¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV
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Janer Cristaldo escreve no Ebooks Brasil Arquivos outubro 2003 dezembro 2003 janeiro 2004 fevereiro 2004 março 2004 abril 2004 maio 2004 junho 2004 julho 2004 agosto 2004 setembro 2004 outubro 2004 novembro 2004 dezembro 2004 janeiro 2005 fevereiro 2005 março 2005 abril 2005 maio 2005 junho 2005 julho 2005 agosto 2005 setembro 2005 outubro 2005 novembro 2005 dezembro 2005 janeiro 2006 fevereiro 2006 março 2006 abril 2006 maio 2006 junho 2006 julho 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 dezembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 novembro 2008 dezembro 2008 janeiro 2009 fevereiro 2009 março 2009 abril 2009 maio 2009 junho 2009 julho 2009 agosto 2009 setembro 2009 outubro 2009 novembro 2009 dezembro 2009 janeiro 2010 fevereiro 2010 março 2010 abril 2010 maio 2010 junho 2010 julho 2010 agosto 2010 setembro 2010 outubro 2010 novembro 2010 dezembro 2010 janeiro 2011 fevereiro 2011 março 2011 abril 2011 maio 2011 junho 2011 julho 2011 agosto 2011 setembro 2011 outubro 2011 novembro 2011 dezembro 2011 janeiro 2012 fevereiro 2012 março 2012 abril 2012 maio 2012 junho 2012 julho 2012 agosto 2012 setembro 2012 outubro 2012 novembro 2012 dezembro 2012 janeiro 2013 fevereiro 2013 março 2013 abril 2013 maio 2013 junho 2013 julho 2013 agosto 2013 setembro 2013 outubro 2013 novembro 2013 dezembro 2013 janeiro 2014 fevereiro 2014 março 2014 abril 2014 maio 2014 junho 2014 julho 2014 agosto 2014 setembro 2014 novembro 2014 |
quarta-feira, fevereiro 27, 2013
DEUS ÚNICO? ONDE? * Escreve-me Franciene: “sinto muito que você tenha deixado de crer em Deus por causa da falibilidade humana... Preferível se tivesse deixado de crer na humanidade”. Engana-se a leitora. Deixei de crer em Deus por causa da falibilidade divina. Em qual deus você gostaria que eu acreditasse, Franciene? Naquele deus dos judeus que manda massacrar, arrasar, degolar, destruir cidades, matar tudo que respire? Ou no deus dos cristãos, que promete o fogo eterno a quem não estiver com ele? Cá entre nós, nenhum desses deuses me serve. Por outro lado, leio a Bíblia não como manifestação da palavra divina, mas como obra literária. Um deus não seria tão incoerente. Incoerência é coisa humana. Prossegue a leitora: “Bem, pensei que falávamos do único Deus que existe, o Deus da Bíblia, o Deus dos Judeus, o Deus dos Cristãos...” Bem se vê que a leitora jamais leu a Bíblia atentamente. Não há um só deus no Antigo Testamento: Diz Labão a Jacó: “Mas ainda que quiseste ir embora, porquanto tinhas saudades da casa de teu pai, por que furtaste os meus deuses?” Diz Jacó à sua família: “Lançai fora os deuses estranhos que há no meio de vós, e purificai-vos e mudai as vossas vestes”. Diz Jeová aos hebreus: “Porque naquela noite passarei pela terra do Egito, e ferirei todos os primogênitos na terra do Egito, tanto dos homens como dos animais; e sobre todos os deuses do Egito executarei juízos; eu sou o Senhor”. Canta Moisés este cântico a Jeová: “Quem entre os deuses é como tu, ó Senhor? a quem é como tu poderoso em santidade, admirável em louvores, operando maravilhas?” Disse Jetro, o sogro de Moisés: “Agora sei que o Senhor é maior que todos os deuses; até naquilo em que se houveram arrogantemente contra o povo”. O Pentateuco está repleto de deuses. Astarote, Baal, Dagom e por aí vai. Em momento algum Moisés afirma ser Jeová o único deus. Aliás, até o próprio Jeová reconhece a existência de seus pares, quando determina: “Não terás outros deuses diante de mim”. Os deuses eram muitos na época do Pentateuco. Jeová é apenas um entre eles, o deus de uma tribo, a de Israel. Em La Loi de Moïse, escreve Jean Soler: “Ora, nem Moisés nem seu povo durante cerca de um milênio depois dele – os autores da Torá incluídos – não acreditavam em Deus, o Único. Nem no Diabo”. A idéia de um deus único só vai surgir mais adiante, no dito Segundo Isaías. Reiteradas vezes escreve o profeta: Num acesso de egocentrismo, Jeová se proclama o único: Quem há como eu? Que o proclame e o exponha perante mim! Quem tem anunciado desde os tempos antigos as coisas vindouras? Que nos anuncie as que ainda hão de vir. Não vos assombreis, nem temais; porventura não vo-lo declarei há muito tempo, e não vo-lo anunciei? Vós sois as minhas testemunhas! Acaso há outro Deus além de mim? Ou ainda: Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cinjo, ainda que tu não me conheças. (...) Porventura não sou eu, o Senhor? Pois não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador não há além de mim. Só aí, e tardiamente, surge na Bíblia a idéia de um só Deus. Jean Soler nota uma safadeza nas traduções contemporâneas da Bíblia: Jeová está sumindo. Fala-se em Deus ou Senhor, em Eterno ou Altíssimo. Como Jeová é apenas o deus de Israel, melhor esquecer o deus tribal. Ao que tudo indica, alguns tradutores fazem um esforço para transformar um livro politeísta em monoteísta. Substituiu-se a monolatria - culto de um só deus nacional - pelo monoteísmo, culto de um deus único. Mas a leitora não desiste: “ler a bíblia como uma obra literária é uma opção. A bíblia é o único livro que pode ser lido junto com o seu Autor”. Quanto a ser Deus o autor da Bíblia, todas as igrejas cristãs admitem a autoria humana, a tal ponto que até hoje não se sabe muito bem quem escreveu o quê. Sem ir muito longe, fica claro que Moisés não escreveu o Pentateuco, já que nele narra sua própria morte. Das treze cartas atribuídas a Paulo no NT – segundo o teólogo Bart Erhman, em Pedro, Paulo e Maria Madalena - sabe-se que apenas sete são incontestavelmente dele. Seis das cartas diferem em vocabulário e estilo literário utilizado, pontos de vista teológicos representados e o contexto histórico das epístolas: algumas das cartas pressupõem uma situação que surgiu bem depois da morte de Paulo. Um deus onisciente não cometeria tais lapsos. Franciene volta à carga: “Bem, pensei que falávamos do ÚNICO DEUS que existe, o Deus da Bíblia, o Deus dos Judeus, o Deus dos Cristãos...” A idéia do deus único emerge lentamente do seio de uma cultura onde havia vários deuses. Quando Paulo vai a Atenas pregar a nova doutrina, alguns filósofos epicuristas e estóicos se perguntavam quem seria aquele conversador. Levando-o ao Areópago, quiseram saber: “Poderemos nós saber que nova doutrina é essa de que falas? Pois tu nos trazes aos ouvidos coisas estranhas; portanto queremos saber o que vem a ser isto”. Os atenienses, muito cautos em relação aos deuses, haviam erguido inclusive um altar ao Deus desconhecido. (Nunca se sabe...). Paulo pega a deixa e deita verbo: “Passando eu e observando os objetos do vosso culto, encontrei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais sem o conhecer, é o que vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens”. Os atenienses não entendem o novo deus. Entendiam os deuses de cada nação. Havia os deuses gregos, romanos, egípcios, persas. Que deus era esse que não pertencia a nação nenhuma? Ora, não pertencendo a nação nenhuma, disto decorria uma consequência inevitável: era o deus de todos os homens. Quando ouviram falar em ressurreição de mortos, gozaram com a cara do apóstolo: “Acerca disso te ouviremos ainda outra vez”. Isso sem falar que o deus dos judeus nada tem a ver com o deus dos cristãos. Para Arnold Toynbee, foi o cristianismo paulino que transformou Jesus em um deus encarnado. Em vida, Cristo não poderia ter aceitado essa condição, pois era judeu. Segundo as escrituras cristãs, por pelo menos duas vezes Jesus repudia a sugestão de que fosse divino. Pode ter se denominado Filho de Deus, mas isto não era algo aplicado somente a Jesus. Para Bart Erhman, a idéia de que Jesus era divino foi uma invenção ainda posterior, encontrada apenas no evangelho de João. Para Erhman, ser o Filho de Deus não significava ser divino. “No Antigo Testamento, Filho de Deus pode se referir a vários indivíduos diferentes. O rei muito humano de Israel era chamado de Filho de Deus e a nação de Israel era vista como filho de Deus. Ser o Filho de Deus costumava ser o intermediário humano de Deus na Terra. O Filho de Deus tinha uma relação especial com Deus, como aquele que Deus escolhera para fazer sua vontade. Em Marcos, Jesus é o Filho de Deus porque é aquele que Deus escolheu como Messias, que deve morrer na cruz para fazer a expiação como um sacrifício humano. Mas não há uma única palavra nesse Evangelho sobre Jesus ser realmente Deus”. Com o surgimento do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a nova seita foi lentamente voltando ao politeísmo. É por pressão do imperador Constantino (306-337) – escrevi há pouco - que se cria nessa época dogma da Santíssima Trindade. Constantino precisava de um deus forte para seu império e adotou a nascente religião. Ao ver que o cristianismo estava resvalando rumo ao politeísmo, o imperador manipulou as discordâncias teológicas existentes entre Arius (Cristo é um ser criado) e Atanásio (Cristo é igual e eterno como seu Pai) e coagiu os bispos do império a assumir a doutrina de Atanásio. “Adoramos um só Deus em Trindade… O Pai é Deus, o Filho é Deus, e o Espírito Santo é Deus; e contudo eles não são três deuses, mas um só Deus”. O que deve ter dado origem, séculos depois, àquele aparelho de som da Gradiente, o três-em-um. O aparelho da Gradiente sumiu do mercado. O três-em-um do Atanásio continua tendo muita demanda. Mas isto já é outra história. Resta ainda uma perguntinha. Se o Filho era tão eterno quanto o Pai, por que o Pai esperou tantos séculos para apresentá-lo a seu povo, os judeus? Ao entregar as tábuas da Lei a Moisés no monte Sinai, bem que Jeová podia ter avisado: "a propósito, eu tenho um filho. É rebelde e contestador, acho até que vou fazer um novo testamento". Espero em algo ter contribuído para o conhecimento do Livro a Franciene. * 29/08/2012 NOSSA IMPRENSA DESVAIRADA Do UOL: Isso porque o novo método de interação cérebro-máquina difere-se dos outros experimentos por usar uma técnica não-invasiva e, mais importante, com transmissão de dados sem fio – o que garantiu o apelido de tatuagem eletrônica. terça-feira, fevereiro 26, 2013
SERÁ QUE O SAMY ADGHIRNI, CORRESPONDENTE MUÇULMANO DA FSP EM TEERÃ, VAI COMENTAR? Da Veja: "Assim como a notícia de que Argo ganhou o Oscar de melhor filme, o modelito usado pela primeira-dama na noite da premiação também não agradou a agência de notícia iraniana Fars News. Para adequar o vestido às normas sobre a exposição do corpo feminino na mídia, o site parceiro da Guarda Revolucionária do Irã aplicou photoshop para tirar o decote e esconder os ombros de Michelle Obama". A tarefa foi delegada a um correspondente de Washington, que certamente não é muçulmano nem vive perto de onde ocorreu o fato. O correspondente muçulmano da FSP se contentou em traduzir um press release do governo - certamente escrito em inglês, pois nem farsi ele domina - onde Teerã crítica o Oscar concedido a Argo. AS TRÊS VIAS DE ACESSO (junho 2006) Após ler minha crônica sobre os cavacos do ofício do jornalismo, uma amiga me pergunta porque não estou lecionando numa universidade. Coincidentemente, a resposta está no artigo de Cláudio de Moura Castro, na Veja da semana passada: “Na UFRJ, um aluno brilhante de física foi mandado para o MIT antes de completar sua graduação. Lá chegando, foi guindado diretamente ao doutorado. Com seu reluzente Ph.D., ele voltou ao Brasil. Mas sua candidatura a professor foi recusada pela UFRJ, pois ele não tinha diploma de graduação. Luiz Laboriou foi um eminente botânico brasileiro, com Ph.D. pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Mas não pôde ensinar na USP, pois não tinha graduação”. Estas peripécias, eu as conheço de perto. Começo pelo início. Nunca me ocorreu lecionar na universidade. Eu voltara da Suécia, cronicava em Porto Alegre e fui tomado pela resfeber, doença nórdica que contraí na Escandinávia. Traduzindo: febre de viagens. Li nos jornais que estavam abertas inscrições para bolsas na França e me ocorreu passar alguns anos em Paris. A condição era desenvolver uma tese? Tudo bem. Paris vale bem uma tese. Tese em que área? Busquei algo que me agradasse. Na época, me fascinava a literatura de Ernesto Sábato. Vamos então a Paris estudar Sábato. Mas eu não tinha o curso de Letras. O cônsul francês, ao me encontrar na rua, perguntou-me se eu não podia postular algo em outra área. Em Direito havia mais oferta de bolsas. Poder, podia. Eu cursara Direito. Mas do Direito só queria distância. Mantive minha postulação em Letras. Para minha surpresa, recebi a bolsa. A França me aceitava, em função de meu currículo, para um mestrado em Letras, curso que eu jamais havia feito. Nenhuma universidade brasileira teria essa abertura. Aliás, os componentes brasileiros da comissão franco-brasileira que examinava as candidaturas, tentaram barrar a minha. Fui salvo pelos franceses. Fui, vi e fiz. Em função de meu currículo, aceito para mestrado, fui guindado diretamente ao doutorado. Tive o mesmo reconhecimento que o aluno do MIT. Acabei defendendo tese em Letras Francesas e Comparadas. Menção: Très bien. Não me movera nenhuma pretensão acadêmica, apenas o desejo de curtir Paris, suas ruelas, vinhos, queijos e mulheres. A tese não passou de diletantismo. De Paris, eu escrevia diariamente uma crônica para a Folha da Manhã, de Porto Alegre. Salário mais bolsa me propiciaram belos dias na França. Foi quando minha empresa faliu. Conversando com colegas, fiquei sabendo que um doutorado servia para lecionar. Voltei e enviei meu currículo para três universidades. Sei lá que loucura me havia acometido na época: um dos currículos enviei para o curso de Letras da Universidade de Brasília. Fui a Brasília acompanhar meu currículo. Procurei o chefe do Departamento de Letras. Ele me cobriu de elogios, o que só ativou meu sistema de alarme. Que minha tese era brilhante, que meu currículo era excelente, que era um jovem doutor com um futuro pela frente. Etc. Mas... eu tinha apenas os cursos de Direito e Filosofia, não tinha o de Letras. Me sugeria enviar meu currículo ao Departamento de Filosofia, já que a tese tinha alguns componentes filosóficos. Ingênuo, fui até o Departamento de Filosofia. O coordenador me recebeu muito bem, analisou minha tese, cobriu-a de elogios. Mas... eu não tinha o Doutorado em Filosofia. Apenas o curso. Considerando o grande número de artigos publicados em jornal, sugeria que eu fosse ao Departamento de Comunicações. Besta atroz, fui até lá. O coordenador considerou que meu currículo como jornalista era excelente. Mas... eu não tinha o Curso de Jornalismo. Na Universidade Federal de Santa Catarina abriu um concurso para professor de Francês. Já que eu era Doutor em Letras Francesas, me pareceu que a ocasião era aquela. Duas vagas, dois candidatos. Fui solenemente reprovado. Uma das alegações foi que eu falava francês como um parisiense, e a universidade não precisava disso. A outra, e decisiva, era a de que eu tinha doutorado em Letras Francesas, mas não tinha curso de Letras. Já estava desistindo de procurar emprego na área, quando fui convidado para lecionar Literatura Brasileira, na mesma UFSC que me recusara como professor de francês. Convidado como professor visitante, o que dispensa concurso. Mas o contrato é por prazo determinado, dois anos. O curso precisava de doutores para orientar teses e eu estava ali por perto, doutor fresquinho, recém-titulado e livre de laços com outra universidade. Fui contratado. Acabei lecionando quatro anos, na graduação e pós-graduação. Findo meu contrato, foi aberto um concurso para professor de Literatura Brasileira. Me inscrevi imediatamente. Uma vaga, um candidato. Me pareceram favas contadas. Ledo engano. Eu não tinha o curso de Letras. Fui de novo solenemente reprovado. Não tinha graduação em Letras.Após lecionar Letras quatro anos. Na mesma época, abriu um concurso na mesma universidade para professor de espanhol. Ora, eu já havia traduzido doze obras dos melhores autores da América Latina e Espanha (Borges, Sábato, Bioy Casares, Robert Arlt, José Donoso, Camilo José Cela). Vou tentar, pensei. Tentei. Na banca, não havia um só professor que tivesse doutorado. Pelo que me consta, jamais haviam traduzido nem mesmo bula de remédio. Mais ainda: não tinham uma linha sequer publicada. Novamente reprovado. Minhas traduções poderiam ser brilhantes. Mas eu jamais havia feito um curso de espanhol. Melhor voltar ao jornalismo. Foi o que fiz. Anos mais tarde, já em São Paulo, por duas vezes fui convidado para participar de uma banca na Universidade Federal de São Carlos, pelo professor Deonísio da Silva, então chefe de Departamento do Curso de Letras. Uma das bancas era para escolher uma professora de Literatura Espanhola, outra uma professora de Literatura Brasileira. Deonísio sugeriu-me participar, como candidato, de um futuro concurso. Impossível, eu não tinha o curso de Letras. Quanto a julgar a candidatura de um professor de Letras, isto me era plenamente permissível. Por estas e por outras – e as outras são também importantes, mas agora não interessam – não estou lecionando. Diz a lenda que na universidade da Basiléia havia um dístico no pórtico, indicando as três vias de acesso à universidade: per bucam, per anum, per vaginam. Lenda ou não, o dístico é emblemático. A universidade brasileira, particularmente, é visceralmente endogâmica. Professores se acasalam com professoras e geram professorinhos e para estes sempre se encontra um jeito de integrá-los a universidade. A maior parte dos concursos são farsas com cartas marcadas. Pelo menos na área humanística. As exceções ocorrem na área tecnológica, onde muitas vezes a guilda não tem um membro com capacitação mínima para proteger. Contou-me uma professora da Universidade de Brasília: “eu tive muita sorte, os dez pontos da prova oral coincidiam com os dez capítulos de minha tese”. O marido dela era um dos componentes da banca. A ingênua atroz – ou talvez cínica – falava de coincidência. Na universidade brasileira, nem um Cervantes seria aceito como professor de Letras, afinal só teria em seu currículo o ofício de soldado e coletor de impostos. Um Platão seria barrado no magistério de Filosofia e um Albert Camus jamais teria acesso a um curso de Jornalismo. No fundo, a universidade ainda vive no tempo das guildas medievais, que cercavam as profissões como quem cerca um couto de caça privado. Na Espanha e na França, desde há muito se discute publicamente a endogamia universitária. Aqui, nem um pio sobre o assunto. E ainda há quem se queixe quando os melhores cérebros nacionais buscam reconhecimento no Exterior. sábado, fevereiro 23, 2013
“YO SÉ EL CORAZÓN QUE TIENE, EL QUE COM GUSTO ME ESCUCHA” ONDE ESTÁ JANER CRISTALDO? (desculpem a caixa alta, mas e' necessario) Desde 26 de janeiro de 2013, há quase duas semanas, portanto, que Janer Cristaldo já não posta mais nada em seu blog. Nós, seus leitores habituais, reclamamos notícias e sobretudo uma nota tranquilizadora, para saber que ele está bem, alive and kicking, produzindo textos, com sua verve mordaz, seu pensamento atilado, sua mente penetrante, sua linguagem irônica, levemente arrogante e profundamente verdadeira. O último post em que ele dava notícia de si mesmo, foi este: sexta-feira, janeiro 25, 2013 CRONISTA NO ESTALEIRO Volto em breve. E agora José? Onde estás, que não respondes? Tropeçaste numa pedra? Comeste algo indigesto? Brigaste com algum companheiro da igreja (qualquer igreja)? Discutiste com algum companheiro estrito senso? E lato senso? Exigimos sua volta, no bom sentido claro, não para trabalhar para nós, mas para nos deixar tranquilos quanto à sua saúde... Vou criar o movimento de busca a Janer Cristaldo: vizinhos, amigos, conhecidos, ex-amantes, leitores, saí em busca do nosso heroi iconoclasta. Não poderemos sobreviver muito tempo sem seus petardos eletrônicos, mais certeiros que um míssil Patriot, mais pesados que um SS-20 soviético, mais elegantes do que qualquer texto da Académie Française, mais abrangentes do que uma bomba de fragmentação, mais inesperados do que a ética em certos políticos, enfim, mais várias outras coisas que costuma estar em seus textos... Paulo Roberto de Almeida Comovido, Almeida. Ainda estou no estaleiro, devo sair amanhã. Meio avariado, mas com a mente como sempre. Ao blog mesmo, preciso dar um tempo. Mas volto. Gratíssimo. quinta-feira, fevereiro 21, 2013
terça-feira, fevereiro 12, 2013
PAPA DEFENSOR DE PEDÓFILOS QUER CANONIZAR OUTRO PAPA DEFENSOR DE PEDÓFILOS * O papa Bento XVI, acobertador de pedófilos, afirmou há pouco que as autoridades do governo, a sociedade e as instituições italianas devem recuperar suas raízes morais. "A vocação singular que a cidade de Roma exige hoje de vocês, autoridades de governo, é que ofereçam um bom exemplo da positiva e útil interação entre seu saudável status leigo e a fé cristã", disse a policiais de Roma. Como se o Vaticano, hoje, tivesse alguma autoridade para reprovar a conduta moral de quem quer que seja. A crítica do papa é endereçada a Silvio Berlusconi, que teria pago pelos serviços de Ruby, uma prostituta marroquina. Ainda há pouco, uma outra prostituta de luxo, Nadia Macri, disse à TV italiana RAI ter recebido 5.000 euros do premiê para participar de uma orgia no dia 24 de abril do ano passado. Ruby teria participado da "festa" e recebido a mesma quantia. Em Antrosano, pequeno povoado dos Abruzios, o pároco Aldo Antonelli convocou uma greve de missas, em protesto pela “cumplicidade da hierarquia católica com a política suja”. Dom Antonelli não se referia à cumplicidade do Vaticano com os crimes de pedofilia, mas sua leniência com as orgias de Berlusconi. Ao qual pode se reprovar muita coisa, menos pagar mal às moças que lhe oferecem seus préstimos. Nos primórdios da Igreja, havia uma grande dificuldade para declarar santo algum crente. Pouco se sabia sobre ele. Hoje, a dificuldade é inversa: sabe-se demais sobre o candidato a santo. Bento XVI está lutando pela beatificação de seu antecessor, João Paulo II. Vamos aos fatos. Segundo The New York Times, o cardeal Joseph Ratzinger – hoje papa Bento XVI, é bom lembrar - não fez nada para impedir em 1980 que um padre acusado de pedofilia retomasse o sacerdócio em uma outra paróquia na Alemanha. No final de 1979 em Essen, Alemanha, o padre Peter Hullermann foi suspenso após várias queixas de pais que o acusavam de pedofilia. Uma avaliação psiquiátrica ressaltou seus instintos pedófilos. Algumas semanas depois, em janeiro de 1980, Ratzinger, que era na época arcebispo de Munique, dirigiu uma reunião durante a qual a transferência do padre de Essen para Munique foi aprovada. O futuro pontífice recebeu alguns dias depois uma nota na qual foi informado de que o padre Hullermann havia retomado o serviço pastoral. Em 1986, o mesmo padre foi declarado culpado de ter agredido sexualmente meninos em uma outra paróquia de Munique, após a transferência para a cidade bávara. Semana passada, novas acusações de pedofilia vieram à tona, envolvendo o início e o fim de seu sacerdócio. Segundo o jornal, "este caso é particularmente interessante porque ele revela que na época o cardeal Ratzinger estava em posição de lançar de processos contra o padre, ou pelo menos, de fazer com que não tivesse mais contato com crianças". Nada fez. O futuro papa acobertou ainda abusos sexuais de um padre americano, Lawrence Murphy, acusado de ter abusado de 200 crianças surdas de uma escola do Wisconsin (norte dos Estados Unidos), entre 1950 e 1972. Segundo o jornal novaiorquino, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé abriu mão de iniciar os trâmites contra o padre acusado de ter abusado de crianças surdas. Vamos a seu antecessor, o Karol Wojtyla, mais conhecido como João Paulo II. Além de notório acobertador de pedófilos - sobre sua mesa haviam-se acumulado acusações de pedofilia contra milhares de sacerdotes e também queixas pelo encobrimento desses delitos por alguns prelados nos EUA, Irlanda, Itália, Áustria e inclusive na Espanha - foi o grande protetor do sacerdote mexicano Marcial Maciel, o fundador dos Legionários de Cristo. Acusado de abusar sexualmente de mais de 20 seminaristas - incluindo os próprios filhos - Maciel teve filhos com várias mulheres e, como um outro santo moderno, o Martin Luther King, foi plagiador emérito: plagiou descaradamente o livro de cabeceira da legião, intitulado Saltério de Meus Dias, e impôs a toda a organização um quarto voto de silêncio para se proteger de denúncias. Um de seus antigos colaboradores o acusa inclusive de ter envenenado seu tio-avô, o bispo Guízar, que apoiou a bem-sucedida carreira eclesiástica do sobrinho no México dos anos 1930. Deste santo senhor, temos fartas fotos sendo abençoado pelo papa João Paulo II, recebido em audiência especial no Vaticano. Centenas de denúncias sobre o padre Maciel chegaram à mesa de Wojtyla. O papa as desprezou. Maciel enchia praças e estádios de futebol em suas viagens pelo mundo. Era merecedor da benção papal. Verdade que Ratzinger o expulsou do Vaticano, obrigando o padre Maciel a levar "uma vida reservada de oração e penitência, renunciando a qualquer forma de ministério público". Punição no mínimo carinhosa para um notório pedófilo. Maciel morreu em janeiro de 2008, no México. Segundo os jornais, Maciel não só teve aventuras amorosas, como em Madri vivia uma filha sua, com nome, sobrenome e um número concreto em luxuosos apartamentos na Calle de Los Madroños. A garota, já madura, chama-se Norma Hilda e fez um pacto de silêncio em troca de uma pensão vitalícia. Quem selou o acordo e cuidou de que a rocambolesca história acabasse aí foi o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, durante uma visita semioficial à Espanha. Ocorreu nos primeiros dias de fevereiro do ano passado. O dinheiro não foi obstáculo. Há décadas que em ambientes hostis o grupo de Maciel é conhecido com ironia como os Milionários de Cristo. O cardeal Tarcisio Bertone é aquele impoluto senhor que, em fevereiro do ano passado, afirmava ser necessário que os padres pedófilos reconhecessem "suas culpas, já que das provas pode surgir a renovação interior”. Na época do abuso sexual das 200 crianças surdas em Wisconsin, Ratzinger presidia a Congregação para a Doutrina da Fé e Bertone era seu vice. Oito meses depois da denúncia, cardeal Bertoni encarregou os bispos de Wisconsin de instruir um processo canônico secreto que teria podido levar ao afastamento do padre Murphy. Bertone, segundo o NYT, encerrou o processo depois que padre Murphy escreveu pessoalmente ao então cardeal Ratzinger que não deveria ser submetido a processo porque estava arrependido e em precárias condições de saúde: “Quero simplesmente viver aquilo que me resta na dignidade de meu sacerdócio”, escreveu o padre, já perto de sua morte, o que ocorreu em 1998. Se estava arrependido, não precisava levar a frente o processo. Não se tratou exatamente, no caso, de uma ação entre amigos. Mas de uma ação entre cardeais. Vai, meu filho, teus pecados te são perdoados. Volto ao santo padre Marcial Maciel. A benção que lhe foi dada por João Paulo II desrecomenda qualquer santificação. Mesmo assim, Bento XVI quer beatificá-lo. Beatificar criminosos está se tornando norma no Vaticano. João Paulo II não beatificou aquela vigarista albanesa, Agnes Bojaxhiu, mais conhecida como madre Teresa de Calcutá, vigarista de alto bordo e apoiadora de ditadores como Envers Hodja e Baby Doc? Um papa protetor de pedófilos quer santificar seu antecessor, outro notório protetor de pedófilos. Canonização está se tornando não uma ação entre amigos, mas um conluio de vigaristas. A Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana tem dias insólitos pela frente. Em seu hagiológio, poderemos ver um santo abraçando um pedófilo. * 23/03/2011 A QUAL INSTÂNCIA O VICE-DEUS APRESENTARÁ SUA RENÚNCIA? * O cerco se fecha. A edição do New York Times de hoje revela que várias autoridades do Vaticano, entre elas o então cardeal Joseph Ratzinger, encobriram o abuso sexual de 200 crianças surdas por um religioso de Wisconsin, o padre Lawrence Murphy. Em 1996, Ratzinger não respondeu a duas cartas sobre o caso, enviadas pelo arcebispo de Milwaukee, denunciando os crimes. A notícia repercutiu na primeira página dos mais importantes jornais da Europa, desde o Suddeutsche Zeitung ao Corriere della Sera, passando pelo Libération, Le Monde e El País. Só não encontrei nada no Osservatore Romano, que dá sua primeira página à uma audiência de Sua Santidade dedicada a São Alberto Magno, à celebração da Anunciação na tradição sírio-ocidental, ao encontro entre Obama e Netanyahu e a um plano de desenvolvimento de um bilhão de dólares na Índia. A affaire envolve também o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, que em fevereiro deste ano afirmava ser necessário que os padres pedófilos “reconheçam suas culpas, já que das provas pode surgir a renovação interior”. Na época das cartas do arcebispo de Milwaukee, Ratzinger presidia a Congregação para a Doutrina da Fé e Bertone era seu vice. Oito meses depois da denúncia, cardeal Bertoni encarregou os bispos de Wisconsin de instruir um processo canônico secreto que teria podido levar ao afastamento do padre Murphy. Bertone, segundo o NYT, encerrou o processo depois que padre Murphy escreveu pessoalmente ao então cardeal Ratzinger que não deveria ser submetido a processo porque estava arrependido e em precárias condições de saúde: “Quero simplesmente viver aquilo que me resta na dignidade de meu sacerdócio”, escreveu o padre, já perto de sua morte, o que ocorreu em 1998. Então tá! Se estava arrependido, não precisa levar a frente o processo. Não se tratou exatamente, no caso, de uma ação entre amigos. Mas de uma ação entre cardeais. Vai, meu filho, teus pecados te são perdoados. Esta é a segunda denúncia, em menos de uma semana, a apontar diretamente para o sucessor de Pedro. Sábado passado, Elke Hümmeler, na Baviera, citava 120 relatos de abusos feitos desde que um padre foi transferido em 1980 para trabalhar com crianças em Munique, mesmo sendo suspeito de ter cometido abusos na cidade de Essen. A arquidiciose bávara foi presidida entre 1977 e 1982 por quem? Pelo cardeal Joseph Ratzinger. O sacerdote, em vez de ser denunciado à polícia, foi submetido a sessões de terapia, endossadas pelo atual pontífice. Quem acoberta dois, acoberta dez, cem ou quantos forem necessários. Não será de espantar que surjam, nos próximos dias ou meses, novas denúncias da cumplicidade criminosa de Sua Santidade. Ontem ainda, Bento aceitou a demissão de John Magee, bispo irlandês de 74 anos, secretário de três papas e acusado de encobrir casos de pedofilia na diocese de Cloyne. Em carta pastoral, o papa pediu perdão – mas não punição – pelo acontecido. Magee pediu demissão ao vice-Deus. Pergunta que se impõe: a quem pedirá demissão o vice-Deus? Ao Big Boss? * 25/03/2010 PS - Bertoni hoje é papabili. segunda-feira, fevereiro 11, 2013
PAPA AUTISTA LEVA MENSAGEM DE MORTE AO CONTINENTE AFRICANO * Há quem julgue que minhas repetidas críticas à Igreja Católica decorrem de algum trauma de minha adolescência, quando era católico. Nada disso. É claro que tive noites de pânico com as ameaças de inferno e purgatório e sofri o que hoje considero um atentado aos direitos humanos, a humilhação da confissão. Mas tudo isso passou e não deixou nem mossa em meu espírito. Concentro as críticas na Igreja Católica, porque é a Igreja que está no poder. Não foram evangélicos nem judeus nem espíritas que criaram a Inquisição. Foi a Igreja Romana. Não foram evangélicos nem judeus nem espíritas que criaram o PT, que apóiam e sustentam a guerrilha dos sem-terra. É a Igreja Católica. Não são evangélicos nem judeus nem espíritas que estão caindo como abutres sobre a menina de Alagoinha, sua família e os médicos que a salvaram. É a hierarquia da Santa Madre. Isso sem falar em Sua Santidade. Há horas quero esquecer o pastor alemão, mas ele não me dá esse prazer. Alguns papas já passaram por minha vida e confesso jamais ter visto padre tão inábil, déspota e mesmo ignorante dos artigos da fé que devia conhecer a fundo. Os leitores que me perdoem, mas não posso deixar passar de mão beijada a última sandice do Sumo Fazedor de Pontes. O que mais tem feito, em verdade, são muralhas que cada vez afastam mais a barca de Pedro de nossa era. Segundo o Bento, o problema da Aids não pode ser resolvido pela distribuição de preservativos e o uso destes só serve para agravar o problema. Disse isto no vôo que o levava a Iaundé, capital do Cameroun – que a imprensa brasileira insiste em traduzir por República dos Camarões – justo um dos países africanos mais devastados pela peste. Há dois anos, os infectados somavam 510 mil, contra 43 mil em 2004. Não por acaso, o Cameroun é um país de forte influência católica, onde esta religião é professada por 40% de seus nacionais. Dos 39,5 milhões de acometidos pela doença no mundo, 25 milhões estão na África subsaariana. (Estes dados são de 2006). Desde há muito se sabe que a propagação da Aids no continente negro se deve em boa parte à influência da Igreja, que proíbe a seus fiéis o uso de preservativos. O cachimbo entorta a boca. Habituado a professar dogmas e convicções na base do credo quia absurdum, não soa estranho a Bento um absurdo a mais ou um absurdo a menos. Desta vez, exagerou. Se o fato de desexcomungar um negacionista – que tinha sido excomungado não por ser negacionista, diga-se de passagem - provocou celeuma no mundo todo, com esta declaração o papa chegou perto da unanimidade. É muito fácil afirmar que Deus é três em um ou que Maria é virgem. Não há como fazer perícia. Já afirmar que preservativos só servem para agravar o problema da Aids é bem mais complicado. Sua Santidade desafia a medicina e o bom senso. Fora a Cúria Romana e alguns gerontes da hierarquia vaticana, que por dever de ofício devem apoiar o papa, ninguém endossa esta grossa potoca do Bento. Em reportagem do Libération, os protestos se acumulam. Para Béatrice Luminet, responsável pela Médecins du Monde, esta palavras são “gravíssimas quando se vê o impacto que este tipo de mensagem pode ter na África, onde vivem dois terços dos soropositivos do mundo. Elas terão evidentemente um impacto em termos de perturbação das mensagens de prevenção, particularmente sobre o continente africano onde o catolicismo é mais influente. Pregar a abstinência é fora da realidade”. Os comunistas há décadas andam de namoro com o Vaticano, mas o secretário nacional do Partido Comunista Francês (PCF) foi mais longe: “as palavras pronunciadas pelo papa para inaugurar sua primeira viagem ao continente africano podem ser qualificadas de irresponsáveis e criminosas”. Para Jean-Luc Romero, presidente de uma associação francesa contra a Aids, se trata de “uma mensagem de morte endereçada aos africanos”. Já Alain Juppé, ex-primeiro-ministro francês e católico praticante, considera que “este papa começa a ser um verdadeiro problema, pois vive em uma situação de autismo total”. Em verdade, a culpa não é exatamente do Bento, mas da ojeriza secular ao corpo e ao prazer nutrida pela Igreja Católica. João Paulo II preconizava o mesmo. Desde há muito defendo, para espanto de muitos leitores, a denúncia da política vaticana ao Tribunal Penal Internacional ou à Corte de Haia. Porque o que a Igreja de Roma está promovendo, em bom português, chama-se genocídio. Impávido, isolado na torre de marfim vaticana, Bento XVI só vê a abstinência e a fidelidade conjugal como solução à Aids. Aposta numa inexistente condição angelical do ser humano e quer conduzir os sofridos africanos a uma morte atroz. * 18/03/2009 VICE-DEUS É EQUIPARADO A CRIMINOSOS DE GUERRA * Há horas venho defendendo a necessidade de denunciar Sua Santidade Bento XVI ao Tribunal Penal Internacional ou à Corte de Haia, por crimes contra a humanidade. Pois o que era um desejo quase utópico acaba de acontecer. Uma associação americana de vítimas de padres pedófilos anunciou nesta terça-feira que apresentou uma queixa ao Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o papa Bento XVII e outros dirigentes da Igreja católica por crimes contra a humanidade. As razões da entidade americana são outras que não as minhas. Eu responsabilizava a tacanha política vaticana de proibição dos preservativos nos países africanos com grandes contingentes católicos como a causa de um verdadeiro genocídio. Segundo dados de 2006, dos 39,5 milhões de acometidos pela Aids no mundo, 25 milhões estão na África subsaariana. Em 2009, em uma visita a Iaundé, capital do Cameroun, um dos países africanos mais devastados pela peste, Bento afirmava que o problema da Aids não pode ser resolvido pela distribuição de preservativos e o uso destes só serve para agravar o problema. Mais seguro que o preservativo, só a abstinência. Ora, abstinência é utopia. E isto os eunucos do Vaticano jamais entenderão. As razões dos americanos são outras, dizia. Os dirigentes da associação Snap, orientados pelos advogados da ONG americana "Centro para Direitos Constitucionais", entraram com uma ação para que o papa seja julgado por "responsabilidade direta e superior por crimes contra a humanidade, por estupro e outras violências sexuais cometidas em todo o mundo". A Snap tem membros nos Estados Unidos, Alemanha, Holanda e Bélgica, quatro países muito afetados pelo grande escândalo de pedofilia que envolve a Igreja. "Crimes contra a dezenas de milhares de vítimas, a maioria crianças, foram escondidos pelos líderes nos mais altos níveis do Vaticano. Neste caso, todos os caminhos levam a Roma", declarou a advogada Pamela Spees. O abuso de crianças pelos sacerdotes de Roma – que envolveu até bispos e cardeais – assolou o planeta, dos Estados Unidos à Europa, da Irlanda a Viena, da Holanda à Bélgica, da Alemanha à Itália, da França à Espanha. Em carta dirigida aos fiéis irlandeses, em março do ano passado, Sua Santidade se dizia envergonhada pelos abusos cometidos no seio da Igreja Católica da Irlanda. Criticava ainda a postura das autoridades eclesiásticas dessa diocese e ordenava aos bispos que ajudassem as autoridades civis. "Expresso abertamente a vergonha e o remorso que todos provamos", disse então o Papa, esclarecendo às vítimas que este também é um "grande dano" à Igreja e "à pública percepção do sacerdócio e da vida religiosa”. “A Justiça de Deus exige que assumamos nossas ações sem ocultar nada. Reconheçam abertamente a sua culpa, submetam-se às exigências da Justiça", determinou aos envolvidos nas agressões. Dirigindo-se aos padres pedófilos, Bento XVI reiterou que estes devem responder por seus crimes, "perante ao Deus onipotente e também frente aos tribunais devidamente constituídos". Sobre os abusos no coral de Ratisbona quando dirigido por seu irmão e sobre a proteção a um padre pedófilo durante seu cardinalato em Munique, Bento não disse água. Após seu pronunciamento anódino sobre os padres pedófilos da Irlanda, Sua Santidade voltou a proferir sandices. No Angelus do domingo seguinte ao seu pronunciamento, proferido na praça São Pedro, pediu “perdão para o pecador, intransigência com o pecado”. Estava se referindo aos abusos sexuais dos ministros da Igreja irlandesa. Pelo jeito, não entra no bestunto pontifício que pedofilia não é uma questão de pecado. Pedofilia é crime. Pecado se perdoa com um ato de contrição, três pais nossos e dez aves marias. Crime se pune com cadeia. Ao acobertar pedófilos, tanto João Paulo II como Bento XVI livraram seus sacerdotes da Justiça penal. Esta é a denúncia da Snap. A organização acusa o chefe da Igreja católica de ter tolerado e ocultado sistematicamente os crimes sexuais contra crianças em todo o mundo. À queixa acrescentaram 10.000 páginas de documentação de casos de pedofilia. Os bispos e, em alguns casos, o próprio Vaticano rejeitaram ou ignoraram muitas das queixas das vítimas de padres pedófilos. O escândalo desacreditou a Igreja em vários países na Europa. Claro que a denúncia vai cair no vazio. Um tribunal europeu jamais condenará o bispo de Roma. Mas já é reconfortante ver o vice-Deus sentado no mesmo banco de criminosos de guerra. * 13/09/2011 VOU-ME EMBORA PRA BRUZUNDANGA Marco Antonio Villa O Brasil é um país fantástico. Nulidades são transformadas em gênios da noite para o dia. Uma eficaz máquina de propaganda faz milagres. Temos ao longo da nossa História diversos exemplos. O mais recente é Dilma Rousseff. Surgiu no mundo político brasileiro há uma década. Durante o regime militar militou em grupos de luta armada, mas não se destacou entre as lideranças. Fez política no Rio Grande do Sul exercendo funções pouco expressivas. Tentou fazer pós-graduação em Economia na Unicamp, mas acabou fracassando, não conseguiu sequer fazer um simples exame de qualificação de mestrado. Mesmo assim, durante anos foi apresentada como “doutora” em Economia. Quis-se aventurar no mundo de negócios, mas também malogrou. Abriu em Porto Alegre uma lojinha de mercadorias populares, conhecidas como “de 1,99″. Não deu certo. Teve logo de fechar as portas. Caminharia para a obscuridade se vivesse num país politicamente sério. Porém, para sorte dela, nasceu no Brasil. E depois de tantos fracassos acabou premiada: virou ministra de Minas e Energia. Lula disse que ficou impressionado porque numa reunião ela compareceu munida de um laptop. Ainda mais: apresentou um enorme volume de dados que, apesar de incompreensíveis, impressionaram favoravelmente o presidente eleito. Foi nesse cenário, digno de O Homem que Sabia Javanês, que Dilma passou pouco mais de dois anos no Ministério de Minas e Energia. Deixou como marca um absoluto vazio. Nada fez digno de registro. Mas novamente foi promovida. Chegou à chefia da Casa Civil após a queda de José Dirceu, abatido pelo escândalo do mensalão. Cabe novamente a pergunta: por quê? Para o projeto continuísta do PT a figura anódina de Dilma Rousseff caiu como uma luva. Mesmo não deixando em um quinquênio uma marca administrativa ─ um projeto, uma ideia ─, foi alçada a sucessora de Lula. Nesse momento, quando foi definida como a futura ocupante da cadeira presidencial, é que foi desenhado o figurino de gestora eficiente, de profunda conhecedora de economia e do Brasil, de uma técnica exemplar, durona, implacável e desinteressada de política. Como deveria ser uma presidente ─ a primeira ─ no imaginário popular. Deve ser reconhecido que os petistas são eficientes. A tarefa foi dura, muito dura. Dilma passou por uma cirurgia plástica, considerada essencial para, como disseram à época, dar um ar mais sereno e simpático à então candidata. Foi transformada em “mãe do PAC”. Acompanhou Lula por todo o País. Para ela ─ e só para ela ─ a campanha eleitoral começou em 2008. Cada ato do governo foi motivo para um evento público, sempre transformado em comício e com ampla cobertura da imprensa. Seu criador foi apresentando homeopaticamente as qualidades da criatura ao eleitorado. Mas a enorme dificuldade de comunicação de Dilma acabou obrigando o criador a ser o seu tradutor, falando em nome dela ─ e violando abertamente a legislação eleitoral. Com base numa ampla aliança eleitoral e no uso descarado da máquina governamental, venceu a eleição. Foi recebida com enorme boa vontade pela imprensa. A fábula da gestora eficiente, da administradora cuidadosa e da chefe implacável durante meses foi sendo repetida. Seu figurino recebeu o reforço, mais que necessário, de combatente da corrupção. Também, pudera: não há na História republicana nenhum caso de um presidente que em dois anos de mandato tenha sido obrigado a demitir tantos ministros acusados de atos lesivos ao interesse público. Com o esgotamento do modelo de desenvolvimento criado no final do século 20 e um quadro econômico internacional extremamente complexo, a presidente teve de começar a viver no mundo real. E aí a figuração começou a mostrar suas fraquezas. O crescimento do produto interno bruto (PIB) de 7,5% de 2010, que foi um componente importante para a vitória eleitoral, logo não passou de uma recordação. Independentemente da ilusão do índice (em 2009 o crescimento foi negativo: -0,7%), apesar de todos os artifícios utilizados, em 2011 o crescimento foi de apenas 2,7%. Mas para piorar, tudo indica que em 2012 não tenha passado de 1%. Foi o pior biênio dos tempos contemporâneos, só ficando à frente, na América do Sul, do Paraguai. A desindustrialização aprofundou-se de tal forma que em 2012 o setor cresceu negativamente: -2,1%. O saldo da balança comercial caiu 35% em relação à 2011, o pior desempenho dos últimos dez anos, e em janeiro deste ano teve o maior saldo negativo em 24 anos. A inflação dá claros sinais de que está fugindo do controle. E a dívida pública federal disparou: chegou a R$ 2 trilhões. As promessas eleitorais de 2010 nunca se materializaram. Os milhares de creches desmancharam-se no ar. O programa habitacional ficou notabilizado por acusações de corrupção. As obras de infraestrutura estão atrasadas e superfaturadas. Os bancos e empresas estatais transformaram-se em meros instrumentos políticos ─ a Petrobrás é a mais afetada pelo desvario dilmista. Não há contabilidade criativa suficiente para esconder o óbvio: o governo Dilma Rousseff é um fracasso. E pusilânime: abre o baú e recoloca velhas propostas como novos instrumentos de política econômica. É uma confissão de que não consegue pensar com originalidade. Nesse ritmo, logo veremos o ministro Guido Mantega anunciar uma grande novidade para combater o aumento dos preços dos alimentos: a criação da Sunab. Ah, o Brasil ainda vai cumprir seu ideal: ser uma grande Bruzundanga. Lá, na cruel ironia de Lima Barreto, a Constituição estabelecia que o presidente “devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total”. sexta-feira, fevereiro 08, 2013
AOS LEITORES... que sentem a falta do cronista: por acidentes da vida, estou hospitalizado. Volto quando sair do estaleiro. |
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