¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, maio 31, 2008
 
COMO UM FANTASMA


Foi inaugurada ontem, no parque el Retiro, em Madri, a 67a. Feira do Livro. Deve ser uma feira para jovens. De meu hotel até o parque foram dois quilômetros. Verdade que os poderia ter feito por metrô. Mas preferi caminhar. O que nao sabia é que tinha de caminhar mais um quilômetro parque adentro para chegar até a feira. Que consta de 336 stands, alinhados em duas filas por mais um quilômetro. Um de ida e outro de volta. Ou seja, meu apreço aos livros custou-me uns bons cinco quilômetros de caminhada. Ou seja, subir Toledo a pé foi café pequeno.

Livros demais. A Espanha publica 70 mil títulos por ano. Quase duzentos por dia. Passei entre eles como um fantasma. Para começar, minha maleta que pesava 6,5 k ao sair do Brasil, já está pesando quase vinte, com os livros que comprei em Paris e Madri. Por outro lado, há mais de vinte anos nao leio ficçao, logo mais da metade dos livros da Feira estavam descartados. Muitos lançamentos recentes sobre stalinismo e guerra civil espanhola. Mas sobre estes temas tenho bibliografia mais que suficiente em minha biblioteca.

Assim, fiz dois quilômetros de feira sem maiores entusiasmos. Mas nao consegui resistir ao dicionário etimológico de Joan Coromines. Nao resisto a étimos. Minha mala que se espiche.

Em anos anteriores, a feira era organizada junto ao Paseo de Recoletos. Ao menor sinal de sede, ali ao lado estavam os divinos Gijón e El Espejo. Agora, precisei de fazer mais uns dois bons quilômetros para chegar a meus bebedouros diletos. Em verdade, nao vejo ultimamente muito sentido em feiras do livro, afinal estes estao eternamente à disposiçao dos leitores nas generosas livrarias destas capitais européias, onde podem ser curtidos com muito mais vagar.

Fomos jantar, eu e minha companheira, às 11h30. O leitor que nao conhece Madri nao terá idéia do que é a luta pela comida numa meia-noite de sexta-feira. Restaurantes todos lotados, gente se amontoando junto aos balcoes em lista de espera. Mesa livre só por milagre. Enfim, o milagre acabou acontecendo, mais precisamente na Cerveceria Alemana, que de alemana nao tem nada.

Mas dura é a luta pela vida numa noite de sexta-feira, nesta cidade encantada.

quinta-feira, maio 29, 2008
 
RECÓRTER CHAPA-BRANCA TUCANOPAPISTA
HIDRÓFOBO SE INSPIRA EM BONS CRONISTAS



Em seu clipping diário na Veja, na ediçao de ontem, escreveu o cronista chapa-branca tucanopapista hidrófobo:

O Haiti mental de Lula o acompanha aonde quer que ele vá. Não sou muito de viajar, vocês sabem. Acho que já citei aqui este Horácio: “Caelum, non animum mutant qui trans mare currunt”. Os que cruzam o mar mudam de céu, mas não de espírito. O sujeito que diz bobagem sob o céu do Brasil vai fazer o mesmo sob o céu de Paris ou de Porto Príncipe. Fosse alguém levado a escolher entre viajar e ler Horário, eu recomendaria o poeta. Mas cada um na sua. Huuummm. Pra que isso?

Lula foi ao Haiti. Aqui, ali ou lá, o espírito é o mesmo.

A exemplo de Chance, do filme Muito Além do Jardim — na verdade, inspirado no romance O Vidiota, de Jerzy Kosinski, Lula vê qualquer coisa pelo ângulo da sua especialidade — ou quase: o futebol. Na solenidade em que empossou Carlos Minc, fez o que chamou “uma apologia” — queria dizer “analogia” com o esporte. Hoje, no Haiti, mandou ver: “Acredito que a nossa presença no Haiti possa ser comparada a um jogo de futebol. Em 2004, vivíamos o primeiro tempo. Agora, estamos começando o segundo tempo do jogo. O primeiro tempo foi uma etapa complicada, de ir conhecendo aos poucos as manhas do adversário, fechar uma defesa segura e não deixar passar nenhum gol. No segundo tempo, é hora de tomarmos uma iniciativa e a tática do jogo aqui é o fortalecimento cada vez maior da nossa presença solidária”

Chance, se não sabem da historia, era jardineiro. Por razões várias, passa a freqüentar as altas rodas. Nunca entende direito o que se passa à sua volta. Chega a ser cotado para a Presidência dos EUA. Sempre que alguém tem alguma dúvida, faz-lhe uma indagação, que ele responde com o único assunto que de fato domina: jardinagem. O outro entende a resposta como uma metáfora. E Chance fica, por um bom tempo, com a fama de sábio.



Para um homem culto, é sempre prazeroso ver-se imitado por um papista. Sempre resta a esperança de que o papista abra um pouco sua mente tacanha. Em 31 de março de 2003, publiquei o artigo infra no Mídia Sem Máscara. Teresa Cruvinel, em sua coluna, achou inclusive que eu tinha sido cruel com Lula.

O VIDIOTA DO PLANALTO

- E você, Mr. Gardiner, o que pensa do mau clima na Bolsa? - pergunta o presidente dos Estados Unidos a Chance.

Chance Gardiner, da vida só conhece o jardim onde se criou. Como se sente obrigado a uma resposta, fala da única coisa que conhece: “Em um jardim, há uma estação para o crescimento das plantas. Há a primavera e o verão, mas também o outono e o inverno. E depois, a primavera e o verão voltam. Enquanto as raízes não forem cortadas, tudo está bem, e tudo continuará bem”.

O presidente se mostra satisfeito:

“Mr. Gardiner, devo confessar que o que você acaba de dizer é uma das declarações mais reconfortantes e otimistas que me foi dado ouvir, desde há muito tempo.”

Este diálogo – que não só poderia ocorrer nos dias que passam, como de fato ocorrem – pertence ao universo da ficção. O escritor polonês Jerzy Kosinski, ao chegar aos Estados Unidos, criou em Being There um dos personagens mais perturbadores de nossa época, Chance Gardiner. Quem não leu o livro, pode ainda pegar o filme, que passou no Brasil com o título de Muito além do Jardim e tem uma interpretação magnífica de Peter Sellers.

O tradutor brasileiro do livro teve um momento de iluminação ao traduzir o título americano por O Vidiota, isto é, o idiota do vídeo. Gardener é um empregado doméstico de um misterioso senhor, identificado na obra como "o Velho". Chance vive recluso no jardim da mansão e só teve contato, em toda sua vida, com duas pessoas, o Velho e a criada do Velho. Chama-se Chance porque nasceu por acaso. Não sabe ler nem escrever. Seu único contato com o mundo exterior é através da televisão. Quando o que vê não lhe agrada, é simples: desliga o aparelho ou muda de canal com o controle remoto.

Morre o Velho e Chance é largado no mundo pelos criados. Sem lenço nem documento, literalmente. Quando a esposa de um empresário o atropela na rua e lhe pergunta quem é, diz: I’m the gardener. E passa a ser conhecido como Chance Gardiner. Como não portava nem dinheiro nem documentos, a mulher do empresário considera que deve ser alguém muito importante e o recolhe à sua casa. Chance, sem jamais ter pensado no assunto, passa a fazer parte do círculo do poder. Quem leu o livro ou viu o filme conhece o fim da história: a força de repetir chavões que ouviu na televisão, Chance faz uma brilhante carreira na mídia e começa a ser cogitado para presidente dos Estados Unidos. E quem não leu Kosinski, deve lê-lo imediatamente: é uma das mais profundas parábolas da literatura contemporânea.

Estamos vivendo em plena época Gardener, de ascensão do analfabeto. Com a televisão, qualquer iletrado pode ter uma idéia mais ou menos geral do que ocorre em torno a si e no mundo. A rigor, ninguém precisa mais ler para entender – ou supor que entende – o mundo. Se o jardineiro de Kosinski pertence ao universo da ficção, nosso vidiota é muito real e já tomou posse em Brasília. Em falta de um laivo sequer de cultura ou lógica, analisa o momento político com metáforas rasas. Referindo-se ao processo gradual de mudanças que espera promover na economia, disse, no melhor estilo Gardiner: "É como colher uma fruta. Não adianta colher verde". Kosinski não ousaria tanto.

Mas não parou aí a retórica hortifrutigranjeira. Em solene discurso para os membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, baixou de novo o espírito de Chance. Lembrou que há quinze anos comprou um pé de jabuticaba e plantou-o em seu sítio, mas que ele nunca deu frutos. Um belo dia sua mulher, a primeira-companheira Marisa Letícia, chegou com uma muda igual, em um vaso. Lula achou que era impossível dar jabuticaba em apartamento, dentro de um vaso. Mas Marisa Letícia acreditou na planta e cuidou dela, regando-a com freqüência. Conclusão de nosso Chance: "o pezinho de jabuticaba dá quatro ou cinco vezes por ano, coisa em que este conselho pode se transformar, se quiser."

Encantado com o próprio verbo, foi adiante e concluiu que o pé de jabuticaba do sítio não deu frutos porque ele não sabia cuidar, ou porque a terra tinha algum problema. "Ela acreditou mais do que eu. Se transformarmos as oportunidades que temos em coisas menores, certamente o Conselho poderá representar o pé de jabuticaba do meu sítio. Mas, se nós pensarmos grande e cuidarmos com carinho dos milhões de brasileiros e brasileiras de quem, há muitos e muitos anos, ninguém cuida, certamente este Conselho poderá representar o pé de jabuticaba que Marisa plantou no apartamento."

Mais recentemente, o aprendiz de jardineiro do Planalto atacou de pescador. Comentando a estrutura jurídica do país, prolatou sentença: “Na verdade, quem é pescador aqui sabe que um peixe grande demora mais para se pegar na vara. Se o Maluf é pescador, ele sabe que pegar um lambarizinho é mais fácil do que pegar um pintado, pegar um jaú".

Tratasse o nosso Gardiner de apenas cultivar seu jardim, poderia até mesmo passar por sábio. Mas o homem é fascinado pelo verbo, e não vacila nem mesmo ante a História. Por ocasião da inauguração da nova fábrica da Polibrasil, deitou erudição: "Quando Napoleão Bonaparte visitou a China pela primeira vez, ele disse que a China é um gigante e, no dia em que acordar, o mundo vai tremer". A frase, de fato, é do corso. Pena que ele nunca foi à China. Para quem já afirmou que na Bíblia não existe fome, esta visita à China é café pequeno.

Mas o governo não basta para o nosso Gardiner. Já teve seu nome aventado não só para a Academia Brasileira de Letras como também para o Nobel da Paz. O governo recém começou. Anos divertidos nos esperam pela frente. “Ama, com fé e orgulho a terra em que nasceste! Criança! Não verás nenhum país como este”.

Não verás mesmo.

 
LAS MOSCAS


Antonio Machado

Vosotras, las familiares,
inevitables golosas,
vosotras, moscas vulgares,
me evocáis todas las cosas.

¡Oh, viejas moscas voraces,
como abejas en abril,
viejas moscas pertinaces
sobre mi calva infantil!

¡Moscas del primer hastío
en el salón familiar,
las claras tardes de estío
en que yo empecé a soñar!

Y en la aborrecida escuela,
raudas moscas divertidas,
perseguidas
por amor de lo que vuela,
- que todo es volar -, sonoras
rebotando en los cristales
en los días otoñales...

Moscas de todas las horas,
de infancia y adolescencia,
de mi juventud dorada;
de esta segunda inocencia,
que da en no creer en nada,
de siempre... Moscas vulgares,
que de puro familiares
no tendréis digno cantor:
yo sé que os habéis posado
sobre el juguete encantado,
sobre el librote cerrado,
sobre la carta de amor,
sobre los párpados yertos
de los muertos.

Inevitables golosas,
que ni labráis como abejas,
ni brilláis cual mariposas;
pequeñitas, revoltosas,
vosotras, amigas viejas,
me evocáis todas las cosas.

terça-feira, maio 27, 2008
 
AS RAZOES DE MEU PRANTO



Chorando, nao porque estivesse voltando ao Brasil. A esta contingência já me acostumei. Concluí que no Brasil dá para viver, principalmente se se pode fugir do país uma ou duas vezes por ano.

Chorava porque estava abandonando Madri, esta cidade onde vivi dias lindos. Estava em uma tasca, as madrilenhas dançavam, havia um cheiro bom de assados no ar, tudo era música e cores. E dali a duas horas eu estaria embarcando rumo ao Sul. Eu iria embora e a festa continuaria. Chorei até o aeroporto. Soube mais tarde, através do relato de viajores, que esta reaçao nao é lá muito original. Sao muitos os que choram ao deixar esta cidade.

Amanha, Toledo. Toledo é um teste físico para minha idade. Insisto em subir o rochedo a pé. Se ainda consigo, é porque ainda tenho fôlego para outras viagens. Em Toledo, tenho dois programas obrigatórios, uma visita ao Aurélio - onde me esperam cochinillos, corderos lechales y perdices toledanas - e uma outra visita à catedral. Como esta segunda visita ocorre sempre após um bom Rioja, a catedral assume uma estranha configuraçao. Há alguns anos, comovida com a beleza do templo, minha Baixinha adorada começou a chorar. Uma senhora achou que passava mal, quis auxiliá-la.

Nada disso. Era apenas a famosa síndrome de Stendhal.

segunda-feira, maio 26, 2008
 
DIREITO A FÉRIAS



Estou em Madri, cidade que um dia abandonei chorando. O clima está divino, entre 10 e 17 graus. Minhas pesquisas comparadas em enologia e gastronomia têm me afastado da Internet. Além do mais, creio que até blogueiro tem direito a férias. Amanha, almoço naquela cave do século XVI do Café Oriente. Quarta-feira, almoço no Aurélio, em Toledo.

Em junho, volto ao trabalho. Há muita notícia boa a comentar. O que nao é muito fácil em um cybercafé. Comentarei na volta.

Abrazos y besos a todos y a todas.

quinta-feira, maio 22, 2008
 
ENTRE TAPAS Y BESOS



Na Espanha, tapas sao pequenas raçoes, seja de carne ou presunto, de polvo ou de queijos, enfim, aperitivos para pinchas. Sao chamadas também de pinchos. Y besos son besos mismo.

Bueno, estoy en Barcelona, entre tapas y besos, viajando con una vieja amiga reencontrada. Continuo minhas pesquisas de enologia e gastronomia comparadas. Programaçao cultural para os próximos dias:

Começo pelo Sobrino de Botín, primus inter pares. Tem quase quatro séculos e ambiente medieval. Não há dúvida alguma sobre o que vamos comer lá: um cochinillo e um lechal. Clique em El Restaurante, em visita virtual e depois nos comedores Felipe IV, Castilla, Perez Galdós e Bodega, para examinar melhor o restaurante.

http://www.botin.es/

http://www.historiademadrid.com/2008/03/07/botin-cuatro-siglos-de-gastronomia/

Outro de meus diletos, o Café de Oriente. Era onde lia meus jornais aos domingos, quando vivi em Madri. Na cave, às vezes almoça o rei, quando recebe estadistas estrangeiros. Mesas de mármore, com baixelas de prata e bons riojanos. No café, aos domingos, minha vizinha de mesa era quase sempre a Geraldine Chaplin.

http://www.estudio3.es/paginas/paginasespanol/e3cafedeoriente.html

Este é um dos restaurantes que me impediu de entrar na Biblioteca Nacional. É que ele fica no caminho para a biblioteca. Eu entrava no El Espejo e não conseguia ir adiante.

http://www.restauranteelespejo.com/website/global/g_ent_restaurante_recoletos_madrid.html

Meu restaurante dileto em Toledo. De novo, não escaparei do cochinillo ou do cordero lechal. Os Aurélios são três. O que mais me agrada é o da Sinagoga, 1.

http://www.casa-aurelio.com/

Meu dileto em Segovia:

http://www.mesondecandido.es/espanol.html

Salud y pesetas,
fuerza en la bragueta,
un par de buenas tetas,
y lo demás son puñetas.

terça-feira, maio 20, 2008
 
Meus poemas diletos

O ELIXIR DO PAJÉ*

Bernardo Guimarães


Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo,
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?

Nessa postura merencória e triste
para trás tanto vergas o focinho,
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!

Que é feito desses tempos gloriosos
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo
tremendas cabeçadas?

Qual hidra furiosa, o colo alçando,
co’a sanguinosa crista açoita os mares,
e sustos derramando
por terras e por mares,
aqui e além atira mortais botes,
dando co’a cauda horríveis piparotes,
assim tu, ó caralho,
erguendo o teu vermelho cabeçalho,
faminto e arquejante,
dando em vão rabanadas pelo espaço,
pedias um cabaço!

Um cabaço! Que era este o único esforço,
única empresa digna de teus brios;
porque surradas conas e punhetas
são ilusões, são petas,
só dignas de caralhos doentios.

Quem extinguiu-te assim o entusiasmo?
Quem sepultou-te nesse vil marasmo?
Acaso pra teu tormento,
indefluxou-te algum esquentamento?
Ou em pívias estéreis te cansaste,
ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a destra irada
quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
e assim deixou-te pálido e pendente,
olhando para o solo,
bem como inútil lâmpada apagada
entre duas colunas pendurada?

Caralho sem tesão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
lingüiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume,
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.

Porém não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que teu mal ainda pode
alívio ter.

Sus, ó caralho meu, não desanimes,
que inda novos combates e vitórias
e mil brilhantes glórias
a ti reserva o fornicante Marte,
que tudo pode vencer co’engenho e arte.

Eis um santo elixir miraculoso,
que vem de longes terras,
transpondo montes, serras,
e a mim chegou por modo misterioso.

Um pajé sem tesão, um nigromante
das matas de Goiás,
sentindo-se incapaz
de bem cumprir a lei do matrimônio,
foi ter com o demônio,
a lhe pedir conselho
para dar-lhe vigor ao aparelho,
que já de encarquilhado,
de velho e de cansado,
quase se lhe sumia entre o pentelho.

À meia-noite, à luz da lua nova,
co’os manitós falando em uma cova,
ao som de atroz conjuro e negra praga,
compôs esta triaga
de plantas cabalísticas colhidas,
por suas próprias mãos às escondidas.

Esse velho pajé de piça mole,
com uma gota desse feitiço,
sentiu de novo renascer os brios
de seu velho chouriço!

E ao som das inúbias,
e ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea
de noite ou de dia,
fodendo se via
o velho pajé!

Se acaso ecoando
na mata sombria,
medonho se ouvia
o som do boré,
dizendo: - “Guerreiros,
ó vinde ligeiros,
que à guerra voz chama
feroz aimoré”,
- assim respondia
o velho pajé,
brandindo o caralho,
batendo co’o pé:
- “Mas neste trabalho,
dizei, minha gente,
quem é mais valente,
mais forte quem é?
Quem vibra o marzapo
com mais valentia?
Quem conas enfia
com tanta destreza?
Quem fura cabaços
com mais gentileza?”

E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea,
fodia o pajé.

Se a inúbia soando
por vales e outeiros,
à deusa sagrada
chamava os guerreiros,
de noite ou de dia,
ninguém jamais via
o velho pajé,
que sempre fodia
na taba ou na brenha,
no macho ou na fêmea,
deitado ou de pé,
e o duro marzapo,
que sempre fodia,
qual rijo tacape
a nada cedia!

Vassoura terrível
dos cus indianos,
por anos e anos
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
fazendo punhetas
saudosas deixou...

Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos te prepara;
graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!

Vinde, ó putas e donzelas,
vinde abrir as vossas pernas
ao meu tremendo marzapo,
que a todas, feias ou belas,
com caralhadas eternas
porei as cricas em trapo...
Graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
hoje vai ficar em pé
o meu cansado caralho!

Sus, caralho! Este elixir
que ao combate hoje te chama
e de novo ardor te inflama
para as campanhas do amor!
Não mais ficarás à-toa,
nesta indolência tamanha,
criando teias de aranha,
cobrindo-te de bolor...

Este elixir milagroso,
o maior mimo da terra,
em uma só gota encerra
quinze anos de tesão...
Do macróbio centenário
ao esquecido marzapo,
que já mole como um trapo,
nas pernas balança em vão,
dá tal força e valentia
que só com uma estocada
põe a porta escancarada
do mais rebelde cabaço,
e pode um cento de fêmeas
foder de fio a pavio,
sem nunca sentir cansaço...

Eu te adoro, água divina,
santo elixir da tesão,
eu te dou meu coração,
eu te entrego a minha porra!
Faze que ela, sempre tesa,
e em tesão sempre crescendo,
sem cessar viva fodendo,
até que fodendo morra!

Sim, faze que este caralho,
por tua santa influência,
a todos vença em potência,
e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado
vencedor de cem mil conos...

E seja em todas as rodas
d’hoje em diante respeitado
como herói de cem mil fodas,
por seus heróicos trabalhos,
eleito - rei dos caralhos!

* sátira à poesia indianista

sábado, maio 17, 2008
 
Meus poemas diletos:

ORACION


Serafin J. Garcia



Tata Dios: yo no dudo que siás juerte;
que gobernés vos solo tierra y cielo;
que a tu mandao se apague'l rejucilo
y se amanse'l más potro de los vientos.

No dudo que haygas hecho esas estreyas
que sirven de candiles a los sueños,
y p'aliviar el luto de las noches
priendas la luna en su reboso negro.

No dudo que siás vos el que le puso
al colmiyo'e la víbora el veneno;
el que afiló las uñas de los tigres
y le dio juersa'l pico de los cuervos...

Pero dudo'e tu amor y tu justicia,
pues si juera verdá que sos tan güeno
no te hubieras yevao aqueya vida
qu'era pa mí más grande que tu cielo.

Vos sabés, Tata Dios, cómo la quise.
Eya jué'l sol que amaneció en mi pecho.
Por eya tuvo primavera mi alma
y echaron alas mis mejores sueños.

Eya era linda como las mañanas
cuando dispiertan yenas de gorjeos;
alegre como el ruido'e las colmenas;
graciosa como el'unco'e los esteros.

¡Y era tan güena, Tata Dios!... ¡Tan güena!
Nunca un rencor se cubijó en su pecho.
Pa tuitos tuvo corasón sin trancas
rebosao de ternuras y de afetos.

Y creyó siempre'n vos: tuitas las noches
s'endulsaba en su boca el Padre Nuestro,
mientras su almita'e pájaro aletiaba
ofertándose entera en cada reso.

¡Y tuviste coraje pa matarla!
¿No pensaste que yo tamién juí güeno,
que no meresco este dolor que sangra
la herida siempre viva'e su ricuerdo!

¿Cómo no viá dudar de tu justicia?
¿Cómo viá crer que tengas sentimiento
si vos, provalecido de tu juersa,
nos quitás siempre lo que más queremos?

¿Pa qué nos diste corasón, entonce'?
¿Pa qué nos esigís que siamos güenos,
si nos encariñás con este mundo
y en él ponés nomás que sufrimientos?

¿Cres que consuela tu promesa'e gloria?
Si aquí and'hemos nacido, ande queremos,
nos negás el derecho'e ser dichosos,
¡no sé pa qué nos va'servir tu cielo!

sexta-feira, maio 16, 2008
 
EINSTEIN E DEUS



Para os teistas que acham que Einstein acreditava em Deus:

"A palavra Deus para mim não eh mais que a expressão e o produto da debilidade humana; a Biblia eh uma coleção honrosa, mas primitiva, de lendas bastante infantis"

domingo, maio 11, 2008
 
RESTAURANTE A CEU ABERTO



Temperatura amena, sol acariciante, Paris nestes dias parece ser um grande restaurante a ceu aberto. Por onde quer que se passe, hah gentes comendo e bebendo. Mas linguas dizem que tenho preconceito a vinhos nacionais. Calunia! Estou adorando e soh tenho tomado vinhos nacionais neste dias.

sábado, maio 10, 2008
 
FERIADÃO EM PARIS



Nada como estar em Paris com uma mulher de quem se gosta. Paris, a meu ver, é para casais. Por uns bons 30 anos, visitei Paris com minha Baixinha adorada. Ela partiu. Estou refazendo meus afetos com uma antiga namorada. Ela não conhece a Europa e estou tendo um prazer imenso em vê-la deslumbrada com estas cidades esplendorosas.

Eh feriadão na França. A cidade regurgita de turistas do interior. Na Notre Dame, desisti de entrar. La grande bouffe, ontem, foi no Julien, secular restaurante estilo belle epoque.

À bientôt!

quinta-feira, maio 08, 2008
 
Mi Tapera


Elias Regules



Entre los pastos tirada
como una prenda perdida
y en el silencio escondida
como caricia robada,
completamente rodeada
por el cardo y la flechilla
que como larga golilla
van bajando a la ladera
está una triste tapera
descansando en la cuchilla.

Alli, en ese suelo fué
donde mi rancho se alzaba,
donde contento jugaba,
donde a vivir empecé,
donde cantando ensillé
mil veces al pingo mio,
en esas horas de frío
en que la mañana llora,
cuando se moja la aurora
con el vapor del rocío.

Donde mi vida pasaba
entre goces verdaderos,
donde en los años primeros
satisfecho retozaba,
donde el ombú conversaba
con la calandria cantora,
donde noche sedutora
cuidó el sueño de mi cuna,
con un beso de la luna
sobre el techo de totora.

Donde resurgen valientes,
mezcladas con los terrones,
las rosadas ilusiones
de mis horas inocentes,
donde delirios sonrientes
brotar a millares ví,
donde palpitar sentí,
llenas de afecto profundo,
cosas chicas para el mundo
pero grandes para mí.

Donde el aire perfumado
está de risas escrito,
y donde en cada pastito
hay un recuerdo clavado:
tapera que mi pasado
con colores de amapola
entusiasmada enarbola,
y que siempre que la miro
dejo sobre ella un suspiro
para que no esté tan sola.

quarta-feira, maio 07, 2008
 
VIAGEM



Estou partindo amanhã para nova viagem cultural. Desta vez - como aliás das outras - para estudos comparados de enologia e gastronomia. Em Paris, Bruxelas, Barcelona e Madri.

Segue relação de minhas instituições de pesquisa nos próximos dias. Espero que o leitor entenda que não terei muito tempo para alimentar este blog.

Chez Lipp

http://www.ila-chateau.com/lipp/

Le Procope

http://correiogourmand.com.br/info_gastronomiamundo_03i.htm

Bofinger

http://www.fra.webcity.fr/restaurants_paris/brasserie-bofinger_231/PhotosLieu

Julien

http://www.avignon-et-provence.com/grand-restaurant-paris/brasserie-julien/

Le Zimmer

http://www.linternaute.com/restaurant/restaurant/3365/le-zimmer.html

Nos Ancêtres Le Gaulois

http://www.nosancetreslesgaulois.com/FR/photos.html

Chartier

http://www.youtube.com/watch?v=L9gqeDLeXDY

Mon café à Bruxelles, le Metropole

http://www.metropolehotel.com/EN/presentation_cafe.htm

Outras opções

http://www.paris-bistro.com/choisir/paris6/articles.html

Recomendo vivamente a quem gosta das coisas boas da vida.

terça-feira, maio 06, 2008
 
GABEIRA, O IMPOLUTO
QUER BOLSA-TERRORISMO



Fernando Gabeira, velho bolche e ex-terrorista, ganhou uma aura de ilibada reputação após ter renunciado a seus delírios de jovem. Mas a mim jamais convenceu. Gabeira, se alguém não mais lembra, militava no movimento terrorista MR-8, que responsável pelo seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969. É um dos responsáveis pela sobrevida política dessa excrescência chamada José Dirceu. Após o seqüestro, Gabeira foi fazer turismo ideológico em Cuba, foi depois para o para o Chile e acabou caindo na social-democracia sueca, onde, ao que tudo indica, tornou-se mais cordato.

Mas nada justifica seu passado. O seqüestro do embaixador ocorreu no final dos anos 60. Gabeira era jornalista e, por uma questão de ofício, pessoa bem informada. Ao aderir a um movimento stalinista, já era grandinho suficientemente para ter plena consciência das purgas de Stalin nos anos 30, dos gulags, da affaire Kravchenko, das denúncias de Kruschov no XX Congresso do PCUS, em 1956. Se optou pelo terrorismo, não foi por falta de informação.

Ainda este ano, ao ter notícias das bolsas-ditadura recebidas por Ziraldo e Jaguar – isso sem falar nas milhares de outras – Gabeira deitou verbo contra os dois vigaristas do Pasquim. Pois não é que a Folha de São Paulo nos noticia hoje que amanhã será julgado, pela tal de Comissão de Anistia do Ministério da Justiça um pedido seu para que a União considere o tempo em que foi exilado, na época da ditadura militar, para efeitos de aposentadoria.

Segundo o noticiário, de 2002 para cá, quando foi sancionada a Lei de Anistia a perseguidos políticos, o governo brasileiro autorizou o pagamento de R$ 2,4 bilhões em indenizações em 25.013 pedidos feitos à comissão. A média das indenizações pagas em prestações únicas é de R$ 59.004,46. As indenizações pagas em prestações continuadas é de R$ 3.653,00. Quem paga tudo isto? Eu, você, nós contribuintes, que nunca pegamos em armas para praticar terrorismo.

Gabeira, entusiasmado com o dinheiro fácil das bolsas-terrorismo, deixou cair a máscara de neoimpoluto e mostrou ao que vem. Afirma não ter condições de demonstrar no que trabalhou. “Eu pedi para contarem, para efeito de aposentadoria, os anos que passei no exílio. Foram nove anos. Não tenho condições de demonstrar claramente que eu trabalhei. Os dois jornais em que trabalhei, o Binômio e o Panfleto, foram empastelados. O Diário da Noite e o Última Hora fecharam. Para pedir aposentadoria, preciso disso”.

Precisa mas nem precisa. Mês passado, foi contemplado com uma bolsa-terrorismo o gaúcho Diógenes Oliveira, militante petista gaúcho e ex-secretário de Transportes da Prefeitura de Porto Alegre, que conseguiu uma indenização retroativa de R$ 400 mil e rendimento mensal vitalício de R$ 1.627,72 por, supostamente, ter sido obrigado a abandonar, em 1966, o emprego que tinha na Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE). Diógenes, hoje sessentão, integrou a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e participou de vários atentados terroristas. Foi preso e exilado em 1969, voltando ao País em 1979. Coincidentemente, o mesmo ano em que Gabeira volta ao Brasil, após ter degustado o amargo caviar do exílio no paraíso nórdico.

Diógenes, na verdade, não perdeu o emprego na CEEE por perseguição política, "por ser sabedor de que a Polícia Política do Regime Militar tinha conhecimento de suas atividades e que, em conseqüência, estava preste a ser preso", como alega. A CEEE enviou um ofício à Comissão de Anistia desmentindo. E afirmou que Diógenes "abandonou" o emprego. Mesmo assim, está regiamente indenizado e bem aposentado.

Gabeira, o impoluto, quer indenização pelos dias bem vividos no paraíso social-democrata. Se a moda pega, todo lavador de pratos que saiu do Brasil naqueles anos vai querer o seu. Por outro lado, as novas gerações serão imbuídas da consciência de que investir em terrorismo sempre garante uma velhice tranqüila.

segunda-feira, maio 05, 2008
 
A AFFAIRE RONALDO



Vivemos em um mundo – em sua parte ocidental, pelo menos – onde homossexualismo, hoje, é visto com naturalidade. Claro, sempre existem aqueles papistas que vêm algo de abominável no fato de um homem ou uma mulher preferirem relacionar-se afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo. Mas homossexualismo data de muito antes da era cristã. Em crônica recente, eu falava da poetisa Safo, que viveu no século VII a.C. e nasceu na ilha de Lesbos, Grécia. Daí vem a palavra lesbianismo. Ou amor sáfico, como quisermos. O fato é que os historiadores situam, de um modo geral, nos poemas de Safo de Lesbos a primeira ocorrência na literatura da palavra amor.

Tampouco é desconhecido o costume dos antigos gregos de cultivar o amor de um efebo. Nos Diálogos de Platão – no Banquete, se a memória não me falha – vemos Alcibíades, um dos mais valorosos guerreiros do mundo helênico, flertando com Sócrates. Sexo era então prazer, não importa com quem. Foi o cristianismo, com sua filosofia puritana, que tornou o homossexualismo pecado – e mesmo crime – no Ocidente.

Mas, como dizem os portenhos, más vale un gusto que cien pesos. Apesar da opressão vaticana, o homossexualismo nunca deixou de ser praticado no mundo todo. Clark Gable, por exemplo, que sempre foi tido como um modelo de macho, "jovem, vigoroso e brutalmente masculino". Pois o modelo de macho americano tinha mulheres para manter sua fachada. Mas, pelo que se revela, ele gostava mesmo era de homens. Acaba de sair nos Estados Unidos uma nova biografia do ator, - Clark Gable - Tormented Star – que o revela como homossexual. E não era só ele. Cary Grant, Gary Cooper e até mesmo o insuspeito Humphrey Bogart teriam praticado o mesmo esporte.

O homossexualismo é punido até com morte no mundo muçulmano. Mas no Ocidente há muito deixou de ser estigma. A listagem de homossexuais no mundo do teatro, cinema ou literatura é enciclopédica e ninguém vai deixar de respeitar um Oscar Wilde, um André Gide, um Marcel Jouhandeau, uma Greta Garbo, uma Marlene Dietrich, por suas preferências na hora da cama.

Assim sendo, causa espécie que a imprensa nacional e internacional esteja preocupada com uma affaire de um jogador de futebol com três travestis. Não tenho apreço algum por jogadores de futebol. Se vejo algum deles anunciando algum produto, é certo que aquele produto não comprarei. Nada contra o esporte. Futebol, até acho bonito. Mas terrivelmente monótono. É sempre a mesma coisa, um monte de atletas correndo atrás de uma bola e chutando em gol. Confesso que não consigo entender como esses patas tortas recebam milhões de dólares para repetir todas as semanas a mesma peça.

Dito isto, defendo o direito desse tal de Ronaldo ir para a cama com quem bem entender. Gente de teatro, gente de cinema, artistas e literatos podem. Por que um jogador de futebol não pode? É difícil entender como uma revista que se pretende séria como a Veja, dê sua capa às preferências íntimas de um atleta. Pelo jeito, a imprensa está pretendendo demonizar o travestismo. Homossexual, até que passa. O que não pode, ao que tudo indica, é esse misto de um sexo e outro ao mesmo tempo.

A pressão da imprensa foi tal que o pobre diabo deu entrevista na televisão se penitenciando de algo que lhe terá sido muito prazeroso. A impressão que me fica é a da mesma reação ante o assassinato da menina Isabella. Aquela gente toda se reunindo para xingar os assassinos – houve quem viajasse 800 quilômetros para dar-se a esse prazer – só consigo entender como uma multidão de celerados que têm medo de um dia jogar um filho pela janela. A reação ante o caso de Ronaldo me parece a mesma.

domingo, maio 04, 2008
 
SOBRE TURISMO


Nunca tive interesse nenhum em visitar uma favela. Não gosto de pobreza nem de pobres. Bem entendido, não é que não goste daquele ser humano que é pobre. O que não gosto é da condição de pobreza. Adoraria ver exterminados todos os pobres do mundo. Não estou falando de genocídio. É que gostaria de vê-los, não digo ricos, mas pelo menos em boas condições de vida.

Mas, em minhas viagens, observei que os europeus, e particularmente os franceses, têm um especial fascínio pela pobreza. Boa parte dos franceses que conheci, conhecem um lado do Brasil que nunca tive – nem nunca terei – interesse em conhecer, as favelas. Desde há muito se sabe que o tráfico garante a segurança de todo europeu que queira visitar os morros do Rio de Janeiro. Danielle Mitterrand, sem ir mais longe, tinha excelentes relações com os traficantes. De minha parte, sempre preferi outro tipo de favela. As da Costa Amalfitana, por exemplo. Sorrento, Positano, Amalfi, Ravello. É a mesma geografia de uma favela carioca, as casas subindo morro acima. Com uma diferença. Lá na Itália, o morro é dos ricos. Pobre não sobe. Paga-se caríssimo para visitar aquelas cidades, e muito mais caro para lá viver.

Parece que o Rio de Janeiro está descobrindo este charme que atrai turistas endinheirados. Leio na Folha de São Paulo, que uma agência nacional está oferecendo agora uma outra modalidade de pacote turístico, incluindo bate-papo com traficantes armados. Este turismo não deve ser novidade, mas pela primeira vez um jornal o noticia. Diz a Folha:

Ao chegar à Rocinha, o primeiro sinal do tráfico é a presença de olheiros, que fazem a vigilância em cima de lajes -morteiros à mão, para emitir o alerta da presença policial. No início da incursão pelos becos da favela, o guia diz ter encontrado um traficante. "Vamos lá que vou te apresentar."
É Marcos, que se diz "soldado do tráfico" e conta que já passou nove anos e oito meses na prisão. "Diversas vezes estive na cadeia. Ao todo foram três fugas e oito tentativas."
Para ele, a principal preocupação "é a polícia" e os "inimigos", a facção rival Comando Vermelho. Hoje, a ADA (Amigo dos Amigos) tem o controle da venda de drogas na Rocinha, onde Marcos, de arma na cintura, afirma ter aprendido a manejar "diversos calibres". Ao final da conversa, deixa um número de celular com o guia.
Mais acima no morro, um homem sentado tem visão privilegiada de quem sobe. Submetralhadora prateada na mão, rádio walkie-talkie pendurado no pescoço, conta que trabalha em turnos de 12 horas, com folga de 24 horas, ganha R$ 300 por semana, "pagos todas as segundas-feiras", e recebe cesta básica e remédios.


Tráfico não brinca em serviço. Direitos trabalhistas religiosamente respeitados. O pacote turístico custa R$ 90 e dura quatro horas. Em verdade, para não dizer que nunca vi isso, visitei certa vez um terreiro de macumba no Belfort Roxo, no Rio. Não por acaso, fui levado até lá por um diplomata francês. Encantado pela religiosidade dos tópicos, ele queria conhecer a macumba. Ao ver uma negra tomada por um cavalo, acreditou piamente que uma entidade qualquer havia incorporado na mulher. Eu ria comigo mesmo, vendo um herdeiro de uma tradição cartesiana depositando fé em crendices animistas africanas. Quem nos garantia a segurança era, curiosamente, um bispo católico. Vigaristas entre si se entendem.

Em suma, narcotráfico virou atração turística no Brasil. Cada roca com seu fuso, cada povo com seu uso. Enfio minha modesta colher neste caldo e sugiro visita mais incitante, os corredores do Congresso Nacional. Se é para fazer turismo ao mundo do crime, não vejo nada mais instigante do que conversar com deputados e senadores. Brasília seria talvez mais atrativa que o submundo carioca.

sábado, maio 03, 2008
 
UM BEIJO QUE NÃO SE ESQUECE


Leitores, perdão!

Ando preguiçoso. Pessoas queridas estão embalando meus dias e não acho muito tempo para escrever. Ontem, fui jantar com uma boa amiga no El Mariachi, um dos bons restaurantes mexicanos de São Paulo. Adoro música mexicana, é um dos raros momentos em que me disponho a cantar junto com os cantores. Bom, aconteceu algo insólito. Na mesa atrás de mim, havia uma menina linda, entusiasmadíssima com as canções. Me deu uma vontade incontrolável de beijá-la. Não resisti. Voltei-me para trás, puxei o pescocinho dela e a beijei. Ela topou. Nossa! Foi um dos beijos mais gostosos de minha vida. Jamais esquecerei daquele momento. E sei que ela também não.

E a noite continuou.

Mira como ando mujer,
por tu querer,
borracho y apasionado,
no más por tu amor.
Mira como ando mi bien
Muy dado a la borrachera
Y a la perdición.

quinta-feira, maio 01, 2008
 
AFRODESCENDENTADA NÃO VAI GOSTAR


Há mais de década tenho me manifestado contra essa prática infame de cotas raciais na universidade, que aliás já começa a invadir inclusive o mercado de trabalho. É herança atrasada do racismo ianque, que chega até nós quando já começa a ser abandonada nos Estados Unidos. Luta de classes morta, luta de raças posta - costumo afirmar. Os eternos apparatchiks, não conseguindo mais opor ricos a pobres, apostam agora em uma luta entre brancos e negros. Para isso, é claro, é preciso extinguir o mulato, essa prova evidente de que no Brasil a miscigenização existe.

Parece que as coisas estão mudando. Um grupo de 113 sedizentes intelectuais lançou recente manifesto, afirmando que "as cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos “raciais” polares, gerando uma desigualdade “natural” num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como “negros” que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como “brancos” e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade".

Antes tarde do que nunca. Mas os 113 sedizentes intelectuais acabaram caíndo em outra armadilha. Pretendem que raças humanas não existem.

"A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: “O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais. Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’.”

Ou seja, em todos os demais seres existem raças. Temos raças de cachorros, de bois, de ovelhas, de cavalos, de galinhas, de dinossauros, de lagartos, enfim, onde há vida há raça. Só não há quando surge o ser humano. Vai ver que é intervenção divina.

Só tem um problema. Agora que ser negro dá lucro, a afrodescendentada não vai gostar dessa ídéia de que raças não existem.

 
SOBRE SAFO, ERASÍSTRATO,
ANTÍOCO, ESTRATONICE E EU



Leio na BBC Brasil que três obtusos da ilha de Lesbos, na Grécia, entraram na Justiça na tentativa de proibir um grupo de defesa de direitos de homossexuais de usar o termo 'lésbica' em seu nome. O grupo defende que a palavra seja empregada para designar apenas a pessoa originária ou habitante da ilha no noroeste do Mar Egeu, já que em muitas línguas a grafia coincide. O alvo do processo, que será julgado em junho por um tribunal na capital grega, Atenas, é a organização Comunidade Homossexual e Lésbica Grega (OLKE), cujo nome o grupo quer modificar.

Estive em Lesbos nos anos 70. Fora uma cooperativa de mulheres agrícolas, nada mais vi de suspeito. Em Lesbos, no século VII a.C., nasceu a poetisa Safo, que teria relações com suas discípulas. Daí a palavra lesbianismo. Ou amor sáfico, como quisermos. O fato é que os historiadores situam, de um modo geral, nos poemas de Safo de Lesbos a primeira ocorrência na literatura da palavra amor. A poetisa descreveu, inclusive, uma série de sintomas físios que diagnosticariam o amor. Os médicos da época se apoiavam em Safo para definir a doença, pois de doença se trata. Assim narra Plutarco o caso de um jovem enfermo:

- Erasístrato percebeu que a presença de outras mulheres não produzia efeito algum nele. Mas quando Estratonice aparecia, só ou em companhia de Seleuco, para vê-lo, Erasístrato observava no jovem todos os sintomas famosos de Safo: sua voz mal se articulava. Seu rosto se ruborizava. Um suor súbito irrompia através de sua pele. Os batimentos do coração se faziam irregulares e violentos. Incapaz de tolerar o excesso de sua própria paixão, ele tombava em estado de desmaio, de prostração, de palidez.

Quando Antíoco – pois assim se chamava o enfermo – recebeu Estratonice como presente de Seleuco, seu pai, desapareceram os sintomas da doença. Que talvez tenha contagiado Seleuco, pois afinal era o marido de Estratonice. Mas isto já é outra história.

Eram bons observadores, os gregos. Mês passado, eu esperava uma amiga que não via há uns bons vinte anos. Fui à academia e meus batimentos cardíacos, antes de começar a bicicleta, estavam a 133 por minuto. Consultei o médico da academia, ele me recomendou o pronto socorro. Fui lá às onze da manhã. Fiz uma bateria de exames, esperava poder encontrá-la às 17h40 no aeroporto. Tive de repetir os exames, só saíria lá pelas sete. Entrei em pânico. Imaginava ela chegando, sem me encontrar, sem saber que fazer. Vinte anos de espera e um desastre total na hora do encontro. Falei aos médicos: não pode ser, não vejo essa mulher há vinte anos, não posso trazê-la para um quarto de hospital, vocês têm de me liberar. Ao final da tarde, um médico me anunciou: seu coração está perfeito, pode sair.

Resumindo a história: acabei por encontrá-la em um corredor de hospital. Quando a abracei, os sintomas de Antíoco já haviam sumido. 90 por minuto. Os médicos foram todos ver quem trazia a cura.

O amor, esta ficção tão bem sucedida no Ocidente, tem seu nascimento literário em Lesbos, graças a Safo. Que preferia mulheres, segundo a lenda. Lesbianismo é palavra que invadiu todas as línguas de cultura, com muito mais força, inclusive, do que safismo. Os lexicólogos sempre afirmaram que quem faz a língua é o povo. Por outro lado, uma estranha e relativamente recente mania está contaminando a cultura contemporânea, a mania de proibir palavras. Falar em negro, por exemplo, hoje já é considerado crime. (Eu não digo mais negrão. Para prevenir-me, prefiro afrodescendentão).

Só o que faltava três malucos pretenderem censurar os dicionários. O políticamente correto, pelo jeito, contaminou Lesbos. Segundo um dos autores da petição, o ativista e editor da revista Davlos, Dimitris Lambrou, pesquisas recentes mostraram que Safo tinha família e cometeu suicídio pelo amor de outro homem. Até pode ser. O uso da palavra 'lésbica' no seu significado mais corrente, segundo Lambrou, causaria problemas no dia-a-dia dos cerca de 250 mil habitantes da ilha.

Conversa para boi dormir. Mais um pouco, algum outro stalinista da língua pretenderá proibir a palavra safismo. Quando se fala em homossexualismo, costuma-se falar em amor grego. Só falta agora algum mentecapto grego pretender banir a expressão de todos os idiomas.