¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, agosto 31, 2011
 
PEDAGOGOS QUEREM
CRIAR NOVOS SEXOS



Os pedagogos franceses, ao que tudo indica, estão querendo criar novos sexos. Leio no Nouvel Observateur que 80 deputados da Union pour un Mouvement Populaire (UMP) pediram ontem ao ministro da Educação o recolhimento de manuais escolares que explicam “a identidade sexual” dos indivíduos tanto pelo contexto sócio-cultural como por seu sexo biológico. Os deputados fazem eco às críticas expressas sobre o assunto, na primavera passada, pela direção do ensino católico.

Na carta ao ministro, eles estimam que estes manuais de SVT (Sciences et vie de la terre) do secundário fazem referência à “teoria do gênero sexual”. Segundo os deputados, nesta teoria as pessoas não são mais definidas como homens ou mulheres, mas como praticantes de certas formas de sexualidade: homossexuais, heterossexuais, bissexuais, transexuais. Para os assinantes da carta, trata-se de uma “teoria filosófica e sociológica que não é científica, que afirma que identidade sexual é uma construção cultural”.

Os signatários citam uma passagem de um manual publicado pela Hachette: “O sexo biológico nos identifica como macho ou fêmea mas não será por isso que podemos nos qualificar de masculino ou feminino. Esta identidade sexual, construída ao longo de nossa vida, em uma interação constante entre o biológico e o contexto sócio-cultural, é no entanto decisiva em nosso posicionamento em relação ao outro”.

Em uma circular do 30 de setembro do ano passado, o ministério indicava que os programas SVT do secundário deveriam comportar um capítulo intitulado “tornar-se homem ou mulher”. Se a identidade sexual e os papéis sexuais na sociedade com seus estereótipos pertencem à esfera pública, a orientação sexual faz parte da esfera privada – dizia a circular.

Os ativistas gays tupiniquins ainda não devem ter lido o Nouvel Obs de ontem, ou a insólita teoria já estaria nos currículos do Ministério da Educação. Quem deve estar tendo orgasmos em sua tumba é Simone de Beauvoir, autora da frase sem dúvida alguma mais idiota do século passado: “uma mulher não nasce mulher; torna-se mulher”. De uma penada, Simone abolia as diferenças constitutivas de macho e fêmea.

Ainda há pouco, eu escrevia sobre a última trouvaille dos suecos. Em Estocolmo, a pré-escola proíbe que crianças sejam tratadas como meninos e meninas. Em conformidade com um currículo escolar nacional que busca combater a "estereotipação" dos papéis sexuais, uma pré-escola do distrito de Södermalm, da cidade de Estocolmo, incorporou uma pedagogia sexualmente neutra que elimina completamente todas as referências ao sexo masculino e feminino. Os professores e funcionários da pré-escola Egalia evitam usar palavras como "ele" ou "ela" e em vez disso se dirigem aos mais de 30 meninos e meninas, de idades variando entre 1 e 6 anos, como "amigos".

Segundo a diretora Lotta Rajalin, a escola contratou um "pedagogo de diversidade sexual" para ajudar os professores e funcionários a remover as referências masculinas e femininas na linguagem e conduta. Além disso, não há livros infantis tradicionais como Branca de Neve, Cinderela ou os contos de fadas clássicos, disse Rajalin. Em vez disso, as prateleiras têm livros que lidam com duplas homossexuais, mães solteiras, filhos adotados e obras sobre "maneiras modernas de brincar". Pelo jeito, a relação homem/mulher virou anomalia.

Comentei na ocasião a acrobacia mental elaborada pelos pedagogos suecos. O han e o hon (ele e ela) foram trocados pelo pronome neutro hen, palavra que não existe nos dicionários. Mas tampouco é nova. Foi proposta por Hans Karlgren em 1994. Mas já havia sido aventada por Rolf Dunas, no Upsala Nya Tidning, em 1966. Nesta proposta, hen era apresentado como substituição a han e hon e mais: henom substituiria henne/honom (dele/dela). A palavra parece ter sido inspirada no finlandês hän.

Acontece que ausência de gênero é uma característica do finês e não ideologia de feministas. Não se trata de eliminar todas as referências ao sexo masculino e feminino. É que as palavras não são masculinas nem femininas. Tampouco existem artigos. Nos tempos verbais, não há futuro. O que deve exigir muita acrobacia dos políticos locais, pois não há como dizer, por exemplo, "eu farei isto ou aquilo".

Os sexos são dois, ora bolas. Opções sexuais são outros quinhentos. Um homem homossexual não deixa de pertencer ao sexo masculino, da mesma forma que uma mulher homossexual não deixa de ser mulher. As cirurgias de mudança de sexo não mudam em nada os dados da questão. É um homem que se transforma – ou tenta transformar-se – em mulher e vice-versa.

Depois que as esquerdas pretenderam abolir a noção de raça, esta nova moda se apresenta como candidata à mais colossal asneira das últimas décadas. E tão certo como deus não existe, logo logo vai ser moda em Pindorama.

terça-feira, agosto 30, 2011
 
BERLIM JÁ ESTÁ EM CHAMAS?


Já. No início deste mês, comentei o vandalismo que assolou Londres e outras cidades do Reino Unido. Segundo o Time Magazine, nunca tantos incêndios devastaram Londres tão intensamente ao mesmo tempo desde a Segunda Guerra Mundial. A bagunça toda foi provocada por imigrantes, em geral africanos e muçulmanos, que vivem a custas do Estado. Jornais, particularmente os brasileiros, insistiram em mostrar que havia também alguns branquelas de olhos azuis envolvidos nos saques.

Ora, sempre há quem pegue carona em distúrbios. O que não muda os dados da questão. Foram majoritariamente os imigrantes que devastaram as cidades. E ninguém saqueou porque estava com fome. Foram direto aos eletrônicos, computadores, televisores, iPads, iPhones e primícias outras da dita sociedade de consumo. A propósito, é curiosa esta expressão. Dá a idéia de que há uma alternativa, outra sociedade desejável que não a de consumo. Desejável, não há. Havia uma louvada pelos utópicos, mas já esboroou-se. Imigrantes não querem socialismo. Querem consumo. Se antes chegavam à Europa perguntando por trabalho, hoje chegam perguntando por seus direitos.

Fácil ser profeta nestes dias que correm. Em meus blogs, eu escrevia: “O vandalismo está virando rotina em Paris e tem data marcada, o réveillon. Os imigrantes daquela ilha vizinha à Europa parecem ter gostado da idéia. É evidente que tais incêndios, saques e depredações vão se repetir nos próximos anos. Não só na Inglaterra, como também na Suécia, Alemanha, Holanda e Itália, onde estes conflitos se acirram. É só esperar para ver”.

Não foi preciso esperar muito. Centenas de carros estão sendo queimados em Berlim. Leio na imprensa que, desde o começo do ano, mais de 500 carros já foram queimados na cidade. A situação se agravou há cerca de 15 dias, e especialistas acreditam que a intensidade dos ataques foi influenciada pela ação de vândalos na Inglaterra.

Segundo a chefe de polícia de Berlim, Margarete Koppers, os carros incendiados nesta nova etapa seriam um ato simbólico. “Até 2009, o crime era atribuído a ativistas de extrema esquerda que protestavam contra a especulação imobiliária. E eram queimados carros de luxo de fábricas geralmente alemãs, como Mercedes-Benz, Volkswagen e BMW. Os criminosos atuais continuam atacando em sua maioria carros alemães, mas a política parece não ser mais o motivo. Nos últimos dias, os carros queimados não são de luxo e a maioria dos ataques ocorreu em vários bairros da cidade, desde os de classe operária até os de classe média alta”.

Berlim – falo da antiga Berlim ocidental – sempre foi uma das mais aprazíveis capitais européias. Antes do comunismo, constituía, com Paris e Moscou, os três pólos culturais mais importantes do continente. Com a construção do Muro, mesmo ilhada em meio à miséria, barbárie e ditaduras, manteve seu prestígio intelectual. O Senado de Berlim era pródigo na subvenção a festivais, exposições e mesmo auxílios sociais a quem lá quisesse viver. Era uma cidade para velhos e jovens que não estavam muito interessados em competir naquele mercado cruel que existia além da fronteiras da ilha. Em suma, uma bolha paradisíaca para quem gostava de vida, incrustada em inferno comunista.

As esquerdas adoravam Berlim. Era um de seus bunkers diletos. Protegidas pelo bem-estar da social-democracia alemã, louvavam as virtudes do regime do outro lado do Muro. Mas só atravessavam o Checkpoint Charlie ou a estação Friedrichstraße para um rápido turismo de um dia do outro lado. Viver no paraíso socialista, nem pensar.

Verdade que Pablo Neruda andou escrevendo:

Berlim ocidental; tu és a pústula
sobre o rosto antigo da Europa
as velhas raposas nazis
escorregam sobre as mucosidades
de tuas sujas ruas arqui-iluminadas
Coca-cola e anti-semitismo
correm abundantemente
sobre teus excrementos e tuas ruínas
Na cidade maldita
filha do crocodilo Truman...


Mas Neruda era pago para isso. Stalin não podia perdoar ao Ocidente o fato de ter perdido Berlim. É preciso ser muito canalha para escrever “tuas sujas ruas arqui-iluminadas”. Berlim sempre foi esplendorosa. Com a queda do Muro, integrou a Oriental e demoliu boa parte da arquitetura hedionda comunista. O espaço ocupado pelo Muro foi tomado por prédios modernosos e a cidade retomou sua vocação de esplendor.

Hoje, duas décadas após a queda do Muro, Berlim – que era um oásis de tranqüilidade - foi de repente tomada por vândalos. O incêndio de carros também chegou a outras cidades. Na semana passada, automóveis foram queimados em Dusseldorf, Hamburgo, Chemnitz, Colônia, Munique e Marburg. Carrinhos de bebê vêm sendo incendiados. Desde o fim do ano passado, 50 casos foram registrados. Nesses ataques, já houve três mortes: as de um casal e um bebê.

As autoridades alegam não ser possível identificar os responsáveis pelos incêndios. Ora, contem outra. Uma polícia que derrotou nos anos 70 os terroristas da RAF – também conhecida como Grupo Baader Meinhof – não consegue agora identificar quem incendiou 500 carros. Fossem dez ou vinte carros, até poderiam passar despercebidos. Mas cinco centenas?

É claro que ninguém quer dar nome aos bois. E esses bois certamente não são de boa cepa germânica. Que interesse teria um alemão em queimar o carro de outro alemão? Tais incêndios denotam ressentimento. E obviamente foram motivados pelos distúrbios de Paris e Londres.

Estocolmo, Copenhague, Amsterdã, Bruxelas, Roma, não perdem por esperar.



segunda-feira, agosto 29, 2011
 
JURO QUE VI! *


Vi uma moça solicitando crediário. E vi a balconista atendendo a moça. E a última ficha de crediário era de número 40.649. E a moça preencheria a seguinte. E ouvi a balconista chamar outra balconista. E ouvi perguntar qual seria o número da ficha seguinte. E vi a outra balconista emudecer. E vi a moça sugerir às balconistas: “não será número 40.650?” E vi as duas se entreolharem surpresas. E ouvi uma confirmar: “claro, é 40.650!” Com o que concordaram todas.

E fui ao correio postar uma carta. E perguntei à funcionária quanto pagaria em selos. E ouvi vinte cruzeiros como resposta. E paguei os vinte. E levei a carta para registro. E a outra funcionária me informou que eram 31 cruzeiros. E voltei ao guichê anterior para pagar o restante. E vi a moça manipular uma calculadora eletrônica. E vi registrar 31. E calcar a tecla de subtração. E depois 20. E vi a moça ler no visor: 11. Perplexo, paguei os 11.

E fui a uma farmácia. E vi um cliente pagando sua compra. E a conta era de Cr$ 13,60. E ouvi a caixa perguntar se o cliente não teria 60 centavos. E ouvi o cliente dizer que não. E vi a moça dar-lhe dois comprimidos de Melhoral. E ouvi o cliente reclamar: não queria Melhoral. E ouvi a moça dizer: vou dar um jeito. E a vi sair do caixa e ir até o balcão. E vi a moça voltando com Pondicilina. E ouvi o cliente furioso exigindo seus 40 centavos. E vi a moça confusa tentando encontrar uma solução. E ouvi a moça chamar o chefe. E vi o chefe providenciando o troco. E vi o cliente receber 36 centavos.

E fui a uma livraria. E ouvi um cliente perguntando por Sexus, do Henry Miller. E vi o livreiro procurá-lo nas estantes. E não o vi voltar com o livro. E o ouvi quando explicava: proibido pela censura. Mas temos Nossa Vida Sexual, do Fritz Khan, não serve?

E fui a uma estação rodoviária. E vi uma moça comprando passagem. E ouvi que insistia em ir pela freeway. E vi a moça dirigir-se ao ônibus. E ouvi a moça reclamar furiosa. Comprara uma passagem pela freeway. E um cartaz indicava que o ônibus ia pela auto-estrada.

E fui a um restaurante. E vi um cliente pedir um vinho. E o vinho havia sido cuidadosamente trabalhado pelo enólogo. Fora envelhecido durante anos e distribuído em sua idade mais vigorosa. Para melhor entregar seu bouquet, exigia uma taça bojuda. E o cliente pediu a taça. E vi o garçom servir-lhe o vinho. E vi o cliente apanhar uma pedra de gelo da caçamba e pôr na taça. E o gelo se fundiu no vinho cuidadosamente elaborado pelo enólogo. E o cliente, orgulhoso de seu toque pessoal, ergueu a taça, sorveu o vinho e sorriu.

E fui retirar um documento em uma repartição pública. E entrei em uma fila. E paguei uma taxa. E fui atendido. E um funcionário me engraxou os dez dedos das mãos. E calquei meus dez dedos em um papel. E tirei a graxa com querosene. E voltei para apanhar o documento. E a data de meu nascimento estava errada. Entrei de novo na fila. E paguei outra taxa. E fui atendido. E um funcionário me engraxou de novo os dez dedos. E calquei de novo meus dez dedos cheios de graxa em um papel.

E voltei para buscá-lo. E o funcionário pediu-me licença para mostrar ao chefe os dois documentos, o certo e o errado. E o chefe ficou furioso. E rasgou um dos documentos... o que estava certo. E o funcionário voltou desolado. E meus dedos já estavam limpos, olhei para a graxa com vontade de chorar. E perguntei se teria de engraxar os dez dedos de novo. E o funcionário me disse que não, afinal aquele documento dispensava a impressão dos dez dedos. E eu contei até dez antes de qualquer resposta. E cheguei aos dez. E resolvi contar até cem, louvar a eficiência do serviço público e safar-me com o documento, com ou sem a marca de meus dedos.

E muito mais ainda eu vi. Vi táxis fazendo fila para apanhar pessoas que faziam fila para apanhar um táxi. Vi gente esperando táxi quase uma hora para fazer em cinco minutos o percurso que a pé fariam em quinze. Vi gente procurando ganhar tempo para ter mais tempo livre e, sem saber o que fazer com o tempo ganho, procurar uma forma de matá-lo. Vi gente matando o tempo e vi o tempo matando gente.

E muito mais coisas eu vi, juro que vi!

* Porto Alegre, Folha da Manhã, 28.03.77

domingo, agosto 28, 2011
 
MEU ESPANTO ANTE O
ESPANTO DOS JORNAIS



Leio nos jornais que metade das crianças brasileiras que concluíram o 3.º ano (antiga 2.ª série) do ensino fundamental em escolas públicas e privadas não aprendeu os conteúdos esperados para esse nível de ensino. Cerca de 44% dos alunos não têm os conhecimentos necessários em leitura; 46,6%, em escrita; e 57%, em matemática.

Isso significa que, aos 8 anos, elas não entendem para que serve a pontuação ou o humor expresso em um texto; não sabem ler horas e minutos em um relógio digital ou calcular operações envolvendo intervalos de tempo; não identificam um polígono nem reconhecem centímetros como medida de comprimento.

Os resultados descritos são da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização). O exame é uma nova avaliação nacional, organizada pelo Todos Pela Educação, Instituto Paulo Montenegro/Ibope, Fundação Cesgranrio e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). É a primeira vez que são divulgados dados do nível de alfabetização das crianças ao final do ciclo.

Oh! Estes senhores ainda vão acabar descobrindo a América. Há mais de trinta anos, eu manifestava meu espanto ante uma funcionária dos correios, que precisava de uma máquina de calcular para saber quanto era 20 + 11. Outro dia, aqui em São Paulo, fui a meu fornecedor de vinhos para devolver um abridor de garrafas que não funcionava. Havia custado 133 reais. Troquei-o por um de 101 reais. Que também acabou não funcionando, mas isto é o de menos. O que importa é que a caixa pôs no computador: 133 menos 101 igual - ó milagre! - a 32.

Se alguém acha que crianças não conhecem matemática básica, é porque nada conhece do mundo que nos cerca. Adultos não sabem matemática. Pergunte hoje a um universitário quanto dá 9 x 8. Ou 7 x 6. Dificilmente ele saberá responder. Em meus dias de universidade em Santa Catarina, anos 80, eu costumava levar minhas aluninhas aos bares. Elas ficavam pasmas ao ver como eu sabia calcular o troco.

Coisas das novas pedagogias, teorias dos conjuntos e outros babados. Em meus dias de colégio, na zona rural de Dom Pedrito, havia uma pedagogia muito eficaz. Ou decora a tabuada ou é vara de marmelo. Aprendi até mesmo a extrair a raiz quadrada e a raiz cúbica – que, confesso, até hoje não entendi muito bem para que servem - mas aprendi.

Meu professor de matemática no ginásio era um padre alemão, geninho em cálculos. Pedíamos a raiz quadrada de um número de dez algarismos. Ele fechava os olhos e começava a decompor. Em menos de um minuto, nos dava o número exato. Duvido que nestes nossos dias um professor consiga fazer isso. Suponho, aliás, que aluno algum tenha hoje noção de raiz quadrada. Imaginem da cúbica.

O ensino, tanto o colegial como o universitário, desde há muito vem se deteriorando. Em meus dias de UFSC, tive alunas de Letras, em fase final de curso, que não dominavam sequer o vernáculo. Reprovei-as todas, para espanto do colegiado, já que hoje não é pedagógico reprovar. Certa vez, uma negrinha a quem conferi um solene zero ergueu-se aos prantos:

- Racismo, professor, racismo!
- Vem cá, minha filha.
- Não vou.
- Vem, quero te mostrar uma coisa.

Ela acabou vindo. Mostrei-lhe então que havia contemplado com zero nada menos que treze brancas. Se por acaso coincidisse que ela fosse a única analfabeta da turma, eu estaria ferrado. As arianas me salvaram.

Olhando para trás, para os anos 50 e 60 – e lá já vai meio século – diria que tive uma educação de príncipe. Há alguns anos, remexendo antigos baús de minha mãe, encontrei um mural do ginásio Nossa Senhora do Patrocínio, que redigi de próprio punho. Claro que não escrevia como escrevo hoje, mas não havia um único erro de gramática. Naqueles dias, os professores não perdoavam uma vírgula. Saudades do professor Hugo Brenner de Macedo. Certa vez, descontou dois pontos na prova de um aluno, que havia escrito xeografia em vez de geografia.

Naquele ginásio de Dom Pedrito – cidadezinha perdida lá no fim do mundo, na época com 13 mil habitantes – estudei quatro anos de latim, mais quatro de francês e quatro de inglês. O espanhol, aprendi por osmose lá na Fronteira. Sem jamais tê-lo estudado, traduzi uns quinze livros do espanhol. Com o francês daqueles dias, consegui bolsa em Paris e defendi minha tese. Com o inglês do Patrocínio, fui escolhido como redator da Folha de São Paulo.

Na Universidade Federal de Santa Catarina, encontrei meninas em final de curso que grafavam “eu poço”. Professor algum as reprovava. Eu as reprovei. A crise surgiu quando reprovei a sobrinha de um deputado. Nossa! Veio o departamento todo em cima de mim, mais o grêmio de alunos e inclusive a reitoria. Havia uma conspiração toda para aprovar uma analfabeta, só porque era sobrinha de um deputado. Mais tarde, só bem mais tarde, fui saber que já haviam sido emitidos trezentos convites para sua festa de formatura. Seria a festa do ano em Florianópolis. Não foi.

Naquele dia, eu tinha vôo marcado para Paris e arrisquei perder a viagem na reunião de departamento. Perco dois mil dólares, decidi, mas esta moça eu não aprovo. Meu vôo era às duas da tarde e tive sorte. As professoras, quase todas mães, tinham de pegar seus filhos no colégio ao meio-dia, e a reunião não foi muito longe.

Enfim, divago. O fato é que o ensino, nas últimas décadas, sofreu uma brutal deterioração em todos os níveis. Espanta ler que os jornais se espantem porque crianças não saibam mais as operações básicas.

Hoje, nem adultos as sabem.



sábado, agosto 27, 2011
 
A QUEM PERTENCE O CADÁVER
DO JUDEU AQUELE DE NAZARÉ?



Essa, agora! Os papistas brasileiros se reservam direitos exclusivos à imagem de um judeu, que teria nascido há dois milênios em Nazaré. Digo teria nascido, afinal sua existência até hoje suscita dúvidas. Leio no Estadão que o outdoor de um site de relacionamentos, especializado em relações extraconjugais, está provocando polêmica no Rio. A propaganda tem a imagem do Cristo Redentor ao lado dos dizeres: "Tenha um caso agora! Arrependa-se depois". A Arquidiocese encaminhou o assunto para o departamento jurídico e estuda as medidas que tomará.

"A Arquidiocese repudia com veemência essa propaganda com uso do Cristo, cujo direito de imagem pertence à Cúria. Ainda mais em um anúncio que prega o adultério", afirmou o porta-voz da Arquidiocese, Adionel Carlos da Cunha. O padre Omar Raposo, pároco do Santuário Cristo Redentor, disse que a propaganda provocou "indignação". "Ficamos todos perplexos. A Igreja defende uma proposta de valorização da família, do equilíbrio. E esse site aposta no contrário, na relativização da família", afirmou.

Pelo jeito, padre Raposo não leu os evangelhos. Está em João:

Então os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; e pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Ora, Moisés nos ordena na lei que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes?

Isto diziam eles, tentando-o, para terem de que o acusar. Jesus, porém, inclinando-se, começou a escrever no chão com o dedo. Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu-se e disse- lhes: Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra.

E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, até os últimos; ficou só Jesus, e a mulher ali em pé.

Então, erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém senão a mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu te condeno; vai-te, e não peques mais.


Segundo Laís Ranna, a vice-presidente do site no Brasil, a escolha do Cristo, teve a intenção de "provocar as pessoas". Apesar da reação da Cúria, a empresa não pretende retirar a propaganda da Barra da Tijuca. Há cerca de dois anos, a arquidiocese encaminhou uma notificação judicial à Columbia Pictures pelo uso da imagem do Cristo no filme 2012. No caso do filme, houve um acordo.

Só o que faltava! Os católicos romanos, que roubaram o antigo livro dos judeus, se pretendem agora detentores exclusivos sobre os direitos de imagem daquele outro judeu dissidente.

O judaísmo, depois do egípcio Akhenaton, aderiu ao monoteísmo. Há uns dois mil anos atrás, surgiu um maluco que também se proclamou deus. Não bastasse isto, havia uma terceira entidade divina, o Paráclito. Constantino, imperador romano, andava à procura de um deus poderoso para consolidar seu império. Viu que Jeová tinha futuro. Ocorre que, em Roma, os cristãos estavam cultuando três deuses, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O paganismo, expulso pela porta, havia voltado voando pelas janelas.

Para suprimir este retorno a crenças pagãs, o primeiro Concílio de Nicéia, realizado em 325 - sob a égide de Constantino, é claro - decretou o dogma da Trindade. Deus é três mas é um só. Não tente entender: é mistério. Não tente descrer: é dogma. Isso sem falar em Maria, que goza de uma condição de deusa, à semelhança dos outros três. O Ocidente monoteísta tem hoje, em verdade, quatro deuses.

Mas não era disto que pretendia falar, e sim do atrevimento da Cúria carioca, que pretende gerir a imagem do Cristo. Por que não processam então os evangélicos, que usam e abusam do nome do judeu aquele? É que vigaristas mantêm entre si um acordo entre canalhas.

Padre respeita padre, não importa a qual religião pertençam. Todos vivem da mesma empulhação.


 
PARASITAS

Guerra Junqueiro



No meio duma feira, uns poucos de palhaços

andavam a mostrar, em cima dum jumento

um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,

aborto que lhes dava um grande rendimento.


Os magros histriôes, hipócritas, devassos,

exploravam assim a flor do sentimento,

e o monstro arregalava os grandes olhos baços,

uns olhos sem calor e sem entendimento.


E toda a gente deu esmola aos tais ciganos:

deram esmola até mendigos quase nus.

E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,

eu lembrei-me de vós, funâmbulos da cruz,

que andais pelo universo, há mil e tantos anos,

exibindo, explorando o corpo de Jesus.

sexta-feira, agosto 26, 2011
 
IN MEMORIAM RICHMOND


Em algum momento de sua obra, Kafka fala de uma casa ideal, onde todo mundo poderia entrar a qualquer momento e sair quando bem entendesse. Ora, essas casas sempre estiveram a seu lado, em sua Praga natal. São os bares e restaurantes.

Em A Invenção do Restaurante – ensaio que recomendo aos amantes da bona-xira - Rebecca L. Spang estuda o fenômeno em suas origens, ou seja, em Paris. Considero os restaurantes um dos mais esplêndidos achados da história humana. Foi neste livro que descobri que os restaurantes evoluíram das maisons de santé até o que hoje conhecemos por restaurante.

A palavra decorre de uma paráfrase de um versículo de Mateus (11:28) "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei". Lá pelos estertores do século XVIII, um dos primeiros restaurateurs da época pôs na entrada de sua casa esta frase um tanto blasfema: "Accurite ad me omnes qui stomacho laboratis et ego vos restaurabo". Ou seja, corram a mim todos vós cujos estômagos padecem, e eu vos restabelecerei.

O nome deriva de uma sopa, chamada restaurant. Com o tempo, passou a designar as casas que as serviam. Faz bem mais de vinte anos que só viajo para visitar estas casas de Kafka. De museus, bibliotecas, parques, cansei. Cada viagem que faço ultimamente é uma peregrinação de um boteco a outro. Neles não vou apenas beber ou comer, mas ler, estudar e contemplar o mundo. Muitos restaurantes na Europa são salas de leitura e trabalho intelectual. Em Paris, foi em cafés que Sartre, Camus, Simone de Beauvoir e tantos outros construíram suas literaturas. Nesses cafés, elaborei minha tese. Terá sido lá que adquiri um vício, o de ler em bares. Me sinto melhor que lendo em casa.

O primeiro restaurante que conheci em Paris foi o Zero de Conduite. Ficava na rua Monsieur le Prince, ao lado do Parc Luxembourg. Já morreu e ressuscitou em Porto Alegre. Ano passado, fui visitar uma amiga. Ela morava na Fernandes Vieira. Certo dia, ao sairmos de sua casa, me deparei com um restaurante na mesma quadra, o Zero de Conduta. Este cara já morou em Paris, disse a ela.

Em meus dias de Filosofia, tive aulas por quatro anos com Gerd Bornheim, intelectual bastante conhecido no Rio Grande do Sul nos anos 60. Foi cassado pelos militares em 69. Em 71, em minha primeira visita a Paris, hospedei-me no Grand Hotel Saint Michel, na rue Cujas, ao lado da Sorbonne. De Grand o Saint Michel nada tinha, era apenas um une étoile muito freqüentado por brasileiros, e gerido pela folclórica Madame Salvage.

Certo dia, ao voltar de madrugada, quando fui pegar a chave, ergue-se de um catre uma calva ilustre e familiar. Era o Gerd, que trabalhava como porteiro da noite. Convidou-me para uma janta no dia seguinte. Fomos no Zero de Conduite, a duas quadras do hotel. O restaurante fazia homenagem ao filme homônimo de Jean Vigo. Foi lá que conheci esse delicioso queijo grego, o fetá. Ora, um Zero de Conduta em Porto Alegre só podia ser obra de quem vivera em Paris nos anos 70.

Foi lá também que conheci uma brava iugoslava de quem muito gostei. O restaurante tinha uma grande mesa de madeira, para umas vinte pessoas, na qual os clientes iam sentando ao lado uns dos outros. Minha tese era sobre Ernesto Sábato. Certo dia, estou em meio a um pichet de rouge, relendo Sobre Heroes y Tumbas. A minha frente, senta-se uma menina com El Tunel em punho. Ali mesmo começou nossa relação. Era uma adorável poeta peoniana, tão altiva quanto seu conterrâneo, Alexandre, o Grande. Acabei por dedicar-lhe minha tese. Naquele almoço, o deus Acaso estava agendando minhas futuras viagens a Dubrovnik, Skopje e Mljet.

Volto a Porto Alegre. Dois ou três dias depois, entrei no Zero de Conduta para uma cerveja. A bem da verdade, nem havia notado que era o Zero de Conduta. Havia uma pequena biblioteca no restaurante, onde encontrei vários livros em sueco, principalmente de culinária. Fui até o caixa. Vem talar svenska här? - perguntei.

- Jag – me respondeu o caixa.

Havia morado cinco anos em Estocolmo. Naqueles dias, eu estava publicando neste blog, em capítulos, minha tradução de Kalocaína, de Karin Boye, talvez o mais alto momento da literatura sueca. Falei de meu blog e passei-lhe meu cartão.

- Ah, és o Janer. Estive em teu apartamento em Paris.

Resumindo: nessas casas de Kafka tive os melhores encontros de minha vida. Neles li, estudei, conversei, aprendi, ensinei, namorei, vivi dias felizes. Quando chego em Paris, antes mesmo de abrir as malas no hotel, vou voando ao Rélais de l’Odéon. É como se voltasse para casa. Meu sonho de paraíso, já devo ter contado, é uma terrasse em Paris, numa manhã ensolarada de inverno, com uma Leffe e vários livros e jornais em punho. Vida eterna assim certamente não seria monótona.

Adoro restaurantes centenários. Se um restaurante atravessou dois ou três séculos, isto é certificado de qualidade. Em Madri, meu dileto é o Sobrino de Botín, considerado o mais antigo do mundo, fundado em 1725. Em Paris, o Procope, fundado em 1686. Há uma discussão sobre a antiguidade de ambos. O Procope pode ter sido fundado antes, mas teve interrupções em seu funcionamento. Já o Botín teria funcionado ininterruptamente de 1725 para cá.

São casas que me dão uma certa idéia de eternidade. Nós passamos, os restaurantes ficam. Eu morrerei, mas o Botín continuará por mais séculos servindo seus magníficos cochinillos y corderos lechales. Embora tenha futuro, lá me sinto um pouco como em uma estalagem da Idade Média. Mal chego a Madri, vou correndo para seus salões ancestrais.

Mas restaurantes também morrem, e já nem falo de São Paulo, onde uma casa com apenas meio século de idade pode ser considerada antiga. Tive nestes dias uma triste notícia. Fechou em Buenos Aires o Richmond, na calle Florida, fundado em 1917 e freqüentado por escritores como Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo e Leopoldo Marechal. Foi comprado pela Nike, que deve instalar uma loja no local que foi um dos cenários boêmios da capital argentina.

Ano passado, passei belas tardes no Richmond, em suas poltronas de couro e mesas de mármore rosa, sob seus lustres solenes, acompanhado de uma também bela amiga. Me encharquei em seus tragos largos. Trago largo é um drinque tipicamente buenairense, que vem acompanhado de frutas y otras cositas más. Depois de dois ou três Setimos Regimientos, yo oía clarines.

Perdi também em Buenos Aires um outro café charmoso, El Reloj. Se bem me lembro ficava numa esquina da Suipacha e foi lá que tomei contato com a literatura de Ernesto Sábato. O que conheço de mundo aprendi em bares, não em minhas universidades.

Alguns de meus cafés diletos, contrariando o sentido da História, estão morrendo antes de mim. Mas em Buenos Aires ainda resta o La Biela, onde degustei alguns Malbecs com Sábato. Suponho que o Procope e o Botín só morrerão quando o sol engolir a Terra.

O que está previsto para daqui a cinco bilhões de anos. Até lá, muito vinho há de rolar pelas gargantas.


quinta-feira, agosto 25, 2011
 
GAÚCHOS ERGUEM MONUMENTO A
ASSASSINO A SOLDO DE MOSCOU



Há dois dias, eu comentava a reedição pela Companhia das Letras de Vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança – ode da maior prostituta das letras nacionais, Jorge Amado, ao mais estúpido dos gaúchos. De Porto Alegre, Marco Aurélio Antunes me envia esta alvissareira notícia:

Desenhado e doado por Oscar Niemeyer em 2008, o projeto do Memorial Luís Carlos Prestes receberá nesta quinta-feira, 25, às 17h, a assinatura final do arquiteto. Com o ato, a prefeitura estará autorizada a liberar o início de construção do prédio que eterniza a memória desse ícone da história porto-alegrense e brasileira. O prefeito José Fortunati, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Francisco Noveletto, o arquiteto responsável pela execução da obra, Hermes Teixeira da Rosa, representantes da Corrente Prestista e familiares de Prestes participam do encontro com o arquiteto no Rio de Janeiro.

A construção do Memorial Luís Carlos Prestes será feita pela FGF como contrapartida pela cessão de uso do terreno para a nova a sede da entidade, que servirá como base administrativa e de operações voltadas à Copa do Mundo de 2014. A área, de 10 mil m², está localizada na Av. Edvaldo Pereira Paiva esquina com a Av. Ipiranga e abrigará os dois prédios.

Para o prefeito Fortunati o memorial representa dois marcos fundamentais para a cidade. "A iniciativa ergue espaço de um resgate histórico necessário e será o primeiro projeto de Niemeyer a ser executado na Capital". A obra deve iniciar até o final do ano e ficará pronta em prazo de 18 meses.


Obviamente, deve ter dedo do capitão-de-mato Tarso Genro nesta homenagem ao celerado. Tarso sempre manifestou seu fascínio por Prestes e o tem como um de seus ídolos. Também é normal que Niemeyer, o fóssil comunossauro, seja o autor do projeto. O Muro caiu há mais de duas décadas em Berlim. No Brasil, continua em pé. Resgate histórico necessário é o nome novo dado pelo prefeito para mentira histórica colossal.

Porto Alegre não tem memorial algum dedicado a gaúchos que, bem ou mal, tiveram sua importância, como Getúlio Vargas, Erico Verissimo ou Mário Quintana. Existe a casa Mário Quintana, é verdade, cabide de empregos instalado no hotel em que vivia, pobremente, o Quintana. O poeta morreu na miséria. Mas seu nome serviu como pretexto a gordos salários a um monte de vagabundos.

Em Santa Catarina, há mais de dez anos, foi armado outro destes embustes. Em dezembro de 2000, foi lançado o filme Zé Perri no Campeche, que pretende que Saint-Exupéry tenha feito escala naquela praia, em seus vôos pelo Correio Sul. O filme, que se pretendia um documentário, tem até o Pequeno Príncipe como personagem. Ora, não há documentação alguma sobre a passagem do escritor francês em Santa Catarina. O que há são histórias de um pescador, que o teria conhecido. E é óbvio que as histórias não são dele. Que noção teria um pescador do Campeche das dimensões de Saint-Exupéry? A ficção é criação certamente de universitários, que querem dar à ilha uma projeção que não tem.

Os ilhéus adoram dar-se importância. Já fizeram de uma vivandeira, a Anita, uma heroína. Falei em Campeche não por acaso. Foi por lá que entraram Luís Carlos Prestes e Olga Benario no Brasil, pagos por Moscou para instalar no país uma republiqueta soviética. Mais um pouco de audácia, catarinas: por que não erguer um monumento ao Cavaleiro da Esperança? Seria bem mais verossímil que a lenda de Saint-Exupéry.

Ou melhor: para que intermediários? Por que não um monumento a Stalin? Tarso Genro, que um dia escreveu no caderno Mais da Folha de São Paulo sobre a “ventura stalinista”, nem precisaria chamar o Niemeyer. Bastaria importar uma daquelas estátuas colossais que foram dedicadas ao tirano e hoje jazem abandonadas, no famoso cesto de lixo da História, em um parque em Moscou.

Que velhos comunistas ergam monumentos a assassinos, isto se entende. Eles precisam justificar suas biografias. O que não se entende é como os gaúchos não reajam ante tais embustes.

Pelo jeito, não há mais vida inteligente no Rio Grande do Sul.



quarta-feira, agosto 24, 2011
 
DIAS CONTADOS PARA
O LIVRO EM PAPEL



Carreguei muito livro em minha vida. E livros pesam. Quando voltei da Suécia, trouxe uma boa centena de quilos de literatura. Quando fui fazer doutorado em Paris, levei dezenas de quilos de bibliografia e, ao voltar, despachei pelos correios umas três centenas. O mesmo aconteceu comigo em Madri.

A propósito, sou o feliz proprietário de um Diccionario Literário Bompiani. É obra hoje esgotada, a editora que o publicou na Espanha foi à falência. São quinze pesados volumes, com belíssima iconografia. Três tomos são dedicados a autores, um outro a personagens e dez a obras literárias. Um outro constitui o índice. É a glória de minha biblioteca. Encontrei-o em Buenos Aires, na casa da filha de Roberto Arlt, escritor de quem traduzi Os Sete Loucos. Apaixonei-me pela enciclopédia e fiz de sua busca um dos objetivos de minha vida.

Procurei-a em Madri e Barcelona. Estava esgotada. Perguntei a um livreiro quanto custaria, se existisse. Não tem mais preço, respondeu-me. Se pedirem mil, dois mil dólares, nada de surpreender. Continuei minha busca, mais por teimosia que por desejo. Em Barcelona, na calle Aribau, no quarteirão universitário, perguntei a uma velhota em um antiquário:

- A senhora tem a Bompiani?
- Está ali – me respondeu – apontando para o alto.

Senti um frio na espinha. Depois de tanto procurar, não podia voltar atrás. Seriam pelo menos mil dólares a menos em minha viagem. Com medo, perguntei:

- E quanto custa?
- 150 dólares – me respondeu a velhota.

Mandei baixar. Suponho que aquela senhora fosse viúva do antiquário e desconhecesse o real valor da obra. A enciclopédia pesava cerca de trinta quilos. Levei-a no braço para o hotel e trouxe-a no braço no avião. Cheguei a ter pesadelos nos quais a extraviava. Hoje, ela repousa solene em minhas estantes.

Houve época em que namorei uma Espasa-Calpe. Aí a aposta é maior. São 72 volumes, exigem uma estante especial. Deixa pra lá. Nos anos 90, quando chegava a São Paulo, uma vendedora ofereceu-me uma Britânica. Seriam uns trinta volumes e custava algo em torno a cinco mil dólares. Recém estavam surgindo os CD-Roms. Perguntei à moça se não teria uma edição em CD-Rom. Ela nem sabia do que se tratava. A Britânica relutou muito em desistir do papel, mas acabou aderindo às novas tecnologias. Mesmo assim, muito cara. Custava mil dólares.

Não sou de comprar produtos piratas, mas besoin oblige. Desaforo cobrar mil dólares por uma obra cuja reprodução custa centavos. Fui na Santa Ifigênia e comprei uma na calçada. Por “dez real”. Em vez de trinta volumes, três disquinhos. Os tempos mudaram.

A respeito de recente crônica sobre a indústria livreira, me escreve uma leitora: “Para mim, ao menos, o livro de papel jamais será substituído. Se ganhasse um Kindle, o venderia no ato”.

Devagar nas pedras, leitora. Ainda não comprei um Kindle, mas mais dia menos dia chego lá. Para começar, tenho dezenas de livros em meu computador. O ebook tem uma vantagem imbatível sobre o livro em papel, o search. Se quero uma palavra na Bíblia, por exemplo, a encontro em segundos. O que é inviável no livro-papel. Tenho todo o Renan em papel. Mas se preciso fazer uma pesquisa, procuro uma edição eletrônica.

Isso sem falar no conforto do cut & paste. Se preciso fazer uma citação mais longa, não preciso digitar. Todo jornalista detesta digitar. Para isso existem nos jornais os digitadores. Hoje, se fosse fazer uma viagem prolongada, eu me muniria imediatamende de um Kindle. É a única maneira de carregar a biblioteca no bolso. Além do mais, é aparelho muito útil em pequenas cidades do interior, onde já não existem livrarias.

Digamos que você viva em Dom Pedrito e, subitamente, à noite, sente o desejo irrefreável de ler O Banquete. Ora, em Dom Pedrito você não vai encontrar Platão, nem de dia nem de noite. Mas, se tiver um computador, poderá baixá-lo na hora e sem pagar um vintém. A distância entre seu desejo de ler Platão e a leitura de Platão é de apenas alguns segundos.

O livro em papel – perdoem-me os saudosistas – está condenado. Sei, há quem goste do cheiro do papel, eu também gosto. Devo ter umas duas toneladas de papel em minhas estantes. Tenho centenas de quilos de literatura que pouco ou nada vale. É a literatura brasileira que comprei para lecionar literatura. Meu apego a livros é tal que não sei o que fazer com esse lixo. Queimar, não consigo. Doá-lo, muito menos. Não vou dar a alguém literatura que não presta. Ficam então entulhando minhas paredes. Passo então a jogá-los para o alto das estantes. Livro é como funcionário público. Quanto mais alto, mais inútil.

Não há mais sentido em gastar milhões em papel, composição, encadernação, transporte, depósito, espaço em livrarias, quando se pode ter um livro em segundos no computador. Sempre há resistência a uma nova tecnologia. Quando Gutenberg inventou sua prensa, a grita dos copistas foi geral. Hoje, quem chora são os editores de livro-papel.

Que chorem à vontade. Seus dias estão contados.

terça-feira, agosto 23, 2011
 
EDITORA REPUBLICA
EMBUSTE DE AMADO



No início deste mês, eu saudava os dez anos da morte da grande prostituta das letras tupiniquins, Jorge Amado. Nazista, stalinista, adepto do capitalismo, sempre venal, o baiano sempre correu atrás do dinheiro. Quando convinha ser nazista, foi nazista. Vendo que o nazismo não tinha futuro, aderiu ao comunismo. Desmoronado o comunismo, se entregou às boas graças do capitalismo. Leio na Folha de São Paulo que Vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança – sua ode ao mais estúpido dos gaúchos, publicada em 1945 – acaba de ser reeditada pela Companhia das Letras.

Ainda há pouco eu falava das biografias mentirosas, que pretendem transformar criminosos em heróis. É o caso da cineasta gaúcha Flávia de Castro, que fez um filme – Diário de uma busca – transformando seu pai idiota em mártir. Comentei também o documentário Marighella, de Isa Grinspum Ferraz, com estréia prevista para outubro, que faz de um terrorista um santo. Este gênero literário é antigo e, no Brasil, Amado terá sido um de seus precursores.

Em 1935, Stalin enviou ao Brasil Olga Benario, uma apparatchik alemã, oficial do Exército Vermelho, junto com Arthur Ernest Ewert e mais uma vintena de agentes comunistas, com a missão de transformar o país em uma republiqueta socialista ao estilo de Moscou. Os anos 30 foram de grande excitação bolchevique, Stalin investia não só no Brasil mas também na China e na Espanha. Como marionete desta equipe vinha o gaúcho Luís Carlos Prestes, o grande herói das esquerdas tupiniquins - o ídolo de Tarso Genro - disfarçado como marido de Olga.

A título de curiosidade: o herói foi deflorado pela judia alemã aos 37 anos de idade. Alguém concebe o Cavaleiro da Esperança só conhecendo mulher já nel mezzo del camin di nostra vita? Curioso que tais anomalias a ninguém causem espécie.

Já que falo de falsas biografias, é bom lembrar a ode à Olga Benario, ópera de autoria de Jorge Antunes, apresentada em outubro de 2006, no Theatro Municipal de São Paulo. Santa Olga acabou morrendo em um campo de concentração. Sua extradição do Brasil e morte na Alemanha lhe conferiram uma aura de santidade e martírio. Quando na verdade nunca passou de uma bandoleira internacional, enviada por Stalin como segurança pessoal de Prestes. A moça mereceu inclusive uma hagiologia de Fernando Morais, escritor que vende sua pluma a quem paga melhor. Começou sua fortuna louvando a ditadura de Castro em A Ilha e continuou com Olga. Louvar o comunismo sempre rendeu bem no Brasil. Aliás, em todo Ocidente.

Getúlio Vargas, ao enviar Olga para a Alemanha, ficou como o vilão da história, embora Luís Carlos Prestes o tenha apoiado mais tarde, em sua candidatura à Presidência da República. Condena-se em Getúlio o gesto de tê-la entregue a Hitler, após um pedido de extradição da Alemanha nazista. O que se esquece é que Olga obedecia às ordens de outro grande assassino de judeus, Stalin.

Fora a estupidez da Intentona Comunista, Luis Carlos Prestes carrega nas costas o assassinato da irmã de um militante comunista, Elza Fernandes. Que, em verdade, chamava-se Elvira Cupelo Colônio e convivia com os comunistas que visitavam seu irmão, Luiz Cupelo Colônio. Aos 16 anos, tornou-se amante de Antonio Maciel Bonfim, secretário-geral do PCB, mais conhecido como Miranda. Presos os conspiradores de 35, Elvira – também conhecida como a “garota” – tornou-se suspeita de colaborar com a polícia e foi condenada à morte por um “tribunal revolucionário”, do qual participava Prestes. Ante a hesitação de alguns dos “juízes”, o Cavaleiro da Esperança é taxativo:

Fui dolorosamente surpreendido pela falta de resolução e vacilação de vocês. Assim não se pode dirigir o Partido do Proletariado, da classe revolucionária." ... "Por que modificar a decisão a respeito da "garota"? Que tem a ver uma coisa com a outra? Há ou não há traição por parte dela? É ou não é ela perigosíssima ao Partido...?" ... "Com plena consciência de minha responsabilidade, desde os primeiros instantes tenho dado a vocês minha opinião quanto ao que fazer com ela. Em minha carta de 16, sou categórico e nada mais tenho a acrescentar..." ... "Uma tal linguagem não é digna dos chefes do nosso Partido, porque é a linguagem dos medrosos, incapazes de uma decisão, temerosos ante a responsabilidade. Ou bem que vocês concordam com as medidas extremas e neste caso já as deviam ter resolutamente posto em prática, ou então discordam mas não defendem como devem tal opinião.

Elza foi estrangulada e teve seu corpo quebrado, com os pés juntos à cabeça, para que pudesse ser enfiado num saco e enterrado nos fundos da casa onde foi assassinada. Consta que um dos executores chegou a vomitar.

Amado, contra todas as evidências, nega a responsabilidade de Prestes na execução. Escritor a soldo de Moscou, era pago para mentir. É espantoso que, quase oitenta anos depois da Intentona, duas décadas após a queda do Muro, uma editora reedite este embuste colossal do herói de Tarso Genro.



segunda-feira, agosto 22, 2011
 
REQUIESCAT IN PACE


Desde há muito estou afastado disso que se chama o mundo do livro. Publiquei uns dez livros em papel, mais outros tantos em formato eletrônico e traduzi uns vinte e poucos do sueco, francês e espanhol. Ofereci às editoras livros que considero importantes, como Crônicas da Guerra Fria, Ianoblefe, Como ler jornais. Não recebi nem a cortesia de uma resposta. Não só não sou de esquerda, como sempre combati as esquerdas. Logo, fui banido desse universo.

Diga-se de passagem, publicar meus primeiros livros se situa na órbita do milagre. Quando publiquei Ponche Verde, meu editor, o Jayme Bernardes, da Nórdica, apostou no livro achando que seria o grande romance do exílio. Apesar de ter sido uma viagem abrangente pela Europa dos anos 80, que incluía cidades prestigiosas como Berlim, Estocolmo, Paris, Lisboa, não teve uma mísera resenha na grande imprensa. Eu não era exilado nem de esquerda. E literatura de exílio é coto de caça privado das esquerdas.

Me refugiei então no universo do livro eletrônico, graças aos bons ofícios do Teotonio Simões, da ebooksbrasil. Se você quiser algum título, não precisa buscá-lo nas livrarias, nem mesmo comprar. Basta sentar-se frente a seu computador e baixá-lo de http://www.ebooksbrasil.org

Exceto meu primeiro livro, O Paraíso Sexual Democrata, jamais ganhei algo significativo com literatura. Então, faço presente do que escrevo a meus leitores. Ah, O Paraíso pode ser baixado da scribd:
http://pt.scribd.com/doc/46142761/Janer-Cristaldo-O-Paraiso-Sexual-Democrata

Há muita sujeira no mundo do livro. Em um universo editorial ainda dominado pela ideologia, quem não for politicamente correto está mais ou menos excluído do mercado. Até os autores que denunciam o politicamente correto precisam ser politicamente corretos. O escritor vale mais pelas posições que ocupa do que pelo que escreve. Se tiver cátedra na universidade e público cativo nas indicações para vestibular e currículos, ou se tiver coluna em jornal de prestígio, tem edição assegurada. Se perder essas tribunas, perde também o editor.

Por outro lado, perdi meu interesse pela ficção. Contos de fada de quem não tem imaginação, como disse Pessoa. Claro que sempre volto a Swift, Cervantes, Dostoievski, Orwell e mais alguns de cabeceira, mas ultimamente só tenho lido ensaios, particularmente sobre história e história das religiões. O último livro de ficção que li foi o último que traduzi, A Família de Pascual Duarte, de Camilo José Cela.

Quanto a traduzir, cansei. A paga é mínima, pouco mais do que se paga a um digitador. Traduzir é ofício para jovens, que gostam de desafios e ainda não perderam o entusiasmo pela literatura. De desafios, continuo gostando. De literatura, se considerada como ficção, não mais. Não consigo ler autores contemporâneos. É como se estivesse ouvindo as mesmas histórias que ouço em meu boteco. Já um Quixote é diferente: sou transportado a uma outra geografia, a um país que adoro e há quatrocentos anos atrás.

Por outro lado, penso que a Internet vai acabar matando o livro, e mais: não apenas o livro em papel. Se posso conversar com o mundo todo através de curtas crônicas em um blog e delas ter retorno, não vejo porque escrever calhamaços e oferecê-los ao público. Claro que a tese de 1984 não cabe em uma crônica, muito menos a visão da humanidade que Swift nos transmite nas Viagens de Gulliver. Mas são obras de uma época passada. Estamos entrando em uma nova era, que ainda está longe de dizer a que veio.

No Estadão de ontem, leio reportagem sintomática. O editor Sérgio Machado, da Record, revela ter mais de dois milhões de livros, estocados há cinco, seis anos, num armazém alugado próximo à sede da editora. Lá seguiriam indefinidamente não fosse o recente pedido de desocupação do lugar. Agora o dono da maior editora de obras de interesse geral do País tem poucos meses para dar destino às pilhas que abarrotam o lugar. "Estamos alugando outro espaço e avaliando alternativas", diz Machado. "É provável que alguma coisa seja destruída."

Segundo a reportagem, em 2010, as editoras produziram quase 23% mais exemplares de livros que em 2009, enquanto o crescimento no número de cópias vendidas foi de apenas 13%. Conforme a estimativa, ao longo do ano foram produzidos 55 milhões de livros a mais do que se comercializou para o mercado e o governo, mantendo uma tendência à superprodução já percebida nos últimos anos. Num momento em que o digital domina o debate sobre o futuro do livro, o presente é feito de encalhe de livros em papel.

Produzir 55 milhões de livros exige muito trabalho, dinheiro e papel. Isso sem falar na logística de transporte, armazenamento e espaço nas livrarias. Para depois jogar toneladas de literatura ao lixo? Editores não devem ser loucos que rasgam reais. Há obviamente algo errado nesse universo.

"Há uma superprodução. Trabalho na área desde 1984 e nunca vi coisa igual. De uns dois anos para cá, deu um salto", diz Ricardo Schil, gestor de negócios da Livraria Cultura. Atuando nos dois lados do negócio, o editor e livreiro Alexandre Martins Fontes diz não ter dúvida de que hoje se produz muito mais do que o mercado pode consumir. "E me pergunto onde isso vai parar. Em algum momento o mercado terá de se autorregular. Porque, se você publica e não vende, uma hora você quebra."

O que não entendo é como não quebraram ainda. Já defendi a idéia de que as teses universitárias teriam grande utilidade, por exemplo, na construção de diques na Holanda. Hoje, o que abarrota depósitos não são nem as teses, mas a literatura comercial editada. Mas nem doar é solução.

“Doar é sinônimo de dor de cabeça. Para editoras, preparar kits com poucos exemplares de cada livro e distribuir entre instituições sairia mais caro que estocar e não resolveria a questão da quantidade; tampouco interessa às instituições receber mil exemplares de um livro só. "A doação existe, mas não resolve. Além disso, dependendo do contrato, você não consegue doar sem pagar direitos autorais. Daí precisa de documentação para fins de doação do autor e do governo", diz Roberto Feith, diretor da Objetiva”.

Summa av kardemuma: em um país com alto índice de analfabetos, isso sem falar nos analfabetos funcionais, há falta de depósitos para o excedente de livros. Sinto-me muito bem longe desse universo. Pouco a pouco, os editores começam a perceber que o livro-papel já era. Vivemos em dias que autor sem editor é como peixe sem bicicleta.

Para que editor, se hoje editar um livro e distribuí-lo está ao alcance de qualquer autor?


domingo, agosto 21, 2011
 
DEPUTADO PROPÕE DIREITO
DE VISITA AOS CACHORROS



Gosto de cães. Tive vários em minha infância, com eles cacei e brinquei. Mas sempre os vi como animais, não como gente. Tenho deles ternas lembranças. Havia um ovelheiro, o Tigre, com cuja ajuda um peão podia levar sozinho um rebanho a uma mangueira. O Solón era quase suicida. O ratão do banhado faz sua toca nas sangas abaixo da linha d’água, e depois sobe para terra seca. Solón, quando perseguia um ratão, mergulhava no rio e se enfiava na toca. Se eu não o puxasse, morria afogado.

Do Tição, tenho uma lembrança patética. Carros eram um acontecimento lá na Linha Divisória, passavam um ou dois por semana. Os cachorros estranhavam e atacavam aqueles seres alienígenas. Numa dessas acometidas, Tição teve uma pata quebrada. E com ela ficou pelo resto de seus dias, afinal naqueles pagos mal havia médico para gente. Certa manhã, eu cavalgava com Tição ao lado, em suas três pernas. Ele descobriu uma lebre dormindo. Pegou-a na boca e me trouxe. A lebre, safada, se fingiu de morta. Quando apeei do cavalo, ele a soltou. Ela deu um pulo e mandou-se à la cria. O coitado tentou persegui-la com suas três pernas. Nunca vi um cachorro tão frustrado.

Retoucei com minha cachorrada em minha infância, adorava rolar com eles naquele mar verde de alhos-bravos. Abandonei-os quando fui para a cidade. Ao voltar a Ponche Verde, mesmo após meses de ausência, de longe eles me reconheciam e corriam a saudar-me. Cachorro no campo, eu entendo. Já o cachorro urbano, este me parece uma espécie de ersatz ao afeto humano. Quando morreu minha mulher, não faltou quem me recomendasse um cão. Só o que faltava, trocar a lembrança de uma pessoa querida pela companhia de um animal.

Foi em Estocolmo, no início dos 70, que tomei contato com o apreço dos europeus pelos cães. Lá encontrei, para minha surpresa de latino, centenas de publicações dedicadas aos cães e seus cuidados, desde revistas e jornais até inesgotável literatura especializada. Nas bibliotecas e livrarias, ao lado de O Primeiro Bebê, encontravam-se títulos como O Primeiro Cão, O Primeiro Gato. Nos supermercados, alimentação para cães e gatos, nacional e importada, era consumida paralelamente pelos estrangeiros. Não só por ser mais barata, como também incomparavelmente mais gostosa que certos pratos nacionais, como o surströming e blodpudin (arenque podre e pudim de sangue).

Fatos ilustravam o zelo dos suecos por seus cães. Em 09.08.72, o Aftonbladet apresentava uma reportagem de última página sobre um pastor alemão que ficou uma semana encerrado em um canil, num sítio em Eslöv, por descuido da proprietária. Os vizinhos, normalmente cheios de dedos no caso de relacionamento com seres humanos, foram sensibilizados pelos uivos do cão e passaram a alimentá-lo por uma abertura. O animal foi libertado por um comitê constituído pela polícia, inspetor dos serviços sanitários, veterinário e representante da Liga de Proteção aos Animais, de Lund. Sua proprietária mereceu o repúdio nacional. Ainda em 72, surgiu — e foi festejada pela imprensa — em Estocolmo a primeira ambulância para animais da Europa. Seu telefone estava acoplado ao 90.000, número memorizado por todos mal aprendem a falar, pois atende casos de doença, assalto, suicídio, incêndio e emergências outras. A ambulância não atendia apenas cães e gatos, como também raposas, esquilos e texugos feridos nas estradas ou aves marítimas envenenadas pelo petróleo. Olle Larsson, proprietário e chofer da ambulância, contava que a polícia muitas vezes o auxiliava a abrir caminho no tráfego, com sirenes, para um socorro mais rápido aos animais feridos.

Mas foi em Paris, alguns anos mais tarde, que me deparei com o absurdo. Á encontrei livros como o Guide du Chien en Vacances, mapeando a rede hoteleira destinada aos cães, com hotéis divididos em um, dois e três ossos, sendo que nesta última categoria os cuscos eram postos à mesa com guardanapos e servidos, na sobremesa, com crêpes au Grand Marnier. Sem falar no Recettes pour Chiens et Chats, best-seller que em seu prefácio oferecia às donas-de-casa a alternativa de, em vez de utilizar enlatados, cozinhar para o prazer de seus fiéis companheiros. O livro dava uma série de receitas à base de carnes e peixes, mais manteigas caninas, para animais carnívoros ou vegetarianos, mais bebidas e molhos, tudo aquilo como entrada para depois sugerir pratos de resistência, onde se previa também um regime sem ossos, mais bolos e doces, mais cosméticos e remédios, onde se especificava desde pastas dentifrícias com mel e óleos de massagem pós-banho.

Encontrei até mesmo uma teologia canina, L’animal, l’homme et Dieu, ensaio de Michel Damien, que defendia a tese de que o Cristo havia morrido também pelos animais.

La solidarité de l’homme avec l’animal n’est pas seulement biologique, naturelle, elle est ontologique, transcendantale, évangélique. Le Christ est mort aussi pour les chiens. L’Eglise catholique est malheuresement absente de ce débat. Les animaux n’ont reçu aucun statut de sa part. Et pourtant, si l’animal n’a pas la notion de Dieu il a en revanche celle de l’homme qui est à l’image de Dieu. D’ailleurs, les animaux nous ont précédés sur la Terre et nous en sommes, d’une manière ou de l’autre, tributaires.

“Il nous attendent sur le chemin du Christ”. Ils sont notre prochain. Leur souffrance mystérieuse est une “participation aux Béatitudes. Il y a un Evangile de l’animal, qui lui aussi meurt dans les bras de Dieu”. L’animal a ceci de commun avec le Christ qu’il meurt pour le monde et que son sacrifice est indispensable à l’équilibre de ce monde.


Enfim, a teologia sempre se nutriu de loucura, nada de espantar que alguém julgue que Cristo subiu à cruz para redimir a cachorrada. O mais difícil para mim, naqueles dias vividos há mais de três décadas, foi entender a legislação sobre os cuscos. O Código Civil contemplava o direito de visita aos cães. Um marido em instância de divórcio, em Cretéil, obteve de um juiz o direito de visita a seu cãozinho, cuja guarda havia sido conferida à sua mulher. O casal só se entendia a respeito de duas questões: a ruptura e o desejo de ver regularmente o animal. O magistrado, após ter constatado oficialmente que havia convergência de pontos de vista da parte do marido e da mulher em relação ao cachorro, concedeu ao marido o direito de visita durante dois fins de semana por mês e de guardá-lo por parte de suas férias.

Coisas de um país que se cansou da civilização e entrou em decadência, pensei então. Pois não é que agora, neste país nosso que ainda nem chegou à civilização, leio que um deputado apresentou um projeto de lei para regulamentar a guarda de animais de estimação em caso de divórcio. O texto prevê períodos de visita predefinidos entre as partes e até a punição para o caso de um dos cônjuges permitir o cruzamento do animal sem prévia consulta. Apresentado em abril passado, o projeto aguarda parecer da Comissão de Meio Ambiente.

Como sempre, copiamos sempre o pior do Primeiro Mundo. Se aprovado o projeto idiota, os tribunais serão atulhados por pendengas em torno a cachorros e gatos. Enquanto isso, os Zés Dirceus da vida botam fé na prescrição de seus crimes.


sábado, agosto 20, 2011
 

AZALÉIAS DE AGOSTO *



Era agosto. Elas se abriam em meu jardim com essa obscenidade com que sempre se abrem as flores, cumprindo sua missão natural de flores. Quanto mais floresciam, mais fenecias. Todos as manhãs eu atravessava aquele festival orgíaco de vermelho, rosa, branco e roxo, rumo ao amarelo ictérico que começava a envelopar tua pele, essa pele que por tantas décadas acarinhei. "Onde estiver, vou sentir tua falta" - me disseste, com voz que jamais senti tão grave. Querendo afagar-me, suspeitando que pela última vez, te enganavas. Não estarás em parte alguma. Partiste para o grande nada, onde nada existe e ninguém sente falta de ninguém.

Quem vai sentir tua falta, todos os dias até o último deles, é este que fica e que em algum lugar sempre estará. Pelo menos até o dia em que não mais estiver. Quem parte descansa. Sofre quem fica. O que até me consola um pouco. Quem está sofrendo, pelo menos não és tu.

De novo é agosto e elas retomaram seu ritual exibicionista. Paranóicas, escondem-se nas primaveras e agora torturam meus invernos. Não apenas os meus, mas os de tantos outros cujos seres amados escolheram agosto para partir. Certa noite de setembro, eu conversava com jovens já contaminados pela resfeber, enfermidade nórdica que significa febre de viagens. Sedentos de vida, perguntaram a este ser tantas vezes acometido pela doença: qual é a mulher mais linda do mundo? Em que geografias pode ser encontrada?

Caí em prantos. A mulher mais linda do mundo, eu a conheci. E a tive. E agora não mais a tinha. Não a encontrara em distantes longitudes nem em países exóticos. Encontrei-a a meu lado, neste prosaico país, e nunca mais a abandonei. Quis a vida - ou talvez tenha quisto eu - que tivesse centenas de mulheres, algumas muitas queridas, outras nem tanto mas também desejadas, mais uma multidão de rostos mais ou menos anônimos, corpos sempre lembrados. Mentira da vida, mentira minha. Em verdade, tive só uma. Tu, que partiste no auge das azaléias.

"Eu não tenho medo da morte" - me disseste ainda, um pouco antes da passagem rumo ao nada. Mesmo desbotada pelo palor da vida que foge, estavas linda como nunca estiveste. Em tuas quase seis décadas, conservavas ainda aquele eterno rostinho de criança, que a passagem dos anos jamais conseguiu te roubar.

Sedada, já no torpor da morte, chamaste tuas últimas energias, te ergueste no leito. Levantando o dedinho, didática qual professora falando a seus pupilos, sussurraste com o que te restava de voz: "E se fizéssemos assim: eu assino um documento: eu, TKM, em pleno uso de minhas faculdades mentais, declaro que quero ter meus restos cremados no cemitério da Vila Alpina". Reuni minhas forças e consegui balbuciar: não te preocupa, Baixinha adorada, isto há muito está combinado, verme algum sentirá o gosto de tuas carnes. Tuas cinzas, vou jogá-las de alguma ponte em Paris, uma daquelas pontes que tanto amaste, para que saias navegando mares afora.

Passada a mensagem, te reclinaste em paz. Mas descumpri o trato. Não as joguei em Paris. Ficarias muito longe de mim, navegarias talvez por mares gelados e hostis, encalharias em geleiras e te perderias em fiordes, longe de meu calor. Com carinho, te plantei entre os rododendros e todas as manhãs passo entre ti e murmuro: adorada. É bom te cumprimentar. Mas como dói.

A vida nos foi pródiga, e isso é talvez o que mais machuque. Nestes últimos meses, tenho sentido uma secreta inveja de homens que casam com megeras horrendas. Quando elas partem, começa a felicidade. Se morrer feliz é o almejo de todo homem, esta graça não mais está reservada a quem um dia foi feliz. É duro conjugar certos verbos no passado. Dizia Pessoa:

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...

Bobagens de poeta, que tanto influenciaram meus dias de jovem. Verdade que sem ti correrá tudo sem ti. Mas isto vale para as azaléias - seres insensíveis que sequer perceberam a ausência de quem as adorava tanto - e para o resto da humanidade. Para quem perdeu o ser mais lindo da vida, é mero jogo de palavras.

As azaléias em breve irão perdendo seu sorriso orgíaco, suas cores fenecerão e agosto que vem estarão de novo florescendo, despudoradas. Tuas cores feneceram agosto passado e pelo resto de meus agostos não mais te verei florir.

* in memoriam 20 de agosto de 2003

sexta-feira, agosto 19, 2011
 
ÀS VIÚVAS DO KREMLIN


O final do século passado foi bastante agitado, tanto quanto seu início. Se 1905 é um ensaio geral para 1917 e 1917 marca o início da mais longa tirania do século, o final dos 80 marca a queda daquele muro que parecia construído para a eternidade e o desmoronamento da União Soviética e do comunismo. Temos hoje mais uma efeméride da qual as esquerdas não querem nem ouvir falar.

Há exatamente 20 anos, Gorbachov, quando se encontrava em férias na Criméia, foi confinado em sua datcha e declarado "incapaz de assumir suas funções por motivos de saúde". Era uma tentativa de golpe perpetrada pelos apparatchiks, KGB e alguns militares. O poder foi assumido pelo vice-presidente da URSS, Gennady Yanaev, que declarou estado de emergência, restabeleceu a censura e emitiu uma proclamação justificando o golpe.

Era o começo do fim da União Soviética. O golpe foi abortado três dias depois, quando Gorbachov voltou a Moscou e mandou os golpistas para a prisão. Eu perambulava em Paris naqueles dias. O Libération exclamou em sua primeira página a manchete certamente mais curta da história do jornalismo:

GUÉRI!

Ou seja, curado! Dali pela frente, a história começou a marchar em ritmo acelerado. Menos de um mês depois, o Conselho de reconhecia a independência da Estônia, Letônia e Lituânia. Nos meses seguintes, assistimos à proclamação de independência de várias outras repúblicas. Em 8 de dezembro, Rússia, Bielorrússia e Ucrânia formaram a Comunidade de Estados Independentes (CEI). No dia 21, onze das quinze repúblicas soviéticas aderiram à CEI. No natal, Gorbachov renunciou e declarou que a União Soviética deixaria de existir oficialmente no último do dia do ano. Todas as repúblicas que formavam a URSS foram reconhecidas internacionalmente como estados independentes.

Ex-URSS, portanto. Quando propus a palavrinha a meus colegas da Folha de São Paulo, acharam que eu me precipitava. Nada disso. A imprensa internacional a adotou incontinenti. Na época, eu já escrevera dezenas de artigos sobre a URSS, comunismo e países do Leste europeu. Decidi reuní-los em um volume, que titulei como Crônicas da Guerra Fria. Feliz, sentindo-me como alguém a quem finalmente os fatos davam razão, enviei-o a umas vinte editoras. Exceto de uma, não recebi resposta alguma. E a resposta que recebi era negativa. Não me dei conta então que, enquanto eu exultava, as viúvas todam estavam de luto, carpindo um cadáver fresquinho. Hoje, você pode lê-lo aqui:
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/cronicasdaguerrafria.html

Hoje, a poderosa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em prosa e verso cantada por escritores venais como Pablo Neruda, Jorge Amado, Aragón, Brecht, Sartre e tantos outros, pertence a um passado distante. O tosco e rude messianismo russo impressionou os intelectuais do Ocidente a tal ponto que Sartre, ao voltar de uma viagem à União Soviética, declarou ao Libération, em 1954: "A liberdade de crítica é total na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E o cidadão soviético melhora sem cessar sua condição no seio de uma sociedade em progressão contínua. Exceto alguns, os russos não têm muita vontade de sair do país... não têm muita vontade de viajar neste momento. Têm outra coisa a fazer em casa".

Mais uma pérola: "Lá por 1960, antes de 1965, se a França continua estagnada, o nível médio de vida na URSS será de 30 a 40% superior ao nosso. Qualquer que seja o caminho que a França deve seguir para sair de seu imobilismo, para recuperar ser atraso industrial, para se constituir como nação diferente da de hoje, ele não pode ser contrário ao da União Soviética".

Nisso é que dá receber mordomias de Moscou. Esta prostituta respeitosa, que chegou a receber o prêmio Nobel e o recusou de puro despeito, pois Camus o havia recebido antes, foi guru de toda uma geração de tupiniquins. Entende-se agora melhor Nelson Rodrigues quando dizia ser o pensamento de Sartre de uma profundidade tal que uma formiga o atravessava com água pela canela.

 
Crônica antiga *:
A DESUNIÃO SOVIÉTICA



Curitiba - "Deus morreu, Marx agoniza e eu estou com gripe" - queixava-se, no final dos anos 70, um jornalista francês - "Quel siècle, mon Dieu!" Pois eu também estou perplexo. Há poucos meses, li que fora eliminada a censura da imprensa na União Soviética. Quer dizer então que a imprensa era censurada no paraíso dos sovietes? Que vamos fazer dos relatos dos peregrinos da Nova Jerusalém, que desde Amado e Neruda a freis Bettos e Boffs, nos juravam de pés juntos que lá não existia censura alguma? Pior ainda: leio agora que o Parlamento soviético aprovou o texto geral de um projeto de lei que permite a liberdade religiosa na URSS. Quer dizer que antes não havia liberdade religiosa lá? Não entendo mais nada. Milhares de viajantes, entre estes não poucos sacerdotes, de lá voltavam garantindo a plena liberdade de culto no éden socialista.

Mas a liberdade de culto, na URSS, não vai durar muito, que mais não seja porque dentro de pouco nem a URSS existirá. Gorbachov propõe uma mudança de nome, para União dos Estados Socialistas Soberanos. Cai a palavrinha sagrada, o soviete. Mas resta uma que não consegue consenso entre os ex-soviéticos: socialismo. Setores mais lúcidos da Desunião Soviética sugerem: União das Repúblicas Euro-Asiáticas. Avante, camaradas! Mais um pequeno esforço mental e ainda verão que a palavrinha união só serve para desunir e é perfeitamente dispensável.

Crise geral de identidade. Na Itália, o Partido Comunista anda em busca de melhor nome. Enquanto não o acham, é tratado como A Coisa, assim com maiúsculas. O que demonstra atroz falta de criatividade dos camaradas italianos, já que poderia ser confundido com uma outra cosa, a Cosa Nostra, se é que não são as duas faces de uma mesma moeda. Enquanto muitos capos mafiosos enfrentaram julgamento e foram condenados, Palmiro Togliatti continua sendo venerado como herói. Acontece que, mais dia menos dia, serão abertos os arquivos do Kremlin, salvo se um incêndio oportuno não for provocado para salvar as biografias das estátuas de pés de barro deste século. Togliatti, como há muito se sabe, foi conivente - se não responsável - com a liquidação do PC polonês e com o assassinato de militantes italianos pelos serviços secretos de Stalin. A Coisa quer então mudar de nome! Qualquer nome, desde que elimine outra palavrinha subitamente fora de moda, comunista. Propõe-se algo como Partido Democrático da Esquerda. Em italiano, Partito Democratico della Sinistra. Ou seja, PDS. As esquerdas tupiniquins já devem estar sofrendo de insônia. Que tal o Lula ou Erundina sendo recebidos, em Roma, pelo PDS? Não vai ser fácil explicar a coisa às bases.

Enquanto A Coisa lá deles continua indefinida, o Líder Máximo da Disneylândia das Esquerdas dá um passo à frente em sua revolução. Mais um pouco e ultrapassa a Albânia, só que em marcha à ré. Lá pelos anos 70, quando a revolução albanesa foi acusada de sequer ter conseguido mecanizar a agricultura, Envers Hodja reuniu seus engenheiros e ordenou a produção de um trator. O que foi feito. Foi gerado um monstrengo quadrado e antediluviano, mas trator. Construída a coisa, provado que o pensamento invencível do Farol da Humanidade era capaz de produzir uma máquina agrícola motorizada, o trator foi posto num museu e os albaneses continuaram arando a terra no rabo do arado.

É o que propõe o caudilho do gulag tropical, ante o corte das generosas verbas moscovitas, já que os russos parecem estar concluindo ser melhor garantir o escasso pão nosso de cada dia do que financiar aventuras ideológicas nas Índias Ocidentais. Sem combustível para tratores, Castro revela que cem mil bois e touros estão sendo preparados para trabalhar no campo dentro de seis meses. Se a situação piorar e for necessário substituir mais veículos e máquinas agrícolas, este número poderá chegar a quatrocentos mil. O que certamente fará as delícias das viúvas do socialismo, um charter a Cuba terá o sabor de uma exótica viagem no tempo, um inesperado tour à Idade Média.

Sem falar nesta humilhação suprema para um touro, puxar um arado. Fosse eu o touro em questão, concitava até bois e vacas para derrubar Castro. Fossem só estes os problemas da ilha, agora órfã da finada doutrina, até que não era nada. Em Cuba começa a faltar papel, drama de todo país socialista, sequer previsto por Marx. Em meus giros pelos regimes comunistas, senti brutalmente a falta de duas coisas, papel higiênico e boa imprensa. Na Romênia, tive de solicitar na portaria de um hotel, não jornais, seria sonhar demais. E sim o prosaico papel higiênico, que o aiatolá Khomeiny autorizava ser substituído por duas pedras, mas afinal nada tenho a ver com Maomé. Uma moça com cara de sargento quis saber quantos dias eu lá ficaria, avaliou minhas trocas metabólicas e me ofereceu uns dois ou três metros, com ares de quem me havia prestado um grande favor.

Como não gosto de julgar uma sociedade a partir de experiências individuais, sempre procuro checar minhas impressões com as de outros viajantes. Ainda há pouco, encontrei uma professora que voltava de Moscou. Estivera hospedada no Cosmos e eu quis saber se a perestroika já havia resolvido este probleminha vil, mas crucial, o do papel higiênico. "Que nada, só com requerimento". O que deve explicar, a meu ver, as tiradas mirabolantes da Pravda.

Mas em Cuba, o que falta é papel-jornal. Ou seja, o higiênico já deve pertencer ao território do anecúmeno. Em meus pagos, nos dias de minha infância, a gauchada usava guanxuma, erva um pouco áspera, é verdade, mas que talvez ainda acabe sendo recuperada nestes dias em que nasce uma nova religião, a ecologia, emergindo já com seus santos e mártires, vide Chico Mendes, obscuro apparatchik lotado na Amazônia e hoje mito pra gringo ver. Na falta de guanxuma, servia a grama. Para os cubanos, ao que tudo indica, só resta o Granma, órgão oficial da Coisa, digo, do Partido Comunista, que não teve vergonha alguma em adotar para seu jornal um nome ianque que, ironicamente, significa vovozinha. Pois a Vovó da Coisa, com o corte de papel de Moscou, capital que não consegue sequer suprir os turistas de papel higiênico, a Vovó, dizia, será o único jornal a ser publicado diariamente em Cuba. Intelectualmente, os cubanos não perderão nada, afinal numa ditadura tanto faz ter um como dez jornais, todos são unânimes. Parece que Castro está preocupado com o "colapso no setor de informações". Charminho de déspota a caminho do desemprego. Preocupados devem estar os cubanos com sua higiene pessoal.

Mas este final de século não nos deixa com fome de surpresas. Pois não é que Castro, do alto de sua ilhota, que hoje pensa voltar a uma agricultura de boi e arado, queria provocar, nada mais nada menos, que uma guerrinha nuclear? É o que nos revela o terceiro volume das memórias de Nikita Kruschov. Em 62, durante a crise provocada pela instalação dos mísseis soviéticos em Cuba (calúnia! - disseram na época os comunossauros), Castro pediu a Kruschov um ataque preventivo contra os Estados Unidos.

Republiqueta açucareira, mas aguerrida! Graças aos Rosenberg, que armaram com segredos nucleares o fascismo eslavo. Este é um dos segredos de Polichinelo revelados por Kruschov. Segundo o líder soviético, Julius e Ethel Rosenberg foram realmente os fornecedores dos segredos da bomba atômica a Moscou, mas por "idealismo", não por dinheiro. O casal foi executado na cadeira elétrica em 53. Mártires do maccartismo, ulularam as esquerdas. Tive uma tia que teria uma visão diferente da coisa: há putas que são tão putas que até dão de graça.

Enquanto isto, o império vai desmoronando. No final de setembro, as Izvestia deixaram de circular por um dia, por falta de papel. Se em Moscou falta papel para propaganda do partido, o tiranete do Caribe já deve estar com as lêndeas de molho. E com Castro, el Africano, todos os intelectuais vendidos que o apoiaram. Desde Sartre - que no Brasil ainda não morreu - até vestais de quinta categoria, tipo Antônio Callado, Chico Buarque, Evaristo Arns, e outras que até me canso em citar.


* Porto Alegre, RS, 13.10.90. No Natal de 91, Gorbachov decretava o fim da União Soviética.

quinta-feira, agosto 18, 2011
 
ESQUERDAS QUEREM CANONIZAR
TERRORISTA CARLOS MARIGHELLA



Comentei, há dois dias, o filme Diário de uma Busca, no qual Flávia Castro faz de seu pai, um celerado pós-64, um herói das esquerdas. Hoje, a Folha de São Paulo anuncia um novo embuste:

Um dia, faz 40 anos, eu estava indo com meu pai para a escola e ele disse: 'Vou te contar um segredo: seu tio Carlos é o Carlos Marighella'. Assim começa o documentário Marighella, de Isa Grinspum Ferraz, com estréia prevista para outubro. Em uma hora e 40 minutos, Marighella desfia a trajetória do ícone da esquerda brasileira que acabou baleado e morto dentro de um Fusca em 1969, em São Paulo.

Segundo Morris Kachani, meio século da história do país pode ser contado a partir dos acontecimentos em sua vida: a gênese do comunismo baiano, mulato, do qual Jorge Amado era partidário; o conflito entre integralistas e comunistas; a legalização do Partidão; a clandestinidade; a frustração com Stálin; o golpe militar e, por fim, a luta armada. O terno titio da história é um dos tantos terroristas que pegaram em armas para transformar o Brasil em uma republiqueta soviética.

Mas o que torna Marighella único é o olhar íntimo que só quem era de dentro da família seria capaz de documentar: "Tio Carlos era casado com tia Clara. Eles estavam sempre aparecendo e desaparecendo de casa. Era carinhoso, brincalhão, escrevia poemas pra gente. Nunca tinha associado o rosto dele aos cartazes de 'Procura-se' espalhados pela cidade", continua a voz em off da própria Isa, que assina direção e roteiro do filme.

Há horas as esquerdas vêm tentando canonizar o santo homem. Em 2008, o grupo gaúcho Oi Nóis Aqui Traveiz encenava, na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, a peça O Amargo Santo da Purificação. Quem é o amargo santo da purificação? Nada menos que o assassino e terrorista baiano Carlos Marighella. Na época, Beth Néspoli, repórter de um jornal que se pretende defensor da democracia e do Estado de direito, o Estadão, fazia a apologia do terrorismo:

Numa das cenas, informações importantes chegam em versos cantados ao som do berimbau numa roda de capoeira da qual Marighella participa, uma de suas paixões, fica-se sabendo então, assim como o carnaval. Nessa fase jovem, a interpretação de Pedro De Camillis humaniza Marighella e faz dele um personagem de forte empatia. Paulo Flores interpreta o político maduro, já engajado na luta armada. O humor popular e picaresco dá o tom no momento do encontro amoroso entre Marighella e sua mulher Clara, vivida por Tânia Farias.

Em novembro de 2009, coube à Folha de São Paulo fazer o hagiológio do terrorista. Em sua coluna, Mônica Bergamo noticiava as homenagens que seriam prestadas por sua família nos quarenta anos de sua morte.

Às 11 horas, Clara Charf, companheira de Marighella, seu filho, Carlos Augusto, e a neta, Maria Marighella, vão distribuir flores e ler um manifesto na altura do número 806 da alameda Casa Branca, onde ele foi morto em emboscada preparada pelos órgãos de repressão. Às 19 horas, a Câmara concederá a ele o título de cidadão paulistano. No próximo dia 7, será aberta a exposição "Marighella Vive", no Memorial da Resistência de São Paulo, com fotos, documentos, cartas e poemas do líder guerrilheiro.

Sobre o “documentário”, anunciado para outubro, declara Isa Grinspum, não por acaso socióloga formada pela USP, a maior e mais antiga escola de comunistas no Brasil: "A idéia é desfazer o preconceito que até pouco tempo atrás havia contra meu tio. Era um nome amaldiçoado, sinônimo de horror. Além da vida clandestina e do ciclo de prisões e torturas, procuramos mostrar também o poeta, estudioso, amante de samba, praia e futebol, e acima de tudo o grande homem de idéias que ele foi".

Que bonitinho! Marighella era então um poeta, estudioso, amante de samba, praia e futebol, e acima de tudo um grande homem de idéias. Desde há muito, filmes de ficção vêm sendo chamados de documentários. Abaixo, reproduzo alguns preceitos do evangelho do santo homem. Que encontrei inclusive traduzido ao sueco nos anos 70 - Liten handbok för stadsgerilla -, quando vivia em Estocolmo.



 
OS SANTOS PRECEITOS DE
SÃO CARLOS MARIGHELLA



Trechos do Manual do Guerrilheiro Urbano, de autoria do amargo santo da purificação:

A característica fundamental e decisiva do guerrilheiro urbano é que é um homem que luta com armas; dada esta condição, há poucas probabilidades de que possa seguir sua profissão normal por muito tempo ou o referencial da luta de classes, já que é inevitável e esperado necessariamente, o conflito armado do guerrilheiro urbano contra os objetivos essenciais:

a. A exterminação física dos chefes e assistentes das forças armadas e da polícia.

b. A expropriação dos recursos do governo e daqueles que pertencem aos grandes capitalistas, latifundiários, e imperialistas, com pequenas exropriações usadas para o mantimento do guerrilheiro urbano individual e grandes expropriações para o sustento da mesma revolução.

É claro que o conflito armado do guerrilheiro urbano também tem outro objetivo. Mas aqui nos referimos aos objetivos básicos, sobre tudo às expropriações. É necessário que todo guerrilheiro urbano tenha em mente que somente poderá sobreviver se está disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão, e se está verdadeiramente dedicado a expropriar a riqueza dos grandes capitalistas, dos latifundiários, e dos imperialistas.

(...)

No Brasil, o número de ações violentas realizadas pelos guerrilheiros urbanos, incluindo mortes, explosões, capturas de armas, munições, e explosivos, assaltos a bancos e prisões, etc., é o suficientemente significativo como para não deixar dúvida em relação as verdadeiras intenções dos revolucionários. A execução do espião da CIA Charles Chandler, um membro do Exército dos EUA que veio da guerra do Vietnã para se infiltrar no movimento estudantil brasileiro, os lacaios dos militares mortos em encontros sangrentos com os guerrilheiros urbanos, todos são testemunhas do fato que estamos em uma guerra revolucionária completa e que a guerra somente pode ser livrada por meios violentos.

Esta é a razão pela qual o guerrilheiro urbano utiliza a luta e pela qual continua concentrando sua atividade no extermínio físico dos agentes da repressão, e a dedicar 24 horas do dia à expropriação dos exploradores da população.

(...)

A metralhadora ideal para o guerrilheiro urbano é a INA calibre .45. Outros tipos de metralhadoras de diferentes calibres podem ser usadas - com o prévio conhecimento, dos problemas de munições. É preferível que o potencial industrial do guerrilheiro urbano permita a produção de um só tipo de metralhadora, para que a munição utilizada possa ser padronizada.

Cada grupo de tiro das guerrilhas urbanas tem que ter uma metralhadora manejada por um bom atirador. Os outros componentes dos grupos têm que estarem armados com revólveres calibre .38, nossa arma "padrão". O calibre .32 também é útil para aqueles que querem participar. Mas o .38 é preferível já que seu impacto usualmente põe o inimigo fora de ação.

As granadas de mão e as bombas convencionais de fumaça podem ser consideradas como armamento leve. Com poder defensivo para a cobertura e retirada.

As armas de carregador longo são mais difíceis de transportar para o guerrilheiro urbano já que atraem muita atenção devido seu tamanho. Entre as armas de carregador longo estão a FAL, as armas e rifles Máuser, as armas de caça tais como a Winchester, e outras.

(...)

A vida do guerrilheiro urbano depende de atirar, na sua habilidade de manejar bem as armas de pequeno calibre como também em evitar ser alvo. Quando falamos de atirar, falamos de pontaria também. A pontaria deve de ser treinada até que se converta num reflexo por parte do guerrilheiro urbano.

Para aprender a atirar e ter boa pontaria, o guerrilheiro urbano tem que treinar sistematicamente, utilizando todos métodos de aprendizado, atirando em alvos, até em parques de diversão e em casa.

Tiro e pontaria são água e ar de um guerrilheiro urbano. Sua perfeição na arte de atirar o fazem um tipo especial de guerrilheiro urbano – ou seja, um franco-atirador, uma categoria de combatente solitário indispensável em ações isoladas. O franco-atirador sabe como atirar, a pouca distância ou a longa distância e suas armas são apropriadas para qualquer tipo de disparo.

(...)

Quando já tem os recursos, o guerrilheiro urbano pode combinar a expropriação de veículos com outros métodos de aquisição.

Dinheiro, armas, munições e explosivos, como também veículos têm que ser expropriados. O guerrilheiro urbano tem que roubar bancos e lojas de armas, e conseguir explosivos e munições onde queira que os encontre.

Nenhuma destas operações se realizam com um só propósito. No entanto quando o assalto é somente pelo dinheiro as armas dos guardas também são tomadas.

A expropriação é o primeiro passo para a organização de nossas logísticas, que por si assume um caráter armado e permanentemente móvel.

O segundo passo é o de reforçar e estender a logística, dependendo das emboscadas e armadilhas em que o inimigo será surpreendido e suas armas, munições, veículos e outros recursos capturados.

Uma vez que o guerrilheiro urbano tem as armas, munições e explosivos, um dos problemas de logística mais sérios que terá em qualquer situação, é encontrar um lugar de esconderijo no qual deixar o material e conseguir os meios de transportá-lo e montá-lo onde é necessitado. Isto tem que ser completado mesmo quando o inimigo estiver vigiando e tiver as estradas bloqueadas.

quarta-feira, agosto 17, 2011
 
STALINISTA DE PLANTÃO DA FOLHA
DEFENDE SAQUES NA INGLATERRA



Desde pequeno entendi que, para ter acesso aos bens deste mundo, é preciso trabalhar. Pelo menos para quem nasceu pobre, como é meu caso. Para quem nasceu em berço de ouro é diferente. As benesses caem dos céus, sem que sequer seja preciso erguer as mãos para pedi-los. O mesmo não pensam os imigrantes contemporâneos, que fogem da miséria de seus países e querem de imediato tudo aquilo que um europeu tem de lutar para adquirir. Houve época em que os famintos do Terceiro Mundo chegavam à Europa perguntando por trabalho. Hoje, a pergunta é outra: quais são meus direitos?

As esquerdas estão vibrando diante da crise financeira de alguns países do Ocidente e dos conflitos em Londres. É como se fosse um terceiro turno após a derrocada do comunismo. Diz Vladimir Safatle, o stalinista de plantão da Folha de São Paulo: “Aqueles que se vêem como excluídos da sociedade não têm razão alguma para obedecer às suas normas”.

Como excluídos da sociedade? Me escreve um leitor que vive em Londres: "Eh de uma inocencia sem fim achar que isso tem algo a ver com o desemprego. Esses "jovens" possuem educacao gratuita, assistencia governamental para moradia, sistema de saude gratuito e bom, dezenas de programas sociais e outras facilidades que beiram o absurdo. Se quiserem estudar em uma universidade, o governo subsidia e eles pagam em suaves prestacoes quando se formarem e se estiverem ganhando uma quantia minima predeterminada. O problema eh que eles tem demais, nunca tiveram que lutar por nada na vida e eh essa barbarie que ira derrubar os paises europeus”.

Prossegue o stalinista de plantão: “Talvez seja o caso de simplesmente dizer que a pauperização e o sentimento de ter sido deixado de lado pelo Estado gera, de maneira forte, a desagregação do laço social. Quando não há nada que sirva de contrapeso a tal processo, é fácil começar a ver carros queimados, lojas quebradas e outros atos de vandalismo”.

Ou seja, se o Estado não me sustenta, tenho plenos direitos a sair queimando carros e depredando lojas. Se não consigo com meu trabalho – ou ócio – ter acesso a computadores, televisores, iPads e iPhones, é simples: basta saquear.

Em fevereiro passado, David Cameron, o primeiro-ministro britânico, em pronunciamento na Conferência de Munique, denunciava o fracasso da política de multiculturalismo em seu país, fazendo um apelo à melhor integração dos jovens muçulmanos para lutar contra o extremismo. Considerava que a adoção pelo Reino Unido de uma política de excessiva tolerância em relação aos que rejeitam os valores ocidentais fracassou. Defendeu “um liberalismo mais ativo, mais musculoso” para defender a igualdade de direitos, o respeito da lei, a liberdade de expressão, a democracia e o reforço da identidade nacional da Grã-Bretanha. “Se nós queremos vencer esta ameaça, creio que chegou o tempo de virar a página de políticas do passado que fracassaram”.

Cameron foi adiante. “Com a doutrina do multiculturalismo de Estado, encorajamos diferentes culturas a viverem separadas umas das outras e do resto da população”. Fez uma distinção entre o Islã enquanto religião e ideologia política dos muçulmanos. “Não é a mesma coisa”. Denunciou ainda a ambigüidade em relação aos valores ocidentais de certos grupos não-violentos que se apresentam como um elo com a comunidade muçulmana, estimando que eles não deveriam mais receber subsídios públicos nem serem autorizados nos campi universitários.

Em suma, o premier disse que o Estado não deve mais financiar seus contestadores. Escândalo nas hostes islâmicas. “Cameron está alimentando a histeria e paranóia em relação aos muçulmanos”, disse Mohammed Shafiq, dirigente da fundação Ramadan. “Os muçulmanos britânicos execram o terrorismo e o extremismo, e trabalhamos duro para erradicar este mal de nosso país, mas sugerir que não partilhamos os valores de tolerância, de respeito e de liberdade é profundamente ofensivo e incorreto”.

Shafiq parece esquecer – ou finge ignorar – que na Inglaterra já existe uma organização chamada Parlamento Muçulmano, cujo primeiro objetivo é recordar aos imigrantes que não estão obrigados a respeitar as leis inglesas: "Para um muçulmano respeitar as leis em vigor no país que o acolhe é algo facultativo. Um muçulmano tem que obedecer a Sharia e ponto", diz sua Carta Constituinte.

Safatle continua: “Pelo menos Cameron mostrou o que o pensamento conservador pode nos oferecer hoje: ladainhas morais em vez de ações enérgicas contra os verdadeiros arruaceiros, ou seja, esses que operam no sistema financeiro internacional. Enquanto isso não ocorrer, jovens roubando lojas de iPads e tênis continuarão dizendo: não aceitaremos estar fora do universo de consumo e sucesso individual que vocês mesmos inventaram. Nós entraremos nele, nem que seja saqueando”.

O stalinista de plantão da Folha está afirmando que os responsáveis pelo quebra-quebra no Reino Unido foram os banqueiros e não os imigrantes ressentidos, em geral africanos e árabes, que vandalizaram Londres e outras cidades. Está afirmando que se a Europa não garantir o direito dos famintos a eletrônicos e outros bens de consumo, estes têm todo o direito de queimar e saquear.

Espanta ver um jornal como a Folha, que se pretende defensora da democracia e do Estado de direito, abrigar em suas páginas tal celerado.



terça-feira, agosto 16, 2011
 
FILHA MENTE SOBRE
A VIDA DE SEU PAI



Comentei, há exatamente um mês, filme que está sendo exibido nas salas de cinema no Brasil, Diário de uma Busca, de Flávia Castro. Segundo a Folha de São Paulo, o filme entusiasmou o público e a crítica franceses.

Para o jornal, “o filme é um mergulho na história pessoal da diretora, que o realizou para entender as condições obscuras da morte de seu pai. Celso Castro foi encontrado morto em 1984, em Porto Alegre, na casa de um alemão suspeito de fazer parte de uma rede de ex-nazistas. (...) Por meio de cartas de Celso, ela conduz o espectador à realidade da clandestinidade, da militância dos jovens que faziam a luta armada no turbilhão da grande história: o Brasil, a Argentina e o Chile dos anos 60 e 70. Paris é a última etapa antes da anistia de 1979, da volta ao Brasil e do drama da morte do pai, em circunstâncias que o filme se presta a tentar elucidar”.

Que tal embuste engane franceses ou paulistas, até que se entende. São jornalistas que não conhecem Porto Alegre e muito menos o que ocorreu naqueles dias. A morte do pai da cineasta não teve mistério algum e nada tem a ver com rede de ex-nazistas. A moça quer transformar um maluco – seu pai – em herói. Já contei, conto de novo.

Vivia em Porto Alegre um velhote, obscuro sargento da Wehrmacht – e não da SS, como foi propalado então – que nada tinha a ver com os crimes do nazismo nem era procurado por nenhum tribunal. Corria a lenda de que teria em seu apartamento um tesouro secreto nazista. Castro e mais um outro bobalhão decidiram assaltá-lo. Após tomar um porre – no Fusca que utilizaram havia uma garrafa de uísque quase vazia – invadiram o apartamento do alemão. Quem os recebeu foi sua mulher, que foi agredida. O velhote reagiu com uma bengala.

Em meio a isso, foi disparado um tiro, que não feriu ninguém. Mas alertou os vizinhos, que chamaram a polícia. Encurralados, Castro e seu assecla se suicidaram. Um matou o outro e depois se suicidou. Dois militantes de esquerda assassinados no apartamento de um nazista, foi a primeira versão a correr nos jornais. Primeira pergunta: que faziam dois militantes de esquerda no apartamento de um nazista? O caso acabou sendo encerrado por Luís Pilla Vares – jornalista da Zero Hora, também trotskista – conhecido por seu itinerário intelectual de Trotsky a Sirostky. Pilla atestou o duplo suicídio e o episódio foi abafado.

Flávia Castro pode enganar os franceses, mas não engana quem viveu em Porto Alegre na época. O duplo suicídio foi uma besteira de dois desvairados que acreditavam na lenda de gibi de um tesouro secreto nazista. Até aí, estamos no território da vigarice intelectual, e vigarice intelectual nunca foi crime no Brasil.

O que espanta é ver um jornalista gaúcho, que vive na geografia e história dos fatos, engolir tais potocas. Um amigo me envia recorte da Zero Hora, no qual Daniel Feix escreve:

Uma das melhores e mais emocionantes crônicas do exílio produzidas pelo cinema nacional – para o mestre do documentário João Moreira Salles trata-se da melhor – Diário de uma Busca estreou em cartaz esta semana no CineBancários e no Cine Santander. O filme, que foi premiado em Gramado, no Rio, em Biarritz e em Punta del Este, está começando sua carreira no circuito brasileiro por Porto Alegre. A estreia em outras cidades será no dia 26.

Isso porque Diário conta uma história porto-alegrense – com abrangência e interesse internacionais. No filme, a diretora Flávia Castro investiga a misteriosa morte de seu pai, Celso Afonso Gay de Castro, ocorrida em 4 de outubro de 1984. Jornalista e militante de esquerda que viveu muitos anos fora do país fugindo dos militares, ele tinha 41 anos à época.

A versão inicial da polícia era de que Celso e seu parceiro Nestor Herédia (que também morreu no local) invadiram o apartamento do alemão e ex-cônsul do Paraguai Rudolf Goldbeck, localizado na Rua Santo Inácio, no Moinhos de Vento, para um assalto. Foram encurralados e, por isso, teriam se suicidado.

O caso, no entanto, nunca foi totalmente esclarecido. Flávia e alguns familiares, sobretudo o seu irmão João Paulo, o Joca, vão fundo na história em busca de respostas. Ouvem amigos de Celso, outros militantes, policiais, peritos e repórteres que investigaram o caso, além de vasculhar documentos e visitar locais onde ele morou no Chile, na Argentina, na Venezuela e na França. Só deparam com mais dúvidas.


Vamos por partes. É preciso ser muito desinformado para escrever tais bobagens. Não se trata de “uma das melhores e mais emocionantes crônicas do exílio produzidas pelo cinema nacional”. E sim de uma das maiores mentiras do exílio produzidas pelo cinema nacional. Os exilados sempre contaram mentiras, tanto na Europa como na volta, numa tentativa canhestra de justificar suas vidas estúpidas. Todo marxista é, ipso facto, um mentiroso. A mentira é uma segunda natureza de todo comunista.

Disto não escapou Celso de Castro que cumpriu o que chamávamos em Paris de la grande randonée. Derrotadas no Brasil, as esquerdas foram fazer a revolução na Argentina. Derrotadas na Argentina, foram apoiar o marxista Allende no Chile. Derrotadas no Chile, migraram para Portugal, para apoiar um outro maluco, Otelo Saraiva de Carvalho.

A Celso, só faltou este último passo. De repente, até virou jornalista. Eu o conheci e vivi em sua época. Não tenho notícias de que tenha trabalhado em qualquer jornal de Porto Alegre. Vasculhar documentos e visitar locais onde ele morou no Chile, na Argentina, na Venezuela e na França podem até render um filme com vocação turística, mas jamais trará alguma luz ao gesto de dois malucos, que estavam bêbados na hora do crime.

Não vi o filme nem pretendo vê-lo. Mas, pelo que leio nos jornais, a vítima é fotografada como um nazista, fato que ninguém provou. E os criminosos são vistos como heróis, sabe-se lá de qual causa.

Nunca foi tão fácil mentir. O século foi perpassado de biografias mentirosas, como as de Lênin, Stalin, Mao, Luís Carlos Prestes, Castro, Che Guevara. O triste nisto tudo é ver uma filha mentindo descaradamente para resgatar a vida estúpida do próprio pai.