¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV
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Janer Cristaldo escreve no Ebooks Brasil Arquivos outubro 2003 dezembro 2003 janeiro 2004 fevereiro 2004 março 2004 abril 2004 maio 2004 junho 2004 julho 2004 agosto 2004 setembro 2004 outubro 2004 novembro 2004 dezembro 2004 janeiro 2005 fevereiro 2005 março 2005 abril 2005 maio 2005 junho 2005 julho 2005 agosto 2005 setembro 2005 outubro 2005 novembro 2005 dezembro 2005 janeiro 2006 fevereiro 2006 março 2006 abril 2006 maio 2006 junho 2006 julho 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 dezembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 novembro 2008 dezembro 2008 janeiro 2009 fevereiro 2009 março 2009 abril 2009 maio 2009 junho 2009 julho 2009 agosto 2009 setembro 2009 outubro 2009 novembro 2009 dezembro 2009 janeiro 2010 fevereiro 2010 março 2010 abril 2010 maio 2010 junho 2010 julho 2010 agosto 2010 setembro 2010 outubro 2010 novembro 2010 dezembro 2010 janeiro 2011 fevereiro 2011 março 2011 abril 2011 maio 2011 junho 2011 julho 2011 agosto 2011 setembro 2011 outubro 2011 novembro 2011 dezembro 2011 janeiro 2012 fevereiro 2012 março 2012 abril 2012 maio 2012 junho 2012 julho 2012 agosto 2012 setembro 2012 outubro 2012 novembro 2012 dezembro 2012 janeiro 2013 fevereiro 2013 março 2013 abril 2013 maio 2013 junho 2013 julho 2013 agosto 2013 setembro 2013 outubro 2013 novembro 2013 dezembro 2013 janeiro 2014 fevereiro 2014 março 2014 abril 2014 maio 2014 junho 2014 julho 2014 agosto 2014 setembro 2014 novembro 2014 |
quinta-feira, junho 30, 2011
DEUS FOI CONDENADO À MORTE POR JUDEUS Recebi a notícia há alguns dias. Não sei se procede, parece mais um daqueles hoaxes que inundam a Web. Ma chi lo sa? Uma corte de rabinos de Jerusalém teria sentenciado recentemente um cachorro à morte por apedrejamento, segundo o site Ynet, página eletrônica do jornal Yediot Aharonot, um dos maiores de Israel. O motivo seria a suspeita de que o espírito de um advogado que insultou juízes vinte anos atrás havia se transferido para o corpo do cão. Segundo o Ynet, um grande cachorro entrou na Corte de Negócios Monetários perto do bairro ultraortodoxo de Mea Shearim, em Jerusalém. O cão assustou os visitantes da corte e, para surpresa deles, se recusou a sair mesmo depois que as pessoas tentaram levá-lo para fora. Um dos juízes lembrou que cerca de vinte anos atrás um famoso advogado que insultou a corte foi amaldiçoado pelos juízes. Eles disseram que queriam que o espírito dele passasse para o corpo de um cachorro. O advogado morreu anos depois. O que não deixa de ser previsível. Segundo a notícia, um dos juízes sentenciou o animal à morte por apedrejamento e recrutou crianças da vizinhança para colocar a ordem em prática. O cachorro fugiu. O dirigente da corte, Rabbi Avraham Dov Levin, negou que a corte tenha sentenciado o cão à morte, mas um dos gerentes confirmou a sentença. Como disse, a notícia mais parece boato. No entanto, em se tratando de rabinos, nunca se sabe. Judeus não gostam de cães. Vejo aqui em meu bairro, Higienópolis. Também conhecido por Hidishienópolis. É certamente a mais alta concentração de judeus por metro quadrado da América Latina. Há também muitos cães no bairro. Mas jamais vi judeus – facilmente identificáveis por seus trajes – sendo conduzidos por cachorros. Enfim, isto pode ser uma observação particular. Vamos então ao Livro. Poucas são as menções a cães no Antigo Testamento. E todas pejorativas. Lemos no Êxodo: “Mas contra os filhos de Israel nem mesmo um cão moverá a sua língua, nem contra homem nem contra animal; para que saibais que o Senhor faz distinção entre os egípcios e os filhos de Israel". Em Juízes: “E Gideão fez descer o povo às águas. Então o Senhor lhe disse: Qualquer que lamber as águas com a língua, como faz o cão, a esse porás de um lado; e a todo aquele que se ajoelhar para beber, porás do outro”. Em Samuel: “Disse o filisteu a Davi: Sou eu algum cão, para tu vires a mim com paus? E o filisteu, pelos seus deuses, amaldiçoou a Davi”. A ordem de execução do animal teria sido dada pelos rabinos pela aflição que o animal causou à corte”, disse o dirigente da Corte de Negócios Monetários. “Eles não emitiram uma decisão oficial, mas ordenaram que crianças das redondezas apedrejassem o cão para fazê-lo ir embora. Eles não vêem isso como uma crueldade contra animais, mas como uma forma apropriada de se livrar do espírito que entrou no pobre cachorro”. Não me espantaria. Afinal os judeus já condenaram até mesmo Deus à morte. Quem conta é a teóloga e historiadora britânica Karen Armstrong, em seu último ensaio publicado no Brasil, Em Defesa de Deus. Aconteceu em Auschwitz. Certo dia, um grupo de judeus resolveu julgar Deus. “Diante de um sofrimento tão inconcebível, consideraram totalmente inconvincentes os argumentos convencionais. Se Deus era onipotente; podia ter impedido a Shoah; se não podia detê-la, era impotente; se podia, mas decidira não a deter, era um monstro. Condenaram Deus à morte. O rabino que presidiu o julgamento pronunciou o veredito e depois, calmamente, anunciou que estava na hora da oração vespertina”. Estas desconfianças em relação à divindade sempre perpassaram a literatura. Problemas decorrentes do monoteísmo. Se Deus é um só, ele é responsável não só pelo bem, mas também pelo mal. Escreveu o suíço Fritz Zorn: “Mesmo se partimos da hipótese que Deus não existe, deveríamos positivamente inventá-lo, que mais não seja para quebrar-lhe a cara. Deus é o vaso no qual o homem deve despejar seu ódio”. Em Informe sobre Cegos, de Ernesto Sábato, Fernando Vidal Olmos elabora sete possibilidades sobre a divindade: 1 – Deus não existe. 2 – Deus existe e é um canalha. 3 – Deus existe, mas às vezes dorme: seus pesadelos são nossa existência. 4 – Deus existe, e tem acessos de loucura: esses acessos são nossa existência. 5 – Deus não é onipresente, não pode estar em todas as partes. Às vezes está ausente. Em outros mundos? Em outras coisas? 6 – Deus é um pobre diabo, com um problema demasiado complicado para suas próprias forças. Luta com a matéria como um artista com sua obra. Algumas vezes, em alguns momentos, consegue ser Goya, mas geralmente é um desastre. 7 – Deus foi derrotado antes da História pelo Príncipe das Trevas. Derrotado, convertido em suposto Diabo, é duplamente desprestigiado, já que se lhe atribui este universo calamitoso. Em suma, monoteísmo causa desconforto. Que o digam os judeus que condenaram Deus à morte. Se ousaram condenar Jeová, condenar um cão é o de menos. VERISSIMO ADERE À CARTILHA DO MEC Já confessei que cultivo um vício perverso, o de ler cronistas medíocres. Eles me divertem. Acabo de ler Luis Fernando Verissimo. Não, não o coloco entre os medíocres. Escreve bem, com elegância. Tem bom texto, como se diz em jornal. Mas uma coisa é redigir bem, outra é escrever algo inteligente. Verissimo, ao longo de sua vida, sempre fechou com as esquerdas e com o que de pior o século produziu, o comunismo. Desta subserviência às tiranias de Moscou e Havana decorre boa parte de seu prestígio. No século passado, foram muito admirados, quando não endeusados, os intelectuais que professavam o marxismo. E, a bem da verdade, ainda são. Escreve hoje Verissimo no Estadão: Lembranças vagas. Vultos sem precisão no meio da serração. Uma praça, um possível coreto e aquilo será um mastim, ou a tuba do Serafim? Estará se referindo ao ato de serrar? Neste sentido, a palavra existe. Mas aí não tem mais sentido. Pelo jeito, o cronista perdeu-se na cerração do vernáculo. Outro dia foi a professora Luciana Genro, do PSOL. Em twitter publicado dia 03 deste mês, escreveu assim, ipsis litteris: “Palocci hipocrisia e sinismo em estado de pureza!” Pelo jeito as esquerdas estão aderindo à cartilha Por uma Vida Melhor, do MEC. quarta-feira, junho 29, 2011
BRASIL PAGA DISTRIBUIDORES NO EXTERIOR PARA EXIBIREM ABACAXIS DO CINEMA NACIONAL Quem me acompanha sabe que há mais de trinta anos não vejo cinema nacional. O último filme brasileiro, eu o vi no Festival de Cartago, Tunísia, no final dos anos 70. E isso porque fui levado até a sala, mais ou menos manu militari, pelo diretor. Uma das razões é que não gosto da estética dos cineastas tupiniquins. São filmes com profunda marcação teatral e não suporto teatro no cinema. Pela mesma razão, mantenho distância do cinema francês. Mas isto não é o que mais me afasta do cinema nacional. Como quase todas as artes plásticas, vive de renúncia fiscal. Renúncia fiscal é o seguinte: a Fazenda aceita que empresas deixem de pagar o imposto devido desde que subsidiem as tais de “artes”. No fundo, quem paga é você. Porque o Fisco, se é generoso com o artista, de algum lugar terá de obter receita para repor sua generosidade. Esse lugar é nosso bolso. Ora, se eu financio a feitura de um filme, quero assisti-lo de graça. Com uma limusine enviada pela produção para me buscar em casa. Considero um desaforo alguém financiar um filme e depois ter de pagar para vê-lo. Enfim, cada um faz o que bem entender com seu dinheiro. Mas sou muito cioso do meu, jamais o entregaria a escroques. Obviamente, tenho um conceito nada louvável das pessoas que caem nesse conto do vigário. Não bastasse o contribuinte financiar a produção de filmes no Brasil, passou agora a financiar sua exibição no estrangeiro. Leio hoje na Folha de São Paulo que dez filmes ganharam verba para serem lançados no Exterior. O programa Cinema do Brasil distribui US$ 250 mil por ano para promover produções brasileiras. Mas o dinheiro não vai para os produtores e sim para os distribuidores. Nos últimos dois anos, vinte filmes brasileiros receberam apoio institucional para viajar. Segundo a notícia, Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), longa-metragem de estréia de Esmir Filho, foi lançado, no ano passado, em dez salas de cinema do país. Você ouviu falar deste filme? Certamente não. Foi visto, de acordo com dados da Ancine (Agência Nacional de Cinema), por 7.800 gatos-pingados. Elogiado pela crítica e premiado em festivais, Os Famosos e os Duendes da Morte faz parte daquele grupo de filmes que, a despeito de suas qualidades, sofre para conseguir cavar espaço no mercado de exibição, que é formatado para produções de outro feitio - leia-se aqueles "comerciais". Traduzindo: o filme mal conseguiu reunir alguns espectadores e agora será exibido no Exterior. Conseguiu ser lançado na França, em Portugal e no Japão. O diretor poderá acrescentar em seu currículo que sua “obra” foi um sucesso em Paris, Lisboa e Tóquio. Resta saber se alguém foi assistir. Pode ser que as salas tenham permanecido vazias. Mas o filme foi exibido. Com sua generosa contribuição, caro contribuinte. Neste ano, segundo a notícia, o programa vai apoiar o lançamento de Tropa de Elite 2 na Polônia, de Nosso Lar na África do Sul, de Trabalhar Cansa na França, de As Mães de Chico Xavier no Chile, de Diário de Uma Busca na França e de A Marcha da Vida nos Estados Unidos. Mas Tropa de Elite e As Mães de Chico Xavier não eram sucessos de bilheteria no Brasil? Por que precisam de esmola estatal na Polônia e no Chile? Cineastas, gente de teatro e até mesmo escritores são hoje pedintes que vivem da caridade pública. Não é ilegal. Mas é imoral. Estes subsídios podem não estar tipificados como corrupção em nossas leis. Mas são corrupção. A eles só têm acesso os amigos do Rei. Ai do “artista” que um dia tiver proferido uma palavrinha contra o santo nome do PT. Esses mendigos indecorosos, que posam de criadores e são caitituados pela mídia, merecem no fundo a execração de qualquer cidadão cioso de seu dinheiro. O comunismo pode ter desmoronado na União Soviética e Leste europeu. No Brasil persiste uma antiga prática soviética, a de subvencionar as prostitutas que se curvam ante o poder. terça-feira, junho 28, 2011
HAN HON HEN HÄN HENOM O século XIX foi generoso em sandices, entre elas o marxismo, a psicanálise e a identidade de sexos. Verdade que estes três movimentos só vão consolidar-se no XX. No caso da identidade de sexos, a grande difusora da idéia foi Simone de Beauvoir. Se formos atribuir a alguém a frase mais idiota do século, a láurea vai sem dúvida alguma para Castor, como a chamava Sartre: “uma mulher não nasce mulher; torna-se mulher”. De uma penada, Simone abolia as diferenças constitutivas de macho e fêmea. A frasezinha infeliz está em Le Deuxième Sexe (1949), ensaio que, apesar de atropelar todas as evidências, fez fortuna no mundo todo na segunda metade do século. Paris dixit! Amém. Sem citar la Beauvoir, em Heterodoxia, ensaio de 1953, que tive a honra de traduzir, Ernesto Sábato comenta este colossal disparate: O candoroso século XIX não só culminou na idéia de que o homem que viajava em trem era moralmente superior ao homem que andava a cavalo: culminou na doutrina mais inesperada de todos os tempos, a idéia da identidade dos sexos. Não houvesse outras provas da frivolidade deste século, bastaria esta para condená-lo. Do ponto de vista desses otimistas, a diferença entre o útero e o falo era algo assim como ranço dos Tempos Obscuros, destinado a desaparecer com a diligência e o analfabetismo. Felizmente, este estranho vaticínio não se cumpriu, como tantos outros daqueles profetas da Locomotiva. (...) A maior parte das mulheres, principalmente as de alguma cultura - não há nada mais perigoso que alguma coisa de cultura -, se deixam arrastar por esta teoria, sem compreender que ela pouco favor lhes faz e além disso as coloca em um terreno desfavorável: como se um submarino, incomodado pelo prestígio da aviação, pretendesse ser tão bom como um avião... no ar. Até parece ser um mefistofélico subterfúgio inventado por algum inimigo da mulher para colocá-la em uma situação ridícula. Com razão, Gina Lombroso põe em guarda seus congêneres contra esta tortuosa doutrina: "é inútil negá-lo, a mulher não é igual ao homem. Busquem qualquer testemunho da literatura antiga ou moderna - um romance, um poema, um mito - e tratem de masculinizar suas heroínas. Imaginem por um instante as mulheres do Antigo e Novo Testamento: Rebeca, Noemi, Rute, Maria Madalena, convertidas em homens. Incluam nesta imaginária metamorfose Helena, Hécuba, Electra, ou simplesmente a Eugênia de Balzac, a Rebeca de Walter Scott, a Dorrit de Dickens, e digam em sã consciência se as figuras resultantes de semelhante operação não são ridículas ou monstruosas". De mãos amigas, recebo artigo do jornalista americano Thaddeus Baklinski, sobre a última trouvaille dos suecos. Em Estocolmo, a pré-escola proíbe que crianças sejam tratadas como meninos e meninas. Em conformidade com um currículo escolar nacional que busca combater a "estereotipação" dos papéis sexuais, uma pré-escola do distrito de Södermalm, da cidade de Estocolmo, incorporou uma pedagogia sexualmente neutra que elimina completamente todas as referências ao sexo masculino e feminino. Os professores e funcionários da pré-escola Egalia evitam usar palavras como "ele" ou "ela" e em vez disso se dirigem aos mais de 30 meninos e meninas, de idades variando entre 1 e 6 anos, como "amigos". O han e o hon (ele e ela), foram trocados pelo pronome neutro hen, palavra que não existe nos dicionários. Mas tampouco é nova. Foi proposta por Hans Karlgren em 1994. Mas já havia sido aventada por Rolf Dunas, no Upsala Nya Tidning, em 1966. Nesta proposta, hen era apresentado como substituição a han e hon e mais: henom substituiria henne/honom (dele/dela). A palavra parece ter sido inspirada no finlandês hän. Acontece que ausência de gênero é uma característica do finês e não ideologia de feministas. Não se trata de eliminar todas as referências ao sexo masculino e feminino É que as palavras não são masculinas nem femininas. Tampouco existem artigos. Nos tempos verbais, não há futuro. O que deve exigir muita acrobacia dos políticos locais, pois não há como dizer, por exemplo, "eu farei isto ou aquilo". Mas isto já é outro assunto. Segundo a diretora Lotta Rajalin, a escola contratou um "pedagogo de diversidade sexual" para ajudar os professores e funcionários a remover as referências masculinas e femininas na linguagem e conduta. Além disso, não há livros infantis tradicionais como Branca de Neve, Cinderela ou os contos de fadas clássicos, disse Rajalin. Em vez disso, as prateleiras têm livros que lidam com duplas homossexuais, mães solteiras, filhos adotados e obras sobre "maneiras modernas de brincar". Pelo jeito, a relação homem/mulher virou anomalia. O sonho da Simone se realiza em Estocolmo. Mulher não nasce mulher, se torna mulher. Suponho que o corolário seja válido também para varões. A bem da verdade, a história é antiga. Em Gálatas, 3:28, Paulo já afirmava: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Pelo jeito, em seu ímpeto de estar à frente de sua época, os revolucionários Svenssons voltaram... ao século XIX. segunda-feira, junho 27, 2011
SERIA CRISTO BICHA? Começo com um esclarecimento. Quando falo do Cristo, não tenho a mínima idéia se existiu ou não. Há um hiato muito grande, de pelo menos quatro décadas, entre sua morte – ou suposta morte – e os primeiros relatos de sua vida. Ou suposta vida. Quanto mais leio, mais me convenço que foi criação dos evangelistas. O primeiro evangelho só surge após a segunda destruição do templo de Jerusalém pelo imperador romano Tito. Mais parece uma reação judia ao poder invasor que relato histórico. Seja como for, tenha existido ou não, Cristo existe para milhões de pessoas. Se era mito, o mito virou carne. Então, para efeitos de raciocínio, parto da suposição de que tenha existido. Quando trabalhava na Folha de São Paulo, anos 80, publiquei artigo aventando a hipótese de que Cristo fosse homossexual. Ou hetero ou mesmo bi. Alguma sexualidade deveria ter o deus feito carne, ou humano não seria. Ou então seria assexuado. Mas assexuados são seres doentes. Ora, o Altíssimo não iria encarnar em alguém inepto para a vida. Daria uma péssima imagem da divindade. Como os Evangelhos nada dizem sobre o assunto, qualquer das hipóteses era admissível. Escândalo nas hostes cristãos. Quando o telefone tocava na editoria, de modo geral era alguém me procurando. Para insultar-me, é claro. Em meio aos impropérios, só ouvi uma voz toda amorosa: - O senhor é homossexual? Era a voz de um pastor evangélico. Respondi que minha sexualidade só a mim dizia respeito. - Estou perguntando porque, se o senhor for homossexual, temos como curá-lo. Há vários ex-homossexuais em nossa igreja. Só o que faltava. Já ouvi falar de ex-padre, ex-ministro, ex-deputado, ex-presidente, até mesmo de ex-comunista, ex-marido, ex-URSS, ex-Iugoslávia. De ex-homossexuais não tenho conhecimento. Pode até ser que existam, mas serão minoria. Se tenho prazer na homossexualidade, por que a ela renunciaria? Em nome de uma religião que abomina o sexo? Alguém que renuncia a seus prazeres em função de uma fé estúpida, só pode ser um retardado mental. O pastor subestimava minha inteligência. Os tempos mudaram, e como! Comentei, no início deste mês, um aviso postado no site da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), que teria convocado simpatizantes a um evento em Brasília, programado para o dia 05 de junho, em que seriam queimados exemplares da Bíblia. Na página virtual, o texto dizia que "em frente à Catedral, nós ativistas LGBTT iremos queimar um exemplar da Bíblia Sagrada". Em seguida, a mensagem defendia que "um livro homofóbico como este não deve existir em um mundo onde a diversidade é respeitada". Dia seguinte, o presidente da tal de associação, que reúne todas as sexualidades exceto a hetero, declarava que a convocação teria sido obra de hackers. Obra de hackers ou não, ela é coerente. A Bíblia condena os homossexuais à morte. Nisto em nada difere do Islã. Que, no fundo, é um universo profundamente homossexual, onde a mulher não tem lugar. Mas os machos muçulmanos têm dificuldade em lidar com isto. Ai de quem for flagrado fazendo o que todos fazem sem serem flagrados. Mas isto já é outro assunto. Na ocasião, os organizadores da 15ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo já anunciavam a intenção de usar um dos mandamentos da Igreja, o “amai-vos uns aos outros" para condenar a tal de homofobia. Reverendos e seguidores da Igreja Anglicana do Brasil, além de fiéis de outras religiões, confirmaram participação na passeata. Dito e feito. Ontem, na dita Parada Gay, carros de som e camisetas traziam estampado o slogan. Acontece que o “amai-vos uns aos outros” não é achado da Igreja. É ordem do Cristo. Está nos Evangelhos. Mas Cristo nunca se pretendeu porta-estandarte da bicharada. Referia-se aos seres humanos em geral, sem distinção de sexo ou sexualidade. Mesmo que fosse homossexual ou por eles tivesse alguma simpatia, não ousou revogar a pena do livro antigo, a morte. Este mandamento é, antes de mais nada, arbitrário e ditatorial. Por que razões sou obrigado a amar indistintamente os demais? Há tanta gente chata e mesmo abominável no mundo, que não merecem sequer nosso apreço. Segundo o mandamento cristão, teríamos de estender nosso amor a gente da laia de Lula, Sarney, Zé Dirceu, Renan Calheiros. Por que teria eu de oferecer amor a esta canalha? Esta frasezinha do Cristo, tida como de profunda sabedoria, a meu ver é demagogia barata de político em busca de votos. Sem falar que, como perceberam Nietzsche e Kierkegaard, exclui o sentimento de amizade. Amizade é eleição, afinidade eletiva. Se tenho de amar o próximo, não sobra espaço para o amigo. Voltando a tal de parada. Se provoquei a ira sagrada dos cristãos quando aventei a possibilidade de Cristo ser homossexual, hoje – apenas 30 anos depois - esta hipótese é divulgada urbi et orbi pela televisão e pelos jornais. Não só o Cristo foi cooptado para apoiar a exótica fauna, como também alguns santos da Igreja, como São Sebastião e São João Batista, que apareciam seminus ao lado das mensagens em defesa da camisinha. O sofisma é primário. A Igreja nunca canonizaria quem fizesse a defesa do sexo não-reprodutivo. A santa nudez chegou a escandalizar a pastora lésbica Andréa Gomes, de 36 anos, da Igreja Apostólica Nova Geração: "Não tinha necessidade de usar pessoas peladas para representar santos. Faz a campanha, mas não envolve as coisas de Deus". Pelo jeito, a moça nunca entrou num templo católico onde sempre encontramos não os santos, mas o próprio deus cristão, sempre peladão envolto numa toalha de sauna. Ó tempora, ó mores! Cristo patrono das bonecas. A Igreja Católica subiu em seus tamancos. Para o cardeal d. Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, a colocação de cartazes com imagens de santos católicos em postes da Avenida Paulista foi "infeliz, debochada e desrespeitosa". Para o cardeal-arcebispo, o "uso instrumentalizado" das imagens por parte da organização do evento "ofende o sentimento da Igreja Católica". Não tem muita autoridade para chiar. Se a Igreja apossou-se descaradamente do livro dos judeus, não pode queixar-se de que determinadas organizações, sociais ou sexuais, se apossem de sua iconografia. Neste Brasil sincrético, onde tudo se funde e se mistura em um colossal panelão de incultura, Cristo virou definitivamente bicha. domingo, junho 26, 2011
STRULDBRUGS Adiós muchachos, compañeros de mi vida, barra querida de aquellos tiempos. Me toca a mí hoy emprender la retirada, debo alejarme de mi buena muchachada. Adiós muchachos. Ya me voy y me resigno... Contra el destino nadie la talla... Se terminaron para mí todas las farras, mi cuerpo enfermo no resiste más... Comentei ontem a morte de Ernesto Sábato. Que, por questão de semanas, não chegou a completar um século de existência. Veio-me à mente este tango de 1927, de Cesar Felipe Veldani. Sábato escreveu um rápido ensaio sobre o tema e gostava de citar Discépolo, o autor de Cambalache, tango que vale por um tratado de filosofia: “El tango es un pensamiento triste que se baila”. De fato. Dançar um tango é uma boa ocasião para meditar sobre a vida, o amor e a morte. Na praça Buenos Aires, aqui perto de casa, há um monumento imponente em homenagem a um obscuro pensador argentino, Bernardino Rivadavia. Não deve ser confundido com Bernardino de la Trinidad Gónzalez Rivadavia y Rivadavia (1780 – 1845), o primeiro presidente da Argentina, que exerceu o cargo por pouco mais de um ano, de 1826 a 1827. Desconheço a obra do Rivadavia da praça, mas seu busto nos traz um dado curioso. Nasceu em 02 de setembro de 1845. E morreu em 02 de setembro de 1945. Um século redondo. Não morreu um dia antes nem um dia depois. É como se, ao completar o século, dissesse: chega. Cansei. Adiós muchachos! Me toca a mí hoy emprender la retirada, debo alejarme de mi buena muchachada. Falei ainda há pouco de um fazendeiro do Ponche Verde, don Érico Berrutti Corsini. Que morreu este ano, rijo como um carvalho, aos 108 anos de idade. Homem profundamente católico, me consta que permaneceu lúcido até o fim de seus dias, escrevendo nos jornais de Santana do Livramento. Foi meu padrinho de batismo. Em 1947, quando era um jovem de 44 anos. Em 2004, quando fui visitar meus pagos, soube que estava “vivito y coleando”, com 101 anos. Pensei em visitá-lo. Mas tive medo de ver um homem combalido pela idade. Não o visitei. Ano passado, uma prima me escreve: “Fui a Livramento e estive com o Berrutti”. Não pode, pensei. Pois podia. O homem estava com 107 anos e continuava escrevendo. De meu nascimento para cá, havia vivido mais que minha existência. Pensei novamente em visitá-lo. Por circunstâncias que não vêm ao caso, não o fiz. Perdi a ocasião de visitar uma dessas raras pessoas que podem chamar o papa de “aquele guri”. Confesso que não invejo estas pessoas. Um século é demais. Cansa muito. Há quem chegue lá mais ou menos incólume. Mas deve ser muito desconfortável acordar cada dia pensando: quando será que ela vem? Hoje? Amanhã? Nesta semana? Melhor partir antes. De preferência, de improviso. Hoje ainda, um de meus amigos me falava da partida, nesta semana, do pai de uma amiga sua. Octogenário, vivia em um sítio em São Paulo. Acordou cedo, como em geral acordam os anciões. Alimentou seus peixes e sentiu-se cansado. Decidiu não trabalhar no resto do dia. Ainda cedo da manhã, sentiu uma dor no ombro. A filha levou-o ao hospital. Às dez estava morto. Às seis da tarde, sepultado. A morte é sempre uma surpresa. Você acorda para alimentar peixes e nem imagina que naquela noite vai dormir debaixo da terra. É o que chamo de morte feliz. Nem deu para perceber a chegada da Indesejada das Gentes. Um século? Não, muito obrigado. Uns setenta ou oitenta anos está de bom tamanho. Houve época em que escritores, ao morrer, deixavam uma frase final. Há muito tempo não ouvimos frases finais. As pessoas não morrem mais em casa, junto aos seus. Mas sedadas em hospitais, sem sequer terem consciência de que estão morrendo. Nas Viagens de Gulliver, de Swift, ao chegar na ilha de Luggnagg, o capitão Lemuel Gulliver encontra uma peculiar estirpe de habitantes, os struldbrugs, seres que nasciam com uma pinta vermelha e circular na testa, em cima da sobrancelha esquerda, sinal infalível de que nunca iriam morrer. É o sonho de um amigo e leitor: “Discordo de ti quanto à imortalidade: se pudesse ser imortal (com este cérebro e corpo e saúde), imagino que seria possível descobrir incessantemente novos desafios e conhecimentos, de modo que não vejo o tédio na imortalidade como um perigo tão grande. Só para dominar o conhecimento atual já iriam séculos e séculos e, então, ainda mais haveria por saber”. É o que imaginava Gulliver em Luggnagg. Ocorre que tudo que respira fenece. A princípio, o viajante se entusiasma e louva copiosamente tal circunstância, o prazer de presenciar as várias revoluções, o descobrimento de países ainda desconhecidos, a barbárie que devasta as nações mais civilizadas e a civilização que se apodera das mais bárbaras. As louvações são longas e ocupam quase três páginas. O mesmo não pensam os luggnaggnianos. Os struldbrugs viviam normalmente até os trinta anos. “Depois dessa idade, eram tomados pela tristeza e pelo desalento, que aumentavam até os oitenta. Quando completavam os oitenta, idade tida em Luggnagg como o limite máximo de vida, tinham não só toda a insensatez e todas as enfermidades dos outros velhos, senão muitas outras, nascidas da medonha perspectiva de nunca morrer. Não somente eram opiniáticos, rabugentos, avaros, impertinentes, tolos, tagarelas, mas também incapazes de amizade, e mortos para todos os afetos naturais, que nunca ultrapassavam os netos. A inveja e os desejos impotentes eram suas paixões predominantes. Mas os objetos principais das primeiras são os vícios dos moços e a morte dos velhos. Refletindo naqueles, vêm-se privados de toda possibilidade de prazer; e sempre que assistem a um enterro, lamentam e lastimam que hajam outros chegado a um porto de repouso, a que nunca esperam chegar”. “Aos noventa, perdem os dentes e os cabelos; já nessa idade não distinguem nada pelo gosto, mas comem e bebem o que se lhes apresenta sem prazer nem apetite. As moléstias a que estavam sujeitos continuam, sem aumentar nem diminuir. Ao falarem, esquecem a denominação comum das coisas e os nomes das pessoas, até os dos amigos e parentes mais chegados. Pela mesma razão, nunca podem saborear uma leitura, pois a memória não os ajuda a irem do princípio ao fim de uma sentença; e esse defeito os priva do único entretenimento de que poderiam, de outro modo, ser capazes”. “Como a língua deste país sofre contínuas modificações, os struldbrugs de uma época não compreendem os de outra nem lhes é possível, depois de duzentos anos, travarem conversação alguma (além de poucas palavras gerais) com os seus vizinhos, os mortais; e têm assim a desvantagem de viver como estrangeiros em própria terra”. Nietzsche percebeu isto, quando faz o rei Midas perguntar a Sileno: qual dentre as coisas era a melhor e a preferível para o homem? Responde Sileno: “Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é morrer depressa”. Depressa, mas não muito, acrescentaria eu. Morrer sim, mas devagar - como disse Dom Sebastião, na batalha de Alcácer-Quibir. Mas também não muito devagar. sábado, junho 25, 2011
SÁBATO, QUASE UM SÉCULO Tivesse segurado mais algumas semanas, Ernesto Sábato teria fechado ontem um século redondo. Nasceu em 24 de junho de 1911, solstício de inverno, e muito escreveu sobre o significado pagão da data. Escolheu uma péssima data para morrer. Ficou espremido entre o casamento do principito inglês e a beatificação do João Polaco. No dia seguinte, as páginas foram do bin Laden. Fosse numa semana mais tranqüila, sua morte teria mais espaço. Acontece. Aldous Huxley teve o azar de morrer no mesmo dia em que John Kennedy foi assassinado. Há quem situe Jorge Luis Borges como o escritor maior da Argentina. Cá entre nós, eu citaria Hernández. Creio que o grande legado argentino à literatura universal é o Martín Fierro. De qualquer forma, antes de Borges eu situaria Sábato. Borges de certa forma desdenha a Argentina e refugia-se no mito e na metafísica. Os contos de El Aleph – a meu ver seu livro mais importante – situam-se em um topos uranos irreal. Já Sábato, tanto em Sobre Heroes y Tumbas como em Abbadón, el Exterminador, mergulha na história argentina. A Borges, a história dos homens pouco lhe diz. Em Abbadón, Sábato cometeu um pecado mortal, que seus leitores mais exigentes não perdoam, o endeusamento do Che Guevara. Não sei o que o levou a isso. Falta de informação não há de ter sido. Até eu caí nesse conto. Não que tivesse maiores simpatias pelo Che. Em minha tese, considerei, talvez deslumbrado com Sábato, que um escritor tinha todo direito em transformar em personagem de ficção um personagem histórico. Mais tarde cheguei à conclusão que não tem. Não se pode pintar com cores lindas um celerado. Pior ainda, a soldo de Moscou, da utopia mais assassina do século passado. Hoje, além da biografia romanceada do Che, vejo mais dois pecados em Sábato. Primeiramente, aquele endeusamento da literatura, que se convencionou chamar de clericatura do escritor. Ele enaltece demais o ficcionista, “o homem que sonha pela comunidade”. Ora, o escritor não está com essa bola toda, particularmente numa época em que as grandes obras se acumulam a ponto de tornarem-se triviais e os grandes escritores se dão cotovelaços nas enciclopédias. Pessoa entendeu bem isto: “A avassaladora produção literária tornará a seleção igualmente avassaladora, pela reação. A verdadeira produção abundante de livros bem escritos fará com que muitos livros antigos pareçam menos bons do que quando se destacam de um pano de fundo de nada. (...) A competição entre os mortos é mais terrível do que a competição entre os vivos; os mortos são mais numerosos”. De minha parte, há mais de vinte anos – talvez trinta – não leio ficções. Histórias inventadas me cansam. Claro que sempre volto com prazer a um Cervantes, Swift, Orwell. Literatura contemporânea não leio mais. É como se eu estivesse ouvindo as conversas de meu boteco. Lembro que, em Buenos Aires, quando me encontrei com sua obra, fiquei fascinado com Heroes e particularmente com o Informe sobre ciegos. Achei que tinha encontrado a verdadeira Buenos Aires, a noturna, que não era aquela diurna que meus olhos viam. Besteira. A verdadeira Buenos Aires era aquela que me cercava. A criada por Sábato era um conto de fadas para adultos. Este é o perigo da arte, fazer com tomemos o irreal pelo real. Volto ainda a Pessoa: “o romance é um conto de fadas de quem não tem imaginação”. Outro pecado, a meu ver, é aquele ar de sofrimento e desesperança com a humanidade de seus últimos livros. Sábato parecia a própria encarnação da tragédia, um Atlas suportando o tempo todo o peso do mundo. Não sei se fazia aquilo por charme ou se sentia aquilo mesmo. Não que eu deposite grandes esperanças na humanidade. Mas “que el mundo fué y será una porqueria” era coisa que ele devia ter descoberto desde jovem. Também demonstrou, na velhice, uma certa aproximação com deus que não fecha com uma inteligência lúcida. Numa de suas últimas confissões, ele conta que certo dia entrou em uma igreja e comungou. Ora, isto não condiz com o Sábato que um dia admiramos. Quando veio a São Paulo, em 94, Sábato foi trazido por uma promoter analfabeta que quase o comprometeu ante seus leitores. Seria patrocinado por empresas como Odebrecht, OAS e corrupções do gênero. Ele consultou-me sobre essas empresas. Disse-lhe que um homem de sua estatura moral não podia vir ao Brasil patrocinado por empresas que compravam até o Congresso. A promoter ficou fula da vida. Pediu que eu não telefonasse mais ao Sábato. Vais desculpar, querida, mas no que depender de mim, ele não vem. Sábato sentiu a gravidade da coisa e fez com que ela conseguisse patrocinadores mais neutros, tipo Visa, Mastercard ou algo do gênero. Pior ainda: a moça planejou um encontro dele com o Evaristo Arns, que chegou a ser anunciado no Estadão. Se o Sábato havia subscrito o Nunca Más, deveria encontrar-se com o mentor do Tortura, Nunca Mais. Telefonei na hora. Não faça isso, Sábato, esse fulano é fanzoca do Fidel e da ditadura cubana. Sábato recuou e Sua Eminência não conseguiu exercer seu narcisismo. Certamente em decorrência de sua juventude comunista, Sábato não conseguia fugir de uma certa atmosfera de guerra fria, sempre manifesta tanto em seus romances como em seus ensaios. Quando foi entrevistado no Roda Viva, na saída Heródoto Barbeiro disse-me: “A impressão que tenho é que ele há muito repete a mesma coisa”. Tinha razão. Sábato estabeleceu residência em meados do século passado e sua saga parece ter perdido o sentido após a queda do Muro. De qualquer forma, um homem que viveu intensamente sua época. Para mim, foi importante tê-lo conhecido e traduzi sua obra com sumo prazer. Em homenagem ao século que quase completou, reproduzo abaixo o primeiro capítulo de seus diálogos com Jorge Luís Borges, mediados pelo jornalista Orlando Barone, nos cafés de Buenos Aires. DIÁLOGOS BORGES / SÁBATO (I) Borges: ¿Cuándo nos conocimos? A ver... Yo he perdido la cuenta de los años. Pero creo que fue en casa de Bioy Casares, en la época de Uno y el Universo. Sábato: No, Borges. Ese libro salió en 1945. Nos conocimos en lo de Bioy, pero unos años antes, creo que hacia 1940. Borges: (Pensativo) Sí, aquellas reuniones... Podíamos estar toda la noche hablando sobre literatura o filosofía... Era un mundo diferente... Ahora me dicen, sé, que se habla mucho de política. En mi opinión les interesan los políticos. La política abstracta, no. A nosotros nos preocupaban otras cosas. Sábato: Yo diría, más bien, que en aquellas reuniones hablábamos de lo que nos apasionaba en común a usted, a Bioy, a Silvina, a mí. Es decir, de la literatura, de la música. No porque no nos preocupara la política. A mí, al menos. Borges: Quiero decir, Sábato, que no se hacía ninguna referencia a las noticias cotidianas, fugaces. Sábato: Sí, eso es verdad. Tocábamos temas permanentes. La noticia cotidiana, en general, se la lleva el viento. Lo más nuevo que hay es el diario, y lo más viejo, al día siguiente. Borges: Claro. Nadie piensa que deba recordarse lo que está escrito en un diario. Un diario, digo, se escribe para el olvido, deliberadamente para el olvido. Sábato: Sería mejor publicar un periódico cada año, o cada siglo. O cuando sucede algo verdaderamente importante: "El señor Cristóbal Colon acaba de descubrir América". Título a ocho columnas. Borges: (Sonriendo) Sí... creo que sí. Sábato: ¿Cómo puede haber hechos transcendentes cada día? Borges: Además, no se sabe de antemano cuáles son. La crucifixión de Cristo fue importante después, no cuando ocurrió. Por eso yo jamás he leído un diario, siguiendo el consejo de Emerson. Sábato: ¿Quién? Borges: Emerson, que recomendaba leer libros, no diarios. Barone: Si me permiten... aquel tiempo en que se encontraban en lo de Bioy... Borges: Caramba, usted se refiere a aquel tiempo como si fueran épocas muy lejanas. (Pareciera evocarlas). Sí, claro, cronológicamente son lejanas. Sin embargo siento, pienso en aquello como si fuera contemporáneo. Además, nos reuníamos pocas veces. Sábato: El tiempo no existe, ¿no? Borges: Quiero decir... Como yo sigo mentalmente en esa época... y además la ceguera me ayuda. Se produce una larga pausa. Borges: Recuerdo la polémica Boedo-Florida, por ejemplo, tan célebre hoy. Y sin embargo fue una broma tramada por Roberto Mariani y Ernesto Palacio. Sábato: Bueno, Borges, pero aquel tiempo no fue el mío. Lo dice con sarcasmo. Borges: Sí, lo sé, pero recordaba esa broma de Florida y Boedo. A mí me situaron en Florida, aunque yo habría preferido estar en Boedo. Pero me dijeron que ya estaba hecha la distribución (Sábato se divierte) y yo, desde luego, no pude hacer nada, me resigné. Hubo otros, como Roberto Arlt o Nicolás Olivari, que pertenecieron a ambos grupos. Todos sabíamos que era una broma. Ahora hay profesores universitarios que estudian eso en serio. Si todo fue un invento para justificar la polémica. Ernesto Palacio argumentaba que en Francia había grupos literarios y entonces, para no ser menos, acá había que hacer lo mismo. Una broma que se convirtió en programa de la literatura argentina. Sábato: ¿Recuerda, Borges, que, aparte de la literatura y la filosofía, usted y Bioy sentían una gran curiosidad por las matemáticas? La cuarta dimensión, el tiempo... aquellas discusiones sobre Dunne y el Universo Serial... Borges: (Aprieta el bastón con las dos manos, se yergue un tanto, casi con entusiasmo) ¡Caramba! Claro... los números transfinitos, Kantor... Sábato: El Eterno Retorno, Nietzsche, Blanqui... Borges: Y, siglos antes, ¡los pitagóricos, o los estoicos! Sábato: Las aporías, Aquiles y la tortuga... Nos divertíamos mucho, sí. Recuerdo cuando Bioy leía los cuentos de Bustos Domecq recién salidos del horno. Pero a Silvina no le gustaban, permanecía muy seria. Borges: Bueno, Silvina solía leer esos textos con indulgencia y gesto maternal. A mí, sin embargo, los cuentos de Bustos Domecq me causaban gracia. Sábato: Recuerdo que también hablábamos mucho de Stevenson, de sus silencios. Lo que calla, a veces más significativo que lo que expresa. Borges: Claro, los silencios de Stevenson... y también Chesterton, Henry James... no, creo que de James se hablaba menos. Sábato: Al que le interesaba mucho era a Pepe Bianco. Borges: Sí, él había traducido The Turn of the Screw. Mejoró el título, es cierto. Otra vuelta de tuerca es superior a La vuelta de tuerca ¿no? DIÁLOGOS BORGES / SÁBATO (II) Sábato: Representa con más claridad la idea de la obra. Al revés que con ese libro de Saint-Exupéry llamado Terre des Homme que aparece traducido como Tierra de hombres. Como quien dice "Tierra de machos". Si hasta parece un título para Quiroga o Jack London. Cuando lo que en realidad quiere significar (además lo dice literalmente) es Tierra de los Hombres, la tierra de estos pobres diablos que viven en este planeta. No sólo ese traductor no sabe francés sino que no entendió nada de Saint-Exupéry ni de su obra entera. Pero a propósito, Borges, recuerdo algo que me llamó la atención hace un tiempo en su traducción del Orlando, de Virginia Woolf... Borges: (Melancólico) Bueno, la hizo mi madre... yo la ayudé. Sábato: Pero está su nombre. Además, lo que quiero decirle es que encontré dos frases que me hicieron gracia porque eran borgeanas, o así me parecieron. Una cuando dice, más o menos, que el padre de Orlando había cercenado la cabeza de los hombres de "un vasto infiel". Y la otra, cuando aquel escritor que volvió hacia Orlando y "le infirió un borrador". Me sonaba tanto a Borges que busqué el original y vi que decía, si no recuerdo mal, algo así como presented her a rough draft. Borges: (Riéndose) Bueno, sí, caramba... Sábato: No tiene nada de malo. Sólo muestra que casi es preferible que un autor sea traducido por un escritor medio borroso e impersonal ¿no? Recuerdo que hace mucho tiempo vi una representación de Macbeth. La traducción era tan mala como los actores y la pintarrajeada escenografía. Pero salí a la calle deshecho de pasión trágica. Shakespeare había logrado vencer a su traductor. Borges: Es que hay ciertas traducciones espantosas... Hay un film inglés cuyo título original The Imperfect Lady lo tradujeron aquí como La cortesana o La ramera. Perdió toda la gracia. Precisamente alterar de esa forma el título, que es donde más ha trabajado el autor. Cuando eligió uno es porque lo ha pensado mucho. Nadie, ni el traductor, debe creerse con derecho a cambiarlo. Sábato: ¿Y acaso el título no es la metáfora esencial del libro? Del título podría decirse lo que se ha afirmado de los sistemas filosóficos, que casi siempre son desarrollo de una metáfora central: El Río de Heráclito, La Esfera de Parménides... Borges: Claro, suponiendo que los títulos no sean casuales. Bueno, y que los libros tampoco ¿no? Borges parece buscar algo en el pasado. Sábato debe intuir esa búsqueda de la evocación y también el inminente monólogo. Quedan muchas horas, mucho tiempo delante. Borges: Hablando de libros, los primeros que se ocuparon aquí de "promover" sus libros fueron José Hernández y Enrique Larreta. Después, Girondo. De él todos recuerdan cuando se publicó El espantapájaros y desfiló en un coche con uno de esos muñecos por la calle Florida... En cambio, en un tiempo anterior, el de Lugones y de Groussac, cuando editaban sus libros sólo trascendían en el ámbito de las librerías. Mi propia experiencia no fue distinta. Con trescientos pesos que me dio mi padre hice imprimir trescientos ejemplares de mi primer libro. ¿Qué otra cosa pude hacer que repartirlos y regalarlos a los amigos? ¿A quién le importaba alguien que escribía poemas y se llamaba Borges? Sábato: El editor le publica al escritor que todos se disputan. Eso hace difícil cualquier comienzo. Sin embargo, es extraño, uno ve ahora los estantes de las librerías y es como una invasión de títulos. Debe haber más autores que lectores. Y otro fenómeno: el de los kioscos. Antes, por el año 35, solamente Arlt se vendía en la calle. Borges: (Lleno de asombro) ¿Libros en los kioscos? Sábato: (Sonriendo) Sí, también los suyos: El Aleph, Ficciones y los clásicos. Borges alza aún más la cabeza como para asombrarse de cerca, inquiere más con un gesto. Sábato: Sí, y me parece bien que sus libros estén allí en la calle, al paso de cada lector. Borges: Pero... es que antes no era así, claro... Sábato: Sin embargo, hubo un tiempo en que en los almacenes de campo, cuando hacían sus pedidos a Buenos Aires, junto a las bolsas de yerba y aperos, pedían ejemplares del Martín Fierro. Borges: Esa noticia ha sido divulgada o imaginada por el propio Hernández. La población rural era analfabeta. Hay un silencio apenas fastidiado por el ruido de los vasos. Hace calor, pero creo que todos lo hemos olvidado. Queda flotando la última palabra. Borges: Martín Fierro... Un personaje que no es un ejemplo. Es admirable el poema como arte, pero no el personaje. Los ojos de Sábato, ahora escudriñan el rostro de Borges. Se le nota la ansiedad por hablar, pero espera. Borges: Fierro es un desertor que paradójicamente deleita a los militares. Pero si usted le dice eso a un hombre de armas, se indigna. Hasta Ricardo Rojas en la Historia de la Literatura Argentina lo defiende con argumentos inexistentes. Alega que en el libro se ve la conquista del desierto, la fundación de ciudades. Francamente nadie ha leído una sola palabra de eso. Sábato: Creo que Fierro es un iracundo, un rebelde ante el tratamiento de frontera, y ante muchas de las injusticias de su tiempo. Borges cierra y abre los ojos, se mueve un poco sin perder esa posición arrogante, pero no agresiva. Borges: No, no pienso así, Martín Fierro no fue un rebelde. Desertó porque no le pagaban sus haberes y se pasó al enemigo, no sin esperanza de participar fructuosamente en algún malón. Pero tampoco el autor fue rebelde. José Hernández Pueyrredón pertenecía a la alta clase de los estancieros, era pariente de los Lynch y los Udaondo. Si le hubieran dicho "gaucho" se habría indignado. Un gaucho era algo común, pero Martín Fierro es una excepción en la llanura. Porque un matrero lo es y por eso recordamos a unos pocos: Hormiga Negra, que murió por 1905 tal vez. Es que el gaucho matrero es una excepción como lo es el guapo entre los compadritos. Mi abuela en el 72 ó 73 vio a los soldados en el cepo. Hernández no conoció nada de eso. Se documentó, se basó mucho en el libro de su amigo Mansilla. Y por eso no acepto que Martín Fierro sea un mensaje de protesta social; es más bien un alegato contra el Ministerio de la Guerra como le llamaban entonces. No creo que Hernández ansiara un nuevo orden social, Sábato. Sábato: Que Hernández perteneciera a la clase alta, no es un argumento. También fueron aristócratas o burgueses Saint-Simon, Marx, Owen, Kropotkin. No sabía que Hernández era pariente de los Lynch. Lo mismo que Guevara. En cuanto al Martín Fierro, pienso que describe el exilio de los gauchos en su propia patria. Es un canto para los pobres. No sé cual habrá sido el propósito deliberado de Hernández al escribirlo y eso no importa. Usted sabe que los propósitos siempre son superados por la obra, cuando se trata del arte. Quién recuerda en qué acceso de patriotismo Dostoievsky se propuso escribir un librito titulado Los borrachos, contra el abuso del alcohol en Rusia: le salió Crimen y castigo. DIÁLOGOS BORGES / SÁBATO (III) Borges: Claro, si el Quijote fuera simplemente una sátira contra los libros de caballería no sería el Quijote. Si al final, cuando termina la obra, el autor piensa que hizo lo que se propuso, la obra no vale nada. Sábato: Tal vez los propósitos sirvan como trampolín para lanzarse después a aguas más profundas. Allí empiezan a trabajar otras fuerzas inconscientes, poderosas y más sabias que las conscientes. Las que en definitiva revelan las grandes verdades. Pero volviendo al Martín Fierro, lo que usted dijo antes lo comparto en algo: no se lo debe valorar como testimonio de protesta. O diría, mejor, por el solo hecho de ser un libro de protesta. Porque en este caso, cualesquiera fueran sus valores morales, no alcanzaría a ser una obra de arte. Pienso que si Martín Fierro vale es porque a partir de esa rebeldía accede a esos altos niveles y expresa los grandes problemas espirituales del hombre, de cualquier hombre y en cualquier época: la soledad y la muerte, la injusticia, la esperanza y el tiempo. Borges: (Que ha escuchado con atención. La cara orientada hacia el exacto lugar donde está Sábato.) Reconozco que Fierro es un personaje viviente, que como pasa con las personas reales puede ser juzgado muy diversamente, según se lo mire. Sábato: De allí las muchas interpretaciones que permite: sociológicas, políticas, metafísicas. Borges: (Como disculpándose) Pero yo no he dicho una sola palabra en contra de la obra... Sábato: Es que ha habido reportajes donde usted aparece diciendo ciertas cosas... Me parece útil que se aclare. Borges: He dicho, sí, que proponer a Martín Fierro como personaje ejemplar es un error. Es como si se propusiera a Macbeth como buen modelo de ciudadano británico ¿no? Como tragedia me parece admirable, como personaje de valores morales, no lo es. Sábato: Lo que prueba que un gran escritor no tiene por qué crear buenas personas. Ni Raskolnikov ni Julien Sorel, por citar algunos, pueden juzgarse como buenas personas. Casi nadie en la gran literatura. Borges: Qué extraño. Ahora recuerdo que Macedonio Fernández tenía una teoría que yo creo errónea. él decía que todo personaje de novela tenía que ser moralmente perfecto. Desde esa perspectiva, sin conflictos, resultaría difícil escribir algo... él se basaba en el concepto: "El arquetipo ideal de la épica". Sábato: Parecería un chiste. Borges: No. Era en serio. Bueno, sería como anular la novela ¿no? Sábato: Basta considerar los grandes protagonistas de novelas. Siempre marginados, tipos casi siempre fuera de la ley outsiders. Borges: Hay una frase de Kipling que escribió al final de su vida: "A un escritor puede estarle permitido inventar una fábula pero no la moraleja". El ejemplo que eligió para sostener su teoría fue el de Swift, que intentó un alegato contra el género humano y ahora ha quedado Gulliver, un libro para chicos. Es decir: el libro vivió, pero no con el propósito del autor. Sábato: Es lo bastante complejo para ser un espantoso alegato y a la vez un libro de aventuras para chicos. Esa ambigedad es frecuente en la novela. Borges: Se me ocurre algo. Supongamos que Esopo existió y que escribió sus fábulas. Pero posiblemente le divertía más la idea de animales que hablan como hombrecitos que las moralejas. Esas moralejas se agregaron después. Sábato: Es que ninguna obra de arte es moralizadora en el sentido edificante de la palabra. Si sirven al hombre es en un sentido más profundo, como sirven los sueños, que casi siempre son terribles. O las tragedias. Usted habló de Macbeth: es espantoso, pero sirve. Y no sé si lo justo no sería suprimir ese "pero", o en su lugar poner "y por eso mismo. Borges: Sin duda. Uno de los libros que leí es Le Feu, de Barbusse. Lo escribió contra la guerra y el resultado es casi una exaltación de la guerra. Sábato: Sarmiento se propuso escribir un libro contra la barbarie y la conclusión fue un libro bárbaro. Porque Facundo expresa lo que hay en el fondo del corazón de Sarmiento: un bárbaro. El álter ego del Sarmiento de jacket. Borges: Sí, es... el libro más montonero de nuestra literatura, según Groussac. Sábato: Lo admirable del Facundo es la fuerza de sus pasiones. Está lleno de defectos sociológicos e históricos, es un libro mentiroso, pero es una gran novela. Borges: Solamente cuando una obra no vale es cuando cumple los propósitos del autor... Sábato: En tiempos de la revolución francesa había libros que se llamaban cosas como Virgen y republicana, con moraleja desde el título. Ya podemos imaginar lo que valdrían. Pero todas las revoluciones son moralistas y puritanas. En Rusia se han escrito obras de teatro con títulos como La tractorista ejemplar... Las revoluciones son conservadoras en el arte. La revolución francesa no tomó como paradigma a Delacroix, el de la pintura pasional y rebelde, sino el académico David, el de los pompiers. Borges: Cuando Bernard Shaw estuvo en Rusia les aconsejó que cerraran el museo de la Revolución. Claro, no había que influir con el mal ejemplo... Sábato: Es que el artista es por excelencia un rebelde. Por eso en las revoluciones nunca les va bien. Borges: Recuerdo que en Rusia hicieron dos films sobre Iván el Terrible: uno, al comienzo (el bueno) contra el zarismo; el otro, cuando Stalin se había convertido en un nuevo zar, en favor del zarismo... Sábato: Sabemos que sólo puede hacerse arte grande en absoluta libertad. Lo otro es sometimiento, arte convencional y por lo tanto falso. Y por lo tanto no sirve al hombre. Los sueños son útiles porque son libres Barone: A propósito de esa libertad... ¿Es un obstáculo la fama? ¿La entorpece? Me refiero al caso de un escritor reconocido por sus contemporáneos. . . Pienso que Van Gogh y Kafka, que no fueron famosos, pudieron hacer su obra en total libertad... Ustedes son famosos. Borges: Lugones y Darío fueron famosos... Sábato: Si un artista tiene algo importante que decir, lo dirá igual. No lo va a atrapar nada. Ni la fama, ni la policía secreta, ni el Estado. Además la historia lo prueba: Dostoievsky era muy famoso cuando escribió Los Karamazov y nadie se atrevería a decir que con ese libro está coartado. Y también fueron famosos Tolstoi, Chejov, Hemingway, Faulkner.. Borges: Y Mark Twain, y Bernard Shaw. Sábato: Y el caso inverso: gente que jamás logró trascendencia sin que por eso su obra necesariamente deba ser importante. Borges: Conozco a alguien que se consuela pensando que también fueron ignorados los artistas A, B y C, que ahora son famosos. No piensa que también fueron ignorado escritores pésimos. Sábato: Kafka no fue conocido por la simple razón de que no quiso publicar. Tomemos el caso de Borges que es un escritor bastante hermético, y sin embargo es famoso. Borges: (Tímidamente) ¿Yo?. Sábato: (Irónico) Vamos, Borges. Piense también en la fama que tuvieron artistas tan herméticos como Mallarmé y Rimbaud. Para no hablar de Joyce. Borges: Y Víctor Hugo y Byron... Sábato: Byron quizá debió su fama a la vida que hizo. Borges: Sí, Byron dejó un personaje vivido por él... ¡Ah! y famosos también fueron los filósofos franceses: Voltaire y Rousseau. Sábato: A propósito, ¿conoce la traducción alemana del Neveu de Rameau? Borges niega con la cabeza. Sábato: Usted sabe que lo tradujo Goethe, ¿no? Borges: Sí, sí, claro. Sábato: Pero, ¿sabía que la versión francesa es traducción de esa traducción alemana? Borges: (Con profunda sorpresa) ¿Cómo? No, no lo sabía realmente. . . Sábato: Sí, creo que la versión original se perdió y no sé si luego se recuperó. Pero durante mucho tiempo, al menos, la versión francesa que circuló fue la retraducida desde el alemán. Dicho sea de paso, esa obra de Diderot es otro ejemplo de lo que decíamos antes, sobre la pluralidad de las interpretaciones. Lo admiraron a la vez Goethe y Marx, aunque no por los mismos motivos. Borges: El siglo XVIII francés tuvo la mejor prosa de la historia de la literatura de Francia. Voltaire es admirable. Sábato: Tenían una gran precisión. Borges: Y también una gran pasión. Es un siglo estupendo. Yo ahora estoy leyendo bastante literatura francesa de esa época: los cuentos de Voltaire por ejemplo. Leí con entusiasmo Carlos XII, un libro épico. Sábato: Es curioso lo que pasa con esos enciclopedistas. De nuevo la duplicidad del escritor, entre lo que se proponen y lo que les sale. Diderot, nada menos. Sus obras de ficción son terribles. Es decir, que los demonios, esos demonios que la ilustración proscribe o ridiculiza aparecen en las novelas como una especie de venganza inconsciente de las furias. Cuando más racional se volvía el pensamiento, más se cobraban venganza. Borges: Ahí está, sin ir más lejos, la Revolución Francesa. Sábato: Sí. Decapitan a media Francia en nombre de la Razón. Cada vez que los teóricos invocan al hombre con H mayúscula hay que ponerse a temblar: o guillotinan a miles de hombres con minúscula o los torturan en campos de concentración. Borges: No sé qué escritor dijo: Les idées naissent douces et vieillisent féroces. "Las ideas nacen dulces y envejecen feroces." Sábato: Hermosa frase! Además son siempre los pensadores los que mueven la historia. Borges: Pienso que toda la historia de la Humanidad puede haber comenzado en forma intranscendente, en charlas de café, en cosas así ¿no? Sábato: Perdone pero me quedé tocado por esa frase que usted citó. Recordemos las cosas feroces que se hicieron en nombre del Evangelio. Y las atrocidades que hizo Stalin en nombre del Manifiesto Comunista. Borges: ¡Qué extraño! Nada de eso ha ocurrido con el Budismo. Sábato: (Con tono escéptico) Pero dígame, Borges, ¿a usted le interesa el budismo en serio? Quiero decir como religión. ¿0 sólo le importa como fenómeno literario? Borges: Me parece ligeramente menos imposible que el cristianismo (ríen). Bueno, quizá crea en el Karma. Ahora, que haya cielo e infierno, eso no. Sábato: En todo caso, si existen, deben ser dos establecimientos con una población muy inesperada. Por un instante las risas se confunden con las palabras. Los dos se divierten. Barone: ¿Y que opina de Dios, Borges? Borges: (Solemnemente irónico) ¿Es la máxima creación de la literatura fantástica! Lo que imaginaron Wells, Kafka o Poe no es nada comparado con lo que imaginó la teología. La idea de un ser perfecto, omnipotente, todopoderoso es realmente fantástica. Sábato: Sí, pero podría ser un Dios imperfecto. Un Dios que no pueda manejar bien el asunto, que no haya podido impedir los terremotos. O un Dios que se duerme y tiene pesadillas o accesos de locura: serían las pestes, las catástrofes.. Borges: O nosotros. (Se ríen.) No sé si fue Bernard Shaw que dijo: God is in the making, es decir: "Dios está haciéndose". Sábato: Es un poco la idea de Strindberg, la idea de un Dios histórico. De todas maneras las cosas malas no prueban la inexistencia de Dios, ni siquiera la de un Dios perfecto. Usted acaba de insinuar que cree más bien en los budistas. Si un niño muere, de modo aparentemente injusto, puede ser que esté pagando la culpa de una vida anterior. También es posible que no entendamos los designios divinos, (que pertenecen a un mundo transfinito), mediante nuestra mentalidad hecha para un universo finito. Borges: Eso coincide con los últimos capítulos del libro de Job. Sábato: Pero dígame, Borges, si no cree en Dios ¿por qué escribe tantas historias teológicas? Borges: Es que creo en la teología como literatura fantástica. Es la perfección del género. Sábato: Entonces, suponiendo que fuera el Gran Bibliotecario Universal, ese bibliotecario que toda la vida soñó ser, Borges pondría en el primer lugar la Biblia ¿no? Borges: Y sobre todo un libro como la Summa Teologica. Es una obra fantástica muy superior a las de Wells. (Sonríe.) Sábato: Claro, Wells es demasiado mecanizado. Un poco la literatura fantástica de la Revolución Industrial. Borges: Sí, tengo discusiones con Bioy Casares sobre eso. Yo le digo que es más fácil creer en talismanes que en máquinas. Sábato: Tiene razón. La invención de Morel es una obra magnífica Pero personalmente la habría preferido sin maquinarias ni explicaciones. Borges: Habría sido mejor que eso ocurriera. Uno acepta un talismán, digamos un anillo que hace invisibles a los hombres; en cambio Wells tiene que recurrir a experimentos químicos, y eso es menos creíble. El anillo sólo exige un acto de fe, lo otro, todo un proceso. Sábato: Por otra parte la ciencia progresa. Einstein es superior a Newton, de algún modo refuta a Newton. Un talismán siempre es el mismo, siempre sigue valiendo. Wells era en el fondo un positivista de la literatura fantástica. Suena el teléfono. Alguien pregunta por Sábato. Hay una breve pausa y retomamos la charla. Barone: Les voy a proponer saltar a otro tema, si el salto no les molesta. Borges: He venido saltando desde hace setenta y cinco años. Sábato: Todos. ¿Qué le parece como salto eso del despertar cada mañana? "Recuérdenme a las nueve". Así se decía antes, en el campo, cuando yo era chico. "Recordarlo", como quien se ha olvidado de la existencia. Cuando dormimos el alma viaja fuera del espacio y del tiempo. Borges se ha quedado pensativo. Inmóvil, parece evocar algo. Hay un silencio en Sábato, esperando. Borges: Todas las mañanas cuando me despierto, pienso: "Soy Borges, estoy viviendo en la calle Maipú, mi madre está en la pieza contigua, muy enferma, y vuelvo..." Sábato: De los dos Borges, seguramente el que sueña es el más auténtico. Porque lo que escribe debe representar más ese mundo de la noche. Además, recuerdo que usted comenzó a escribir los cuentos fantásticos después de ese golpe en la cabeza... La mano de Borges señala en la cabeza un rastro. Me hace que lo toque para que compruebe que existe. Explica que fue contra una persiana de "fierro". Borges: Recuerdo que en el sanatorio no podía dormir, porque si lo hacía tenía alucinaciones. Cuando estuve mejor y me dijeron que había estado a punto de morir, me puse a llorar. Todo esto fue allá por 1945 creo. O antes. Estaba empleado en la Biblioteca de Almagro. Sábato: Sí, antes de que lo ascendieran a inspector de gallinas. Borges: Fíjese que me dieron ese puesto para humillarme y renuncié el mismo día. Recuerdo que a un amigo mío le pregunté, por qué habiendo cuarenta empleados en la Biblioteca me echaban a mí, que era escritor. Me preguntó si yo no había estado con los aliados durante la guerra. Le respondí que sí. Y entonces ¿qué quiere?, me dijo. Me di cuenta de que esa lógica era irrefutable. Barone: Creo que hay un tema que les interesa a los dos. El del lenguaje. Usted, Sábato, dijo en una oportunidad que uno de los grandes peligros que corremos nosotros, los escritores de lengua castellana, es el verbalismo. Y citó a Borges en favor de su tesis. Sábato: Sí, dije que cierta pompa estilística, que fue combatida por hombres como Borges, parecía entrar ahora en algunas formas de la vanguardia. Siempre recuerdo aquella parte tan graciosa de Machado. Juan de Mairena hace pasar al pizarrón al mejor alumno y le hace escribir: "Los eventos consuetudinarios que acontecen en la rúa". Luego le pide que ponga eso en forma poética, el chico piensa un momento y luego escribe: "Las cosas que pasan en la calle." Mairena lo felicitó. Claro, se podrá decir que una frase como "Las cosas que pasan en la calle" no es poesía. Pero la otra variante tampoco es poética: sólo es abominable. sexta-feira, junho 24, 2011
EL AVE Y LAS AVUTARDAS Sevilha, a capital política da Andaluzia, todos conhecemos. Famosa por sua Semana Santa, tem uma das mais esplendorosas catedrais da Europa. Faremos um templo para que os pósteros nos chamem de loucos – disseram seus construtores. Já Marchena, cidadezinha a cerca de 60 quilômetros da capital andaluz, com cerca de 20 mil habitantes, é bem menos conhecida. Do AVE, também temos notícias. Trem de alta velocidade espanhol, liga – entre outras cidades - Madri, Sevilha, Barcelona e Málaga. Atinge 300 quilômetros por hora e faz Madri-Atocha e Barcelona-Saints em 2h38m. A distância entre Madri e Toledo, que em trem normal se fazia em uma hora, hoje se faz em 25 minutos. Os trens de alta velocidade na Europa são excelentes alternativas a vôos de uma a três horas. De avião você faz Madri-Barcelona em 1h10min. Mas se contar deslocamentos até aeroporto, check in, espera de embarque, vai dar umas quatro ou mais horas. Por outro lado, o AVE sai do centro de uma cidade e o deixa no centro da outra. Quanto às avutardas, são pequenas aves pernaltas, de uns oito centímetros de longitude da cabeça à cauda, de vôo curto e pesado. Gerou inclusive um adjetivo no espanhol, avutardado, pessoa semelhante ou parecida à avutarda. Mas que tem a ver o AVE com as avutardas? Em janeiro de 2007, comentei o perigo que os ornitólogos representam para o desenvolvimento de um país. A idéia que temos destes senhores é a de pacatos cidadãos que adoram observar essas maravilhas da natureza, os passarinhos. Até pode ser. Mas sempre é bom desconfiar quando ornitólogos apresentam um pássaro na televisão. Normalmente, há grossa sacanagem de ONGs e ambientalistas atrás disto. Dito e feito. O AVE quer expandir seu trajeto de Sevilha até Marchena, que se prolongaria até Osuna e Antequera, ao custo de 280 milhões de euros. As obras já foram iniciadas, faltando apenas a instalação das vias e fiação. Aí é que em entram os ornitólogos. Leio hoje no El País que uma certa entidade – Ecologistas em Ação – denunciou no ano passado o projeto por entender que constituíam uma ameaça à Zona Especial Protección para las Aves (ZEPA), em Campiñas de Sevilha, refúgio para espécies como a avutarda, em perigo de extinção na Andaluzia. Atendendo às reivindicações dos ecologistas, a Comissão Européia, sediada em Bruxelas, quer impedir a construção dos três novos ramais do AVE. Alega “possíveis não-cumprimentos do direito comunitário” sobre a proteção do meio ambiente, das aves silvestres e seus habitats naturais e da flora e fauna silvestres. Segundo a Comissão, a normativa européia obriga que os projetos sejam avaliados de maneira adequada antes de sua aprovação para evitar conseqüências indesejáveis para o meio ambiente. Os Ecologistas em Ação defendem a idéia de que a linha atravessa durante 16 quilômetros a ZEPA, que entrou em vigor em setembro de 2008. Nesses 16 quilômetros, existiriam 80 0u 90 avutardas. Os perigosos ornitólogos alegam que as aves poderiam colidir com a fiação, com as catenárias ou com a dupla margem de segurança. A direção geral européia de Meio Ambiente decidiu então iniciar um “procedimento de sanção” contra a Espanha”. Ou seja, em função destes delírios ornitológicos, Bruxelas quer decidir como a Espanha deve administrar seu sistema ferroviário. Ora, existem pelo menos mais cinco zonas avutarderas na Espanha, distribuídas de norte a sul do país. Por 80 aves que habitam uma extensão de 16 quilômetros, os ecochatos querem – e não duvido que consigam – impedir um transporte mais rápido entre três cidades e sabotar um projeto de 280 milhões de euros. Sem falar que consideram as avutardas, além de lentas, míopes. Se não conseguem enxergar fios ou catenárias, provavelmente vivem dando cabeçadas em ramos de árvore. Se a Espanha ceder, estará pagando cerca de 28 milhões de euros por avutarda. Que mandem as pernaltas para a Galícia, País Basco, Catalunha, Castilla, ora bolas. Para que conheçam novas línguas e novas avutardas. ONGs já engavetaram mais de trezentos projetos de barragens no mundo, especialmente na África, Ásia e América Latina. Estas organizações estão cometendo crimes contra a humanidade, ao condenar milhões de pessoas a viver longe da água potável e energia elétrica. Os avutardados querem agora privar de bom transporte toda uma região da Andaluzia. Reproduzo infra a crônica de 2007. SOBRE A PERICULOSIDADE DOS ORNITÓLOGOS * Ano passado, comentei o perigo que os ornitólogos representam para a economia de um país. A idéia que temos destes senhores é a de pacatos cidadãos que adoram observar essas maravilhas da natureza, os passarinhos. Até pode ser. Mas sempre é bom desconfiar quando ornitólogos apresentam um pássaro na televisão. Normalmente, há grossa sacanagem de ONGs e ambientalistas atrás disto. Nos dias em que vivi no Paraná, durante semanas foi vedete dos noticiários televisivos um pequeno pássaro, uma espécie de pardal, que estaria ameaçado de extinção. Chamava-se curiango-do-banhado e habitava nos arredores de Curitiba. Durante longos minutos, o bichinho era exibido em seus ângulos mais simpáticos, sempre com a mensagem: corre perigo de extinção. Ano seguinte, foi a vez de uma nova espécie de tapaculo, da família Rhinocryptidae, batizada com o nome popular de macuquinho-da-várzea. Também vivia nos arredores de Curitiba. Algumas semanas mais tarde se soube ao que vinham o curiango-do-banhado e o macuquinho-da-várzea. Para preservá-los, era preciso preservar seu habitat natural. E para preservar seu habitat natural, as tais de ONGs fizeram uma ferrenha campanha para impedir a construção de uma barragem que abasteceria a capital paranaense. Me consta que o projeto de barragem morreu na casca. Há alguns anos, vi uma reportagem no 60 Minutes sobre uma região da Índia que abrigava quarenta milhões de habitantes. O programa começava mostrando mulheres e crianças carregando em baldes, para próprio consumo, uma água preta e lamacenta. Outras juntavam esterco de vaca, usado como combustível. Havia um projeto de uma represa para abastecer de energia elétrica e água potável a região toda. Uma ONG vetou o projeto junto ao Banco Mundial, com a argumentação de que a represa ameaçava uma espécie qualquer de tigre. A represa gorou e quarenta milhões de pessoas continuaram a beber água podre e cozinhar com esterco de vaca. A reportagem entrevistava em Nova York, em um elegante apartamento, a porta-voz da ONG que conseguiu sepultar a represa. Não sei se a moça percebeu a ironia, mas o repórter a filma enchendo um copo de límpida água de torneira. O repórter quer saber porque privar milhões de pessoas de água limpa. A moça dizia mais ou menos o seguinte (cito de memória): não queremos que aquelas populações adquiram os hábitos de consumo do Ocidente. É como se dissesse: esses hábitos do Ocidente são privilégios de ocidentais. Vocês aí, continuem catando esterco de vaca. Claro que a moça jamais viveu naquelas condições. Eu, água preta à parte, vivi. Em meus dias de guri, esterco de vaca era um dos combustíveis que usávamos. Outro era gravetos de chirca, um arbusto daninho que invade os campos. E também madeira de árvores, particularmente de eucaliptos. Mas hoje o Ibama proíbe derrubar qualquer árvore. Quanto à água, tinha-se água limpa. O problema é que tinha de ser buscada, operação que tomava uma boa hora de cada dia. Primeiro era preciso encilhar um cavalo, atrelar uma rasta com uma barrica, levar a barrica até a cacimba - a mais de quilômetro de distância - , enchê-la pacientemente balde a balde, usando um pano qualquer para coar a água. A fauna macroscópica ficava se contorcendo sobre o pano. Quanto à microscópica ninguém ligava e jamais vi morrer alguém por beber daquela água. A água gelada daquela cacimba até hoje me dá saudades. Quando migrei para a cidade, vi a água correndo da torneira como se estivesse diante de um milagre. Todas as casas de Roma tinham água encanada antes de Cristo. No Brasil, até hoje, milhões de pessoas não dispõem deste conforto. Mais de trezentos projetos de barragens já foram engavetados no mundo, especialmente na África, Ásia e América Latina, por obra de ONGs. Estas organizações estão cometendo crimes contra a humanidade, ao condenar milhões de pessoas a viver longe da água potável e energia elétrica. Seus militantes são sempre oriundos de países desenvolvidos, todos pontilhados de represas. Sua ação sempre incide sobre países do Terceiro Mundo, que precisam de energia para abandonar esta condição. É preciso olhar com cautela para os defensores aguerridos da fauna. Tigres ou passarinhos, bichinhos comoventes tipo o mico-leão-dourado, constituem uma ameaça ao desenvolvimento de países pobres quando manipulados por ongueiros. Semana passada, dois simpáticos passarinhos ameaçados de extinção ilustraram uma reportagem na Folha de São Paulo, o papa-formigas-de-topete-branco e o rapazinho-carijó. Segundo recente estudo feito por cientistas brasileiros - e americanos, como não poderia deixar de ser - as unidades de conservação pequenas têm potencial limitado na conservação da biodiversidade na Amazônia quando se trata de espécies de pássaros. A conclusão é de um novo estudo de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, a partir de levantamentos feitos desde 1979 numa área desmatada perto de Manaus. Os cientistas tentam entender qual é fator mais crucial para a sobrevivência de espécies em um determinado fragmento de mata que tenha restado numa região desmatada. É mais importante que esse fragmento seja grande ou é mais importante que ele não esteja muito isolado de outros trechos de mata? Seja qual for a conclusão, é óbvio que se oporá a qualquer iniciativa para desenvolver a região. 'Fragmentos de cem hectares perdem a metade do número de espécies de ave em cerca de 15 anos", diz o pesquisador, que alerta para um problema: "Para diminuir dez vezes a velocidade de perda, é preciso aumentar cem vezes a área". Confesso que não sei o que está sendo projetado para a região. De qualquer forma, desde quando passarinho é prioritário ante um projeto de agricultura ou pecuária? Por outro lado, pássaros voam. Se um território tornou-se hostil, eles buscam outro. Pássaros migram. Não é preciso ser ornitólogo para saber disto. Quando migram, não migram a pé. Asas vão longe e a Amazônia é vasta. Isto pode ser observado no Sul do país. Afugentadas pelos agrotóxicos, muitas aves do campo estão buscando as cidades. O quero-quero, ave campestre que jamais pousou em árvores, já aprendeu até mesmo a pousar em cumeeiras de casas. Necessidade obriga. Mais algumas décadas e talvez estejam pousando em fios de telefone. Se é que até lá existirão fios de telefone. Nos anos 70, uma foto feita por um fotógrafo do Estadão ganhou prêmios internacionais, a foto de um ninho de pomba. Isolada na urbe, sem a matéria-prima usual para a construção de seu ninho - folhas e gravetos - a pomba inovou: fez um ninho de clips. Man tager vad man haver, dizia uma profunda escritora sueca, Kajsa Varg. Em bom português: a gente pega o que a gente tem. (Em tempo: Kajsa Varg é autora de livros de culinária). Os pássaros se adaptam. Quem não se adapta são os ambientalistas, aferrados a seus dogmas ecológicos. Esses estudos que surgem de tempos em tempos nos jornais, visando criar santuários para pássaros, não passam de pretextos de ecochatos para impedir projetos agrários, usinas, estradas. Num país que não consegue sequer dar segurança a seus cidadãos, ainda há quem queira preservar o bem-estar dos pássaros. Os pássaros-vítimas-do-desenvolvimento - ou animais - têm de ser simpáticos para comover a opinião pública. Ninguém se comoveria com a preservação dos morcegos. Que nojo! Muito menos de aranhas, escorpiões ou lacraias. Já o mico-leão-dourado é podre de charme. Assim, quando você vir ornitólogos passeando pela floresta, de binóculos em punho, como quem inocentemente observa pássaros, cuidado: algo devem estar tramando contra a humanidade. * 15 janeiro 2007 quinta-feira, junho 23, 2011
FUMACÊ NA UNB Veja ainda vai acabar descobrindo a América. Em sua edição on line, nos traz a surpreendente revelação de que drogas são consumidas livremente no principal prédio da Universidade de Brasília, inclusive em salas de aula. O site publica um vídeo com flagrantes de uma festa organizada por alunos da Biologia, no dia 17 passado. “Cerca de 3.000 pessoas participaram do evento, que teve a apresentação de bandas de rock. Um breve passeio era suficiente para constatar a disseminação da droga no local. Jovens não se preocupavam em esconder a prática e preparavam cigarros de maconha na frente de todos. Grupos usavam salas de aula para dividir os entorpecentes. Tudo dentro do Instituto Central de Ciências (ICC), o prédio-símbolo da universidade. “A Polícia Militar não foi vista no mal iluminado câmpus Darcy Ribeiro, localizado a quatro quilômetros do Congresso Nacional. Em greve, agentes de segurança da universidade também não incomodaram os usuários. Dois porteiros do prédio pareciam cochilar. Não havia qualquer controle que impedisse a presença de menores de idade no local”. Desde há muito as drogas vêm sendo consumidas livremente nas universidades de todo o país. Os campi constituem verdadeiros templos onde os drogados buscam refúgio. Os alunos da USP, sem ir mais longe, preferem arriscar-se a assaltos e estupros a serem perturbados pela presença da polícia. A universidade, no Brasil, é o foco disseminador de duas pragas, as drogas e o marxismo. Isso sem falar em outros males gálicos, como o estruturalismo, lacanismo, desconstrutivismo. Estes, pelo menos não tão letais. As drogas se popularizaram no Brasil através da universidade. Nos tempos em que vivi na Fronteira gaúcha, maconha ou cocaína eram coisas da capital. Bastou a universidade chegar lá e as ruas foram tomadas, à noite, por bandos de jovens drogados. Que o digam Dom Pedrito, Bagé, Livramento. Assim como a universidade, a droga chegou na Campanha para ficar. No final dos anos 50, droga era coisa de marginais. Lembro de ter visto reportagem em uma revista da época, em que um repórter deixava crescer a barba para infiltrar-se junto a presidiários. Na época, antes ainda da tomada do poder em Cuba por Castro e Guevara, barba era distintivo de bandido. Era preciso descer ao “tenebroso mundo do crime” para se conhecer os meandros do mundo da droga. A maconha era conhecida como a erva do diabo. Só tornou-se coisa de gente fina quando passou a ser consumida pelos universitários americanos. Com um nome que indicava sua procedência mexicana, marijuana. Com os Woodstocks e Beatles e roqueiros da vida, a cannabis ganhou status acadêmico. Não por acaso o fumacê brasiliense era animado por bandas de rock. Rock e drogas sempre andaram juntos. Bons dias para o jornalismo nacional. Repórteres não precisam mais enfurnar-se nas prisões para fazer matéria sobre as drogas. Hoje, basta visitar os centros de excelência do ensino universitário no país. Segundo o decano Eduardo Raupp, os seguranças da universidade são orientados a acionar a Polícia Militar quando constatam a presença de drogas no câmpus. Admite no entanto que não se lembra de qualquer caso em que tenha havido algum flagrante do tipo dentro da UnB. Santa ingenuidade. Só há flagrante quando a imprensa noticia. Os jornalistas não passam de estraga-prazeres que perturbam a normalidade acadêmica. Obviamente, nenhum dos alunos que participaram da festa regada a drogas na UnB será desligado da universidade. Como não foram desligados da PUC de São Paulo, nem da Estácio de Sá no Rio, nem da USP, nem da UFSC ou da UFRGS, nem da Urcamp ou da Funba. Curta é a memória das gentes. Pelo jeito ninguém mais lembra quando, em 2003, Anthony Garotinho, então secretário de Segurança do Rio de Janeiro, ficou seriamente preocupado com o caos social decorrente do fim do tráfico: "Imagine se nós conseguíssemos fechar todas as bocas-de-fumo por uma semana e não fosse vendido um papelote de cocaína ou um grama de maconha? O que aconteceria com 700 mil pessoas depois de três dias sem usar droga, em crise de abstinência?” Em pleno 2011, ainda há palhaços falando em liberação das drogas. Para refrescar a memória dos leitores, reproduzo crônica que publiquei há dois anos. PUC ALERTA GENTILMENTE ALUNOS QUE CONSUMIR DROGAS É ILEGAL* A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) anunciou hoje a interdição de um dos mais antigos maconhodrómo da capital, seu câmpus em Perdizes. A notícia é do Estadão. Sempre foi público e notório o uso dos campi para consumo da cannabis. Como os eruvin judaicos – território definido pelos rabinos onde um judeu pode fazer no shabat tudo que é proibido a um judeu fazer no shabat – os universitários dispunham de um território próprio para consumir as drogas legalmente proibidas, e é óbvio que não deveriam se limitar à maconha. Se você quer fumar sua cannabis ou cheirar sua cocaína sem maiores preocupações com a polícia, faça um vestibular. Uma vez dentro do câmpus, você está coberto de imunidades. Lá a polícia não chega e você pode curtir sua erva ou pó sem a desagradável intervenção desses estraga-prazeres. Em 2003, o caso de uma universitária aleijada por um tiro na universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, trouxe à tona um dado óbvio, que autoridade universitária alguma gosta de comentar. O câmpus da Estácio era o mercado privilegiado dos traficantes, instalados no morro contíguo. Segundo gravações telefônicas feitas pela polícia, os líderes do tráfico estavam esperando o início das aulas para fazer caixa e comprar armas. Comentei na ocasião: “Duas pestes a universidade introduziu no Brasil. O marxismo foi a primeira. Mais letal e destrutiva que qualquer droga, foi introduzida pela USP no país e a partir de São Paulo contaminou o universo acadêmico do país todo. A segunda foi a droga. Começou pela maconha, que adquiriu prestígio nos campi americanos, onde conservava seu nome mexicano, marijuana. Consumida anteriormente por marginais, foi elevada à dignidade universitária. Com esta bendita mania que temos de importar do Primeiro Mundo o que de pior o Primeiro Mundo produz, logo foi adotada pela universidade brasileira. O leitor deverá ter conhecido ou ouvido falar de pequenas comunidades do interior do país, onde a droga inexistia. Basta criar um curso ou extensão universitária nalguma dessas comunidades, e no dia seguinte a droga e o tráfico lá se instalam. “Desde há muito se sabe que os campi abrigam aprazíveis fumódromos, protegidos pela asa cúmplice dos reitores. Mas ai de quem disser que o rei está nu. Foi o que aconteceu com o psiquiatra Içami Tiba. Ao analisar o caso de Suzane von Richthofen, estudante de direito da PUC de São Paulo que matou os pais no ano passado, afirmou: 'A PUC é um antro de maconha'. Que a maconha tinha livre curso na PUC, isto era público e sabido, e nenhum universitário negará este fato. A PUC, melindrada, entrou com dois processos contra o psiquiatra: um de indenização por danos morais e uma queixa-crime por difamação. O crime foi dizer em público, com todas as letras, o que era público mas jamais admitido”. Foram precisos seis anos para que um reitor, finalmente, admitisse em público o uso de drogas no câmpus de Perdizes. O atual reitor, Dirceu de Mello, decidiu defender o “franco enfrentamento do problema” e coibir o consumo nas dependências universitárias. “A PUC não quer ser marcada como um território livre para o uso de drogas. O que é ilegal não pode e pronto. Aqui não é lugar para ficar fumando maconha” – disse o pró-reitor de Cultura e Relações Comunitárias, Hélio Roberto Deliberador. Os 120 seguranças da Graber, uma prestadora de serviço, receberam treinamento para abordar quem for visto consumindo drogas na unidade. Mas a abordagem será leve. Nada de encaminhar à justiça que for flagrado cometendo um ilícito. Em média, dez usuários por dia serão abordados. E por que apenas dez usuários? Deliberador não explica. É de supor-se que para não espalhar a inquietação entre estes bravos jovens – o futuro da nação – que finalmente encontraram um eruv tranqüilo onde transgredir a lei sem temer as conseqüências da transgressão à lei. Se o leitor imagina que o transgressor será encaminhado às autoridades para a devida punição, em muito se engana o leitor. Os funcionários da Graber pedirão gentilmente que o cigarro seja apagado, alertarão – ó novidade! – que o uso é ilegal e que a universidade não é o espaço adequado para o consumo. Fica no ar a pergunta: segundo a PUC, qual seria o espaço adequado? Assim como os adeptos do tabaco estão sendo expulsos dos bares, os curtidores da erva estão sendo reprimidos no território livre e sem lei da PUC. Na ocasião do tiro na estudante da universidade Estácio de Sá, o então secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, ficou seriamente preocupado com o caos social decorrente do fim do tráfico: "Imagine se nós conseguíssemos fechar todas as bocas-de-fumo por uma semana e não fosse vendido um papelote de cocaína ou um grama de maconha? O que aconteceria com 700 mil pessoas depois de três dias sem usar droga, em crise de abstinência? Um pânico igual aos tiroteios que nós assistimos todos os dias na televisão. Aquilo que vocês têm mostrado nas páginas da Folha: pai matando o filho, filho matando e roubando a mãe, filho declarando que ama mais a cocaína que a própria família". Preocupação digna de humanista que vê longe. Garotinho passou um recado à favela: dos bons serviços de vossos traficantes depende a paz social da nação. Nestes dias em que se erguem estátuas a Marighella e Cazuza, só falta erguer um monumento a este benemérito cidadão, o Traficante Desconhecido. Segundo o pró-reitor da PUC, o segundo passo será identificar os usuários reticentes e os dependentes, até o próximo semestre. Esses estudantes serão chamados e encaminhados para acompanhamento socioeducativo com equipe multidisciplinar. Depois, será sugerido tratamento especializado. “Isso se o aluno quiser, porque não podemos impor tratamento para ninguém” – deliberou Deliberador, garantindo que nenhum aluno será desligado da PUC. Quer dizer, os universitários serão alertados que fumar maconha é ilegal, que universidade não é o lugar adequado para ilegalidades, mas se quiserem continuar fumando sintam-se à vontade. Punição alguma, nem mesmo aquela ao alcance da PUC – o desligamento – será tomada. O tráfico, penhorado, agradece. * 08 junho 2009 quarta-feira, junho 22, 2011
CANNABIS, CRACOLÂNDIA E A HIPOCRISIA DOS VULTURES Do Raphael Piaia, recebo: "Os maconheiros seriam seres moralmente superiores à turma do crack ". Come on, Janer... Não são? Não dá para comparar, basta lembrar teus tempos de universidade. Lembre de alguma guria linda, marxista, que brigava contigo no começo da noite por conta das tuas posições muito "reacionárias", depois acendia um pouco de cannabis e no final da noite já estava dispersando toda a raiva que tinha de você através de beijos em você. Não há semelhanças, ao menos nesses casos, entre usuários de maconha e usuários de crack. De mais a mais, pelo tempo que conheço você (leio teus textos desde que eu tinha o quê? 16, 17 anos? Hoje tenho 23), diria que a decisão do STF a favor da Marcha da Maconha condiz com o modo como pensamos, sob pena de se levar ao extremo a idéia de democracia indireta, de forma que só possamos nos expressar quando estamos elegendo esse ou aquele imbecil que, esse sim, vai falar por nós no congresso. Depois da eleição, fechamos os lábios e nos curvamos ao mandato concedido enquanto durar a legislatura (ou as legislaturas, no caso dos senadores). Parafraseando, salvo engano, o ministro Peluso, estaríamos diante de pura fossilização legislativa. Abraço. Vamos por partes, Raphael. Para início de conversa, sempre fui pela liberação das drogas. Ou melhor, era. Não há mais sentido em lutar pela liberação das drogas por uma razão elementar: elas há muito estão liberadas. Ao proibir a marcha da maconha e liberar a tal de marcha pela liberdade de expressão os juízes do Supremo estão trocando seis por meia dúzia. A dita marcha pela liberdade de expressão de sábado passado foi em verdade uma marcha pela descriminalização da maconha. Marcha ridícula, já que o consumo da maconha, como disse, há muito deixou de ser crime. Deste ridículo participa inclusive um dos vultos insignes da pátria, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, depois de velho, anda liderando mundo afora uma cruzada para liberar o que há muito foi liberado. O que é crime – e nisto vai outra hipocrisia – é o tráfico. Que história é essa? Comprar você pode. O que não pode é vender. É a hipocrisia inversa do que ocorre com a prostituição em vários Estados americanos e em alguns países europeus. Uma mulher pode vender seu corpo. Crime é comprá-lo. Imagine se você pudesse comprar vinho, mas fosse proibido vender vinho. Ridículo. Mas o tráfico será mesmo crime? Apanho dados antigos, de seis anos atrás. Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas da ONU de 2005 o tamanho do mercado das drogas em todo o planeta era de US$ 322 bilhões (R$ 510 bilhões) em vendas ao consumidor final, o que equivalia na época a 0,9% do Produto Interno Bruto Mundial. O volume de drogas no atacado (US$ 94 bilhões) representava 1,3% das exportações globais, e excedia em larga escala o comércio internacional de carne, trigo, café e derivados do tabaco, entre outros produtos. A venda de maconha vinha na frente - US$ 113 bilhões, no varejo - seguida pela cocaína, opiáceos (heroína, morfina), drogas sintéticas (anfetaminas, ecstasy) e haxixe. A maconha, aliás, foi a única droga que apresentou crescimento significativo do número de consumidores - 15 milhões a mais em relação ao último relatório. Não me venham dizer que o tráfico é crime. Um mercado de tais dimensões é mercado livre, ora bolas. As distinções que os vultures do Supremo fazem em droga para uso pessoal e para caracterizar o traficante são outra bizantinice do Judiciário. Se ando com a maconha suficiente para um baseado é uso pessoal. Mas e se eu costumo fumar dez baseados por dia é também consumo pessoal. Se levo quantidade para dez doses, seria eu um traficante? Se o traficante traz apenas um baseado de cada vez, não poderia ser quantidade para uso pessoal? Os senhores juízes, no fundo, estão querendo cortar um fio de cabelo em quatro, como dizem os franceses. Cá na pátria amada, de vez em quando a polícia apreende uma carga maior de droga, mais para mostrar serviço do que para outra coisa. A cracolândia, por exemplo. Há um bom meio milhar de drogados cachimbando à luz do dia. Todos os dias. Obviamente há quem os abasteça. E não serão um ou dois traficantes que darão conta do recado. São necessários dezenas. Mais ainda: se antes havia uma cracolândia no singular, hoje há cracolândias. Tanto em São Paulo como nas demais capitais do país. Dito isto, vamos ao resto. Não vejo superioridade moral alguma dos maconheiros em relação aos – como direi? – craqueiros. Há uma diferença social e econômica. A maconha, desde a época dos Beatles, virou erva da moda. Para uso preferencial de gente fina, os universitários. O crack custa baratinho e é coisa de pobretão. Outra diferença é a letalidade do crack. É curioso observar como os zumbis da cracolândia nos chocam e os shows de rock e as raves, onde a droga corre solta, nos deixam indiferentes. Quando roqueiros apologistas das drogas vêm ao Brasil, multidões lotam estádios. Com a proteção da polícia. E sem que o STF fale em apologia da droga. A diferença é que os honestos pais de família da classe média sabem muito bem que seus rebentos usam drogas nos shows e raves, mas jamais gostariam de vê-los entre os marginais da Santa Ifigênia e cercanias. Sim, convivi com universitárias chegadas à cannabis. E ainda convivo. São pessoas que fazem – eu até diria: faziam – uso moderado da droga. Já fui convidado para o ritual. Exceto duas ou três tragadas em um distante verão em Estocolmo, nunca fumei. O que me desagradava não era tanto a droga, mas o caráter gregário dos consumidores. Sempre fumavam em grupo. E eu nunca gostei de grupos. Sou partidário do tetê-à-tête. Mais de seis pessoas, para mim, é multidão. No entanto, a bem da verdade, tenho de admitir que fumei muito mais maconha do que tabaco em minha vida. Se dei três tragadas em um baseado, em um cigarro foi uma só. Não, Raphael, não sou contra a liberação das drogas. Como venho dizendo há anos há muito estão liberadas. Se o álcool e o cigarro não têm restrição alguma, por que teria a maconha? Nunca ouvi falar que alguém tenha morrido em conseqüência direta do uso da cannabis. Em meu boteco, sete clientes de uma mesa ao lado da minha já deram baixa. Dois de cirrose. E cinco em função do cigarro. O que me causa espanto é essa postura tatibitate do Judiciário e das autoridades, que permitem o consumo das drogas mas proíbem o comércio, que autorizam passeatas em prol da maconha mas proíbem a apologia da maconha. Decidam-se, senhores! SOBRE A MISÉRIA INTELECTUAL DA UNIVERSIDADE NACIONAL Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 79 anos, físico, professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha de São Paulo, escreve hoje na prestigiosa página de opinião do jornal artigo intitulado "A Qualidade da Universidade Brasileira": “Se no Brasil as avaliações negativas de suas universidades serviram apenas para provocar ressentidos diatribes inconsequentes, em países maduros e em outros emergentes elas ao menos produziram tentativas de identificação das razões das deficiências de suas instituições de ensino superior; em alguns casos, reformas já foram encetadas”. Ora, quando um acadêmico de 79 anos, físico, professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha, escreve ressentidos diatribes , assim no masculino, que se pode esperar de seus alunos? Esta parece ser, segundo o renomado professor, a qualidade da universidade brasileira. terça-feira, junho 21, 2011
ONDE SE VIU ACABAR COM A INDÚSTRIA DA MISÉRIA? A Prefeitura de São Paulo quer retirar das ruas, à força se for preciso, usuários de drogas que recusem tratamento. A administração já busca uma alternativa jurídica para isso. É o que lemos na Folha de São Paulo de hoje. Segundo o prefeito Gilberto Kassab, a idéia é dar mais liberdade para as equipes de saúde e de assistência social da prefeitura poderem atuar com usuários de drogas. O alvo principal seria a cracolândia. Pago para ver. A cracolândia existe há mais de duas décadas e só agora um administrador pensou em tratar do assunto. Antes tarde do que nunca, direis. Mas não vejo como reprimir o consumo da droga em Santa Ifigênia e liberar a marcha da maconha na avenida Paulista. A propósito, os marchadores da maconha parecem pretender estabelecer uma hierarquia entre maconheiros e fumadores de crack. Os maconheiros seriam seres moralmente superiores à turma do crack e não gostam de ser confundidos com estes. A primeira marcha da maconha foi proibida pela polícia, enquanto a turma do crack acendia tranquilamente seus cachimbos na cracolândia. Ora, há apenas três ou quatro quilômetros entre a Paulista e a Santa Ifigênia. Bem que os Unidos na Cannabis podiam organizar sua marcha na cracolândia. Seria divertido ver a polícia permitindo o consumo de drogas e, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, proibindo uma manifestação em sua defesa. Em nome da liberdade de expressão, o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente liberar as tais de marchas da maconha. Desde que não se fizesse apologia da droga. Como se não fosse apologia da droga permitir manifestações em favor de sua descriminalização. As moscas tontas do STF estão se comportando como os teólogos bizantinos, que discutiam se deus era três em um ou um em três. Cláudio Lembo, secretário de Negócios Jurídicos e ex-governador – o palhaço aquele que cunhou a expressão “elite branca” - disse estar conversando com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública sobre o assunto. Lembo pretende criar um "consenso jurídico" para embasar as ações da prefeitura. A indecisão é tal no que diz respeito à política ante as drogas que a Defensoria negou que esteja participando das discussões. O TJ não confirmou estar participando da discussão e o Ministério Público não respondeu. Segundo Lembo, o principal argumento de quem é contrário à medida é que o direito à locomoção, ou "direito de ir e vir", não permite a retirada compulsória de pessoas das ruas. Ora, o que está em jogo não é o direito de ir e vir. Que vão e que venham, nada contra. Os defensores da cracolândia, ao que tudo indica, estão reivindicando um novo item a ser acrescido aos direitos humanos, o direito de deitar. Porque essa turma não vai nem vem. Estão jogados nas calçadas. Ano passado ainda, a polícia andou retirando os zumbis do crack das ruas e os levou para uma delegacia. Para que, não sei, porque hoje ninguém mais é preso por consumo de drogas. Houve uma grita geral de assistentes sociais e agentes da saúde. Que a polícia estava minando a confiança que os drogados neles depositavam. Que droga não é questão de polícia, mas de saúde pública. Ou seja, que os zumbis permaneçam onde estão. Contei em crônica recente. Há alguns anos dei um chute em um mendigo que se atravessara na entrada de meu prédio. Ele reagiu prontamente: e o direito de ir e vir onde fica? O vagabundo, pelo jeito, entendia de direito constitucional. Claro que ali havia o dedo de alguma assistente social. Contei também a história dos mendigos que haviam sumido do largo Santa Cecília. Dia seguinte, uma assistente social bradava num jornaleco da paróquia: onde estão nossos mendigos? Quem os expulsou daqui? Queremos nossos mendigos de volta. Ou seja, não há um efetivo interesse em retirar mendigos e drogados das ruas. Mendigos e drogados são altamente rentáveis. Há toda uma indústria da miséria que se locupleta com a miséria. Igrejas e ONGs recebem subsídios de sonho do Primeiro Mundo, particularmente da França, Holanda e Alemanha, para tratar da mendicidade. Sem mendigos, pas d’argent. Mutatis mutandis, foi o que aconteceu com bin Laden. Os Estados Unidos enviavam milhões de dólares ao Paquistão para capturar bin Laden. Ou seja, o Paquistão precisava proteger o terrorista. Sem bin Laden, adeus dólares. Não por acaso, as autoridades paquistanesas estão prendendo os elementos anti-sociais que denunciaram o esconderijo da galinha de ovos de ouro. A pretensão de Kassab é tão ridícula quanto o próprio Kassab, um político arrivista mais interessado em sua sobrevivência política do que na administração de São Paulo. Ao definir-se a favor da Marcha da Maconha, o ministro Celso de Mello considerou que a Constituição "assegura a todos o direito de livremente externar suas posições, ainda que em franca oposição à vontade de grupos majoritários”. Mello também classificou como insuprimível o direito dos cidadãos de protestarem, de se reunirem e de emitirem opinião em público, desde que pacificamente. A decisão do STF de permitir a passeata em prol da maconha, a rigor libera passeatas em defesa de qualquer droga, seja crack, óxi ou cocaína. Não vejo como retirar drogados da rua quando, alguns quilômetros adiante, a polícia protege uma passeata em defesa da maconha. Com o aval da Suprema Corte. |
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