3.500 veículos destruídos nos últimos onze dias. As ondas de ressentimento ameaçam espalhar-se por outras cidades do interior do país, como Rouen, Dijon, Lyon, Marselha, Bordeaux e Lille, cercadas por negros e muçulmanos. Não, não quero eternidade. De preferência, não quero chegar nem a 2020.

Outro autor que dissuade qualquer mortal de veleidades de vida eterna é Swift. Em suas Viagens de Gulliver, ao chegar na ilha de Luggnagg, encontra uma peculiar estirpe de habitantes, os struldbrugs, seres que nasciam com uma pinta vermelha e circular na testa, em cima da sobrancelha esquerda, sinal infalível de que nunca iriam morrer. É o sonho de um amigo e leitor: "Discordo de ti quanto à imortalidade: se pudesse ser imortal (com este cérebro e corpo e saúde), imagino que seria possível descobrir incessantemente novos desafios e conhecimentos, de modo que não vejo o tédio na imortalidade como um perigo tão grande. Só para dominar o conhecimento atual já iriam séculos e séculos e, então, ainda mais haveria por saber".

É o que imaginava Gulliver em Luggnagg. Ocorre que tudo que respira fenece. A princípio, o viajante se entusiasma e louva copiosamente tal circunstância, o prazer de presenciar as várias revoluções - o que para o conde Fosca era puro tédio -, o descobrimento de países ainda desconhecidos, a barbárie que devasta as nações mais civilizadas (pensaria Swift na França de hoje?) e a civilização que se apodera das mais bárbaras. As louvações são longas e ocupam quase três páginas.

O mesmo não pensam os luggnaggnianos. Os struldbrugs viviam normalmente até os trinta anos. "Depois dessa idade, eram tomados pela tristeza e pelo desalento, que aumentavam até os oitenta. Quando completavam os oitenta, idade tida em Luggnagg como o limite máximo de vida, tinham não só toda a insensatez e todas as enfermidades dos outros velhos, senão muitas outras, nascidas da medonha perspectiva de nunca morrer. Não somente eram opiniáticos, rabugentos, avaros, impertinentes, tolos, tagarelas, mas também incapazes de amizade, e mortos para todos os afetos naturais, que nunca ultrapassavam os netos. A inveja e os desejos impotentes eram suas paixões predominantes. Mas os objetos principais das primeira são os vícios dos moços e a morte dos velhos. Refletindo naqueles, vêm-se privados de toda possibilidade de prazer; e sempre que assistem a um enterro, lamentam e lastimam que hajam outros chegado a um porto de repouso, a que nunca esperam chegar".

"Aos noventa, perdem os dentes e os cabelos; já nessa idade não distinguem nada pelo gosto, mas comem e bebem o que se lhes apresenta sem prazer nem apetite. As moléstias a que estavam sujeitos continuam, sem aumentar nem diminuir. Ao falarem, esquecem a denominação comum das coisas e os nomes das pessoas, até os dos amigos e parentes mais chegados, Pela mesma razão, nunca podem saborear uma leitura, pois a memória não os ajuda a irem do princípio ao fim de uma sentença; e esse defeito os priva do único entretenimento de que poderiam, de outro modo, ser capazes".

"Como a língua deste país sofre contínuas modificações, os struldbugs de uma época não compreendem os de outra nem lhes é possível, depois de duzentos anos, travarem conversação alguma (além de poucas palavras gerais) com os seus vizinhos, os mortais; e têm assim a desvantagem de viver como estrangeiros em própria terra".

Vida eterna? Não, muito obrigado. Uns setenta ou oitenta anos, me parece, está de bom tamanho. Como em Luggnagg. Dito isto, estou partindo nos próximos dias para Paris. Antes que acabe. A vida é curta e os muçulmanos proliferam como coelhos. Sugiro o mesmo aos leitores jovens. Em uma década, Paris talvez viva uma condição de maior violência que o Rio. Não há retorno. Os cinco milhões de árabes que infestam a França jamais serão mandados de volta.

Vá, antes que seja tarde. Antes que proíbam o vinho. Santé!

quinta-feira, novembro 03, 2005
 
NOVAS REAÇÕES (12)
Discussões vãs



De uma vez por todas, debatedores de religião. Se o diletantismo filosófico já é tão deplorável e já trouxe tantos males à humanidade, o teológico é pior ainda.

Nesses assuntos, ou o sujeito empreende estudos sistemáticos, buscando informar-se sobre a evolução das discussões e o status questionis para poder ter alguma segurança objetiva do que diz, ou então o melhor é ficar quieto, guardar suas opiniões para si e evitar o desgaste em polêmicas que não farão bem nem à sua alma nem à dos interlocutores.
Para quem compreende realmente do que se trata, não existe maior blasfêmia do que tratar Deus como um objeto do mundo, cuja existência se pode "provar" ou "negar".

"No princípio Deus criou o céu e a terra" significa:
1 - A existência pressupõe a possibilidade. Logo, antes (cronologicamente) e acima (ontologicamente) do existente, está a possibilidade infinita ou universal, também chamada de onipossibilidade ou - um tanto inexatamente - onipotência. Teologicamente, "Deus'.
2 - A possibilidade limita a existência, mas não é limitada por ela, não podendo portanto extrair dela as condições da sua manifestação. Logo, a possibilidade se torna existência desde si mesma e não desde algo existente. É por isso que a força de passar à existência sem depender de algo preexistente é descrita teologicamente como "criação" (ex nihilo) e não como mera "transformação".
3 - A existência considerada "em si" e abstratamente é ainda mera potência de existir, que só passa ao ato através dos existentes, dos seres. O conjunto da existência, uma vez instaurado, divide-se, portanto necessariamente em dois aspectos: (a) os entes existentes; (b) as possibilidades ilimitadas da existência ainda não manifestada. No simbolismo bíblico, a mera potência de existir denomina-se "as águas', os entes já existentes denominam-se "terra", as possibilidades em reserva denominam-se "céu".

Abstraída a linguagem simbólica, não há um só ser humano que não acredite nessas afirmativas (mesmo sem dar-se conta delas), não só porque são auto-evidentes e apodícticas, mas porque sem elas seria impossível pensar sobre a realidade existente, apenas criar no ar formas lógicas vazias. O que há são indivíduos que ou não inteligem claramente esse fundamento da cognição que não obstante continua operando neles inconscientemente, outros que não o reconhecem quando expresso no simbolismo religioso (e portanto rejeitam este último, às vezes em nome de algo que ingenuamente imaginam ser "a razão" ou "a ciência"), outros ainda que não conseguem apreendê-lo senão sob a forma do simbolismo religioso.

Os primeiros denominam-se "agnósticos", os segundos "ateus", os terceiros "crentes". Os crentes dividem-se em fiéis, quando amam e obedecem essa estrutura fundamental da existência, e "gnósticos" quando a odeiam e rejeitam. Ao lado dos fiéis há os "espirituais", que têm a evidência intelectual do fundamento da existência e a reconhecem no simbolismo religioso, enquanto os fiéis enquanto tais não têm essa evidência, mas a pressentem na força e beleza do simbolismo religioso e se dirigem a ela através da "fé". Os espirituais devem transformar a mera apreensão teorética em plena assimilação existencial através da fé, cujo exemplo lhes é dado pelos fiéis. Os fiéis, com a ajuda dos espirituais devem passar da "fé" à "contemplação" através da"meditação" do sentido dos símbolos: Intellige ut credas, crede ut intelligas - "Intelige para crer, crê para entenderes". Isto é religião.

That´s all. Não vejo como discutir isso no campo das "provas objetivas', porque: (a) toda prova objetiva depende do reconhecimento prévio da estrutura da existência; (b) aquele que nem apreendeu a estrutura da existência nem a pressentiu através da "fé" é obrigado a criar um simulacro de fundamento, o qual, em todos os casos possíveis e imagináveis, será uma premissa empírica e parcial qualquer, que funcionará como limite extremo da sua vontade de saber, para além do qual, no seu entender, nada tem o direito de existir. Dentro desse limite, ele pode encontrar muitas verdades empíricas, e o hiato entre seu pensamento e a estrutura da existência nem chegará a lhe chamar a atenção, pois está para além do seu "mundo" autofabricado. Portanto, quê fazer com ele? Ou vocês lhe mostram a estrutura da existência, que ele não poderá refutar, mas relutará em admitir porque admiti-la implica confessar que até esse momento foi apenas um idiota (do gr. Idios, "o mesmo", isto é, uma mente fechada num mundinho da sua própria invenção), ou então é melhor deixá-lo em paz até que esse mundinho seja feito em cacos por uma súbita e impremeditada ampliação do seu campo de consciência.

Rascunho de um artigo, agosto de 2004.

Olavo de Carvalho.