¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, março 31, 2005
 
NADA SE PERDE, TUDO SE TRANSFORMA EM DÓLARES


Inclusive os cadáveres. Terri Schiavo, cujo caso comoveu os EUA e suscitou polêmica entre partidários e detratores da eutanásia, morreu hoje na Flórida, 14 dias após ser desligada da sonda que a mantinha viva, disse a rede de televisão CNN.

Preparem-se os cultores de bestsellers. Já devem estar sendo finalizados os livros (a versão do marido, a versão dos pais, as versões de terceiros) e provavelmente já está sendo feito o roteiro do filme. Com uma atriz de rosto comovente e um final lacrimogêneo.

Aliás, os livros sobre o papa já devem estar quase no prelo. Falta só apor a hora e a data.

quarta-feira, março 30, 2005
 
O PT E OS GRANDES PROBLEMAS NACIONAIS


Deu na Agestado:

Petista discursa contra exame de próstata que o fez ver estrelas


Durante 25 minutos, Sargento Isidório do PT usou a tribuna para detalhar o exame, reclamar da rudeza do médico, além de confessar que se sentiu "deflorado"


Salvador - Reflexões sobre as agruras do exame de próstata, ocuparam grande parte do tempo da sessão de ontem da Assembléia Legislativa da Bahia. Tudo porque o deputado Manoel Isidório de Santana de 43 anos, o Sargento Isidório do PT, usando o tempo cedido pela liderança da oposição na Casa, fez um áspero discurso contra o referido exame, ao qual havia se submetido pela primeira vez na parte da manhã e conforme suas palavras ainda estava "vendo estrelas" por uma suposta violência do médico.

O exame é o mais recomendado para se prevenir o câncer de próstata e consiste no toque da glândula com o dedo através do ânus. Classificando o exame de "angustiante' e exortando a Medicina a criar outro método que não "penalize" tanto os pacientes, o ex-integrante da Polícia Militar se inflamou na tribuna e fazia questão de mostrar com gestos exagerados e gritos, como o doutor foi rude.

Embora afirmasse não querer se estender muito no assunto, por considerar "desmoralizante para um pai de família", o deputado petista foi descrevendo detalhes, enquanto seus colegas se divertiam no plenário. Entre outras coisas, reclamou do fato de ser enganado sobre a forma como o exame de toque é feito e repetiu que "foi horrível" e quase desmaia.

Ele gastou cerca de 25 minutos com o tema que provavelmente seria encerrado se o deputado e médico Targino Machado (PMDB) não tivesse pedido um aparte para criticar o discurso apologético de Sargento Isidório contra o exame. Foi o suficiente para o suplente da Comissão de Direitos Humanos voltar à carga repetindo toda a sua "desagradável" experiência. Uma das coisas que deixou o Sargento Isidório, pai de seis filhos, mais indignado é que após o exame, o médico abriu a porta e chamou o próximo paciente "como se nada tivesse acontecido", enquanto o petista saiu do consultório se sentindo "deflorado".

domingo, março 27, 2005
 
REEDUCANDOS DA FEBEM RESPEITAM HIERARQUIA



Nos dias em que vivi em Estocolmo - e já lá vão mais de três décadas - assisti a uma campanha no mínimo curiosa. Os social-democratas queriam quebrar um pouco a frieza e o formalismo no tratamento entre os nacionais, e propunham trocar o "ni" por "du". Ou seja, o tratamento de senhor pelo de tu. Para deslanchar a campanha, um repórter começou entrevistando o primeiro-ministro Olof Palme, tuteando-o à vontade. Não sei a campanha surtiu algum efeito. Mas, pelo menos na universidade, notei ser normal um aluno tutear o professor. Aos sofisticados e cosmopolitas nórdicos chamar uma autoridade de tu não soava como ofensa, mas quase como necessidade.

Pulemos 34 anos à frente, para o Rio de Janeiro, o Estado aquele dos cariocas, considerados os mais informais dos brasileiros. Antônio Marreiros, titular da 6ª Vara Criminal de São Gonçalo, sentindo-se diminuído por ser tratado de você pelos empregados e vizinhos de seu prédio em Niterói, entrou com uma ação na justiça, para obrigá-los a tratá-lo de senhor ou doutor. Ganhou liminar no ano passado, garantindo-lhe o tratamento exigido. Já comentei o caso quando em andamento. Temos agora o desfecho: por 2 votos a 1, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio concedeu-lhe tutela antecipada da causa, reforçando a liminar do ano passado. A síndica do prédio queixou-se da decisão: "Mais uma vez houve corporativismo. Eles só ouviram um lado. Vamos fazer os recursos cabíveis". Até parece que no Rio, onde o poder estatal não mais vige e quem manda e desmanda na cidade é o narcotráfico, não houvesse questões mais importantes a serem discutidas na Justiça.

Que o Rio seja violado, estuprado, que tenha virado um conglomerado de bantustões, onde até a polícia tem medo de entrar, isto parece pouco importar aos senhores magistrados. O que importa é que nenhum de seus pares seja tuteado. Isto seria um supremo desrespeito à Justiça. Esta consideração foi estendida até mesmo à favela, nos dias deste inesquecível humanista, o governador Leonel Brizola. Aos policiais, ao subir o morro, não era permitido tutear os favelados. Tinham de assim formular suas ordens: "Senhor meliante, pode fazer-me o favor de entregar-me sua metralhadora?" O que importa é a forma, não o conteúdo.

O fato me traz à mente Casa de Campo, um dos mais importantes romances do escritor chileno José Donoso, que tive a honra de traduzir ao brasileiro. Nele há um episódio emblemático. A obra, situada no território mítico de Marulanda, trata de uma rebelião de adolescentes em uma mansão de campo, por ocasião da ausência de seus pais. Permanecem na mansão, sob o comando dos jovens, um mordomo e a criadagem. Lá pelas tantas, os criados decidem violentar um dos meninos. Passo a palavra ao autor:

"Juvenal ficou nu, aterrado e jubiloso, alvo à luz da lua que se nublou quando as figuras negras com seus membros eretos o obrigaram a ficar de quatro, como um animal, nochão. O personagem mais alto, o mais negro, o mais sinistro, o de membro maior que gotejava em antecipação da vingança ia cavalgar Juvenal".

Juvenal é literalmente salvo pelo gongo... que anuncia a entrada do Mordomo. Inicialmente pensou que seria violado por ele, que brandiria seu pênis, "o mais descomunal de todos, o mais feroz, para castigá-lo, possuindo-o". Mas o Mordomo, felizmente, tinha o senso da hierarquia.
- Que faz Vossa Mercê neste estado, aqui, a estas horas?
Juvenal sabe que, naquela casa, uma falha na forma era mais grave que qualquer outra falha. Se dissesse o que realmente estava acontecendo, isto pouco importaria ao Mordomo. Respondeu, então, com segurança:
- Estavam me tuteando...
Tutear um senhor? O Mordomo não conseguia aceitar que o adolescente - que na verdade era seu amo - fosse assim desrespeitado.
- Tuteando-o? - ruge o Mordomo.
- Tuteando-me - balbucia Juvenal.
- Serão severamente castigados - assegurou o Mordomo, agoniado pela indisciplina de seus subalternos.

"A verdade é que a vida imita muito mais a arte do que a arte imita a vida - escreveu Oscar Wilde -. Basta que um grande artista invente um tipo para que a vida tente copiá-lo e reproduzi-lo em sua forma popular, como faria um editor de iniciativa". Bem entendido, os anjinhos albergados no complexo Franco da Rocha - mais conhecidos como reeducandos da Febem - certamente jamais leram Donoso. Nem por isso deixaram de reproduzir as regras hierárquicas de Marulanda, em uma de suas últimas rebeliões, dia 11 passado.

Eles eram cerca de trezentos, armados de estoques e bebendo álcool de limpeza. Lá pelas tantas, chamaram, com todo o respeito, uma das psicólogas da instituição:
- Vem aqui, senhora.
Levaram-na a um dos quartos da unidade e colocaram uma toalha pendurada na porta, sinal usado para quando recebem visitas sexuais e não querem ser importunados. Pois adolescente da Febem tem direito a visitas sexuais e evidentemente, nesses casos, ninguém fala de pedofilia. Pedofilia só existe fora da Febem, quando alguma adolescente, às vezes com um ou mais anos de prostituição, tem relações - espontaneamente - com um adulto. Quando a psicóloga pediu que a libertassem, com todo o respeito, os menininhos a advertiram:
- Não, agora é nós e a senhora. A gente está há um ano sem mulher e a senhora vai quebrar um galho para nós. Se a senhora não fizer isso, a gente vai soltar a senhora lá fora e a senhora vai ficar refém de naifa (faca).

A psicóloga alegou que tinha idade para ser mãe deles, mentiu que era casada.
- Aposto que seu marido não faz gostoso que nem a gente - respondeu uma das coitadas vítimas de nosso hediondo sistema social, como soem dizer as psicólogas.
Tentando salvar-se do pior, a moça propôs:
- A única forma de eu fazer o que vocês querem é vocês não encostando em mim. A única coisa que posso fazer é masturbar vocês.
Os angelicais menininhos consideraram a proposta satisfatória. Pelo jeito, a psicóloga também. Não sendo penetrada, descaracterizava-se o estupro. Masturbou um deles.
- Quando veio o segundo, estava com tanta ânsia de vômito e com a mão tão trêmula que ele reclamou: "A senhora está me machucando" ? disse a benemérita senhora aos jornalistas. Benemérita mas inábil: estava machucando as partes do anjinho.

O admirável em toda esta história é o insólito senso de hierarquia dos reeducandos da Febem. Em momento algum tutearam a autoridade, que sempre foi tratada com fidalguia. O que me lembra uma cena da Filosofia da Alcova, do marquês de Sade. Seus personagens poderiam ser libertinos, mas jamais renunciavam à finesse típica da nobreza gálica. Em circunstância semelhante, um dos libertinos pede a uma de suas servas:
- Branlez moi, Madame.
Como nem todos os leitores devem conhecer as sutilezas do francês, me sinto obrigado a traduzir:
- Punheteai-me, Madame.

Gente fina é outra coisa. Claro que não vamos exigir de nossas pobres vítimas das contradições sociais que conheçam a ênclise - tão cara aos nobres dos tempos de Sade - este fenômeno fonético pelo qual se incorpora um vocábulo átono ao que o precede, subordinando-se o átono ao acento tônico do outro. Mas, como em Marulanda, as regras formais não foram quebradas. Para o bem de todos, em momento algum a autoridade foi conspurcada. Como diria - e disse - Paulo Brossard de Souza Pinto, autoridade é como cristal, não pode ser arranhada.

O juiz de São Gonçalo certamente nada teria a reclamar de tão corteses adolescentes. A hierarquia não foi quebrada, a autoridade não foi arranhada. Verdade que a moça refém teve de fazer um uso um tanto insólito de suas pedagógicas mãos. Mas pelo menos não foi estuprada, segundo as sacras formas da lei. Afinal não houve conjunção carnal, apenas uma gentil carícia a um pobre menininho excluído.

terça-feira, março 22, 2005
 
CAPAS VENDIDAS


Veja, Istoé e Época, as três maiores revistas da imprensa brasileira, dedicam suas capas nesta semana ao lançamento de mais um medíocre livro de um dos mais medíocres escritores brasileiros, Paulo Coelho. Coincidência? Nada disto. Capas vendidas.

O fenômeno está longe de ser novo na imprensa brasileira, e particularmente nessas revistas. Mas esta dose tripla foi excessiva. A venalidade se tornou óbvia demais.

segunda-feira, março 21, 2005
 
DANIEL E RAQUEL


No Estadão de hoje, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu - companheiro Daniel para os íntimos, quando trabalhava para os serviços de informação cubanos - ao lançar a candidatura do Supremo Apedeuta à reeleição, na Universidade de Pernambuco, comparou-o ao caudilho bíblico, Moisés. "Moisés levou 40 anos para levar o povo à libertação" - disse o companheiro Daniel. "O presidente Lula está governando há 26 meses nas circunstâncias internacionais em que vivemos e na situação do Brasil, mas nós não vamos esperar 40 anos para fazer as reformas".

Dito isto, em uma festa na praia de Boa Viagem, em Recife, ergueu brindes à sua utopia dileta, Cuba, cujo Moisés caribenho, Fidel Ruz Castro, levou 46 anos para levar seus compatriotas à escravidão. Enfim, pelo menos ficamos sabendo que o PT não esperará 40 anos para levar o povo à libertação. Mas talvez 39. O pronunciamento de Daniel revela a irresistível vocação do PT para uma ditadura aprilista. Como poetava Camões:

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

 
LIVRO EM MP3

Caso algum leitor tenha a curiosidade de "ler" em MP3 meu livro de crônicas A Vitória dos Intelectuais, pode baixá-lo de

http://www.mandeibem.com.br/receber.asp?ID=IIJEHKMGCBOIOSJDSIIK .

O livro estará disponível até dia 28. Sua edição foi produzida pelo leitor cego Halison Junior Lunardi, a quem agradeço comovido esta suma gentileza. De início, sua audição pode ser complicada, mas logo a gente acostuma.

domingo, março 20, 2005
 
MÃE PEDE PUNIÇÃO CRISTÃ AO PAPA


A presidente das Mães da Praça de Maio da Argentina, Hebe de Bonafini, demonstrou ser pessoa de excelente formação cristã, nesta sexta-feira passada, ao dizer que o Papa João Paulo II "vai morrer queimado no inferno, incendiado, incinerado por tudo o que diz". Ou seja, desejou à Sua Santidade tudo que sua Igreja um dia desejou a quem dela ousasse discordar: morrer pelo fogo e ir para o inferno. Este cristianíssimo desejo não deixa de ser interessante. Se deixarmos de lado as idéias incendiárias desta santa senhora, não seria mau que Sua Santidade tivesse um colóquio com o Adversário. Afinal, segundo os Evangelhos, foi o único interlocutor que Cristo aceitou por quarenta dias seguidos. Papo desinteressante não deve ter sido. Aliás, entre Jeová e Satã, eu sempre preferi o Tentador. Jeová troveja, ordena, prende e arrebenta. Satã, mais sutil, tenta, usa da sedução. E o ser humano, evidentemente, sempre preferirá ser seduzido a ser humilhado.

E por que assim se manifestou esta digníssima mãe? Ocorre que um capelão do Exército argentino, Antonio Baseotto, andou sugerindo jogar ao mar o ministro da Saúde, Ginés González García, por causa de sua posição a favor da descriminalização do aborto. E a expressão "jogar ao mar" fere fundo na Argentina, cujos oficiais foram acusados de jogar ao mar os opositores políticos na ditadura Argentina dos anos 70. Verdade que não se viu corpo algum de volta à praia. Existe crime sem cadáver? Normalmente, não. Mas quando estão em jogo interesses das esquerdas, não é preciso cadáver para acusar alguém de um crime. Aliás, está se revelando uma estratégia eficaz acusar pessoas de crimes que, por sua natureza, não podem ser provados. Onde estão os cadáveres dos 19 ianomâmis massacrados em 93? Em parte alguma, pois os ianomâmis costumam incinerar seus mortos. Onde estão as cinzas dos mortos? Em parte alguma, pois os ianomâmis costumam comer as cinzas de seus mortos.

Mas não reside na ameaça do capelão a irritação da senhora Bonafini. Afinal, se recorrermos ao passado, esta história de jogar ao mar não é nada original. Já está na Bíblia. Ameaçados em meio às ondas por uma forte tempestade, os gentios não hesitaram em jogar Jonas ao mar para acalmá-lo. Verdade que Jeová o resgatou através de um providencial peixe que o engoliu. Após três dias, ordenou ao peixe que vomitasse Jonas, e assim foi feito. Por mais que as mães da Praça de Maio tenham implorado ao mar que vomitasse algum cadáver de seus filhos, o mar del Plata, menos complacente que Jeová, não vomitou ninguém.. Não, não foi por isso que a senhora Bonafini desejou a Sua Santidade um fim tão candente.

E sim porque o Vaticano, para o qual jogar ao mar é método bastante familiar - aliás registrado no Livro - decidiu apoiar o pronunciamento do bispo militar da Argentina. Quem sabe jogando ao mar um ministro se aplaque a fúria abortista das mães argentinas, como se acalmou Jeová nos tempos bíblicos com a entrega de Jonas, deve ter sido este o pensamento dos misóginos da Santa Sé. "Não há perdão possível, nem de Deus para a decisão tomada pelo Vaticano", disse a presidente das Mães da Praça de Maio. Demonstrando ser efusiva simpatizante dos métodos usados pela Igreja na Idade Média, declarou alto e bom som à imprensa: "Nós queremos que o Papa queime vivo no inferno". O que deve ter provocado interessantes discussões teológicas nos corredores do Vaticano. Afinal, antes de mandar os dissidentes para o inferno, a Igreja os queimava aqui na terra mesmo, em fogo lento, para que fossem se acostumando à temperatura ambiente no Hades.

Não tenho simpatia nenhuma por este senhor que ocupa o trono de Pedro. Se se dirigisse a seus fiéis em seus pronunciamentos, eu nada teria a ver com o assunto. Ocorre que fala urbi et orbi. Se dirige aos Estados do planeta todo e quer impor a todo ser humano sua visão de mundo. Bush, manda-chuva de um império mais imponente que o vaticano, pelo menos é mais modesto. Suas arengas contra o aborto, relações pré-matrimoniais e homossexualismo se referem apenas ao território que governa, os Estados Unidos. João Paulo II, neste sentido, em nada difere dos aiatolás iranianos ou mulás árabes, que até agora não conseguem separar Igreja de Estado.

A separação entre clero e laicato, que foi um dos mais poderosos fatores de progresso da Europa, data do século XI. Curiosamente, não foi iniciativa de leigos, mas obra do papa Gregório VII. A chamada reforma gregoriana visava subtrair a Igreja à dominação dos leigos e, principalmente subtrair o papado romano das pretensões do imperador germânico. Dez séculos depois, vemos João Paulo tentar destruir a obra de seu predecessor, ao pretender submeter o laicato internacional ao cetro vaticano.

Esta confusão entre Igreja e Estado origina-se de uma outra anterior, a confusão entre Ética e Direito. Recebo pilhas de e-mails de leitores católicos, alguns dos quais me têm em grande apreço, defendendo a exótica idéia de que aborto é crime. Leitores, em geral jovens, desconhecem a definição de crime: crime é o que a lei define como tal. Assim, nos países em que a lei define o aborto como crime, o aborto é crime. Nos países cuja legislação não o define como crime, não é e ponto final. E estes países são, em sua maioria, os que costumamos chamar de civilizados.

Ora, alegam os leitores, é um crime perante a Ética. Qual ética? - pergunto. A ética do leitor, evidentemente. Mas as éticas são muitas e não constituem sistemas normativos. Um leitor pode achar o aborto antiético, mas transgressões éticas não comportam sanções privativas de vida ou liberdade. Só se pode pôr alguém na cadeia ou na cadeira elétrica por uma transgressão ao Direito, jamais à Ética. Bem entendido, os sistemas jurídicos também são muitos. No Brasil, para não ir mais longe, aborto é crime. Mas se amanhã o Parlamento decidir que não é, deixa de sê-lo. E os católicos que enfiem a viola no saco.

Não tenho muitas simpatias por aquele senhor, dizia. Mas também não participo dos cristianíssimos desejos de Doña Bonafini, de impor ao Sumo Pontífice as cristianíssimas punições pelo fogo e pelo inferno, outrora propostas pela Santa Sé.

Mas que este senhor devia ser submetido a tribunal de crimes contra a humanidade, isto devia. O Papa, ao manifestar-se contra políticas de natalidade e preservativos, tem provocado genocídios múltiplos, particularmente no Terceiro Mundo e nos países africanos onde grassa a Aids. Porque no Primeiro suas homilias já são motivo de chacota.

Ateu sendo, advogo para João Paulo um tribunal civil e punições escritas não em livros sagrados - como Doña Bonafini - mas no Código Penal.

sábado, março 19, 2005
 
RECOMPENSA ÀS MÃES DOS ANJINHOS


Após a 43ª rebelião dos marmanjos da FEBEM - só nestes dois meses e meio do ano - com mortes, depredações, tomada de reféns, estupro de funcionárias e pânico na cidade, o governador Geraldo Alckmin teve um idéia de extraordinário brilho para conter futuros motins. Vai contemplar com 60 reais as famílias de cada um dos seis mil anjinhos internados.

Assim, se você é adolescente e filho devotado, caso sua família estiver passando por dificuldades financeiras, não hesite: roube, estupre, mate e no dia seguinte já estará prestando um auxílio valioso à renda familiar. Não se preocupe com o futuro. Ao sair do benemérito instituto, mesmo que você tenha assassinado dez seres humanos, esses crimes serão apagados de seu prontuário. Afinal, você é "de menor". Poderá começar vida nova, como se nada tivesse acontecido.

O que ontem era opróbrio para as mães, amanhã será motivo de orgulho. "Meu filho? Ah, está dando uma mãozinha pra família lá na FEBEM".

Quanto às mães que precisariam de alguns trocados para educar os filhos, estas não receberão sequer um vintém. A menos que o filho roube, estupre e mate. Só nestas circunstâncias se manifesta a suprema generosidade do governo. Aí caem milagrosamente do céu, pontualmente, mês a mês, os 60 reais devidos à operosidade de seu filhinho adorado.

quarta-feira, março 16, 2005
 
PROBLEMINHA JURÍDICO


Ruanda aponta
761 mil envolvidos
em genocídio
É o que nos diz O Estado de São Paulo, em sua edição de hoje. A notícia refere-se ao genocídio de 1994, no qual mais de meio milhão de tutsis e hutus moderados foram mortos. Cerca de 63 mil suspeitos estão presos e as autoridades dizem que os 761 mil acusados poderão ir a julgamento.
Vamos aos cálculos. Digamos que três suspeitos sejam julgados por dia, isso contando os sábados e domingos de cada semana. Em um ano, teremos 1095 julgamentos. Para julgar o total de 761 mil pessoas, seriam necessários 694 anos. É no mínimo provável que muitos supostos genocidas não sejam submetidos a julgamento algum.

segunda-feira, março 14, 2005
 
MAIS UM IMPOSTOR?


Comemora-se nesta segunda-feira o aniversário de Albert Einstein, nascido em 1879. Comemora-se neste ano um século de existência da teoria da relatividade. Morreu, na terça-feira passada, o físico César Lattes, descobridor do pi méson, partícula fundamental para entender-se a coesão do núcleo do átomo.

O escritor Ernesto Sábato, para quem não saiba, começou sua vida como físico nuclear. Em Uno y el Universo, seu primeiro livro, nos fala de um amigo que lhe pediu uma explicação da teoria de Einstein. Sábato fala de tensores e geodésicas tetradimensionais. O interlocutor não entende uma única palavra. Sábato tenta uma explicação menos técnica, conservando algumas geodésicas, mas fazendo intervir aviadores e disparos de revólver.

- Já entendi quase tudo - diz seu amigo. - Mas há algo que ainda não entendo: essas geodésicas, essas coordenadas...

Deprimido, Sábato abandona as geodésicas e coordenadas e se dedica exclusivamente a aviadores que fumam enquanto viajam à velocidade da luz, a chefes de estação que disparam um revólver com a mão direita e verificam tempos com um cronômetro que têm na mão esquerda, a trens e sinos.

- Agora sim, agora entendi a relatividade! - exclama seu amigo com alegria.
- Sim, - responde Sábato amargamente ? mas agora não é mais a relatividade.

Em matéria de compreensão da teoria da relatividade, sou como este amigo de Sábato: só consigo entendê-la quando já não é mais a relatividade. Assim, neste ano em que a teoria da relatividade completa cem anos, não é dela que pretendo falar. Nem teria condições para. Comentarei, isto sim, as controvérsias em torno à sua descoberta, assunto acessível para quem quer que saiba ler.

No início deste ano, jornais de todos azimutes, celebraram Albert Einstein como o autor da mais famosa teoria do século passado. No Brasil - diz-nos o Estadão - a data será marcada por exposições, lançamentos de livros e várias atividades em escolas e universidades. Imagine então o que não estará ocorrendo no Ocidente, particularmente na Alemanha e Israel. Mas - particulazinha chata esta - se a teoria da relatividade é indiscutivelmente a mais famosa do século, é bastante discutível que Einstein seja seu autor.

César Lattes, considerado o maior físico brasileiro do século passado, já não pensava o mesmo. Em reportagem publicada no dia 5 de agosto de 1996, no jornal Diário do Povo, de Campinas (SP), afirma com todas as letras:

- Einstein é uma fraude, uma besta! Ele não sabia a diferença entre uma grandeza física e uma medida de grandeza, uma falha elementar.

E vai mais longe:

- Ele plagiou a Teoria da Relatividade do físico e matemático francês Henri Poincaré, em 1905. A Teoria da Relatividade não é invenção dele. Já existe há séculos. Vem da Renascença, de Leonardo Da Vinci, Galileu e Giordano Bruno. Ele não inventou a relatividade. Quem realizou os cálculos corretos para a relatividade foi Poincaré. A fama de Einstein é mais fruto do lobby dele na física do que de seus méritos como cientista. Ele plagiou a Teoria da Relatividade. Se você pegar o livro de história da física de Whittaker, você verá que a Teoria da Relatividade é atribuída a Henri Poincaré e Hawdrik Lawrence. Na primeira edição da Teoria da Relatividade de Einstein, que ele chamou de Teoria da Relatividade Restrita, ele confundiu medida com grandeza. Na segunda edição, a Teoria da Relatividade Geral, ele confundiu o número com a medida. Uma grande bobagem. Einstein sempre foi uma pessoa dúbia. Ele foi o pacifista que influenciou Roosevelt a fazer a bomba atômica. Além disso, ele não gostava de tomar banho...

O que mais uma vez comprova que, neste país, é mais fácil encontrar liberdade de expressão nos pequenos jornais que na grande imprensa. Mais um trecho do Diário do Povo:

DP - Então o senhor considera a Teoria da Relatividade errada? Aquela famosa equação E=MC² está errada?
César Lattes - A equação está certa. É do Henri Poincaré. Já a teoria da relatividade do Einstein está errada. E há vários indícios que comprovam esse ponto de vista.
DP - Mas, professor, periodicamente lemos que mais uma teoria de Einstein foi comprovada...
César Lattes - É coisa da galera dele, do lobby dele, que alimenta essa lenda. Ele não era tudo isso. Tem muita gente ganhando a vida ensinando as teorias do Einstein.

Se alguém achar que um campineiro não tem autoridade para contestar o gênio alemão, leiamos trecho do verbete Poincaré, da Britannica: "Em 1906, em um paper sobre a dinâmica dos elétrons, ele obteve, independentemente de Eistein, muitos dos resultados da teoria especial da relatividade. A principal diferença era que Einstein desenvolveu sua teoria a partir de considerações elementares a respeito da sinalização da luz, enquanto o enfoque de Poincaré era baseado na teoria do eletromagnetismo e restrito aos fenômenos associados com o conceito de um éter universal que funcionava como meio de transmissão da luz".

Mas a história não termina aí. Segundo o engenheiro e pesquisador Christian Marchal, Henri Poincaré apresentou o princípio da relatividade no congresso científico mundial de Saint-Louis, no Missouri, em setembro de 1904. Em 5 de junho de 1905, reapresentou-o à Académie des Sciences de Paris, e o trabalho foi publicado em 9 de junho do mesmo ano. Segundo Marchal, o trabalho de Einstein sobre a relatividade em 1905 contém os mesmos resultados que o de Poincaré.

"Einstein evidentemente não pode utilizar o trabalho de Poincaré publicado em julho de 1905 para escrever seu próprio texto, mas a Note à l'académie, do 5 de junho chegou a Berna, em tempo, no 12 ou 13 de junho, e lê-la fazia parte do trabalho ordinário de Einstein. Pois a ele cabia resumir para os Annalen der Physik os trabalhos de física mais interessantes, entre estes os resumos da Académie des Sciences de Paris".

Para Marchal, a morte precoce de Poincaré por câncer em 1912 e a ausência no trabalho de Einstein sobre a relatividade em 1905 não seriam as únicas razões pelas quais o matemático francês é tão ignorado e Einstein tão célebre. Se Poincaré tivesse a possibilidade de publicar em uma grande revista de física, como os Annalen der Physik de Einstein, ele teria uma grande audiência. Mas ele só encontrou a Rendiconti del Circolo Matematico di Palermo para publicar seu trabalho maior de 1905, uma pequena revista de matemática que não era conhecida pelos físicos.

A glória de Poincaré acabou sendo salva por seu amigo holandês Hendrik Antoon Lorentz, prêmio Nobel de Física (1902). Em 1921, após o triunfo do eclipse do sol de 1919, o comitê Nobel se reuniu com um primeiro pensamento: "Nós devemos dar o prêmio Nobel a Einstein, pela relatividade". Lorentz protestou: "Não é justo!". E publicou um ensaio sobre a vida de Poincaré que ele havia escrito em 1914. "Poincaré obteve uma invariante perfeita das equações da eletrodinâmica e formulou o 'postulado da relatividade', termos que ele foi o primeiro a empregar".

Constrangido, o comitê Nobel pensou melhor e, após alguns meses de reflexão, decidiu dar o prêmio Nobel a Einstein, não pela relatividade... mas pelo efeito fotoelétrico. Marchal não cede: Poincaré é o pai do princípio da relatividade e o fundador da relatividade restrita. A imprensa brasileira, seja ao comentar a morte de Lattes, seja ao celebrar os cem anos da relatividade, não deu um pio sobre esta controvérsia, de conhecimento público desde os anos 20. Mais detalhes em http://annales.org/archives/x/poincare7.html .

Marx morreu, Freud agoniza. Terão chegado os dias de Einstein?

sexta-feira, março 11, 2005
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (LX)


O pecado sueco - Os suecos, ao saírem de automóvel para uma festa ou giro noturno, reservavam alguém do grupo que ficava sempre sem tomar um gole. 0,5% de palcool no sangue, constatado pela polícia através do teste do balão, constitui ratfylleri, embriaguez ao volante. Significa prisão e perda da carteira por um ano. Ao transgressor é permitido escolher a época do ano em que deseja cumprir a pena - um ou dois dias de trabalhos forçados. A condenação é inapelável e não tem instrução preliminar. Sob o ponto de vista da segurança no trânsito é louvável. Mas não se pode deixar de pensar em fanatismo quando se considera que a ingestão de dois ou três bombons recheados a uísque ou licor podem terminar em cadeia.

O caso de um hoteleiro que precisava passar seu carro de um lado para outro da rua ultrapassou qualquer caricatura que se queira fazer desta obsessão nacional. Como sentia-se embriagado, decidiu empurrá-lo. Surpreendido pela polícia quando "dirigia a pé", foi condenado por um juiz intransigente.

A nossa filosofia irresponsável do "quanto mais se bebe melhor se dirige" causa horror e incredulidade ao nórdico. Uma de minhas professoras de sueco quis saber o que acontece no Brasil quando alguém, alcoolizado, é interceptado pela polícia ao dirigir em excesso de velocidade.
- Paga-se 20% da multa ao guarda e diz-se boa noite - respondi.
- Meu Deus, isso é corrupção! - descobriu ela.

Os imigrantes que servem em bares e restaurantes têm a melhor chance de conhecer esta psicologia. Svensson, superdesenvolvido, cosmopolita, superior, pede com segurança, e em tom que exige pressa e solicitude, um cachorro-quente ao servidor eslavo, latino ou árabe. Ao pedir cerveja, pede-a em voz baixa, sua superioridade encolhe. Seu cosmopolitismo e superdesenvolvimento restam inúteis.

Não faltou quem vissem nesta fraqueza dos Svenssons perspectivas de grandes lucros e passasse a explorá-la. Agências de viagens organizam rápidos tours marítimos até Turku, na Finlândia. Ou à alguma ilha do arquipélago. Svensson pagava dez a vinte coroas por uma viagem de 12 a 24 horas, ida e volta. No navio, as bebidas são skattefria, isto é, livre de impostos. Svensson bebe quanto pode e jamais lhe passará pela cabeça descer em terá durante à rápida - e meramente formal - atracagem do barco. Navegar é preciso, chegar não é preciso.

Em meus dias de Estocolmo, fiz uma navegação dessas. Não pelo álcool, afinal desconhecia tais vantagens marinhas. Queria em verdade conhecer uma ilha qualquer, enfim, sentir que punha os pés em território finlandês.

Não lembro hoje para onde fui. Só lembro que, ao atracar o barco, o único ingênuo a descer fui eu. O porto era uma desolação só. Envergonhado até a medula, voltei ao navio.

quinta-feira, março 10, 2005
 
ENTENDA, SE PUDER

Assim noticia O Estado de São Paulo, na edição de hoje, a volta da ex-prefeita Marta Suplicy do exterior:


APÓS UM MÊS, MARTA
VOLTA E ATACA SUCESSOR

Versão, também na edição de hoje, da Folha de São Paulo:


MARTA RETORNA DA EUROPA, ELOGIA
SERRA E COBRA PROPOSTAS CONCRETAS

terça-feira, março 08, 2005
 
ARON E FHC

Caro Janer,

A objeção do leitor Marco Aurélio Antunes faz todo o sentido, porque FHC, inclusive, deve ter estado por lá durante o histórico entrevero do Aron com o Sartre. Eu também me surpreendi por ocasião dessa entrevista que, infelizmente, não lembro para quem foi (o grupo do Mitre, talvez, não sei). Foi no final, citando o que estava lendo no momento. A lógica diz que ele tinha que conhecer o Aron mas, provavelmente, não teria dado a devida atenção e por isso falou num tom de descoberta.

Há coisas piores. Você lembra do Supremo Apedeuta citando Fanon na ONU? Passou em branco. Ninguém se tocou com a citação de um apologista do ódio e da violência. Muito menos ele que não sabe o que leu.

Abraços,

Batista

 
FALSO BRILHANTE


JC,

Que beleza seu irrepreensível texto sobre Unamuno e Astray, recolocando a verdade histórica em seu devido lugar!!!

Não se supreenda: não houve deslize, ou engano, por parte de FHC. O homem é isso: um falso brilhante, tocando de ouvindo, rebolando como cabrocha entre a esquerda (a que pertence, embora hoje milionário) e a direita (emburrecida, aplaudindo-o). É um ser pouco menos que culto, quase medíocre, escondendo sua flacidez moral e sua canalhice pessoal, sob o manto de uma pretensa, mas inexistente, "sedução".

Abraços,
Ruy Nogueira Netto

 
FRANCISCO FRANCO

Prezado Janer Cristaldo,

Há muito que venho acompanhando com renovada satisfação seus brilhantes artigos sobre nossa triste realidade brasileira através do MSM.

Este último de hoje, 7 de março, deixou-me sobremodo esperançoso ao ver que há neste nosso sofrido Brasil outros leitores de Ricardo de la Cierva, historiador cujos livros tenho lido muito.

Mais feliz fiquei ao ler seu artigo de hoje pela menção ao Generalíssimo Franco, que, atualmente, considero o estadista mais corajoso e construtivo do Século XX; homem que, além de ter provado ser possível derrotar o comunismo e a anarquia, teve a coragem de fazer com que a Espanha reencontrasse seu lugar no mundo, projetando e criando as condições político-sociais para o regime que lá vigora atualmente.

Mas combater e vencer o comunismo e a esquerda em geral tem seu preço, o da constante difamação e calúnia.

O general Franco não ficou todavia no combate ao totalitarismo comunista: foi além, pois através de verdadeiros atos comissivos por omissão, participou do esforço de guerra anglo-americano, bloqueando as pretensões de Hitler de querer cerrar o Mediterrâneo por Gibraltar, levando a Alemenha à desastrosa campanha do norte africano, a qual tinha o objetivo militar de fechar o Suez, cortando as linhas de suprimento do Reino Unido.

Tudo isso é ignorado e esquecido. Resta a esperança de que a História não seja madrasta e ao final seja feita a Justiça.

O Prof. Fernando Henrique Cardoso sabe mais do deixa transparecer. Oculta seu conhecimento e seus propósitos pela manipulação dos fatos e das palavras, tudo com o objetivo de tornar o Brasil um país "menos injusto" pela via do socialismo. FHC já declarou expressamente que entende ser necessário um "curto-circuito" para mudar. Está lá no seu livro-entrevista O Presidente Segundo o Sociólogo.

A realidade histórica descrita por Ricardo de la Cierva sobre os anos que antecederam a Guerra Civil se parece muito com a do Brasil de hoje, menos por um elemento decisivo: lá, diferentemente daqui, havia uma direita, com seus orgãos de imprensa, com seus intelectuais, seus homens de indústria etc.. No Brasil, não há mais direita, como, aliás, FHC muito bem nota no livro antes citado.

O "supremo apedeuta" e seu partido , como v. gosta de chamá-lo, são obras de FHC, desde o início, desde sempre. O ex-presidente apenas finge embates com o atual ocupante do Planalto, como nos tempos do "telequete". Depois do culto, o inculto. Tese e antitese. São requintes de ironia no eficiente exercício de manipulação psicológica das massas.

Cordialmente,

Rodrigo Mattos Vieira de Almeida

 
UMA OUTRA VISÃO

Caro Janer:

Não é verdade que Fernando Henrique Cardoso, na época em que foi presidente, desconhecia a obra de Raymond Aron. Pois Fernando Henrique Cardoso teve aulas com Aron, a quem elogiava, por, entre outras coisas, conhecer profundamente a obra de Karl Marx.

Abraço,
Marco Aurélio Antunes.

 
FARSA CRIADA PELAS ESQUERDAS

Prezado Janer,

Excelente o seu artigo sobre FHC/Unamuno. Não conhecia a história verdadeira, mas apenas a farsa criada pela esquerda.

abraço

Miguel Nagib

 
SERIA O PRÍNCIPE TAMBÉM UM APEDEUTA?

Que o Supremo Apedeuta desconhecesse Raymond Aron, entende-se, Batista. Já o Príncipe dos Sociólogos, é de causar espécie. Vai ver que andava entretido com Marx, Engels e outros utópicos desvairados.

 
A CAXUMBA TEMPORÃ

Caríssimo Janer,

Saudações. Curioso que você tenha escrito sobre o artigo do FHC. Esse episódio do Unamuno já se tornou um clichê e tem gente que fica emocionada sem conhecer a história. Quando li, também tive cócegas mas acabei deixando para lá. Minha munição é mais escassa e, assim, melhor concentrá-la no "supremo apedeuta". O episódio é um bom exemplo de como esse pessoal fantasia sobre as coisas.

Mas, é bem possível que o Sr. Fernandô Henriquê não a conheça mesmo. Fiquei surpreso quando ele era Presidente e, numa entrevista, comentou que estava lendo um sociólogo francês cuja obra, até então, ele desconhecia, denominado Raymond Aron. Para quem foi professor na Sorbonne é muito estranho. Deve ter sido a caxumba mesmo.

Abraços,

Antonio R. Batista

domingo, março 06, 2005
 
ANAFABETISMO CONTAMINA

Fernando Henrique Cardoso é homem culto e - obras de sua juventude marxista à parte - raramente escreve bobagens. Neste domingo, em artigo para O Estado de São Paulo, intitulado "Democracia e Terrorismo", escorregou na História. Assim termina seu artigo:

"A Espanha heróica que, na pessoa de Miguel Unamuno, um de seus maiores pensadores, se indignou com os que proclamaram, durante a guerra civil, 'Viva a Morte! Abaixo a Inteligência!', haverá de inspirar-nos, una vez mais, para a reafirmação da esperança na paz, na democracia ou na vida".

Marxismo é como caxumba - costumo afirmar - ou dá na idade certa ou deixa seqüelas. FHC, pelo jeito, persistiu no obscurantismo além da idade normal do fenômeno. De seu artigo se depreende que um Unamuno republicano enfrentou, na Universidade de Salamanca, perversos militantes franquistas. A verdade histórica é bastante diferente.

A Guerra Civil Espanhola, fracassada tentativa de Stalin de pôr os pés na península ibérica e controlar o continente europeu, foi pródiga em mitos. Um deles, alimentado e realimentado pela imprensa durante décadas, é o famoso episódio de Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca, sendo desafiado pelo general "franquista" Millán Astray, com a frase não menos famosa: Viva la muerte! Muera la inteligencia! Ponho franquista entre aspas, pois se havia algum franquista naquela cerimônia, realizada no dia 12 de outubro de 1936 - Día de la Raza - este era Unamuno, que naquele momento representava oficialmente o general Franco. O reitor foi salvo da ira de Astray e da vaia de muitos dos presentes por Doña Carmen Pollo, mulher de Franco, que o conduziu pelo braço até uma viatura do Quartel General. No entanto, ao referir-se ao episódio, não há redator que não se refira ao "intelectual anti-franquista Miguel de Unamuno".

FHC não contou a história toda. Em História Ilustrada de la Guerra Civil, Ricardo de Cierva considera o episódio maltratado pela propaganda, silenciado pelos testemunhas autênticos e tergiversado por comentaristas empenhados em com ele demonstrar uma ou várias teses preconcebidas.

"Celebrava-se no Paraninfo da Universidade de Salamanca a Fiesta de la Raza. Assistia o ato a esposa do recém nomeado chefe de Estado, Dona Carmen Polo de Franco. Presidia a cerimônia o reitor da Universidade, don Miguel de Unamuno. Também estavam presentes, entre outras personalidades, José María Pemán e o general Millán Astray. Este último, em um breve discurso, intercalou um inciso inoportuno no qual confundiu regionalismo com separatismo. Invocou logo a Morte, noiva de sua Legião. Feito o silêncio, todos os olhares convergiram para don Miguel de Unamuno".

Millán Astray era um general de Infantaria, que havia participado das campanhas das Filipinas e Marrocos. Nesta última, perdera um olho e um braço. Julián Zugazagoitia o descreve como um "general recomposto com garfos, madeiras, cordas e vidros". Em sua alocução, falara dos dois cânceres que corroem a Espanha: País Basco e Catalunha. Unamuno, basco e iracundo, tomou a palavra.

- Calar, às vezes, significa mentir - disse o reitor com voz firme - porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência. Eu não poderia sobreviver a um divórcio entre minha consciência e minha palavra, que sempre formaram um excelente par. Serei breve. A verdade é mais verdade quando se manifesta desnuda, livre de adornos e palavrório. Gostaria de comentar o discurso - para chamá-lo de alguma forma - do general Millán Astray, que se encontra entre nós.

Segundo o relato de Luis Portillo, em Vida y martírio de don Miguel de Unamuno, o general tornou-se rígido.

- Deixemos de lado - continuou Unamuno - o insulto pessoal que supõe a repentina explosão de ofensas contra bascos e catalães. Eu nasci em Bilbao, em meio aos bombardeios da segunda guerra carlista. Mais adiante, me casei com esta cidade de Salamanca, tão querida, mas sem esquecer jamais minha cidade natal. O bispo, queira ou não, é catalão, nascido em Barcelona.
Após uma pausa em meio ao silêncio tenso, continuou:

-Acabo de ouvir o grito necrófilo e sem sentido de Viva a Morte! Isto me soa o mesmo que Morra a Vida! E eu, que passei toda minha vida criando paradoxos que provocaram o enfado dos que não os compreenderam, tenho de dizer-lhes, como autoridade na matéria, que este ridículo paradoxo me parece repelente. Posto que foi proclamado em homenagem ao último orador, entendo que foi dirigida a ele, se bem que de uma forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele mesmo é o símbolo da morte. E outra coisa! O general Millán Astray é um inválido. Não é preciso dizê-lo em tom mais baixo. É um inválido de guerra. Também o foi Cervantes. Mas os extremos não servem como norma. Desgraçadamente, há hoje em dia inválidos demais na Espanha e logo haverá mais, se Deus não nos ajuda. Um inválido que careça da grandeza espiritual de Cervantes, que era um homem - não um superhomem - viril e completo apesar de suas mutilações, um inválido, como disse, que careça dessa superioridade do espírito, costuma sentir-se aliviado vendo como aumenta o número de mutilados em torno a si. O general Millán Astray gostaria de criar uma Espanha nova - criação negativa, sem dúvida - segundo sua própria imagem. E por isso desejaria ver uma Espanha mutilada, como inconscientemente deu a entender.

Astray não consegue conter-se e grita:
- Morra a inteligência!
José María Pemán corrige:
- Não! Viva a inteligência! Morram os maus intelectuais!
Há um alvoroço no Paraninfo, professores togados cercam Unamuno, os camisas azuis se juntam em torno a Astray. Unamuno retoma a palavra:

- Este é o templo da inteligência. E eu sou seu sumo sacerdote. Vós estais profanando seu recinto sagrado. Eu sempre fui, diga o que diga o provérbio, um profeta em meu próprio país. Vencereis mas não convencereis. Vencereis porque tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis, porque convencer significa persuadir. E para persuadir, necessitais algo que vos falta: razão e direito de luta. Me parece inútil pedir-vos que penseis na Espanha. Tenho dito...

A esposa do general Franco, rodeada por sua escolta, toma Unamuno pelo braço e o conduz até a porta da Universidade, onde o esperava um carro do Quartel General. Mas a narração soa melhor aos ouvidos dos leitores - amestrados por um pensamento de esquerda - mostrando Astray como franquista, afinal era general. Unamuno - basco, filósofo e reitor de uma universidade - só poderia ser anti-franquista. Para vender, os jornais transmitem ao leitor o que o leitor gosta de comprar. A mentira impressa passa então a fundamentar teses e tende a fixar-se como História. Mas os fatos são teimosos e, mais dia menos dia, mostram sua verdadeira face.

Há um sofisma safado na frase final de FHC. Ele mescla realidades completamente distintas. Ao falar "na Espanha heróica que, na pessoa de Miguel de Unamuno, se indignou...", está falando em verdade na Espanha do gerenalíssimo Franco Franco de Bahamonde - que salvou a Espanha e a Europa do totalitarismo soviético - e que naquela cerimonia era representado oficialmente por Unamuno. Mas FHC jamais admitiria tal fato. Seria renegar toda sua vida. Conclui então sua frase com outra completamente oposta: "...se indignou contra os que proclamaram, durante a guerra civil, 'Viva a Morte! Abaixo a Inteligência!". A frase, proferida no ardor do debate, é de uma infelicidade extrema. Mas Millán Astray e José Maria Pemán, naquele momento, representavam o pensamento do mesmo Francisco Franco que Unamuno representava. Ambas as partes defendiam o mesmo lado. O qüiproquó era outro: o confronto entre os nacionalismos do galego - como Franco - Millán Astray e do basco Miguel de Unamuno.

É difícil conceber como um acadêmico do porte de Fernando Henrique tenha repetido mais uma vez este embuste. Serão seqüelas de sua caxumba temporã. Ou, quem sabe, à força de debater com Lula, está sendo contaminado por seu analfabetismo. Na mais benévola das hipóteses, está mal servido de ghostwritters.

terça-feira, março 01, 2005
 
RECORDAR É RIR

"Se eu ganhasse a Presidência para fazer o mesmo que o Fernando Henrique Cardoso está fazendo, preferiria que Deus me tirasse a vida antes para não passar vergonha. Porque sabe o que acontece? Tem muita gente que tem o direito de mentir, o direito de enganar. Eu não tenho. Há uma coisa que tenho como sagrada: é não perder o direito de olhar nos olhos de meus companheiros e de dormir com a consciência tranqüila de que a gente é capaz de cumprir cada palavra que a gente assume. E, quando não as cumprir, ter coragem de discutir porque não cumpriu".

(Luiz Inácio Lula da Silva, novembro de 2000, em entrevista à revista Caros Amigos)