¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, dezembro 31, 2008
 
DESDE O FUNDO DO POÇO À
UMA VIDA PLENA DE GRAÇA *



Senhor pastor:

Houve época em que cri em um deus onipotente e salvador e muitas vezes a ele orei por minha salvação, pela salvação de meus próximos e mesmo da humanidade. Foram meus dias de adolescência, pastor. Justo naqueles dias, fui assaltado pelo clamor, não dos povos – como fala o Livro – mas pelo clamor da carne, clamor tirano, imperioso e impossível de ser domado. Por melhores propósitos que fizesse, acabava dominado pelos ditos prazeres da carne. Dizem que a carne é fraca, pastor. Nada disso, a carne é forte. Fraco é o espírito, que sempre acaba cedendo à carne.

Entrava em pânico, via à minha frente as chamas eternas do Hades, onde tudo é choro e ranger de dentes. Me sentia condenado ao convívio com demônios. Arrependia-me, fazia atos de contrição, confessava meus pecados a sacerdotes e recebia a absolvição. Por um dia ou dois, conseguia viver sem pavores. Mas não mais que um dia ou dois. No terceiro, eu já estava pecando de novo. As noites de tempestade eram noites de pavor. Talvez fosse megalomania. Mas cada raio que caía, eu sentia que era dirigido a mim.

Eu era pobre, pastor. Filho de camponeses, nunca tive facilidades em minha infância. Muito menos na adolescência. Fiz minhas universidades mal tendo dinheiro para o restaurante universitário. Vivi em repúblicas abomináveis, pequenos apartamentos, sem grana suficiente para tomar um vinho decente. A bebida mais ao alcance de minha boca era a mais barata, a cachaça. Ainda adolescente, tomei grandes porres de cachaça. Naqueles dias de pouca grana, bebia muito e bebia mal. Em minha juventude, pastor, eu estava no fundo do poço. O senhor Jesuis era um encosto em minha vida, despacho de catimbó feito a Exu, praga rogada por urubu para infernar meus dias.

Foi quando então, pastor, durante três dias e três noites, li atentamente a Bíblia. Foram dias em que quase não comi. À noite, pegava um cavalo em pêlo, sem freio nem buçal, e saía a galopar nas madrugadas, olhando o céu estrelado e esperando ouvir daquele universo magnífico alguma resposta. Não ouvi nada, pastor. Foram três dias e três noites decisivas em minha vida. A partir da leitura do Livro, tornei-me ateu. Aquele deus proposto pelas Escrituras, que se pretendia criador daquele firmamento esplêndido e cravejado de estrelas, que só vemos na pampa ou no deserto, sempre longe das cidades, não me convencia. Aquele deus matava e exterminava, mandava matar e exterminar. Não me servia.

Disse então a mim mesmo: sai de mim, Coisa Ruim! Me larga, ó Espírito Castrador, sai de minha vida, ó Supremo Estraga-prazeres! Desapareçam de minha vida vocês três, o Pai, o Filho e o Paráclito. E a Mãe também, antes que me esqueça. E todos os santos do céu e todos os padres de todas as igrejas. Xô, Espírito Imundo, xô, Assassino de Povos. Ouste, Pai das Doenças e Exterminador de Nações. Rua de minha alma, ó velho Deus castrado!

Então, pastor, tudo mudou em minha vida. Saí do fundo do poço, rumo à luz do bocal. Mulheres começaram a cair-me dos céus, justo daqueles céus mudos aos quais eu pedia perdão por meus pecados. Como perdera a noção de pecado, nunca mais pequei. Tornei-me um santo homem e procurei imitar os bíblicos patriarcas. Curti plenamente os prazeres que tanto apraziam ao rei Davi, ao rei Salomão, à Sulamita. Verdade que nunca consegui sustentar setecentas mulheres e trezentas concubinas. Mas fiz o que estava a meu modesto alcance.

Por mais de quarenta anos, as mulheres me caíram nos braços como o maná caiu do alto por quarenta anos para saciar a fome do Povo Eleito. Comecei minha vida afetiva com duas, às quais muito amei. Por circunstâncias dos dias, perdi uma. Vivi quatro décadas de muito carinho e cumplicidades com a segunda. Fui feliz em meu casamento. Divórcios, separações, o espírito do ciúmes, amargura, traições, nunca rondaram minha existência.

Quando minha amada partiu, não acusei deus algum, afinal não acreditava em nenhum. Estas duas primeiras amadas logo se multiplicaram por dois, cinco, dez, vinte, cinqüenta. Não saberia dizer quantas, nunca contei. Mas digamos que a metade da “listina” de Leporello. Corri atrás delas com a hybris de um fauno grego, para compensar os dias de vacas magras e sem leite de minha juventude. Após deixar de crer no tal de deus, minha vida foi uma profusão de prazeres. Corri nu atrás de valquírias nuas pelos bosques de Estocolmo, em plena luz da meia-noite. Isto, pastor, teu deus não confere aos mortais, exceto se forem majestades apaniguadas pelo Senhor. Isto é ventura só concedida pelos deuses lúbricos do Valhala. Tack tack, Odin!

Uma vez descrente, apesar de pobre consegui educar-me. Fiz duas faculdades, três pós-graduações no Exterior, viajei por todos os países da Europa, por mais alguns do Leste europeu, pela África, Estados Unidos, Canadá e América Latina. Nasci nos peraus do Upamaruty, em um rancho de pau-a-pique e fiz doutorado em Paris. Consegui escapar de meu pequeno mundinho e sai a navegar pela vastidão do anecúmeno. Au bord’elle, la Seine, conheci uma peoniana adorável, a quem dediquei minha tese. Havia também Úrsula, uma polonesa, que me sussurrava: “mon ours tropical”. Música para meus ouvidos.

Não cheguei a amar a filha de Faraó, muito menos moabitas, amonitas, edomitas, sidônias e hetéias, como o sábio rei Salomão. Mas tive namoradas lindas em várias cidades do mundo. Desde suecas a francesas. Desde macedônias até mesmo a turcomenas e usbeques, passando por polonesas e russas. Adorei a turcomena. Era de Achkhabad, palavra que soava deliciosamente à minha fome de exotismo. Uma vez ateu, fascinou-me a idéia de ouvir mulheres gemendo em línguas que desconheço. E as ouvi. Paris sempre foi pródiga em estrangeiras de todos azimutes e não recusei o que a cidade generosamente me oferecia. Tive do bom e do melhor, como dizem suas ovelhas, senhor pastor. Mas só depois que deixei de crer.

Ateu, fui abençoado com dinheiro e vida confortável. De camponês tosco, tive acesso a línguas, à filosofia, à literatura, à música erudita, a óperas, em suma, ao dito mundo da cultura. De Teixeirinha passei a Mozart, de Luiz Gonzaga a Bizet. Abandonei a cachaça e passei a cultivar bons vinhos e bons uísques. Do mondongo fui promovido ao foie gras, do arroz com feijão às andouilletes. Curti a boa gastronomia da Espanha, França, Itália, Alemanha, Portugal. Percorri as cidades mais esplendorosas do Ocidente. Vivi em três prestigiosas capitais da Europa e em quatro grandes capitais de meu país.

Perambulei por paisagens magníficas, que me fizeram chorar. A beleza extrema sempre me provoca lágrimas. Andei pelo deserto, por oueds, montanhas, dunas, fjords, rias e ventisqueros. Chorei nos Andes, chorei nos Alpes, chorei no Saara, chorei nas costas da Noruega, chorei no Estreito de Magalhães. Chorei também em Santorini. De Madri, saí chorando. Eu estava em uma bodega, tudo era cores, dança, música, canções, madriles lindas, muito vinho, odores de assado bom, os sons rascantes de uma língua que adoro.

Quando me dei conta que, dali a duas horas, estaria voltando ao Brasil, chorei como um terneiro desmamado. Fui chorando até o aeroporto. Não porque estivesse voltando ao Brasil. Mas porque estava abandonando a festa. Dentro de pouco eu estaria voando, espremido num assento apertado, rumo a um país sin flamenco ni cante hondo, sin bailaoras ni cantaores, sin cochinillos ni lechales. Na bodega, continuariam todos cantando e dançando, comendo e bebendo. Muito chorei em minha vida, pastor. Raras vezes de tristeza. O mais das vezes, foi por deslumbramento, perplexidade ante a beleza. Felicidade também nos faz chorar. Choro também com certas árias de Nabucco, Carmen, Don Giovanni, Norma.

Depois que abandonei o tal de Deus, senhor pastor, passei a viajar quase todos os anos à Europa. (Quando nele acreditava, só conseguia ir de Dom Pedrito a Ponche Verde). Fiz pelo menos cinco travessias divinas do Atlântico – com perdão pelo trocadilho – de navio. Sabe, pastor? Aqueles navios cheios de Emmas Bovarys sedentas para conhecer o mundo e experimentar emoções outras que não as medíocres emoções proporcionadas pelo Charles. Vivi grandes momentos, “ao quente arfar das vibrações marinhas”, como canta o poeta. Fiz cruzeiros também divinos pelo Mediterrâneo, pelo Báltico, pelo mar do Norte e pelo mar Negro, pelo Egeu, pelo Adriático e pelos Canales Fueguinos.

Durante pelo menos uns trinta anos, sempre celebrei a bona-chira nos mais antigos e acolhedores restaurantes da Europa, com minha Baixinha adorada. Agora que ela partiu, ora a celebro com minha filha, ora com alguma namorada. E com meus amigos. Bastou-me abandonar Deus, pastor, e minha vida se tornou repleta de bênçãos, que me caíam dos céus em catadupas.

Fui salvo por minha descrença, pastor. Quando cria em Deus, era um adolescente fodido e sem nenhum vintém. Não tinha nem como convidar uma amiga para um bom jantar. Bastou-me deixar de crer e a vida se tornou linda. Cheguei aos sessenta jovem e cultivando minhas antigas amadas. Não tenho carro, nem nacional nem importado, como ostentam vossos crentes, é verdade. Mas isto é opção minha. Com carro não se vai longe. Ora, eu gosto de ir longe.

Sem ser rico, vivo bem. Não tenho contas em vermelho, nem nome sujo na praça, nem problemas na justiça. Jamais fiz empréstimos. Não sei o que seja um cheque sem fundo. Muito menos problemas familiares. Hoje, minhas únicas dívidas são luz, água e condomínio. Vivo em bairro bom, prédio ótimo, apartamento confortável. Ano passado, regalei uma antiga namorada com uma viagem a Paris, Barcelona e Madri. Com uma noite em Bruxelas, só para curtir um café que adoro.

À minha filha – doravante designada Primeira Namorada – dei de presente os fjords noruegueses, o sol da meia-noite, Estocolmo e o arquipélago de Estocolmo e de novo Paris. Na próxima primavera européia, estou combinando um giro pela Itália com uma amiga da Finlândia. No outono, penso partir com a Primeira Namorada rumo a Madri e às ilhas Canárias. Madri porque não concebo ir a Espanha sem visitar Madri. Ilhas Canárias, porque quero passear entre os vulcões de Lanzarote e comer carnes assadas no calor das lavas.

Por vários anos vivi soterrado no fundo do poço. O senhor Jesuis sempre foi um atraso em minha vida. Tudo só se tornou lindo, divino e maravilhoso quando o abandonei. Sei que o senhor pastor, por questões de fé, neste ano que começa, não poderá gozar dos prazeres que gozei e gozarei ainda.

Seja como for, bom 2009, senhor pastor.

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* A meus fiéis, solicito reenviar esta crônica a quem interessar possa.

segunda-feira, dezembro 29, 2008
 
FRANÇOIS MITTERRAND
SITUA O SANTO GRAAL



Já escrevi algumas linhas sobre O Código da Vinci. Sem jamais ter lido o livro nem visto o filme, considero ser uma obra ridícula. Nunca consegui entender a preocupação da Igreja em contestar uma tese sem pé nem cabeça. Não faltou quem me chamasse de preconceituoso. Que não podia criticar uma obra que não havia lido. Ora, certas obras não precisam ser lidas para serem julgadas. Basta venderem milhões de exemplares mal saem do prelo. Sinal óbvio de que não valem nada.

Hoje, o filme estava passando na Globo e decidi vê-lo até o final. Há décadas não via algo tão medíocre. Pela cena final, temos de concluir que foi François Mitterrand quem situou definitivamente o Santo Graal.

Um de meus interlocutores acha a idéia do livro interessante, por decifrar enigmas. Se os decifrasse, tudo bem. Acontece que não decifra nada. Só confunde. A tese sobre o Santo Graal é tosca. A idéia da Maria Madalena como a discípula mais amada também não se sustenta. Em suma, o que o autor quis foi ganhar dinheiro em cima dos mitos bíblicos.

Aliás, a santificação da madalena está na moda. Deve ser reflexo do feminismo. Ainda há pouco, vi um documentário sobre a Maria de Magdala. Teólogos pretendem que a madalena seja o discípulo amado - assim no masculino - que Jesus cita mas não nomeia. Estaria no masculino porque a época não aceitaria a idéia de uma mulher como apóstolo. De onde se concluiria que o Evangelho de João não foi escrito por João, mas pela madalena. Ora, especulação por especulação, prefiro então Guerra nas Estrelas.

Já um outro leitor alega que se obras que vendem milhões de exemplares não valem nada, então a Bíblia ou Dostoievski não valem nada. Alto lá, companheiro! Uma coisa são bestsellers instantâneos, que surgem do dia para a noite e sempre estão na lista dos mais vendidos. Outra coisa são obras reproduzidas aos milhões... no decorrer dos séculos.

A estes, chamamos clássicos.

 
PORCO AGRADECIDO
NÃO VIRA O COCHO



Um leitor me envia uma crítica feroz de Moacyr Scliar à ditadura cubana, publicada na Zero Hora, de Porto Alegre, no sábado passado.

O máximo que ele se permitiu, na conclusão do artigo, diz o leitor, foi: "... Em outubro de 1958, teve início a vitoriosa Marcha sobre Havana. No dia primeiro de janeiro, Batista deu no pé. Começava assim um dos capítulos mais controversos da história recente. O sonho continuou sonho? O sonho transformou-se em realidade? O sonho virou pesadelo? São perguntas que não querem calar. E ainda bem que não querem calar. Neste caso, como em outros, é da discussão que nascerá a luz. Não a luz dos fogos de artifício que saudaram 1959."

Eu, francamente, não entendi o que ele ainda quer discutir...

Ivo


Ora, meu caro Ivo, a História é um lago que seca. Ao descerem, suas águas trazem à tona monstros insuspeitos. Todos os escritores gaúchos do século passado foram cúmplices da peste marxista, sem exceção. Dyonélio Machado, por exemplo, após a evidência dos gulags, passou a escrever sobre a antiga Grécia. Foi o mesmo movimento espiritual de Sérgio Faraco, que refugiou-se – literariamente - em Urartu, na Armênia, para não ter de falar do que sofreu em Moscou. Josué Guimarães foi caixeiro-viajante a serviço de Pequim e Moscou. Até as pedras da Rua da Praia sabiam que estes senhores eram comunistas, mas ai de quem o dissesse em público. Seria execrado como delator e expulso do rol dos vivos.

Erico Verissimo também. Certa vez, pergunta a Faraco se não pensava escrever sobre sua estada na União Soviética. "Respondi que, de fato, tinha essa intenção, embora minha experiência não fosse edificante. Ele ficou pensativo, depois disse que, se era assim, talvez fosse ainda menos edificante narrá-la, enquanto vivíamos, no Brasil, sob uma ditadura militar. Ele tinha razão" - diz Faraco. Ora, os militares lutavam para que o Brasil não virasse o imenso gulag que o futuro escritor então testemunhara. Em função de um regime que jamais o pôs na prisão, mesmo sendo comunista, Faraco silencia sobre o regime comunista que o internou em um hospital psiquiátrico, mesmo sendo comunista.

Covardes e omissos foram também todos os demais que, sem pertencerem ao Partido, silenciaram sobre os crimes do comunismo. Mário Quintana, por exemplo, refugiava-se em uma frase cômoda: "eu não entendo de problemas sociais". Moacyr Scliar foi premiado pela ditadura de Fidel Castro. É leitão agradecido, que não vira o cocho onde come. Ou seja, desde há muito se preparava para entrar na Academia Brasileira de Letras, aprazível reduto de viúvas do stalinismo. Já que estamos comentando o assunto: filho de Verissimo, Verissiminho é. Luis Fernando, o rebento, apóia toda e qualquer ditadura, desde que de esquerda.

Apenas dois gaúchos, em todos os cem anos do século passado, ousaram escrever contra a barbárie. Um foi o jornalista Orlando Loureiro, que publicou A Sombra do Kremlin. Procure nos sebos: editora Globo, 1954, dez anos antes da viagem do alegretense deslumbrado. O outro é este que vos escreve, que tem denunciado o marxismo desde os dias em que Faraco passeava pelas ruas da nova Jerusalém.

domingo, dezembro 28, 2008
 
SURTO DE NOSTALGIA
ACOMETE A IMPRENSA



Lemos no Estadão de hoje uma espécie de editorial disfarçado como notícia, sobre o regime de 64:

“A preocupação com os adversários do governo militar era tão intensa que a Divisão de Segurança e Informações do então Ministério da Educação e Cultura (MEC) publicou, em 1970, uma cartilha específica intitulada Como eles agem. O documento dá a avaliação do regime sobre como, supostamente, os grupos clandestinos procuravam se infiltrar nas áreas da educação, cultura, imprensa e religião para influenciar os brasileiros mais jovens com suas idéias.

"As organizações esquerdistas vêm tentando conquistar o apoio popular através da identificação dos seus fins com as necessidades e aspirações do povo, utilizando-se da propaganda sub-reptícia, através das letras e artes e, muitas vezes, de meios ilegais como os atos de terrorismo e sabotagem", avisa a introdução da cartilha.

O artigo, assinado por Marcelo de Moraes, tem um tom irônico, como que afirmando tal preocupação ser um grosso equívoco do regime. "Supostamente, os grupos clandestinos procuravam se infiltrar..." Supostamente, um catzo! Os marxistas sempre estiveram infiltrados na Igreja, a tal ponto que a Igreja deu cobertura a terroristas como Marighella. Dom Evaristo Arns manifestou apoio público ao ditador Fidel Castro. No Rio de Janeiro, o cardeal Eugenio Sales alugou 80 apartamentos para abrigar apparatchiks de toda a América Latina, que chegaram a acolher grupos de 150, simultaneamente. O total de militantes hospedados, entre 76 e 82, chegou a cinco mil pessoas.

E continuam infiltrados também nas escolas e universidades, preferentemente nas ditas Humanidades, onde os cursos de Letras, História, Filosofia e Sociologia eram escolas de catequese comunista. Eram e ainda são. Embora a imprensa tenha noticiado a Queda do Muro de Berlim, o desmoronamento da URSS e a definitiva desmoralização da doutrina comunista, ao que tudo indica a universidade brasileira ainda não tomou conhecimento disto.

A imprensa contemporânea segue os mesmos rumos. Embora os jornalistas, por obrigação profissional, tenham noticiado tais fatos, parece que já os esqueceram. O mesmo Estadão que ironiza as preocupações dos militares de há quatro décadas, conseguiu um milagre em sua edição deste domingo. Dedicou em seu suplemento “Aliás” oito páginas em memória à Revolução Cubana, sem usar em um só momento a palavra ditador. Pelo menos no que diz respeito a Fidel Castro. Nas oito páginas do suplemento, a palavra ditador é usada quatro vezes... para definir Fulgencio Batista. E mais uma quinta vez, para designar Gerardo Machado, político que subiu ao poder em 1933, antecedendo Batista.

A Folha de São Paulo, por sua vez, dedica oito artigos às bodas de ouro da Revolução em seu caderno "Mundo", e mais um outro na "Ilustrada". Menção nenhuma a ditador ou ditadura. Em um só texto fala-se em ex-ditador. Mas isso na linha fina, e não no corpo do artigo. Por que ex-ditador? O Coma Andante continua ditando em Cuba.

Durante décadas de ditadura, a imprensa brasileira e mesmo a internacional, sempre referiu-se a Castro como presidente. Com a Queda do Muro e o desmoronamento da União Soviética, cá e lá, alguns jornais passaram a chamá-lo de ditador. Até mesmo a Folha e o Estadão. A imprensa parece hoje ter tido uma recaída, uma espécie de surto de nostalgia, na comemoração do meio século de ditadura castrista.

Até mesmo jornais que se pretendem independentes, como o espanhol El País e o francês Libération, não falam na ditadura de Castro. Convalescentinho, Fidelito virou coitadinho. Quando morrer, vai no mínimo virar santo.

A história me absolverá, disse um dia Castro. Pelo jeito, já o absolveu.

sábado, dezembro 27, 2008
 
NO PERAU DO TIO ÂNGELO (IX)


Tenho dois aniversários a cada ano. O verdadeiro é em abril. O oficial, em julho. A bem da verdade, não comemoro nenhum dos dois. Prefiro uma boa janta regada a bom vinho com alguma pessoa mais íntima, e nada mais que isso. Por que dois aniversários? Ora, naqueles rincões os cartórios ficavam a léguas de distância. Não tínhamos carro, aliás meus ascendentes jamais o tiveram. Nem pais nem avós. Ou seja, de Adão e Eva para cá, minha estirpe não soube o que é um carro. Eu, muito menos.

Ir até um cartório significava um dia de cavalgada. Que poderia ser dia perdido. Nunca se sabia se a cria iria vingar. Melhor esperar para ver. Três meses após meu nascimento, meus pais consideraram que a cavalgada não seria inútil.

O grupo escolar ficava a uma légua de nosso rancho. Explico aos leitores urbanos: légua são mais ou menos seis quilômetros. Normalmente ia a pé, arrebanhando a piazada pelo caminho. No inverno, devido à geada, íamos de pés nus, para não molhar as alpargatas. Perto da escola, lavávamos os pés numa sanga e só então púnhamos calçados. Nunca me queixei do frio e até hoje sinto alguma vontade de sair quebrando geada pelos pastiçais. Outras vezes, ia na aranha que levava minha mãe, professora, ao colégio. Mas gostava mesmo era de quebrar geada.

CLOTILDE *

Lembras, Clotilde, daquele guri boca suja e sem respeito que fugia para o chircal quando chegavam visitas? E que só voltava do mato para exibir aos visitantes - especialmente se eram moças - seu vasto repertório de nomes feios? Eu já não lembro muito dele. Entre aquela época e hoje se passaram mais de trinta anos, que dão a impressão de trezentos. Mas sei que lembras dele melhor do que eu.

Me dá teu braço. Vamos passear pelos campos de Ponche Verde e Upamaruty. Rever a sanga onde pesquei minhas primeiras joaninhas. Os mundéus para onde mangueei perdizes. A sombra da parreira onde me ensinaste as primeiras letras. A cacimba em que me debrucei para beber a água gelada do manancial. Vamos passear em silêncio, não sou de muito falar. Sabes que no campo não se admite intimidades entre pais e filhos. Se hoje tenho a coragem de te falar, decerto é porque estou longe.

Olhando paras trás, tudo me parece sonho. Lembras de quando escarafunchavas meus pés arrancando rosetas e espinhos de tala e coronilha? Sinto saudades daqueles espinhos. Aquele cascão grosso que protegia meus pés é hoje uma pele fina, sensível até mesmo a grãos de areia. Forçado pelas convenções, ao pôr sapatos me sinto um pouco como cavalo ferrado. Mas a cidade assim o exige.

Me passa um mate. Vamos sentar na frente da Casa, ao lado da pedra onde Canário afiava facas e tesouras. Enquanto o sol vai caindo e as sombras avançam como fantasmas tristes coxilha arriba, vamos corujar a primeira estrela, ouvir a canção dos grilos, ver as ovelhas se aprochegando em fila para o abrigo de uma canhada.

Não sei se imaginaste alguma vez as andanças futuras daquele guri xucro. Eu jamais imaginaria. Se, naquela época, me dissessem que há um país onde o sol não se põe, eu insultaria o mentiroso. E não é que um dia fui parar lá? E à meia-noite o sol ameaçava esconder-se, mas era só ameaça, continuava rodando quase paralelo ao horizonte.

Lembro de ti muitas vezes atrelando o tordilho à aranha. Li há algumas semanas, num jornal, a queixa de umas professoras rurais que tinham de ir à escola a cavalo. Gente boba, não é? Durante trinta anos, alfabetizaste duas gerações, graças ao tordilho. E nunca ouvi de ti queixa alguma.

Devo ter sido bom aluno, não é verdade? Uma das coisas que lembro muito foi daquele quinto ano primário. Tirei o primeiro lugar da aula. Foi barbada. Pra começar, só tinha dois alunos, eu e a Chica do tio Martim. Como viriam fiscais da cidade para os exames e a turma não estava bem preparada, as professoras nos deram a prova num domingo, para decorar em casa. Não sou ruim de memória, respondi tudo em dois minutos.

Lembras da professora que pulou o alambrado atrás de nós, quando a aranha já descia o lançante da coxilha? Dona Ivone Garrido, de Dom Pedrito. "Espera, pára, o teu filho é um gênio, tens de mandar esse guri pra cidade". Pois é! Mandaste o geninho pra cidade. Lá já foi mais difícil continuar sendo o primeiro da classe. As professoras jamais deram a alguém as provas antes do dia do exame. Resultado: no fim do ano, um monte de reprovações. Por isso que o ensino moderno anda em crise.

Mais um chimarrão antes de a gente terminar este passeio! Já está ficando tarde, tenho de voltar ao presente. Só há um lugar no mundo para onde sempre volto com o coração aos pulos: Ponche Verde. Qualquer dia estarei de novo aí. Não é por meu gosto que vivo nos povoados. Sabes, já faz alguns anos que não dou uma boa galopada nem vejo um nascer de sol. Há muito não ouço um galo cantar nem vejo galinhas ciscando o pátio depois de uma chuva. Já nem sei se formigas de asa existem ou são lenda. Esqueci o gosto de um tatu assado na casca. Bebo um leite de sabor desagradável que nada mais tem a ver com um apojo quentinho.

Virei bicho da cidade, mãe. Mas qualquer dia desses, o diabo sai de trás da porta, ato a mala nos tentos e me mando à la cria!

* Porto Alegre, Folha da Manhã, 08/05/76

sexta-feira, dezembro 26, 2008
 
TERIA JENNIFER FEITZ
CAÍDO NO MAR DO CARIBE?



Uma mulher de 36 anos desapareceu de um cruzeiro nas proximidades de Cancún (México), nesta sexta-feira, noticia a Associated Press. Tanto a Guarda Costeira mexicana quanto a americana fazem buscas pela mulher, identificada como Jennifer Feitz. A suspeita é que ela tenha caído na água.

O aviso de que Feitz havia desaparecido partiu do marido dela, às 5h desta sexta-feira (8h no horário de Brasília). Os dois estavam a bordo do navio Norwegian Pearl, que saiu no domingo de Miami, nos Estados Unidos, para passar sete dias no Caribe.

Resta mesmo saber se a moça caiu no mar. Já testemunhei caso semelhante, em uma travessia no Eugenio C, desarmado em 80. Um marido, desesperado com o sumiço de sua mulher, estava certo de que ela caíra do navio e intimou o comandante a fazer meia-volta para procurá-la em pleno Atlântico. O comandante, marujo de muitas viagens, tomou melhor providência. Chamou toda a tripulação para uma reunião e a mulher, milagrosamente, ressurgiu das águas.

Vamos ver se a Associated Press dá continuidade à notícia. Por enquanto, aposto na sobrevivência da moça. Faz apenas três horas que a moça sumiu. 36 anos, as tentações de uma viagem marítima, as facilidades de um navio de muitas pontes e mais de mil camarotes, qual Emma Bovary resiste? Muito pouco tempo para preocupar-se. Mal dá para desfrutar com gosto o bom folguedo.

Melhor que tenha caído nos braços de um oficial de bordo. Causa um certo constrangimento, é verdade, mas cruzeiros existem para isso mesmo.

 
CONY E BENTO XVI,
A GRANDE DISPUTA



Em princípio, quando se disputa algo, disputa-se algo meritório. Não parece ser o caso de Bento XVI e Carlos Heitor Cony, ambos empenhados em um estranho combate, o de demonstrar um mais ignorância que o outro. Ontem, foram uníssonos em afirmar uma grande bobagem, o nascimento de Cristo em Belém. Já coincidiram em outra, a de falar em Reis Magos, quando não existe rei mago algum na Bíblia.

Hoje, na Folha de São Paulo, Cony abriu larga vantagem sobre o Bento. Escreve o erudito imortal:

Um autor escandinavo - não lembro o nome dele, é um nome complicado, com seis consoantes, um trema, dois acentos circunflexos e uma única vogal - conta a história do sujeito que ia ser enforcado. Ao sentir que o carrasco botava a corda em seu pescoço, teve um pensamento que o consolou: "Amanhã, não precisarei escovar os dentes".

Sem ser especialista em literatura escandinava, ponho em xeque a afirmação do cronista. Desconheço autor escandinavo cujo nome tenha seis consoantes e uma única vogal. Até concedo: pode ser que exista e eu o desconheça. Mas um nome com uma só vogal não pode ter dois acentos e ainda por cima um trema. Como consoantes não têm acentos nem tremas, não é preciso conhecer literatura escandinava para perceber que Cony disse bobagem.

Segunda besteira, afirmar a existência de acento circunflexo em línguas escandinavas. Este diacrítico - sinal gráfico que se coloca sobre, sob ou através de uma letra para alterar o seu som - existe em onze línguas. Nos idiomas escandinavos, só existe no norueguês, e em apenas três palavras: fôr (do antigo norueguês fóðr, comida de animal), lêr (do antigo norueguês leðr, pele) e vêr (do antigo norueguês veðr, estado atmosférico). É acento em extinção. Até pode ser que o nome do tal de autor seja uma palavra emprestada. Palavras emprestadas existem em todas as línguas. No inglês, por exemplo, usa-se rôle, do francês, no sentido de status, posição social. Mas uma palavra de uma só vogal com dois acentos não é viável. E mais um trema. Não pode.

Em terceiro lugar, não existe trema nas línguas escandinavas. O trema é um outro diacrítico, usado para alterar o som de uma vogal ou para assinalar a independência dessa vogal em relação a uma vogal anterior. Em sueco, existem o ä e o ö, mas no caso não se trata de trema. Os dois pontinhos são constitutivos da própria vogal. Dizer que constituem um acento é a mesma bobagem que afirmar que o tracinho no ø de Tromsø ou a bolinha no å de Luleå ou Umeå são acentos apostos a vogais. Nada disso, fazem parte da vogal.

Um leitor aventa a hipótese de que Cony estaria fazendo ironia em relação aos idiomas escandinavos. Se estava, foi infeliz. De qualquer forma, não fazia ironia quando falou dos reis magos e do nascimento de Cristo em Belém. Foi ignorância total do imortal. Vamos ver a próxima jogada do Bento. Aposto que não vamos esperar muito.

quinta-feira, dezembro 25, 2008
 
O ETERNO BESTEIROL
DE NATAL SE REPETE



Em uma basílica de São Pedro lotada de fiéis, e com a imagem de Jesus a seu lado, Bento XVI lembrou ontem o nascimento de Cristo e disse que em cada criança há uma "reverberação do menino de Belém". Há horas venho afirmando que há décadas não vejo papa mais inculto que este. Seria de supor-se que o líder máximo da cristandade, o Vice-Deus, o bispo de Roma, soubesse que Cristo não nasceu em Belém. Mas em Nazaré. Ernest Renan o demonstrou definitivamente. Em meu ensaio Como ler jornais, esclareço o fato:

Verdade que Mateus escreve: “Tendo, pois, nascido Jesus em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes ....” E acrescenta: “Ouvindo, porém, que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; mas avisado em sonho por divina revelação, retirou-se para as regiões da Galiléia, e foi habitar numa cidade chamada Nazaré; para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado nazareno”. Pois dissera Miquéias: “Mas tu, Belém Efrata, posto que pequena para estar entre os milhares de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de reinar em Israel”. No fundo, Mateus trazia no sangue esta tendência do jornalismo contemporâneo, de adaptar os fatos à visão que se tem do mundo. Quis adaptar o nascimento a antigas profecias. A realidade que se lixasse.

Escreve Renan, em A Vida de Jesus: "Cristo nasceu em Nazaré, pequena cidade da Galiléia, desconhecida até então. Toda sua vida foi designado pelo nome de Nazareno e só por um esforço que não se compreende é que se poderia, segundo a lenda, dá-lo como nascido em Belém. Veremos adiante o motivo dessa suposição, e como ela era conseqüência necessária do papel messiânico que se deu a Jesus".

Segundo Renan, Nazaré não é citada nem no Antigo Testamento, nem por Josefo, nem no Talmude. Enquanto Nazaré da Galiléia era um vilarejo anônimo, Belém da Judéia portava o prestígio de antigas profecias. Que nascesse em Belém, portanto. Mas por mais pontas que tenha a estrela de prata dos franciscanos, simbolizando o nascimento do Cristo na gruta existente na Igreja da Natividade, em Belém, nazarenos nascem em Nazaré.

Lucas também adere à lenda do nascimento em Belém: “Naqueles dias saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo fosse recenseado. Este primeiro recenseamento foi feito quando Cirino era governador da Síria. E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. Subiu também José, da Galiléia, da cidade de Nazaré, à cidade de Davi, chamada Belém, porque era da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam ali, chegou o tempo em que ela havia de dar à luz, e teve a seu filho primogênito; envolveu-o em faixas e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”.

Os evangelistas, ao situarem o nascimento de Cristo no reinado de Herodes e evocarem o recenseamento de Cirino, desmontam a própria tese. Diz Renan:

"O recenseamento feito por Cirino, do qual se fez depender a lenda que ajunta a jornada a Belém, é posterior, pelo menos dez anos, ao ano em que, segundo Lucas e Mateus, nascera Jesus. Com efeito, os dois Evangelhos põem o nascimento de Jesus no reinado de Herodes (Mateus,II, 1,19,22; Lucas, I, 5). Ora, o recenseamento de Cirino foi feito só depois da deposição de Arquelau, isto é, dez anos depois da morte de Herodes, no ano 37 da era de Ácio. A inscrição pela qual se pretendia outrora estabelecer que Cirino fizera dois recenseamentos é reconhecida como falsa. O recenseamento em todo caso não teria sido aplicado senão às partes reduzidas à província romana, e não às tetrarquias. Os textos pelos quais se pretende provar que algumas das operações de estatística e registro público, ordenadas por Augusto, chegaram até o reinado de Herodes, ou não têm o alcance que se lhes quer dar, ou são de autores cristãos que colheram esse dado no Evangelho de Lucas".


Este mito do nascimento em Belém está sendo hoje repetido em todos os jornais do mundo. A Folha de São Paulo o anuncia todos os anos. Neste ano, coube a Carlos Heitor Cony, ex-seminarista, imortal da Academia Brasileira de Letras e detentor de uma gorda bolsa-ditadura, insistir na bobagem. Em um artigo de apenas 1400 toques, comete duas asneiras. A primeira é a do nascimento em Belém:

A iconografia cristã tem dois momentos fundamentais: a criança recém-nascida na estalagem de Belém, tendo a aquecê-la o hálito de um burro e de uma vaca; e o corpo nu e maltratado de um homem coberto de chagas e opróbrio.

Mais adiante, erro ainda mais grave:

Houve também a estrela que guiaria os Reis Magos para a oferta do ouro, do incenso e da mirra: "Vimos sua estrela no Oriente e viemos com presentes adorá-lo".

Ora, você pode revirar a Bíblia de ponta a ponta, palavra a palavra, vírgula a vírgula e jamais encontrará qualquer rei mago. Há quatorze referências a magos no Antigo Testamento e apenas quatro no Novo. Não se fala em reis magos em nenhuma delas. A que Cony cita está em Mateus, 2:

1 Tendo, pois, nascido Jesus em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram do oriente a Jerusalém uns magos (o grifo é meu) que perguntavam: 2 Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Pois do Oriente vimos a sua estrela e viemos adorá-lo.

A verdade é que o próprio Bento, em um seis de janeiro passado, andou falando urbi et orbi dos reis magos. Ou seja, quando o sumo sacerdote da cristandade – aquele que deveria zelar pela interpretação dos livros sagrados – comete erros tão crassos, não causa espanto que um jornalista inculto também os cometa.

quarta-feira, dezembro 24, 2008
 
O BOM DEUS DOS ATEUS
NÃO ESQUECE DOS SEUS



Ainda a propósito da crônica “Bíblia vê mulher como imundície e submissão”, onde me restrinjo a citar trechos do Livro – e nada mais que isso – acabo de receber mail de um leitor, que se assina como Gabriel:

Eu era assim, radicalmente contra a religião, na pré-adolescência. Depois cresci. Não adianta empurrar garganta abaixo dos outros as nossas idéias. Tem menos sentido ainda fazê-lo no Brasil, onde as pessoas têm leituras bastante razoáveis sobre a religião. Eu queria saber se o autor segue sua própria linha tão puramente a ponto de ignorar o Natal, por exemplo. Nem um presentinho para os netos ou ceia com a família?

Itinerários opostos, meu caro Gabriel. Eu era radicalmente a favor da religião, na adolescência. A religião me foi enfiada a machado na cabeça. Não fui apenas congregado mariano, como também presidente da Congregação Mariana de Dom Pedrito. Foi quando então fiz meu primeiro trabalho em prol da humanidade. Enterrei a congregação em suas contradições e acabei por dissolvê-la. Depois cresci. Se quando congregado pretendia empurrar garganta abaixo minhas idéias, depois disso nunca mais pretendi que quem quer que fosse seguisse alguma idéia minha. Idéias, adoro discuti-las. Apenas isso. Quem quiser que siga as suas. Ou até mesmo as minhas.

Li Nietzsche muito cedo. Considero que Nietzsche tem de ser lido quando se é jovem, de preferência antes dos vinte. Depois, não adianta muito. Ou somos rebeldes quando jovens, ou nunca mais. Ninguém se torna rebelde aos trinta. Já está bem empregado, família constituída, salário e status a defender. Desde meus verdes anos me imbuí da doutrina do sublime alemão. Zaratustra não queria discípulos. Eu também não. Se por ventura os tenho, paciência. Não posso proibir ninguém de concordar comigo. Muito menos de discordar. Faz parte da vida. E também do escrever.

Mas o leitor faz uma pergunta oportuna, particularmente no dia de hoje. Quer saber se ignoro o Natal. Sempre o ignorei. Nasci em um universo pagão, onde religião não tinha vez. Meu clã cultivava as festas juninas, reminiscências ainda vivas do solstício de verão na Europa, quando a peste cristã ainda não infestava o velho continente. Fazíamos as fogueiras de São Pedro, São João e Santo Antonio. Que nunca foram as fogueiras destes senhores, mas cultos pagãos ao fogo, ao sol e à alegria.

Lá nos meus pagos, logo depois do entardecer, ficávamos olhando rumo ao horizonte, esperando que alguém acendesse a primeira fogueira. Acendida a primeira, pontos luminosos iam surgindo de longe em longe, a léguas de distância uns dos outros. A léguas, mas todos unidos na celebração de algo que ninguém sabia muito bem o que era. Confraternização muda e luminosa, unia as gentes dos mais diferentes rincões. Foi o que sobrou do paganismo naquela pampa.

Quanto ao Natal, é redundante dizer, tornou-se uma festa de consumo. A cada dezembro, jornais recomendam dietas e ao mesmo tempo perus e panetones. Jamais comi um peru num Natal e jamais me preocupei com dietas. Como o que costumo comer todos os dias. Os shoppings e mercados populares estão regurgitando de pessoas angustiadas, preocupadas em dar presentes a outros ou a si mesmas. No que a mim diz respeito, nem penso no assunto. Só há duas datas em me recuso a dar presentes a uma pessoa. É no Natal e no dia de seu aniversário. Fora isto, adoro dar presentes. Sempre de surpresa, sem data alguma. Presente com data não tem graça.

Não haverá ceia com família. Dado meu espírito gaudério, desde há muito vivo longe dos meus. Tenho uma filha, é verdade. Ela está aproveitando sua folga no trabalho para visitar a mãe, que vive longe daqui. Quanto à família, tenho um conceito um pouco distinto dos demais.

Família, para mim, não é aquela oriunda de laços de sangue. Até pode ser, mas não necessariamente. Família é aquela que elegi no decorrer de minha vida. Ao longo dos anos, constitui minha pequena família, juntando amigos e amigas em diversas cidades e países. Esses são os realmente meus. As pessoas que elegemos por amizade, afinidades espirituais, carinho. Minha família, de modo geral, é composta de pessoas solitárias. O que é ótimo. Nos Natais, não temos compromisso algum com aquela outra família, a biológica. Sempre que estamos perto uns dos outros, nos reunimos para celebrar nossa solidão solidária.

Minha filha pertence a esta minha família. Não porque seja sangue de meu sangue, mas porque a adoro. É inteligente, culta, ambiciosa e cheia de vida. Então é da família. Coincidiu que hoje está todo mundo longe. Alguns foram para Paris e Itália, outros estão na Suécia ou Finlândia, os mais próximos estão em Salvador, Rio, Florianópolis ou Porto Alegre. É família naturalmente dispersa. Tanto faz! Qualquer dia nos encontramos. Não está escrito em livro algum do mundo que há data para festar. Festa é o dia em que decido que é festa.

Mas o bom Deus dos ateus nunca esquece dos seus. Ontem, quando comprava meus jornais, tropecei com a mais linda de minhas vizinhas. Estás só? – me perguntou. Estou – respondi feliz. Hoje vamos festar com gosto.

Tim-tim, leitor! Bom solstício!

terça-feira, dezembro 23, 2008
 
ESSA MILENAR ESTUPIDEZ


A propósito da crônica “Bíblia vê nas mulheres imundície e submissão”, escreve um leitor:

Agora vc está fazendo o papel de falso moralista, Janer. Você bem sabe que a Bíblia sofreu diversas alterações com o passar dos séculos, de acordo com o pensamento dos líderes da época. Você ao menos sabia que padres foram proibidos de casar para que a igreja não precise sustentar suas famílias? Então não acho que vc deva basear seu texto neste livro cheio de contradições, como é o caso das mulheres. Você, como jornalista, sabe muito bem que os tempos mudam, e desde a "versão final" da Bíblia até hoje, muita coisa mudou. Ninguém, em sã consciência, vive de acordo com a Bíblia ao pé da letra... não nos dias de hoje! Então creio que o senhor deva procurar argumentos mais convincentes ao invés de tentar expôr ao ridículo a opinião dos seus leitores, baseando-se em textos que ninguém mais considera.

Engraçado como, quando nos convém, buscamos no absurdo a base para nossos argumentos (e isso acontece todos os dias).

José


Não é bem assim, meu caro. Que a Bíblia sofreu diversas alterações com o passar dos séculos, isso é verdade. A primeira e mais grave das alterações foi transformar o Pentateuco, livro politeísta, em monoteísta. Substituiu-se a monolatria - culto de um só deus nacional - pelo monoteísmo, culto de um deus único. Já comentei o assunto. Em crônica passada, citei um trecho do Gênesis: “Sucedeu que, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, e lhes nasceram filhas, viram os filhos dos deuses que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram”.

Um leitor atento implicou com os deuses, assim no plural. Que em sua Bíblia está “os filhos de Deus”. De fato, nas traduções ao português que tenho em minha biblioteca, assim consta. Tanto na Bíblia de Jerusalém, quanto na edição pastoral publicada pelas Edições Paulinas. Também na editada pelo Centro Bíblico de São Paulo, a partir da versão francesa dos Monges Beneditinos de Maredsons, Bélgica. O mesmo consta de minha bíblia eletrônica, a reputada tradução de João Ferreira de Almeida.

É que usei a tradução proposta por Jean Soler, “les fils des dieux”. Como os judeus têm mais rigor quando se trata da palavra divina, fui consultar a Torá. Lá está: “os filhos dos senhores”. Melhorou um pouco mas não muito. O plural é mantido. Mas que senhores são esses que se opõem aos homens? Mistério profundo. Fui buscar então em minha tradução francesa da Bíblia, editada pela Alliance Biblique Universelle. Lá está: “les habitants du ciel”, também no plural. Mas quem são esses habitantes do céu cujos filhos acharam belas as filhas dos homens? O mistério persiste.

Ora, os deuses eram muitos na época do Pentateuco. Jeová é apenas um entre eles, o deus de uma tribo, a de Israel. Escreve Soler: “Ora, nem Moisés nem seu povo durante cerca de um milênio depois dele – os autores da Torá incluídos – não acreditavam em Deus, o Único. Nem no Diabo”.

Esta é uma alteração realmente grave nos textos bíblicos. Quanto às referências à imundície intrínseca das mulheres, estas não foram alteradas desde o Levítico e o Deuteronômio até nossos dias. Pode ser que os católicos não liguem mais para isto. Afinal, divórcio é proibido e os católicos se divorciam. Homossexualismo é pecado e os padres não poupam os menininhos. Aborto é pecado punível com excomunhão e as católicas continuam abortando. Só no Brasil, são mais de milhão de abortos por ano. E por favor, que ninguém pretenda colocar essa cifra na contabilidade dos ateus. Não há tantos assim no Brasil. Nós somos raros. Mesmo assim, os católicos continuam cultuando o Livro. As citações que fiz, a respeito da condição imunda das mulheres, constam das traduções contemporâneas da Bíblia.

Já os judeus levam o Livro mais a sério e se pautam pelas antigas prescrições. Vivo em Higienópolis, bairro judeu, cercado por mais de uma dezena de sinagogas, e observo a raça de perto. Um judeu jamais dá a mão à sua mulher. Ela pode estar imunda, isto é, menstruada. Marta Suplicy, quando prefeita de São Paulo, foi certa vez a uma reunião com rabinos. Como todo político, foi logo estendendo a mão. Os rabinos, polidamente, as conservaram coladas às costas. Vexame total. O único a apertar a mão da petista foi Henry Sobel, o ladrão de gravatas.

Comentei este fato há dois anos. Um judeu, assessorado pelo rabinato de Higienópolis, respondeu-me:

O judaísmo é feito de valores. Um destes é o respeito máximo a mulher, que nada tem a ver com seu ciclo menstrual. Um homem, mesmo tendo 100% de certeza de que uma mulher não está menstruada, e ainda que seja sua esposa; mesmo assim, pelas leis mais estritas judaicas, não pode cumprimentá-la em público. E porque? Por questão de recato. Para preservar carinhos e troca de afagos para os momentos íntimos e particulares com a sua amada. Em uma época onde mulheres reclamam que são tratadas como objetos, onde a propaganda abusa da super-exposição sexual da mulher e etc…., o judaísmo trata a mulher como um ser elevado a ser respeitado e admirado.

Não é bem assim. Para começar, o leitor está acusando de falta de recato toda a mulher que dá sua mão ao amigo, namorado ou marido na rua. O que nada tem a ver com falta de recato. Para responder a meu interlocutor judeu, fui até uma livraria judaica do bairro, a Sêfer, e comprei uma Torá, edição de 1962. Custou caro mas valeu a pena. Lá está, comentado pelo rabino Meir Matzliah Melamed, o trecho do Levítico que considera imunda a mulher menstruada. Escreve o rabino em pé de página:

Dias da impureza de sua indisposição - Essa impureza da mulher, motivo pelo qual ela se afasta do marido por sete dias durante a menstruação, chama-se em hebraico Nidá, o que significa “separação” e nela está proibida toda intimidade com seu marido. As leis da Nidá baseiam-se naquilo que está escrito no Levítico 15:19-24. Além disso existe um tratado completo no Talmud com o mesmo nome, dedicado à amplificação dessas leis.

Os cientistas maravilham-se diante do fato de que os antigos hebreus praticavam o mais alto padrão de higiene sexual reconhecido nos tempos atuais. Tem sido demonstrada também a existência de uma substância tóxica no soro do sangue, na saliva, na transpiração, na urina e em todas as outras exudações da mulher durante o período de menstruação.


Ou seja, até o suor da mulher menstruada é imundo. O sofá onde ela senta se torna imundo, a cama onde ela deita se torna imunda. Quem toca sua mão, torna-se também imundo. Muita coisa mudou, diz meu indignado leitor. Mas não a Bíblia. Nem a cristã, nem a hebraica. Pessoalmente, penso que a Igreja de Roma – como também os judeus – há muito deviam ter abandonado como código normativo o Antigo Testamento, esse livro cheio de ódio, genocídio, massacres e preconceitos. Aliás, os católicos deveriam abandonar também o Novo, onde Cristo e Paulo nos ameaçam com o fogo eterno.

A verdade é que nem judeus abandonam a Torá e a Tanak, nem católicos abandonam o Antigo e Novo Testamento. Então, que assumam suas besteiras. “Ninguém, em sã consciência, vive de acordo com a Bíblia ao pé da letra... não nos dias de hoje!” – escreve meu leitor. Então que a joguem fora, ora bolas!

Em meu artigo, sequer comentei os textos bíblicos. Me ative apenas a reproduzir, ipsis litteris, essa milenar estupidez.

segunda-feira, dezembro 22, 2008
 
BENTO XVI SE METE
EM CAMAS ALHEIAS



Confesso que sou um pouco arredio a essa mania de mudança de sexo. O sexo que o bom Deus me deu – essas são as horas em que viro místico! – me satisfaz plenamente. Se tivesse me dado outro, também me satisfaria. Não que me desagrade a idéia de um homem ter as sensações sexuais que uma mulher tem, nada disso. Não sou moralista a esse ponto. Mas, fica a pergunta: se um homem troca de sexo, terá plenamente os prazeres que tem uma mulher? Duvido. E se é para ter menos prazer, não me parece que seja bom negócio. O dito universo gay que me desculpe. Penso que troca de sexo está na faixa da neurose. Sexo é bom, qualquer que seja. Para que trocar?

Seja como for, cada um vive como melhor lhe apraz. Se alguém se sente mal com uma fisiologia masculina – ou feminina – e se a medicina hoje permite cambiá-la, bom proveito e felicidades a todos. Não pensa o mesmo Sua Santidade Bento XVI, que criticou hoje as mudanças de sexo, ao defender que Deus criou o ser humano como homem e mulher. O papa disse que o homem pretende "se auto-emancipar da criação e do Criador".

Isso de Criador é coisa de quem crê. Nós, que não cremos em criador algum, não temos nada a ver com isso. "Não é uma metafísica superada se a Igreja fala da natureza do ser humano como homem e mulher e pede que esta ordem da criação seja respeitada", disse o pontífice perante os cardeais e membros da Cúria romana, aos quais recebeu na tradicional audiência de troca de felicitações por ocasião do Natal. Confesso que, de meus dias de existência, jamais vi papa tão inculto como esse. Para começar, o assunto nada tem a ver com metafísica. Bento pediu que seja escutada a linguagem da criação, "cujo desprezo seria a destruição do homem e, portanto, a destruição da obra de Deus".

Que obra de Deus, companheiro? Obra de Deus para ti, que acreditas nessas potocas. A sociedade laica nada tem a ver com isso. Tu, Bento, estás negando a medicina. Porque o homem nasceu para morrer. Quem o salva, pelo menos por algum tempo, são os médicos. Estes profissionais que Jó não suporta: “Vós, porém, sois forjadores de mentiras, e vós todos, médicos que não valem nada”. Mas quando um papa está morrendo, ele não aceita que “a ordem da criação seja respeitada”. Se mune de medicina de ponta. Se a morte é o encontro com Deus, deveria ser desejo de todo cristão morrer logo. Não é o que vemos por aí.

O homem é um ser antinatural por excelência. Construir uma casa, um automóvel, um avião, um computador, isto não faz parte da natureza. Muito menos da suposta natureza legada pelo tal de deus. Se o Vaticano existe hoje, com toda sua pompa, sua arquitetura e obras de arte, é porque o homem um dia fugiu aos planos de deus e fez pompa, arquitetura e obras de arte. Fosse o homem subserviente aos planos da deidade, continuaria vagando pelado pelo Éden, sem nada conhecer do mundo que o cercava.

Confesso, como disse, que sou arredio à troca de sexo. O meu é ótimo. Se fosse outro, também seria ótimo. Eu o desfrutaria com a mesma gana. Mas se a medicina, assim como consegue adiar a morte, consegue trocar o sexo de alguém, papa nenhum tem nada a ver com isso.

Se trocar de sexo dá prazer, que tem a ver com isso o bispo de Roma? Que pregue suas crenças para seus crentes. E, por favor, que não se meta na cama dos demais.

domingo, dezembro 21, 2008
 
SOBRE A VENTURA DE NÃO
TER VIVIDO EM MOSCOU (I)



Leitor me pergunta porque eu, anticomunista ferrenho, pedi um dia bolsa para a universidade Patrice Lumumba, em Moscou. Ora, nada tinha a ver com comunismo. Eu queria era sair do Brasil. Fosse para onde fosse. Quanto mais longe, melhor. Quanto mais estranha a língua, mais me atraía o país. A Patrice me parecia a hipótese mais viável. Além disso, eu convivia na Rua da Praia com o Paulo Silveira, que era diretor do Instituto Brasil-URSS em Porto Alegre. Me matriculei então na PUC, em um curso de russo, com o saudoso professor Sergiei Zhukof, um jovem de 94 anos. Nunca vi tanta jovialidade em pessoa tão idosa. Também pudera: Zhukof era esgrimista e campeão de vela, entre outras coisas.

Pedi bolsa também para a Finlândia, Alemanha e Japão. Curiosamente, a bolsa acabou vindo de onde menos eu esperava, da França. Resultado de minha demanda à Patrice Lumumba: minha candidatura foi interceptada e, no final dos 60, fui preso por um delegado em Dom Pedrito, que me interrogou sobre isso. Em verdade, a questão era outra, era um imbróglio sexual. Eu namorava a mulher mais linda da cidade – uma terna bugra guarani que ainda espero reencontrar antes de partir - e um advogado, interessado na moça, me armou uma armadilha de cunho político.

O curioso é que o delegado sabia tudo sobre minha vida. "No dia tal e tal, o sr. lia uma Veja no banco na praça, em frente à igreja, em cuja capa estava escrito CCCP". O delegado era um afrodescendentão, estudava Direito e, mesmo sem ter terminado o curso, já usava anel no dedo. Não é CCCP, doutor (nestes momentos, melhor apelar ao Dr). Em cirílico, é SSSR, Soyuz Sovetskikh Sotsialisticheskikh Respublik. O que o doutor chama de CCCP estava escrito na foto de capa da revista, na camiseta de um atleta das Olimpíadas.

Depus por quatro ou cinco horas. Minha vida foi revirada, de alto a baixo. Só para concluir: eu usava uma espessa barba naqueles anos, muito antes da existência do PT e de a barba ser usada como crachá. Para demonstrar erudição, o afrodescendentão perguntou-me:

- O senhor sabia que sua barba suscita antipatias?
Sabia.
- E por que não corta?
Ora, era verão, a barba começava a incomodar-me. Mas, diante das circunstâncias, decidi:
- Eu até estava pensando em cortá-la. Mas agora, não corto mesmo.

Tive sorte em não receber a bolsa. Primeiro, é claro que não iria aceitar as regras de disciplina da Lumumba. Pra começar, não podia transar as russas. Fui saber isso bem mais tarde, pelo livro de Sérgio Faraco, Lágrimas na Chuva. Não ia dar pé mesmo. Uma das coisas que sempre me fascinou na vida foi ouvir mulheres gemendo em outras línguas. Ora, ouvir gemidos na língua de Dostoievski e Kuprin era para mim uma antecipação do paraíso. Mas minha primeira decepção com o paraíso surgiu antes mesmo de ter resposta da bolsa.

Numa madrugada na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, na lancheria do Matheus, encontrei José Monserrat Filho, que voltava de Moscou, após especializar-se em Direito Espacial. O personagem me fascinava. Eu estava conversando com alguém que falava russo, vivera em um país longínquo e certamente ouvira meninas gemendo em russo. Eu ouvia seus relatos como um cãozinho atento, desejoso de conhecer o mundo.

- Como é que é na Patrice, Monserrat? Cada estudante tem um quarto?

Era meu sonho, um espaço meu para transar as russinhas. Monserrat me jogou um balde de água fria:

- Nada disso. Cada quarto tem três beliches, para seis pessoas.

Ali, meu sonho começou a murchar. Mais tarde, anos 70, quando em Estocolmo, vi do que escapara. Brasileiros que haviam feito curso na Lumumba, após terminar o curso tinham de sair da Rússia. Dada a época, não podiam voltar ao Brasil. Saíam então, de diploma em punho, a lavar pratos na Europa. Eu os chamava, em sueco, de "internationella diskare", lavadores internacionais de pratos.

 
SOBRE A VENTURA DE NÃO
TER VIVIDO EM MOSCOU (II)



Sem jamais ter ido a Moscou, tive outras notícias da cidade. Quando vivia em Paris, uma boa amiga telefonou-me de Porto Alegre. “Podes receber meu namorado? Ele está indo para Moscou, vai fazer escala em Paris”.

Claro que podia. O gaúcho chegou, eu o recebi com meus melhores vinhos. Charlamos por pelo menos duas noites. Que vais fazer em Moscou? – perguntei. “Vou fazer arquitetura, na Patrice. Um curso de cinco anos”. Sabes desenhar caixas de fósforos? – voltei à carga. Ele me olhou com um gesto de que eu não merecia resposta. Bom, meu caro, se sabes desenhar caixas de fósforo, já dominas toda a arquitetura soviética. Nem precisa ir.

Ofendeu-se, o gaúcho. Queria ir embora lá de casa. Instei-o a ficar, eu apenas fazia um comentário. Mas predisse: tu vives boa vida em Porto Alegre. Não vais agüentar nem seis meses em Moscou. Despediu-se de mim irritado.

Mês seguinte, chega sua namorada, advogada trabalhista. Iria visitá-lo em Moscou. Ficou um mês esperando pelo visto. Nesse meio tempo, fui lhe apresentando as delícias do capitalismo. Vai daí que, nesses mesmos dias, chega lá em casa um amigo, doutor em Física de plasmas, pessoa admirável, que quando bêbado citava as quatro aporias de Kant ... em alemão. Os dois se entenderam e saíram a viajar pela Itália. Antes de partir para Moscou, ela tomou um banho de capitalismo, dos pés à cabeça. Estava fascinada com o Ocidente. E vacinada contra o socialismo.

Antes de sua partida, manifestei minha preocupação com sua vida sexual em Moscou. Ofendeu-se. Que queres dizer com isso?

- Minha preocupação é onde vais transar com teu namorado.

- Como onde? No quarto dele, é claro.

- No quarto dele, minha querida, tem mais cinco. Não vai ser fácil.

Antes de concluir, uma pequena peça que preguei à moça. Existe em Paris um ônibus chamado PC. Como qualquer pessoa que está em Paris, seja parisiense ou turista, eu tinha uma carte orange, título de transporte que é mais barato do que comprar bilhetes um a um. Vale por uma semana ou mês, conforme você quiser. Na hora de entrar no ônibus, você apenas a mostra ao motorista. Disse pra moça:

- Este é PC, o ônibus do Partido Comunista. Estudante ou operário não paga nada, é só mostrar carteirinha. Tu vais pagar porque não és estudante nem operária.

Ela achou lindo, um país onde o Partido oferecia transporte de graça a estudantes e operários. Nada a ver. PC significa Petite Ceinture, o ônibus que faz o trajeto dos bulevares interiores de Paris. Eu não pagava pelo simples fato de que comprara a carte orange. Soube que ela voltou a Porto Alegre louvando as virtudes do PC francês.

Bom, vai daí que a moça acabou indo ao paraíso socialista. Voltou um mês depois. Como é que foi? – perguntei. Ela não falou muito. Disse apenas que era uma cidade concebida para gigantes. Antes de voltar ao Brasil, fez-me algumas confidências. “Tudo é escasso lá. E não há escolha. Os absorventes higiênicos são enormes”.

Pois é, minha querida. País de gigantes é assim mesmo. Mas a história não termina aqui. Continuamos a trocar correspondência. Era a época das cartas, que demoravam pelo menos uma semana para chegar. Três meses depois, ela me dá notícias de Porto Alegre e fala que o namorado havia decidido voltar, que não via muito sentido em ficar cinco anos estudando agronomia em Moscou. (Agora, era agronomia. O curso inicial era arquitetura). Continuou escrevendo e, ao final, um PS: “Tche, o Rui chegou ontem”.

O bravo militante comunista, que fora à Rússia para um curso de cinco anos, não agüentou nem seis meses, como eu previra. Nos encontramos mais tarde em Porto Alegre. “Viu?” – perguntei –. “Nem seis meses”.

“Ah! Não vou te explicar. Não vais entender”.

Não iria entender mesmo. Só afirmei que ele não suportaria seis meses em Moscou.

 
EU, REDATOR DO PRAVDA


Pois, caros, virei redator do Pravda, em sua versão brasileira. Quem diria? Logo eu, o anticomunista ferrenho, que já fui tido como agente do imperialismo, do DOPS, do SNI e inclusive da CIA. Isto é, os camaradas reproduziram um artigo meu. Subida honra: http://port.pravda.ru/cplp/brasil/25623-2/. Pravda, em russo, quer dizer verdade. Sou agora um redator da Verdade.

Mudaram os tempos ou mudei eu? Certamente foram os tempos. No que diz respeito a anticomunismo, não mudei nada desde que me conheço por gente. Enfim, nestes dias de Internet, impossível impedir a reprodução de um artigo em outros sites. Nem tenho interesse em impedir. Meu interesse, ao contrário, é que meus artigos sejam divulgados.

Mas que estou perplexo, estou! Do jeito em que marcha a humanidade, qualquer dia sou publicado no Última Hora, do MR-8.

sábado, dezembro 20, 2008
 
LA MÉTHODE CRISTALDESQUE


Dia 26 de março de 1981 foi o último dia em que usei gravata em minha vida. Há 27 anos, portanto. Já não a usava há muito, tanto que já nem lembrava como se dá um nó. Usei-a porque iria defender uma tese na Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris III) e meu orientador julgou conveniente que eu fosse de gravata. Então tá! Mas o problema não foi a gravata. E sim o tal de método.

Não usei teoria alguma para fundamentar minha tese. Apenas raciocinei, livre pensei, como quiserem. Um de meus inquisidores era Madame Brahimi, especialista em literatura do Maghreb. O que ela estava fazendo lá, não sei. A tese era sobre as literaturas Ernesto Sábato e Albert Camus e alguém entendeu que Camus, por ser argeliano, era um autor magrebino. Ora, pode ser que Camus tenha nascido em Mondovi, na Argélia. Mas sua literatura nada tem a ver com a Argélia. É, antes de tudo, um escritor francês.

Falava do método. Lá pelas tantas, Me. Brahimi encrencou: “Je n’ai jamais vu ça! Oú est la méthode?” (Jamais vi algo assim. Onde está o método?) E quando um burocrata francês diz “je n’ai jamais vu ça!”, saia da frente. Ele está querendo dizer que a coisa vista não existe.

- Ma méthode c’est la cristaldesque! – respondi, arriscando jogar fora, com aquela resposta, quatro anos de pesquisa. Meu método é o cristaldesco. Não vim aqui para analisar a obra de dois autores pedindo emprestado o cérebro de um terceiro. Estou usando o meu mesmo. Milagrosamente, minha tese passou. Acho que um pouco devido à platéia. Havia entre cinqüenta e sessenta meninas na salle Bourjac, na velha Sorbonne, e um só rapaz. Seria uma ofensa a tão seleto público reprovar-me. Minha Baixinha, que viera do Brasil para assistir a defesa, estava perplexa. Nossa! Como conseguiste isto? Sei lá! Conversei, namorei, amei. Consegui.

Desconheço algo mais precário, no mundo acadêmico, que o tal de método. Método significa o seguinte: você usa o pensamento de um teórico qualquer, de preferência alemão ou francês – paraguaio ou boliviano não vale, é claro! – para embasar suas reflexões. Ou seja: você não pode pensar. Quem pensa é o teórico. Que isso tenha importância na área científica, entendo. Só não sei quem importou o tal de método para a área das ditas ciências humanas. Método é um freio ao livre pensar. Você quer um galão que o habilite ao ensino universitário? Então renuncie a seu próprio pensamento e pense como nós, da Academia, pensamos. Você não está aqui para ser original. Pense como pensamos todos.

Escreveu Lígia Chiappini Moraes Leite – por sinal minha conterrânea e hoje professora na Freie Universität de Berlim – em A Invasão da Catedral: “É por isso que os seminários da pós-graduação continuam a ser, na sua maior parte, aulas ou conferências dadas pelo professor ou por um aluno, e as teses, exercícios escolares sem grandes audácias, onde a invenção é mal vista e a submissão aos métodos do orientador, predominante. O que interessa não é entrar na aventura da pesquisa, mas seguir a trilha bem comportada e segura que levará aos títulos”.

Conversando com a Lígia, disse-me ela um dia: “Não existe legislação alguma que obrigue um doutorando a utilizar teorias em sua pesquisa”. Ora, numa instituição esclerosada como a universidade, isto soa como heresia. Na Idade Média, seria fogueira na hora.

No entanto, algo parece estar mudando nos dias que correm. Leio no Estadão de hoje:

Universidades aceitam dissertações e teses fora do formato convencional

Desafiando a tradição de formatos e metodologias quase sagradas e abençoadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), universidades brasileiras têm aceitado dissertações de mestrado e teses de doutorado na forma de romances, ensaios autobiográficos, roteiros e textos experimentais que resvalam na ficção e na criação literária. A repercussão aparece em extremos: há os entusiastas da flexibilização e os que defendem como imprescindível a manutenção dos moldes acadêmicos tradicionais.


Bom... nem tanto ao mar nem tanto à terra. Um romance pode exigir muita pesquisa. Como jurado de uma banca, eu não teria problema algum de consciência a conferir grau de doutor a Dostoievski, caso me apresentasse como tese Os Irmãos Karamazov. Ou a Swift, se me propusesse As Viagens de Gulliver. Ou a Orwell, se brandisse 1984. Daí a aceitar os desvarios de uma Clarice Lispector ou Lygia Fagundes Telles vai uma longa distância.

Tese, a meu ver, é um ensaio em que se discute uma determinada visão de mundo. Esta visão de mundo existe nas obras de Dostoievski, Swift ou Orwell. Mas não necessariamente na obra de escritores medíocres que tiram seu sustento da contemplação do próprio umbigo. É possível discutir, comentar, contestar, a obra dos autores que citei. São autores que afirmam algo. Suas ficções são, no fundo, ensaios sobre a condição humana. Já não é possível contestar a obra de quem não afirma coisa alguma.

Enfim, a universidade parece estar se abrindo à sensatez. Talvez um dia aceite la méthode cristaldesque. Desde que não confira o título de doutor ao Paulo Coelho ou à Bruna Surfistinha, vá lá! O que não me surpreenderia, conhecendo os bois com que lavro.

sexta-feira, dezembro 19, 2008
 
CORRUPÇÃO NA CONCESSÃO DE
PRÊMIOS NOBEL NOS CONFORTA



Em meu ensaio Como ler jornais, relacionei uma série de vigaristas, que vão de plagiários a terroristas, contemplados com o prêmio Nobel. Comecei com o santo homem Martin Luther King, que plagiou sua tese de doutorado e, mesmo tendo cometido este crime de lesa-academia, recebeu o Nobel da Paz em 64. Isso sem falar que desviou verbas de suas campanhas em prol da igualdade racial para orgias com profissionais do sexo. Yasser Arafat, que defendeu na ONU, em 74, a tese de que um povo que luta pela própria independência tem o direito de apelar para atos terroristas, foi brindado com o prêmio da Paz em 94. Esta tolerância norueguesa a condutas criminosas não foi estranha aos suecos. Em 1965, no auge da Guerra Fria, o escritor russo Mikahil Aleksandrovich Sholokhov recebeu o Nobel de Literatura por sua obra Don Silencioso, epopéia em torno à vida, aspirações e tragédia dos cossacos do Don durante a guerra e a revolução.

E aqui começam os problemas. Considerada uma das obras primas da literatura universal, Don Silencioso é um romance telúrico que exige um vasto conhecimento de sua geografia, de seu povo e de sua história. Foi publicado em 1928 e logo traduzido a todas as línguas de cultura do mundo. “O autor conhece a fundo a história dos cossacos do Don – escreve o dissidente russo Roy Medvedev, em Qui a écrit le “Don Paisible”? – em particular o final do século XIX e o início do XX. Tudo o que se refere à participação dos cossacos nos combates da primeira guerra mundial revela uma notável compreensão da situação estratégica e do desenvolvimento das operações. Quanto à guerra civil sobre o Don e, particularmente a insurreição de Viochenskaïa, o autor demonstra dispor de informações que nem os historiadores soviéticos dos anos 20 dispunham. (...) O autor conhece enfim à perfeição não somente o mapa das cidades mais importantes (Moscou, Petrogrado, Novotcherkassk, Rostov) mas também a exata topografia da região do Don, com todas suas aldeias, stanitsas e suas pequenas estações”.

Detalhe: Sholokhov nascera em 1905. Não era cossaco, tinha escassa instrução e pouco conhecia a região do Don. No momento da concessão do prêmio, a ninguém ocorreu que um jovem de 23 anos não poderia ter acumulado a necessária bagagem de cultura cossaca exigida para tal empreitada. O livro de Medvedev, que só pôde ser publicado na França, demonstra definitivamente o que até então apenas se murmurava no fechado universo soviético. O livro foi publicado em 1975, coincidentemente o mesmo ano em que Sholokhov, cercado de glórias, comemorava na ex-URSS seu septuagésimo aniversário.

O autor do Don foi em verdade o escritor Fédor Dimitrievitch Krioukov, diretor do jornal Donskié Viédomosti, com o qual colaborava Sholokhov. Cossaco de origem e de coração, Krioukov esteve no front nas épocas descritas no romance, juntou-se à contra-revolução e conheceu de perto seus chefes. Seus manuscritos desapareceram com sua morte, por tifo, em 1920. Na ocasião, estava acompanhado por Piotr Gromoslavski, futuro sogro de Sholokhov, cuja atividade literária tem início quando começa a freqüentar a casa do sogro. Krioukov, obviamente, foi banido dos anais da literatura russa. Sholokhov é hoje conhecido como o primeiro grande escritor russo a ter introduzido o tema dos cossacos na literatura. Em dezembro de 1965, recebeu das mãos do rei Gustavo Adolfo a láurea máxima da literatura ocidental.

Em 1971, foi a vez de Pablo Neruda, um dos mais repulsivos stalinistas do século passado, que passou toda sua vida louvando Marx, Lênin e Stalin e insultando o Ocidente. Na hora do Nobel, láurea máxima da literatura concedida pelo Ocidente, foi correndo a Estocolmo recebê-lo, como um cachorrinho sacudindo o rabo.

Stalin construía,
de suas mãos nasceram
os cereais
os tratores
os ensinamentos
as estradas...


Assim poetou Neruda. Em ver de ir para a cadeia, recebeu o galardão da Kungliga Academie. Sobre o grande poeta, escreveu Ricardo Paseyro, em Le Mythe Neruda, pequeno e contundente ensaio sobre o óbvio: “seus livros são um monumento à infâmia. Neruda, como certos pássaros, faz seu ninho de bosta, se compraz na imundície da frase, na vulgaridade da sensação primária e nela refocila com volúpia”. O mito nada tem de misterioso. Para Alberto Baeza Flores, “à força de repetir durante trinta anos que Neruda era genial, o Partido Comunista conseguiu que todo mundo acreditasse nesse refrão”.

De minha parte, aventei outra hipótese. Em Elegi för Pablo Neruda, Artur Lundkvist, nada menos que o falecido presidente da Real Academia Sueca, parceiro de Neruda nos Congressos pela Paz financiados por Moscou, sempre recebido pelo aparatchik chileno em suas embaixadas e mansões diplomáticas, faz uma elegia ao pinto do poeta. En blek sparris som blott gav vatten. Traduzindo: “um pálido aspargo que apenas jorrava água”. Estranha ode à anatomia do vate. Como também são estranhos os sendeiros que conduzem ao Nobel.

Mistificação semelhante ocorreu com Rigoberta Menchú Tum, Nobel da Paz de 1992, porta-voz e símbolo dos direitos dos povos indígenas, premiada em boa parte por sua biografia, Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la Conciencia. Apresentando-se como uma índia sem instrução e militante dos Direitos Humanos, a guatemalteca comoveu gregos e troianos com sua infância miserável. Daí ao galardão recebido em Oslo foi um passo. A data escolhida é emblemática: nos 500 anos do descobrimento da América outorga-se, pela primeira vez na História, o Nobel a uma indígena. Mas ninguém sai diretamente de Tegucigalpa para aterrissar em Oslo. A biografia de Menchú Tum não é obra de Menchú Tum. Foi criada em Paris, pela venezuelana Elisabeth Burgos-Debray, mulher de Régis Debray.

Ocorre que entre os criadores de mitos sempre surge um estraga-prazeres para desmontar relatos tão edificantes, no caso, o antropólogo americano David Stoll. Em seu livro Rigoberta Menchú and the Story of All Poor Guatemalans, o autor mostra que a prestigiada militante em pouco ou nada difere de outros ilustres nomes já galardoados com os prêmios Nobel da Literatura ou da Paz, essas duas láureas jogadas de vez em quando pelos louros nórdicos aos nativos e mestiços do Terceiro Mundo.

Segundo Stoll, a premiada com o Nobel descreve com freqüência experiências pelas quais nunca passou. Em seu livro, afirma nunca ter freqüentado escola, nem saber ler, escrever ou falar espanhol até a época em que ditou sua autobiografia. Mas sua incultura era postiça: recebeu o equivalente à instrução ginasial em internatos particulares mantidos por freiras católicas. A luta de Menchú e outros indígenas pela terra, contra latifundiários de origem européia, era em verdade uma antiga rixa familiar de seu pai contra parentes próximos. O irmão mais jovem que dizia ter visto morrer de fome nunca existiu. Um outro, que dizia ter visto morrer queimado, não morreu queimado nem ela viu sua morte. A prêmio Nobel ignora solenemente as acusações: "Foram escritas quinze mil teses sobre mim no mundo todo por pessoas que leram o livro", afirma. "Não me dedico a conferir dados, não nego nem desminto o que é dito nos livros a meu respeito. Não é problema meu."

De fato, o problema é dos louros hiperbóreos. Ao premiar Menchú Tum, só conseguiram desmoralizar ainda mais um título já enxovalhado por Mikahil Sholokhov, Martin Luther King e Pablo Neruda.

E por aí vai. José Saramago, prêmio Nobel de Literatura em 1998, que defendeu, em artigo para a Folha de São Paulo, os terroristas que explodiram as torres do World Trade Center e os atentados suicidas palestinos. Tenzin Gyatso, o Dalai-Lama - palavrinha que modestamente quer dizer Oceano de Sabedoria - que se pretende a 14ª reencarnação do Buda da Compaixão, mereceu em 1989 o prêmio Nobel da Paz. Pois o Oceano de Sabedoria, financiado pelo ator americano Richard Gere, vive correndo mundo com seus parangolés, reivindicando a volta do Tibet a um regime teocrático. Teocracia é palavra que arrepia o Ocidente. Menos quando se fala do Vaticano e do Oceano de Sabedoria.

Agnes Gonxha Bojaxhiu, mais conhecida como Madre Teresa de Calcutá, morta em 97, prêmio Nobel da Paz de 1979, como boa albanesa não se furtou a depositar flores na tumba de seu conterrâneo, Enver Hoxha, um dos mais sanguinários ditadores comunistas deste século. No Haiti, durante a tirania de Jean-Claude Duvalier, mais conhecido como Baby Doc, recebeu de suas mãos uma comenda pouco recomendável para quem morreu em odor de santidade, a “Légion d’honneur” haitiana. Não bastassem estas homenagens que conspurcam qualquer auréola, Madre Teresa intercedeu junto à Suprema Corte dos Estados Unidos, pedindo clemência para Charles Keating, vigarista condenado a dez anos de prisão por lesar os contribuintes americanos em 252 milhões de dólares. Deste senhor, Madre Teresa recebeu a simpática quantia de 1,25 milhão de dólares e a oferta de um jato privado para suas viagens. Em agradecimento, a religiosa presenteou Keating com um crucifixo personalizado.

Mohammad Abdel Rauf Arafat al-Qudwa al-Husseini, mais conhecido como Yasser Arafat, mereceu o prêmio Nobel da Paz em 1994. Responsável pelo bárbaro massacre dos atletas israelenses nas Olimpíadas de 1972 em Munique, pela morte de milhares de cidadãos inocentes em Israel, pelo assassinato em massa de cristãos no Líbano, pela morte de uma centena de cidadãos norte-americanos, entre eles dois diplomatas, pelo assassinato de um número desconhecido de árabes e patrocinador de seqüestros de aviões, Yasser Arafat, morreu em 11 de novembro de 2004 em odor de santidade.

Corrupto até os ossos, o terrorista egípcio – que sequer era palestino – tinha oculta nos bancos e empresas do Ocidente uma fortuna avaliada, por baixo, entre 300 e 700 milhões de dólares. Por cima, em três e cinco bilhões de dólares, conforme acusava um dos ex-ministros de Finanças da OLP, Yawid al-Gussein, em declarações à Associated Press. Para a revista Forbes, Arafat está em sexto lugar, em uma lista publicada ano passado dos reis, rainhas e déspotas mais ricos do mundo.

Não bastassem os nórdicos conferirem estes prêmios prestigiosos a vigaristas notórios, em 2004 Oslo concedeu o Nobel da Paz à bióloga e ativista queniana Wangari Maathai. Após a entrega do Nobel, a bióloga reiterou sua opinião, muito divulgada na África subsaariana, de que o vírus da Aids foi criado por cientistas para a guerra biológica, para dizimar os negros africanos, como se alguma nação no mundo ganhasse algo com dizimar negros na África. Afirmou também que o uso do preservativo não é eficaz contra a transmissão do vírus. A Aids está consumindo a África, e os católicos, onde têm maioria, condenam o uso do preservativo e as demais práticas anticoncepcionais e insistem na função reprodutiva do ato sexual.

O continente negro está perdendo aceleradamente sua juventude e força de trabalho em virtude de uma visão dogmática do mundo de parte do Vaticano. Para esta política só há um adjetivo: genocida. Esta é a política defendida por Wangari Maathai, prêmio Nobel da Paz 2004.

Notícia nos jornais de hoje nos esclarecem melhor os critérios usados pelos homens que concedem o prêmio Nobel. Um grupo de jurados que aceitou viagens para a China com despesas pagas está sendo investigado por suspeita de suborno, afirmou ontem a promotoria anticorrupção da Suécia. Se venda de sentenças por juízes brasileiros faz parte da normalidade tupiniquim, esta denúncia é bem mais grave. Envolve os incorruptíveis hiperbóreos.

Segundo a Folha de São Paulo, o promotor Nils-Erik Schultz anunciou ter aberto uma investigação para determinar se as viagens, realizadas em 2006 e 2008, tinham como intenção influenciar as decisões do comitê que escolhe os premiados. A promotoria, contudo, não informou os nomes dos jurados investigados nem disse quantos são.

A investigação foi desencadeada pela reportagem de uma rádio sueca sobre as viagens de três jurados - dos prêmios de física, química e medicina. A visita à China teria como objetivo mostrar a autoridades chinesas como é o processo de seleção do prêmio e explicar o que é preciso atingir para ganhá-lo. O convite incluía as despesas com aviões, hotéis e refeições, afirmava a reportagem.

Caso os cientistas sejam formalmente acusados e condenados, os jurados terão de pagar multas e cumprir pena de até dois anos de prisão. Gunnar Oquist, secretário permanente da Academia Real de Ciências da Suécia - que define os prêmios de física, química e economia - reconheceu que a excursão dos jurados foi feita em condições inapropriadas.

"Devemos ter muito cuidado para não nos colocarmos em situações em que o trabalho do comitê do Nobel possa ser questionado", afirmou. "Acredito que deveríamos ter pensado sobre aquilo. Se nós soubéssemos que o Prêmio Nobel seria um dos assuntos principais dessa viagem, provavelmente teríamos desencorajado a ida de nossos integrantes."

São revelações que confortam um pouco a nós, habitantes do sul do Equador. A corrupção não é exclusivamente quinhão nosso. É também nórdica. Se é que isto consola.

quinta-feira, dezembro 18, 2008
 
FANATISMO IANQUE INVADE
UNIVERSIDADES NO BRASIL



Comentando o livro Deus, um Delírio, de Richard Dawkins, escrevi ano passado que sua argumentação, opondo a ciência à fé, é inútil. Pois os crentes são infensos à razão. Continuando a leitura do livro, encontrei um caso exemplar que confirma minha afirmação. Dawkins fala de Kurt Wise, um geólogo americano que hoje dirige o Centro para Pesquisas no Brian College, em Dayton, Tenesse. Falei outro dia também do filme E o vento será tua herança, de 1960, dirigido por Stanley Kramer, que retoma uma discussão - em verdade, um processo - de 1925, quando o promotor William Jennings Bryan, na mesma cidade de Dayton, acusou de darwinismo o professor de ciências John Scopes, que foi preso por ensinar esta hipótese. O Bryan College deriva do promotor Bryan.

Era de imaginar-se que a questão estivesse sepultada já no início do século passado. Não está. Os Estados Unidos, ao lado de Israel, Arábia Saudita e Vaticano, é um dos Estados contemporâneos que mais gera fanáticos. O pior é que exporta fanatismo. Não só fanatismo, como estupidezes outras. O Brasil adora importá-las. Já caímos no engodo das cotas raciais, equívoco ao qual os ianques já estão renunciando. Colonizados culturalmente, achamos salutar, digno e justo privilegiar negros em universidades e mesmo no mercado de trabalho. O último besteirol importado é a discussão entre darwinismo e creacionismo.

Wise era um cientista altamente qualificado e promissor e sua educação religiosa exigia que ele acreditasse que a Terra tinha menos de 10 mil anos de idade. O conflito entre sua religião e sua ciência fez com que tomasse uma decisão. Sem conseguir suportar a tensão, atacou o problema com uma tesoura. Pegou uma Bíblia e a percorreu, retirando literalmente todos os versículos que teriam de ser eliminados se a visão científica do mundo fosse verdadeira. Concluiu então:

"Por mais que eu tentasse, e mesmo com o benefício das margens intactas ao longo das páginas das Escrituras, vi que era impossível pegar a Bíblia sem que ela se partisse ao meio. Tive de tomar uma decisão entre a evolução e as Escrituras. Ou as Escrituras eram verdade e a evolução estava errada ou a evolução era verdade e eu tinha de jogar a Bíblia fora. Foi ali, naquela noite, que aceitei a Palavra de Deus e rejeitei tudo que a contradissesse, incluindo a evolução. Assim, com grande tristeza, lancei ao fogo todos os meus sonhos e as minhas esperanças na ciência.

"Embora existam razões científicas para aceitar uma terra jovem, sou criacionista porque essa é a minha compreensão das Escrituras. Como disse para meus professores, anos atrás, quando estava na faculdade, se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a palavra de Deus parece indicar. Essa é a minha posição".

Temos então um cientista que larga mão da razão e da lógica e aceita as potocas de um livro mítico. Era em verdade um crente, não um cientista. O Instituto Presbiteriano Mackenzie, de São Paulo, aqui ao lado de onde vivo, abrange uma universidade e uma escola com mais de 1.800 alunos. Ponto de referência na cidade, o Mackenzie acaba de adotar a doutrina criacionista.

Segundo o criacionismo, Deus criou o mundo com todas as espécies que existem hoje. Isto é, pra começar você tem de acreditar em Deus. É normal que escolas confessionais assim pensem. O que não é normal é que uma universidade, onde deveriam imperar métodos científicos, assuma oficialmente questões que pertencem ao campo da fé. A direção do Mackenzie não nega os avanços da biologia trazidos pelo darwinismo, mas acredita que é preciso opor-lhe o contraditório. Em outras palavras: ensinar a seus alunos que há outra explicação, de fundo religioso, para a origem das espécies.

A discussão de 1925, nos Estados Unidos, chegou finalmente ao Brasil. Com quase um século de atraso, é verdade, mas colônia é assim mesmo. Quase 200 anos depois de Charles Darwin (1809-1882) e 150 após a publicação de sua grande obra, “Origem das Espécies”, os educadores do Mackenzie aceitam só o que chamam de “microevolução” (organismos se adaptam a novas condições do meio). Mas não aceitam a “macroevolução”, já que as novas espécies seriam criadas por Deus. A doutrina criacionista não é apresentada somente nas aulas de religião, mas igualmente nas de ciências.

Os jornais assumiram o debate e não poucos articulistas consideram ser normal que o creacionismo seja ensinado em aulas de religião, enquanto o darwinismo seria aceitável em aulas de ciência. Grossa bobagem. Não vejo nada demais que em uma aula de ciências alguém levante a hipótese do design inteligente – eufemismo criado para insinuar que na Bíblia existe algo de científico – como também não vejo nada demais que, em uma aula de religião, alguém avente a hipótese do darwinismo. Segundo a teoria do design inteligente, a natureza é tão complexa e os organismos tão perfeitos que só o desígnio de um arquiteto (Deus) pode ter sido responsável por sua criação. O que resta saber é se um aluno, numa escola confessional, será reprovado em um exame ao afirmar que não aceita o creacionismo.

É deplorável que o fanatismo ianque esteja invadindo universidades no Brasil. Considero que se alguém passa por uma universidade – instituição que deveria se pautar pelo pensamento científico – e dela sai acreditando em Deus, é porque a universidade falhou em sua missão, a de ensinar o que não é falso.

E nisto estamos em São Paulo, a cidade mais informada do país. Em pleno século XXI, ministrando ensino a partir dos mitos do Gênesis.

quarta-feira, dezembro 17, 2008
 
PLANHAB DESMENTE FARSA DA FGV


Em agosto passado, quando a Fundação Getúlio Vargas estabeleceu a renda mensal de 1.064 reais como parâmetro inicial para definir a classe média, devo ter sido uma das raras vozes a denunciar o absurdo de tal critério. A imprensa, como um todo, engoliu a potoca. Mesmo jornais estrangeiros se deixaram levar pelo blefe e saudaram o Supremo Apedeuta como o homem que havia ampliado a classe média no país. Na grande imprensa nacional, só li um artigo denunciando a farsa, intitulado "Classe média que ainda não é", assinado por José Aristodemo Pinotti, onde o deputado se pergunta:

Não consegui deglutir essa euforia acrítica de classe média majoritária. Outro dia, contou-me um amigo que alguém lhe perguntara: "Como faço para entrar na classe média, se ganho R$ 980?" Respondeu-lhe esse amigo: "É muito fácil, peça ao seu patrão um aumento na Carteira de Trabalho de R$ 84 e, mesmo que não os receba, você passará a ser mais um feliz integrante dessa classe, o que certamente mudará a sua vida."

Dito isto, desde o ano passado o governo vem falando de um Plano Nacional de Habitação (PlanHab), que seria lançado no mês que vem, cuja meta é erguer 12 milhões de moradias de até 25 mil reais para famílias de baixa renda. O investimento total pode chegar a R$ 300 bilhões em recursos orçamentários, incluindo União, Estados e municípios. Curvem-se as nações ante o Brasil. Desconheço país rico que dê esmola tão gorda aos pobres.

Até aí tudo muito lógico, faz parte da política demagógica do governo, de dar peixes em vez de ensinar a pescar. As tais de famílias de baixa renda terão daqui para a frente um excelente instrumento para aumentarem seus patrimônios, o ventre de cada mãe de família. Quanto mais filhos tiverem, mais moradias acabarão acumulando, quando os rebentos chegarem à idade de acasalamento. O contribuinte - eu, você, nós todos que pagamos impostos por nossos rendimentos - seremos os garantes do bem-estar de famílias que procriam como coelhos.

O fato novo, fui lê-lo hoje no jornal espanhol El País:

Las familias brasileñas que ganen hasta 1.500 reales (455 euros) al mes podrán aspirar a una de las 12 millones de viviendas previstas en el gigantesco Plan Nacional de Vivienda que el Gobierno del presidente Luiz Inácio Lula da Silva lanzará después de año nuevo y que prevé una inversión de 300.000 millones de reales (más de 90.000 millones de euros) durante los próximos 15 años. (Atenção: 300.000 millones, em espanhol, quer dizer 300 bilhões).

Se bem entendi, então a classe média nacional não tinha onde morar, já que a FGV fixava em 1.064 reais a renda familiar para ingresso no conceito de classe média. Curiosa definição de classe média. São mentiras como essa que elevam a popularidade do Apedeuta a níveis próximos da popularidade de um Envers Hodja. Que Lula se valha de mentiras para inflar sua popularidade não é de espantar, isto é próprio de políticos. O espantoso é ver alguém acreditar que, com uma renda familiar de 1.064 merrecas, já entrou no panteão da classe média.

Pior que isso, é ver a imprensa toda endossando a farsa.

terça-feira, dezembro 16, 2008
 
BÍBLIA VÊ NAS MULHERES
IMUNDÍCIE E SUBMISSÃO



Uma leitora de Porto Alegre ofendeu-se com uma de minhas crônicas. E escreve-me:

Sr. Cristaldo,

Li sua coluna "Vaticano e Islã, mesmo combate" no site Baguete. Sou mulher e católica e me senti ofendida com sua argumentação. Graças a Deus vivemos em um país com liberdade de expressão, e o senhor tem direito a expressar a sua. Apenas gostaria de dizer que, pela minha experiência de vida na Igreja Católica, não concordo.

Aliás, achei o texto bem ofensivo quanto aos católicos. Realmente há um radicalismo quanto à questão homossexual, mas quanto às mulheres, acho que o colunista não deve entrar em alguma igreja há muito tempo ou não deve conhecer diversos movimentos em que a mulher assume funções importantes, como palestrante e, em algumas comunidades, dirige cultos dominicais. Uma mulher de destaque, só para dar um exemplo, é mundialmente conhecida, a italiana Chiara Lubich, fundadora e presidente do movimento Focolares.

Atenciosamente,

Adriana


Na crônica em questão, afirmei sempre ter visto uma forte simpatia entre católicos e muçulmanos, entre o papa, mulás e aiatolás. Ambas as religiões são totalitárias, oprimem a mulher e são inimigas do prazer. Sinta-se ofendida à vontade, Adriana. A Bíblia é o livro que embasa a doutrina católica, não é verdade? Quem escreveu o que segue não fui eu.

Levítico 12

1 Disse mais o Senhor a Moisés:
2 Fala aos filhos de Israel, dizendo: Se uma mulher conceber e tiver um menino, será imunda sete dias; assim como nos dias da impureza da sua enfermidade, será imunda.
3 E no dia oitavo se circuncidará ao menino a carne do seu prepúcio.
4 Depois permanecerá ela trinta e três dias no sangue da sua purificação; em nenhuma coisa sagrada tocará, nem entrará no santuário até que se cumpram os dias da sua purificação.
5 Mas, se tiver uma menina, então será imunda duas semanas, como na sua impureza; depois permanecerá sessenta e seis dias no sangue da sua purificação.

Levítico 15

19 Mas a mulher, quando tiver fluxo, e o fluxo na sua carne for sangue, ficará na sua impureza por sete dias, e qualquer que nela tocar será imundo até a tarde.
20 E tudo aquilo sobre o que ela se deitar durante a sua impureza, será imundo; e tudo sobre o que se sentar, será imundo.
21 Também qualquer que tocar na sua cama, lavará as suas vestes, e se banhará em água, e será imundo até a tarde.
22 E quem tocar em alguma coisa, sobre o que ela se tiver sentado, lavará as suas vestes, e se banhará em água, e será imundo até a tarde.
23 Se o sangue estiver sobre a cama, ou sobre alguma coisa em que ela se sentar, quando alguém tocar nele, será imundo até a tarde.
24 E se, com efeito, qualquer homem se deitar com ela, e a sua imundícia ficar sobre ele, imundo será por sete dias; também toda cama, sobre que ele se deitar, será imunda.
25 Se uma mulher tiver um fluxo de sangue por muitos dias fora do tempo da sua impureza, ou quando tiver fluxo de sangue por mais tempo do que a sua impureza, por todos os dias do fluxo da sua imundícia será como nos dias da sua impureza; imunda será.
26 Toda cama sobre que ela se deitar durante todos os dias do seu fluxo ser-lhe-á como a cama da sua impureza; e toda coisa sobre que se sentar será imunda, conforme a imundícia da sua impureza.
27 E qualquer que tocar nessas coisas será imundo; portanto lavará as suas vestes, e se banhará em água, e será imundo até a tarde.

Deuteronômio, 22

20 Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade,
21 levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra; porque fez loucura em Israel, prostituindo-se na casa de seu pai. Assim exterminarás o mal do meio de ti.
22 Se um homem for encontrado deitado com mulher que tenha marido, morrerão ambos, o homem que se tiver deitado com a mulher, e a mulher. Assim exterminarás o mal de Israel.
23 Se houver moça virgem desposada e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela,
24 trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis até que morram: a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo. Assim exterminarás o mal do meio de ti.

Ou ainda:

Efésios 5

22 Vós, mulheres, submetei-vos a vossos maridos, como ao Senhor;
23 porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o Salvador do corpo.
24 Mas, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres o sejam em tudo a seus maridos.

Ou ainda:

Colossenses, 3

18 Vós, mulheres, sede submissas a vossos maridos, como convém no Senhor.

Estes são apenas alguns dos momentos da Bíblia onde a mulher é vilipendiada. Há inúmeros outros. Mais ainda: em todos os países do Ocidente, a Igreja vive metendo o bedelho nos assuntos do Estado. Quer proibir a introdução nas legislações do aborto, do divórcio e do homossexualismo. Ora, é simples: se quiser proibir aborto, divórcio e homossexualismo para seus fiéis, proíba-os à vontade. Mas que não se meta na vida de quem não crê em seus preceitos. Os Testemunhas de Jeová, por exemplo, não aceitam transfusões de sangue. Mas nunca pretenderam que quem não pertence à sua religião as recuse.

Repito: o mal das religiões é pretender que o universo todo se comporte como se comportam eles, os religiosos. Ora, se católicos e muçulmanos abominam o homossexualismo, que se abstenham do bom esporte. Se são contra o divórcio e o aborto, que não abortem nem se divorciem. Mas, por favor, não se metam na vida de quem não crê em suas bobagens. Aqui no Ocidente, só existe uma teocracia, o Vaticano. Estado misógino e exclusivamente masculino, é claro que lá não se pratica aborto nem divórcio. Quanto ao homossexualismo, sei não!

Atenciosamente,

o cronista.

segunda-feira, dezembro 15, 2008
 
RUMO AO EX-BRASIL (VII e última)


Em meio a isso, talvez o leitor imagine que estou angustiado com a iminente desintegração territorial do país. Nada disso. Apenas constato. O que está acontecendo hoje em Roraima é uma exigência da Organização das Nações Unidas. Em 18 de agosto do ano passado, a ONU aceitou apelo feito por grupos indígenas - leia-se CIR e CIMI, entidades a serviço de fundações americanas e Igreja Católica - e passou a exigir que o Governo brasileiro garantisse a retirada dos ocupantes da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. De acordo com o Comitê de Combate ao Racismo da ONU, ao qual os índios recorreram, o assunto deveria ser classificado como “urgente”.

Os eméritos magistrados do Supremo Tribunal Federal apressaram-se em cumprir servilmente as ordens da ONU. Pouco mais de um ano depois, entregaram a 17 mil índios 17 mil quilômetros quadrados de território. Milhares de aposentados estão morrendo sem ver sequer a sombra dos precatórios devidos pela União e pelos Estados e já julgados em última instância há mais de década. Quanto aos indígenas, em um ano e quatro meses após o pleito junto à ONU, já tiveram sua “nação” reconhecida.

Um mês depois, mais precisamente em 13 de setembro de 2007, a ONU proclamou a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, que deve proteger os mais de 370 milhões de pessoas que integram estas comunidades no mundo todo. O texto, ratificado por 143 votos a favor, 4 contra e 11 abstenções, constituiu um marco histórico para os movimentos indígenas. No que depender da ONU, balcanização não vale só para os Bálcãs, mas para todos os países do mundo. Os quatro votos contrários foram dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, todos ex-colônias britânicas. Nesses países, as populações nativas como os inuit (esquimós), maoris e aborígenes têm movimentos organizados de resistência política e cultural.

Segundo o Estado de São Paulo, a declaração, de 46 artigos, estabelece os padrões básicos de respeito aos direitos dos povos indígenas do mundo, que incluem a propriedade de suas terras, acesso aos recursos naturais de seus territórios, preservação de seus conhecimentos tradicionais e autodeterminação. O problema é esta última palavrinha. Autodeterminação significa a constituição de um novo país.

Se os países querem dividir-se, que se dividam. Hoje há fortes movimentos separatistas no Canadá, na Bélgica, na Itália e na Espanha, isso para falar só de Ocidente. O Canadá francófono não quer mais dormir junto com o anglófono, os valões não estão gostando de dividir o mesmo teto com os flamengos, a Padania quer distância de uma Itália pobre (Lega lombarda, Roma bastarda) e bascos e catalães querem independência da Espanha. Mas que a divisão seja iniciativa de cada país, e não imposição de uma entidade inoperante, inútil tribuna de discursos vazios e cabide de empregos milionários. Se estes países resolverem cindir-se, cada pedaço saberá como gerir seus destinos. Outra coisa é conferir territórios imensos a selvagens que não conseguem sequer administrar uma horta. E que passarão a onerar os contribuintes do país ao qual pertenciam.

Se o Brasil quer dividir-se, que se divida. O deplorável é ver que esta divisão, se acontecer, será em função de interesses internacionais e inconfessáveis, e não uma decisão dos brasileiros. É uma luta pelo subsolo, e não defesa de direitos indígenas. Espantoso ver um governo que se pretende de esquerda dobrando-se à vontade de fundações e ONGs americanas e européias. Humilhante ver uma Suprema Corte curvando-se a uma determinação da ONU.

De minha parte, não tenho objeção alguma a que o país se parta em cacos como previu Eça. Nasci na fronteira seca com o Uruguai e nunca me senti muito brasileiro. Sou mais platino. Me sinto mais em casa em Montevidéu, Buenos Aires ou mesmo Madri, do que em Porto Alegre ou São Paulo. Desde há muito defendo a divisão do Brasil em três ou quatro partes. Seriam mais administráveis. Um norte, um nordeste, um sul. E mais o Rio de Janeiro, que poderia ser logo entregue a quem de fato detém o poder, os traficantes de drogas. Para o PCC, um bantustão. Eles que o administrem.

Houve época em que me sentia brasileiro. Aliás, mais gaúcho que brasileiro. Comecei então a bater pernas pelo planetinha. Vi países mais lindos e mais organizados, sociedades mais cultas e menos corruptas, povos mais laboriosos e mais honestos. Por que raios ficaria então louvando as virtudes do caos em que nasci? O homem é o homem e suas circunstâncias, escreveu Ortega y Gasset. Hoje, dadas minhas circunstâncias – idade, posses, filha, círculo de amigos – o Brasil é para mim o melhor país para viver. Não me queixo. Mas se minha pátria for reduzida ao bairro onde hoje resido, já está de bom tamanho.

Me tornei cidadão do mundo e hoje viveria bem em praticamente todos os países do Ocidente. (Menos nos Estados Unidos, não gosto da cultura deles. Paraguai também não, é claro). Houve época em que, mesmo já não me sentindo muito brasileiro, eu torcia pelo Brasil, queria ver o país deslanchar. Este meu entusiasmo murchou em 2002, quando o país elegeu para a Presidência um analfabeto. E morreu definitivamente em 2006, quando o país reelegeu o analfabeto. Tornei-me egoísta. Me imbuí daquele “egoísmo natural das pedras”, do qual falava Fernando Pessoa. Como Candide, vou cuidar de meu jardim. O futuro do país não me interessa mais. Quiseram? Que levem. Com a devida vênia do Apedeuta, vou repetir seu discurso: que “sifu”.

Ex-Brasil? Será um processo um pouco lento. Talvez para daqui a meio século. Em Porto Alegre, já há caingangues reivindicando um morro dentro da cidade. Até hoje não entendi como as tribos que viviam onde hoje é São Paulo ainda não exigiram seus direitos de autóctones. São Paulo – tanto o Estado como a cidade - estão inundados de topônimos tupis. Todo branco que habita hoje a cidade está usurpando direitos imemoriais dos bugres. Pela lógica, todos nós deveríamos ser mandados de volta para a Europa. Eu iria voando.

Processo lento mas, a meu ver, inexorável. Eu, certamente, não o verei. Nenhum lobo come o cordeiro sem uma prévia conversa. Esta conversa será longa. A Suprema Corte do país já se conformou à idéia. As 227 áreas indígenas em litígio serão beneficiadas com o desvario do STF. Amanhã, serão os militares a aceitar a hipótese. Tem ainda os quilombolas, conflito que recém começou.

Não estou deplorando a dissolução do país. Lavro apenas minha constatação.