¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, fevereiro 29, 2008
 
NOCHES DE BODA

Joaquin Sabina


Que el maquillaje no apague tu risa,
Que el equipaje no lastre tus alas,
Que el calendario no venga con prisas,
Que el diccionario detenga las balas,
Que las persianas corrijan la aurora,
Que gane el quiero la guerra del puedo,
Que los que esperan no cuenten las horas,
Que los que matan se mueran de miedo.

Que el fin del mundo te pille bailando,
Que el escenario me tiña las canas,
Que nunca sepas ni cómo, ni cuándo,
Ni ciento volando, ni ayer ni mañana
Que el corazón no se pase de moda,
Que los otoños te doren la piel,
Que cada noche sea noche de bodas,
Que no se ponga la luna de miel.

Que todas las noches sean noches de boda,
Que todas las lunas sean lunas de miel.
Que las verdades no tengan complejos,
Que las mentiras parezcan mentira,
Que no te den la razón los espejos,
Que te aproveche mirar lo que miras.

Que no se ocupe de ti el desamparo,
Que cada cena sea tu última cena,
Que ser valiente no salga tan caro,
Que ser cobarde no valga la pena.

Que no te compren por menos de nada,
Que no te vendan amor sin espinas,
Que no te duerman con cuentos de hadas,
Que no te cierren el bar de la esquina.

Que el corazón no se pase de moda,
Que los otoños te doren la piel,
Que cada noche sea noche de bodas,
Que no se ponga la luna de miel.

Que todas las noches sean noches de boda,
Que todas las lunas sean lunas de miel.

 
ASTRÓLOGO LOUVA MALAFAIAS


Do leitor Darke Mayer Goulart recebo:


Janer, essa eu precisava compartilhar, no melhor espírito cristão. Não sei se tu conheces um pastor televisivo chamados Silas Malafaias. Acho que ele é da Assembléia de Deus, pelo que achei via Google (portanto, concorrente do Edir Macedo e do R.R. Soares, os outros "chefões" do evangelho televisivo no Brasil). Ele segue a agenda evangelica tradicional: pedir dinheiro, orar, pedir dinheiro, condenar o homossexualismo, pedir dinheiro, exorcizar o Diabo, pedir dinheiro e, quando volta do intervalo, pedir mais dinheiro. Aleluia.

Pues não é que o nosso amigo Astrólogo e Arauto do Foro de São Paulo é um admirador do "trabalho" do bom Silas? Ele o confessou num dos seus talk shows (acho que de janeiro), que por falar nisso é uma das coisas mais engraçadas atualmente disponíveis na internet. Uma mistura de aula esotérica, análises políticas e aula de catequese, tudo regado a palavrões a la Alborghetti. Ele disse que conhecia o trabalho do Malafaias e o achava "muito importante", "um trabalho belíssimo". Pelo visto, o Walter Mercado de Bananópolis já anda estudando como garantir a aposentadoria através do trabalho "muito importante" de extorquir dinheiro abusando da fé popular em cadeia nacional. Sei lá, daqui a pouco ele começa a pedir doações em nome de Jesus no talk show dele... aguardemos para ver.

PS: Olavo é mesmo uma figura. Ele acha que as pessoas têm preconceito contra a "maneira de falar" dele, que se ele fosse mais educadinho iriam dar ouvidos às bobagens dele. Ora, ele diz: "não tenha a menor dúvida de que o Diabo é uma figura real e presente no nosso mundo", e ainda quer que alguém o leve a sério? Para ele não ter a menor dúvida de que o Diabo é uma entidade real e presente no nosso mundo, ele deveria ter "arquievidências" disso, mas até hoje tudo o que ele apresentou foram as teorias conspiratórias de sempre, que são melhor explicadas pela boa e velha estupidez humana do que por entidades cósmicas malignas. Acho que é "arquievidente" que o Olavo andou lendo Eric Voegelin demais e acreditou em cada palavra do paranóico germano-americano.

quinta-feira, fevereiro 28, 2008
 
REENCONTROS



Nos anos de minha adolescência, havia em Dom Pedrito um maluco que se postava à frente da igreja nos dias de casamento. Maluco mas não muito. Ficava o tempo todo dizendo: “é hoje. É hoje”. Só saía da porta da igreja se lhe pagassem algo.

Uma das boas coisas da vida são os reencontros inesperados em insuspeitadas geografias. Tive muitos desses reencontros e deles lembro com ternura. Começo pelo primeiro. Deles deduzi uma lei, que chamaria de Lei de Cristaldo: todos os encontros são possíveis, desde que as pessoas se desloquem.

Nos dias de universidade, anos 60, quando já namorava minha Baixinha, encontrei na colônia de férias da URGS uma menina adorável. Ela teria doze ou treze anos e nos apaixonamos. De manhã, eu ia para a praia com minha Baixinha. À tarde, com ela. À noite, íamos juntos para os bares. Vai daí que o pai da pivetinha descobriu a história e não gostou daquele estranho trio. Prendeu a menina em casa e cortou todo contato comigo. Fiquei sem telefone nem endereço.

Corto para 71, Estocolmo. Freqüento aulas de sueco numa rua lateral ao Kungsträdgården, uma belíssima praça que, em língua de gente, quer dizer Jardim do Rei. É pleno inverno. Estou saindo da aula e a vejo no café da praça. Junto com um varão. Fui me aproximando lentamente, ela me assestou uma máquina fotográfica, parei, ela me fotografou, continuei, me aproximei dela e sem dizer palavra a beijei. O macho ao lado ficou inquieto. Normal, era seu marido. Disse então o que jamais me imaginei dizendo: “que bom encontrar brasileiros no Exterior, precisamos manter contato, me dá teu telefone”.

Ela deu, para desconforto do bruto. Dia seguinte, telefonei. Não foi fácil, ela estava com o marido ao lado. Propus: nos encontramos amanhã, às dez horas, no mesmo local. Diz apenas sim ou não. Ela disse sim. Dia seguinte, lá estava eu. Cheguei às dez. Ela já me esperava há meia hora, enregelada em um banco coberto de neve. Nos abraçamos com um carinho há vários anos contido. Fui caminhando como quem não quer nada até meu apartamento. Quando ela percebeu onde estava chegando, exclamou: “vais fazer isso comigo?”

Vou. Hoje, nem Deus te salva, respondi. Não salvou. Deus pode até ser onipotente. Mas às vezes falha. Cobrei - y con creces, como dizem os espanhóis - o que me era devido.

Anos 70, Porto Alegre. Uma de minhas namoradas me pede um favor. Uma amiga está chegando do Rio, para os Jogos Universitários, e não tem onde parar. Poderia ficar em teu apartamento? Claro que pode. A carioca ficou cinco dias lá em casa. Tinha uma preocupação, comprar botas. Para que queres botas no Rio? Não é para o Rio, quero ir à Europa. Já tens passaporte, passagem? Nada disso, primeiro eu quero as botas. Ok! Sem acreditar muito na viagem da moça, indiquei as lojas onde havia botas.

Corto para 70 e pico largo, como dizem os gaúchos. Em Amsterdã, fui a uma agência da Varig para marcar passagem. Na entrada, uma mulher divina, com casaco de peles, botas longas até o joelho e um chapéu de astracã, me abre os braços e me beija. Nossa – pensei – os serviços da Varig estão cada vez melhores. Nada disso. Era a menina que um dia recebi em Porto Alegre. Depois disso, marcamos encontro em Genebra. Claro que não deu certo. Encontro marcado é mais difícil.

Em Florianópolis, tomava um dia um cafezinho na Felipe Schmidt, no Senadinho. Frente a mim havia um personagem insólito. Perfil cervantino, boina basca e uma saharienne azul índigo. Ah! Não poderia deixar de abordar aquela figura exótica. Era um uruguaio, professor de História na Universidade Federal de Santa Catarina. Nos tornamos grandes amigos.

Corto para Madri, 87. Estou saindo do Gijón, com minha Baixinha. Sei lá porque, estava atravessando a Recoletos. Já falei do Gijón. Foi o café que sempre me impediu de pesquisar na Biblioteca Nacional da Espanha. Quando eu ia rumo à biblioteca, estava o Gijón a meio caminho. Não conseguia resistir. Ficava no Gijón e não conseguia atravessar a Recoletos. Bom, nesse dia, sei lá por que estranhas razões quis atravessar o Paseo de Recoletos. Mal boto o pé na faixa zebrada, Aníbal Abadie encosta em mim. Em nosso último encontro em Florianópolis, havíamos começado uma discussão que não chegara ao fim.

Lembrei de Fray Luís de Leon, professor da Universidade de Salamanca, condenado pela Inquisição a cinco anos de cárcere, por ter traduzido a Bíblia ao espanhol. Ao voltar à universidade, em sua primeira aula, disse o frei: “Como decíamos ayer...” Foi o que disse a meu amigo uruguaio. E continuamos, como se tivéssemos nos despedidos ontem, aquela nossa charla de anos atrás. Minha Baixinha, que olhava para o lado quando ele me abordou, ao voltar o olhar não entendeu o que estava acontecendo. Como eu voltaria a Madri alguns dias depois, marcamos encontro. Claro que não deu certo. Encontro marcado é mais difícil.

Lisboa, 1977. Embarquei no Eugenio C para cumprir uma bolsa em Paris. O navio atracou por seis horas no porto, o que me deixava algum tempo para revisitar a cidade. Ao sair do porto, vejo um casal do outro lado da rua. Olhei aleatoriamente para a mulher. O luso deu um berro – filho-da-puta! – e veio para cima de mim. Confesso que fiquei apreensivo. Não era luso coisa nenhuma. Era um antigo colega de jornal em Porto Alegre, o Clóvis Camargo Ott, que se exilara em Lisboa. Ao reconhecê-lo, pendurei-me no pescoço dele. Confraternizamos, mas não muito. O Eugenio continuava viagem.

Voltei a reencontrá-lo em Lisboa, anos mais tarde. Tomamos grandes porres, e um muito especial na Tasca do Chico, em Sintra. Chico não é o proprietário. E sim um garnizé. Que pulava em meu joelho, depois em minha cabeça e depois para sua gaiola. Falar nisso, vinte anos depois voltei à Tasca do Chico. Claro que o Chico não mais estava lá. Sentei sob sua gaiola e me pareceu ouvir uma espécie de crocitar. Ruídos fantasmas, pensei. Deveria ser minha memória que me fazia voltar no tempo. Mas os ruídos se repetiram. E o Chico saiu debaixo da mesa, pulou em minha perna, pulou na cabeça e entrou na gaiola. Seria certamente um neto do Chico original. Mas conservava nos gens os hábitos do Chico.

Corto para anos 80, Florianópolis. Eu caminhava pela praia da Barra da Lagoa, com um amigo gaúcho, e comentava exatamente este episódio de Lisboa. Foi quando recebi um forte chute no traseiro. Era o Clóvis. Todos os encontros são possíveis, desde que as pessoas se desloquem. Clóvis, eterna criança, morreu no ano passado.

Aconteceu há pouco. Ou há muito. Há uns bons vinte anos, namorei uma menina que muito quis, a mulher deste meu amigo. Circunstâncias da vida nos afastaram. Viajei, mudei de cidades, ela ficou em sua geografia. Há uns sete ou oito anos, reencontrei-a de maneira trágica. Eu estava no bar da casa Mário Quintana, em Porto Alegre. Estive ao lado dela, ela conversava com alguém, estava linda e igual àquela que um dia conheci, seu rosto sempre luminoso. Eu estava à sua frente, ela não me reconhecia. Pior ainda: tive uma pane mental e não lembrava de seu nome. Sabia perfeitamente quem era, mas naquele instante me faltava o nome. Como posso me aproximar dela - me perguntei - e ter de admitir que esqueci como se chamava?

Nestes dias, minha mente foi assaltada por canções mexicanas:

Mira como ando mujer,
por tu querer,
borracho y apasionado,
no más por tu amor.
Mira como ando mi bien
Muy dado a la borrachera
Y a la perdición.


Passei por sua mesa, fui até a sacadinha do bar, voltei e permaneci parado por alguns segundos. Quem sabe ela me reconhece e me diz "oi'. Chegou a me olhar, mas não me viu. Minhas barbas já estavam brancas. Os cabelos, que os tive hirsutos, já rareavam. Sobrava apenas uma resistência organizada no alto da testa. Um pouco antes, eu havia tropeçado com um antigo colega de jornal. Ele esbarrou em mim, me pediu desculpas e não me reconheceu. Virei fantasma, pensei. Me senti irremediavelmente velho naquele dia.

De domingo a domingo,
te vengo a ver.
Cuándo será domingo,
Cielito lindo,
para volver?


Instantes de bobeira. Me arrependi amargamente de não a ter abordado. Mas o momento havia passado e passado não volta. Pensei tê-la perdido para sempre. Eis senão quando ela me encontra pela Internet. Já no primeiro mail, fui tomado por gigabytes de ternura. De repente voltou – e voltou com força – uma antiga paixão não muito bem consumada. Eu, que considerava que aos 60 não há mais espaço para esses transportes, estou perplexo. Virei guri novo. Nestas últimas semanas, tenho contado angustiadamente os dias que me faltavam para abraçá-la. Já nem consigo ler. A lembrança de seu sorriso embaralha minhas leituras. “Gostavas de me beijar no pescoço”. Sim, ela tinha um pescoço que pedia imperiosamente beijos. Lembro Agostinho: "meu coração está inquieto enquanto não repousa em Vós, ó Senhor(a)".

Tres días sin verte mujer
tres días llorando tu amor
tres días que miro el amanecer.
No más tres días te amé
y en tu mirar me perdí
y hace tres días que no sé de ti.


Virei perdidamente mariachi.
Ela está chegando.
E é hoje.

quarta-feira, fevereiro 27, 2008
 
FIM DO SOCIALISMO NO BRASIL?



Leio que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) aprovou ontem a liberação gradual das tarifas dos vôos que saem do Brasil com destino aos 12 países da América do Sul: Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. A medida será publicada no Diário Oficial da União ainda esta semana e entrará em vigor a partir do dia 1º de março de 2008.

Segundo a notícia, a resolução da ANAC vai corrigir uma distorção que existe atualmente entre os valores das passagens cobradas no Brasil e nos demais países sul-americanos que já têm as tarifas liberadas, como Argentina, Chile e Peru.
Por exemplo, hoje uma passagem Buenos Aires - São Paulo na classe econômica pode custar apenas US$ 205 se comprada na Argentina, enquanto a rota oposta (São Paulo - Buenos Aires), adquirida no Brasil, pela mesma companhia, não sai por menos de US$ 405 – um valor 97% maior. Já uma passagem de Santiago para o Rio de Janeiro, adquirida no Chile, hoje sai por US$ 332, enquanto a passagem para o vôo de volta comprada no Brasil, pela mesma companhia, ficaria em US$ 441 – mais 33%. Em períodos de promoções agressivas, essas diferenças já chegaram a mais de 800%, com a passagem adquirida na Argentina sendo oferecida por US$ 29 e no Chile por US$ 49.

Faz quase quarenta anos que viajo. Sempre evitei companhias nacionais. Particularmente a Varig, que detinha o monopólio das linhas aéreas no Brasil. Viajar pela Varig era sinônimo de pagar caro. Se alguma empresa estrangeira oferecia vôos baratos para o Exterior, a Varig se queixava junto aos milicos e no outro dia a empresa estrangeira era vetada de operar no Brasil. Sempre detestei a Varig e saudei sua morte com alegria.

Naqueles dias, muitas vezes fui ao Paraguai ou à Argentina para voar para a Europa. As Linhas Aéreas Paraguaias (LAP), por exemplo, ofereciam vôos pela metade de preço dos oferecidos no Brasil. Como não podiam pegar passageiros em território nacional, tínhamos de ir até Asunción para pegar o vôo. Como o avião saía já lotado de São Paulo, não havia porque aterrissar em Asunción. O avião sobrevoava a cidade e embicava para a Europa.

Mas o monopólio persiste. Brasileiro paga caro para voar só porque vive no Brasil. Ano passado, minha filha voou de Londres a Paris por dez euros. Menos de trinta reais. Hoje, se você quiser ir de São Paulo ao Rio, paga por ida e volta pelo menos 424 reais. Voar, na Europa, hoje está saindo mais barato que viajar de trem. Nem dá para comparar com Brasil, pois há muito o Brasil renunciou ao trem.

Gosto de trens. De trens europeus, bem entendido. Ano passado, pensei ir de trem de Barcelona até Madri. Seriam nove horas de viagem e custava algo em torno a 110 euros. Por 70 euros e hora e meia de viagem, eu chegava de avião em Madri. Ora, por mais que eu gostasse de trem, seria idiota viajar de trem.

A ANAC decidiu também pela criação de um grupo de trabalho para estender a liberação tarifária a todos os vôos internacionais que saem do Brasil. O grupo tem prazo inicial de 90 dias para apresentar uma proposta para a Diretoria.

Estaremos saindo do socialismo e entrando em um saudável regime capitalista, onde a concorrência é livre? Não consigo acreditar.

 
PARA QUEM CURTE



De uma comunidade no Orkut sobre ópera,
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=3065,
filei estas dicas:

"A cavalgada", com Levine:

http://www.youtube.com/watch?v=ClLnqYq62qM

O dueto da Walküre com Norman e Thomas:

http://www.youtube.com/watch?v=Ns19zYIDgKQ

Windgassen no Parsifal:

http://www.youtube.com/watch?v=p1JdPgoDprs

Flagstad cantando o Hojotoho,esse é um clássico!

http://www.youtube.com/watch?v=tAo_fTiZ2hY

Lohengrin in concert,com Grümmer como Elsa:

http://www.youtube.com/watch?v=3_iCcR7CZBo

O final da Walküre com Jerome Hines:

http://www.youtube.com/watch?v=CoHcXEGccl4"

Excertos do Meistersinger, com Böhm, na Alemanha nazista:

http://www.youtube.com/watch?v=KZaGKWjTRQI

Melchior canta o Winterstürme no filme hollywoodiano Luxury Liner:

http://www.youtube.com/watch?v=yrfbaXPFHfQ&search=wagner

Três excertos de uma recente montagem do Holländer:

http://www.youtube.com/watch?v=vtPp2huIyuE

http://www.youtube.com/watch?v=8TB3TmXQcMk

http://www.youtube.com/watch?v=ZJIfc8VUVG

Stehe still, do Wesendonck Lieder, com Norman:

http://www.youtube.com/watch?v=KBced-CwPyE

Dich teure Halle com Rysanek:

http://www.youtube.com/watch?v=GnDxPC2OKv8

A maldição de Isolde com G.Jones:

http://www.youtube.com/watch?v=_J8TSOrjcrk

A maldição de Isolde com Nilsson:

http://www.youtube.com/watch?v=vQL2n_ndVLw"

Muito legal:

http://www.youtube.com/watch?v=473lv1d0Bcg&search=parsifal - CORAL DO PARSIFAL

E AGORA VAI O VÍDEO DO ANO:

http://www.youtube.com/watch?v=2evftRlYFrA&search=parsifal

Vídeo em homenagem à Rysanek, desde a década de 50 à década de 90, EXCEPCIONAL!!!!!!

BIRGIT NILSSON

MACBETH - Una macchia è qui tuttora
http://youtube.com/watch?v=nPFCMa8CUPE&search=birgit%20nilsson

DIE FRAU OHNE SCHATTEN - Final do Ato 2
http://youtube.com/watch?v=QYcRIGvU5Fg&search=birgit%20nilsson

TRISTAN UND ISOLDE - Mild und leise
http://youtube.com/watch?v=NR2bOKcivGs&search=birgit%20nilsson

TRISTAN UND ISOLDE - Wie lachend sie mir Lieder singen
http://youtube.com/watch?v=vQL2n_ndVLw&search=birgit%20nilsson

TURANDOT - In questa reggia
LA WALLY - Ebben... Ne andrò lontana
http://youtube.com/watch?v=gW2sry7rQIg&search=birgit%20nilsson

TURANDOT - In questa reggia
http://youtube.com/watch?v=UsgmGKgcF38&search=birgit%20nilsson

BASTIDORES - Humor na gravação histórica de O Anel do Nibelungo, com Solti.
http://youtube.com/watch?v=GI1F7ziJIEo&search=birgit%20nilsson

terça-feira, fevereiro 26, 2008
 
BRASILEIRO E PANACA



Veja é uma revista curiosa. Tem excelentes reportagens e ao mesmo tempo abriga cronistas medíocres. Já nem falo do recórter chapa-branca tucanopapista hidrófobo, que nesta última edição assina um artigo estúpido, onde afirma que as origens do PT estariam na Cuba de Castro. Pelo jeito, desconhece a história do século passado. As origens do PT não estão em Cuba, mas em 1917. Como também os últimos dez lustros de Cuba.

Mas o artigo besta mesmo desta vez é outro. É o de Stephen Kanitz. Há muito eu desconfiava de seus artigos. São reflexões inconclusivas, sempre em cima do muro, que não conduzem a lugar nenhum. No artigo desta semana, “O suplício das malas”, o homem se exibiu em toda sua miséria. Apesar de suas pretensões de cosmopolita, revelou-se um brasileiro atroz.

Quando estou em um aeroporto, em qualquer lugar do mundo, e vejo alguém com quatro ou cinco malas imensas em um carrinho, tento me aproximar dele só para comprovar uma tese: só pode ser brasileiro. Jamais errei. O panaca sempre é brasileiro. Até pode ser que sejam de outras nacionalidades. Tem muito árabe que faz isso. Mas os que sempre vi, de modo geral, são gente nossa.

Escreve o provinciano cronista:

“Depois de doze horas viajando num avião a 12 000 metros de altura, seu corpo está cansado, sua cabeça está zonza, devido ao fuso horário, e seus reflexos diminuem. Seu corpo está ligeiramente inchado, reduzindo sua força, medida por centímetros cúbicos de massa muscular. Provavelmente, você está ligeiramente desidratado, o que limita sua capacidade na troca de calor. Daqui a alguns minutos, quatro malas virão em sua direção a 10 quilômetros por hora, e você terá cinco décimos de segundo para capturar suas alças e com um forte solavanco levantar de 25 a 32 quilos no ar, numa espetacular explosão de energia, e, finalmente, colocar as malas, uma a uma, a seu lado. Só que, na maioria das vezes, você erra na coordenação motora e só consegue capturar a bendita alça quando a mala já está fugindo de você, na direção contrária. Isso significa 20 quilômetros por hora de diferença. Ao todo, você despenderá 1 280 joules de energia em menos de um minuto”.

Kanitz transcreve as preocupações de um cirurgião, Antonio Luiz Macedo, que considera que a vida sedentária dos aposentados está aumentando assustadoramente o número de lesões internas devido a esses heróicos atos de bravura. Dias depois surgem os primeiros sinais de hérnias inguinais, dores musculares, luxações, microrrompimento de tendões, que passam despercebidos e muitas vezes terminarão em cirurgias.

Atos de bravura? De estupidez, diria eu. Eventuais leitores que assim viajam que me desculpem. Quatro malas de 25 quilos significa cem quilos. Quatro malas de 32 quilos quer dizer 128 quilos. Ora, quem viaja com tal volume, ou é sacoleiro ou é idiota. O sacoleiro até que entendo, ele está tratando de sua subsistência. O outro, bem que merece uma hérnia.

Em minhas viagens, levo no máximo oito quilos. Um jeans na mala, outro no corpo. Mais quatro ou cinco camisas, cuecas e meias, e não vejo porque levar mais que isso. Nos invernos, o casaco levo no corpo. Sapatos, apenas um par, os que estou usando. Ok! Admitamos que alguém queira se vestir melhor durante a viagem. Mas quatro malas de 25 quilos é loucura. Quem assim viaja não é pessoa inteligente.

“Não são as companhias aéreas as culpadas pelas esteiras – escreve o cronista caipira -. São os aeroportos, que estão economizando e destruindo ainda mais o turismo receptivo deste país, hoje dominado por aposentados do mundo inteiro, sem mordomos nem ajudantes de bordo para auxiliá-los. Se o Brasil quiser fazer bonito na área de turismo e hospitalidade, se quiser receber os turistas aposentados do mundo, cheios da grana, mas sem energia, vamos ter de humanizar os aeroportos na chegada e na saída, lembrando que mala de 32 quilos não é para qualquer um levantar”.

Ora, em boa parte deste nosso mundinho, não há mais mordomos nem ajudantes de bordo para auxiliar este tipo de gente. Isso de 32 quilos é coisa de brasileiro panaca. O arguto cronista revelou-se um deles.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008
 
SOBRE PICO DELLA MIRANDOLA E A
PERICULOSIDADE DOS ASTRÓLOGOS




Pico della Mirandola (1463-1494) é um dos mais eruditos personagens do quattrocento italiano. Nasceu em Florença e viveu vida breve porém agitada. De inteligência muito precoce, aos 14 anos, quando estudava Direito Canônico em Bolonha, escreveu um compêndio intitulado Decretais. Estudou grego, árabe, hebreu e caldeu para poder entender a Cabala, o Corão, os Oráculos caldeus e os diálogos de Platão, no original. Perseguido pela Inquisição por suspeita de heresia, em função de sua obra Conclusiones philosiphicae, cabalisticae et theologicae, teve de refugiar-se em Paris, onde acabou sendo detido. Libertado por Carlos VIII, voltou à Florença onde aprofundou seus estudos bíblicos, escrevendo o Heptaplo, uma análise do Gênesis. Antes de morrer, escreveu uma obra colossal, Disputationum in astrologiam libri duodecim (Disputações contra a Astrologia), na qual defende a impossibilidade de uma ciência dos astros como investigação das leis dos fenômenos celestes.

Reproduzo verbete do Diccionario Literario Bompiani:

“A astrologia parte do pressuposto que o universo celeste e terreno formam um todo orgânico. Como os astros e o céu são mais sensíveis e mais fiéis, neles é onde melhor se pode conhecer os fatos humanos já acontecidos e a previsão ou causa de novos fatos. (...) Contra isto, Pico expõe uma série de argumentos. Um dos principais é o de assegurar que os filósofos sempre condenaram a astrologia, que tampouco encontra apoio na opinião corrente porque carece de coerência lógica e porque amiúde degenera em absurdos e em discussões inúteis. Além disso, a Igreja e a religião tampouco podem estar de acordo com os juízos da astrologia, razão pela qual a autoridade religiosa, além da civil, sempre a condenaram. O argumento mais forte é o predileto do autor, o da dignidade do homem, livre árbitro de seu próprio destino. Repugna pensar que o homem, ser espiritual, esteja fatalmente determinado pelos astros, que são seres materiais. Acrescenta que, embora acontecesse inevitavelmente o que se prevê interrogando os astros, seria melhor não o prever, donde se concluí que a Astrologia é uma ciência inútil. (...) Pico se apóia em São Paulo que opõe a religião à astrologia como a luz às trevas. E por fim, se o influxo dos astros é real e eficaz, por que razões dois gêmeos nascidos na mesma hora ou pelo menos concebidos no mesmo instante, têm diferente destino? Isso significa que, sem dúvida, o influxo dos céus é muito vago e indistinto e portanto não são estes a causa dos acontecimentos humanos, que dependem de muitos outros motivos particulares”.

É espantoso observar que, cinco séculos mais tarde, ainda existam malabaristas intelectuais que pretendem conciliar astrologia com filosofia e religião. Mas não era disto que pretendia falar. E sim de uma hipótese lançada pelo El País, sexta-feira passada. Segundo o jornal espanhol, della Mirandola não teria morrido de doença, mas assassinado, por ter indicado em sua obra que a astrologia era uma arte adivinhatória e não uma ciência.

Assim pensa o professor italiano Silvano Vicenti, a partir da leitura de uma carta inédita e anônima, dirigida ao filósofo Marsilio Ficino. “Pico se transformou em vítima. Seu livro assumirá mais importância. Pico tinha dúvidas em publicá-lo, agora seu herdeiro se sentirá no dever de fazê-lo. Este livro deve desaparecer. Encontra-o”. O fato de não considerar a astrologia como uma ciência, mas como uma arte adivinhatória, teria causado um grande mal-estar na sociedade de fins do século XV, quando era considerada uma ciência perfeita.

Vicenti conjetura que seu assassinato foi ordenado por Piero di Medici, filho de Lorenzo El Magnífico. Esta tese poderá ser confirmada se as análises de DNA feitas nos restos do pensador, enterrado na Igreja de São Marcos, em Florença, resultarem positivos para as provas toxicológicas, já que uma das hipóteses é que tenha sido envenenado com arsênico. Uma equipe de cientistas começou a realizar os exames no princípio deste fevereiro.

Eu, que só via periculosidade nos ornitólogos, vejo que nem só ornitólogos são perigosos.

domingo, fevereiro 24, 2008
 
SOBRE MEU DOMINGO



Aos sábados e domingos, minha rotina começa em um dos botecos de meu bairro, o Prainha. Simpático, quase um clubinho, não tem nada demais. Mas sempre há um bom chope e uma boa caipira. Dedico uma ou duas horas à leitura de imprensa de fim de semana, que sempre é mais farta que a imprensa da semana. São os únicos dias em que uso celular. Permaneço em estado randômico, à espera de com quem vou almoçar.

Bueno, estava hoje eu em meu boteco, já havia lido o Estadão e começava a folhear a Veja, cuja capa é um dos grandes momentos do jornalismo nacional: sob a silhueta de Fidel, a manchete: JÁ VAI TARDE.

Tarde mesmo. Foi quando fui abordado por uma pesquisadora.
- Você leu o Estadão?
- Li.
- Achou eficaz a publicidade das casas Bahia?

Que casas Bahia? Eu não havia visto nada. Ela abriu meu jornal. Só no primeiro caderno havia cinco páginas com anúncios de cinco colunas das ditas casas. Juro: eu não havia visto nenhum.

- O que você achou do anúncio do novo Subaru?

Que Subaru? Alguma nova espécie de sanduíche? Seja como for, eu não achava nada porque nada havia visto. Ela abriu de novo o jornal. Havia anúncio de página inteira. Fiquei então sabendo que se tratava de um carro. Ela continuou me interrogando, entre outras coisas sobre a CVC, uma agência de turismo. Tinha anúncio de página inteira, mas eu também não o havia visto. Em todo caso, a CVC eu sabia o que era. Faz turismo de massa, junta em pacotes essa brasileirada infame com espírito de rebanho e os joga em cruzeiros animados pelo Roberto Carlos ou similares. Sim, a CVC eu conheço – respondi –. Tanto que jamais viajarei por ela.

Não vejo publicidade em jornais. Nem na Internet. Não é que não queira ver. É que não vejo mesmo. É como se os anúncios permanecessem em um ponto cego de minha visão. Todo o dinheiro que as empresas investem em publicidade, pelo menos no que a mim diz respeito, é dinheiro jogado fora. Par contre, certos pequenos detalhes de uma reportagem me atingem com força.

Por exemplo, um artigo de Sérgio Augusto sobre o Kosovo. Sempre leio todos os cronistas de um jornal, e particularmente os medíocres. Do Sérgio Augusto, sempre desconfiei de sua erudição arrogante. Como também sempre desconfiei dos jornalistas que assassinam ou mutilam o pronome reflexivo. Até já pensei em criar uma Associação de Defesa do Pronome Reflexivo. Lá pelas tantas, o articulista brande um estranho conceito, que jamais consegui entender, o conceito de albaneses étnicos. Ora, que pode ser um albanês étnico? Albanês não é uma nacionalidade? Nunca me constou que os albaneses constituíssem uma etnia. Mesmo se assim fosse, que distinguiria os tais de albaneses étnicos dos demais albaneses?

Desconfio que o articulista esteja pretendendo referir-se aos albaneses muçulmanos. O que ocorreu nos Bálcãs – e está ocorrendo agora no Kosovo – no fundo foi uma guerra entre católicos, católicos ortodoxos e muçulmanos. Em Mitrovica, o rio Ibar não separa exatamente sérvios e albaneses. Mas católicos ortodoxos e muçulmanos. Isso de albanês étnico é eufemismo ditado pelo políticamente correto.

Mas a máscara do erudito articulista cai mesmo é mais adiante. É quando escreve: “Meses depois, Gelbard confraternizava-se com líderes do Elk”. Ora, que uma cronista social escreva “confraternizava-se”, até que entendo. Cronistas sociais são uma praga do jornalismo e geralmente recrutados entre semi-analfabetos. Que um jovenzinho oriundo da ECA assim maltrate o pronome reflexivo, também entendo. Nos cursos de jornalismo hoje ideologia tem preponderância sobre a gramática. O que não se entende é como um velho jornalista – da época em que ainda se escrevia corretamente – grafe “confratenizava-se”.

Os anúncios de página inteira dos jornais, nem os enxergo. Mas uma flexão destas me fere na alma. Na página seguinte, numa reportagem de Flávia Guerra sobre uma escritora iraniana, esta barbaridade que aos céus clama justiça: “Ela devia usar roupas que jamais marcassem o quadril e o hijab (o véu sagrado que zela pelo recato das mulheres muçulmanas)”.

Sim, o hijab pode zelar pelo recato das mulheres muçulmanas. Mas das muçulmanas árabes. E Marjane Satrapi, a escritora em questão, é persa. Persas não usam hijab. Persas usam chador.

Fosse eu editor, jornalistas que grafam “confraternizava-se” ou que atribuem o hijab às iranianas, primeiro receberiam uma advertência. Em caso de reincidência, olho da rua.

 
QUERO MEU DINHEIRO



Não é meu hábito reproduzir longos textos de jornal. Mas este, da Folha de São Paulo de hoje, é irresistível.


O deputado Gilberto Gonçalves (PMN) liga para o diretor de recursos humanos da Assembléia, Roberto Menezes, e ameaça "estourar" a Assembléia se não receber sua parte do dinheiro - que, segundo ele, "é dinheiro de roubo, de corrupção". Ele pede para Menezes avisar o presidente da Casa, Antônio Albuquerque (DEM), de sua ameaça.

Gonçalves: Alô?

Menezes: Oi, meu líder.

Gonçalves: Olhe, eu vou dizer um negócio a você. Eu sou tudo na vida; agora, não sou besta. Eu quero meu cento, o meu dinheiro. Diga a Albuquerque. Eu quero o meu dinheiro. Se não eu estouro essa Assembléia. Que eu não tenho medo de neguinho nenhum nem de nenhum filho da peste desse. E eu quero meu dinheiro. Eu quero meu dinheiro certo. Que é dinheiro de roubo, de corrupção. Eu quero meu dinheiro.

Menezes: Ô deputado, você vai ter que procurar o presidente.

Gonçalves: Seu dinheiro, aquela merda que vocês mandaram lá. Eu deixei aquela bosta lá.

Menezes: Hm.

Gonçalves: Entendeu? Eu quero meu dinheiro. E não venha com desconto do INSS, não, porque isso é dinheiro roubado.

Menezes: Mas você vai ter que dizer isso ao presidente, viu, deputado? Não é para mim, não. Porque isso é determinação da Mesa.

Gonçalves: Se quiser que eu diga a ele, eu digo.

Menezes: Então diga.

Gonçalves: Porque esse dinheiro é meu. É melhor você me dar do que sair tudo algemado dessa porra.

Menezes: Eu vou dizer para ele isso que o senhor tá falando.

Gonçalves: Eu quero meu dinheiro. Diga para o pessoal que eu quero o meu dinheiro.

Menezes: O senhor vai ter que dizer pessoalmente a ele, deputado.

sábado, fevereiro 23, 2008
 
MINISTRO PROFERE BESTEIRA



O Estadão comemorou hoje, em editorial, “a remoção do mais tóxico dos entulhos deixados pela ditadura militar, a Lei de Imprensa, sancionada em fevereiro de 1967”. Ou seja, a liminar concedida pelo ministro Carlos Ayres de Britto, do Supremo Tribunal Federal, que suspende no todo ou em parte uma vintena dos seus 77 artigos. “Mais: ele determinou a paralisação imediata dos processos abertos com base nos artigos visados, bem como de suas conseqüências eventualmente em curso”.

Alvíssaras! A lei infame existia apenas para intimidar os jornalistas. Mas, em seu entusiasmo, o jornal saúda um ataque de estupidez – ou demagogia – do ministro:

- Fez uma frase que irá para a história da afirmação das liberdades civis no Brasil: “O que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”.

É espantoso que um magistrado de uma suprema corte profira tal sandice. Mais espantoso ainda é que um jornal como o Estadão a endosse. Quer dizer então que estão legalmente autorizadas a injúria, a calúnia e a difamação? O ministro por certo andava com fome de mídia. O jornal caiu na armadilha.

O que quer que seja não pode ser dito por quem quer que seja. Se assim for, qualquer cidadão pode ser linchado pela imprensa. Já aconteceu. Quem tem memória deve lembrar da affaire da Escola Base. Professores tiveram suas vidas destruídas e tiveram de esconder-se para fugir de um linchamento, só porque o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja.

Que o Supremo Apedeuta diga besteiras, entende-se. Já um ministro do STF...

 
SAN ERNESTO Y SAN JUAN PABLO



Será inaugurada em Santa Clara (cerca de 300 km a leste de Havana) uma estátua gigantesca de João Paulo II. Estranha homenagem de um país comunista ao chefe da Igreja Católica. Detalhe: a estátua do papa ficará ao lado de uma outra, cujo pedestal tem 16 metros, a de San Ernesto de la Higuera. Que é como Che Guevara é cultuado na Bolívia.

Assim os cubanos poderão contemplar, lado a lado, o psicopata assassino e o líder da cristandade. Se João Paulo ainda não foi canonizado, Che pertence há muito ao hagiológio das esquerdas.

O Vaticano, sedento de novas ovelhas para seu redil, não disse um pio sobre a exótica companhia do papa. Bento XVI e Fidel Castro: mesmo combate.

sexta-feira, fevereiro 22, 2008
 
DITADOR RUSSO BRANDE
RETÓRICA DA GUERRA FRIA




Para Vladimir Putin, a independência do Kosovo é um "precedente horrível" que terminará voltando contra os próprios ocidentais. "Este precedente do Kosovo acabará destruindo todo o sistema de relações internacionais, desenvolvido não durante décadas, mas durante séculos". Citando os países que reconheceram a proclamação da independência de Kosovo, o ditador russo estimou que a situação teria "conseqüências imprevisíveis".

Quais conseqüências imprevisíveis? Que destruição do sistema de relações internacionais? Quais foram as conseqüências imprevisíveis da independência da Bósnia e Herzegovina, da Croácia, da Eslovênia, da Macedônia? Houve guerras, é verdade. Estará o ditador brandindo a ameaça de uma nova guerra?

Parece que sim. Dimitri Rogozin, o representante de Moscou na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Dmitri Rogozin, declarou que a Rússia se reservava o direito de "utilizar a força" se a Aliança Atlântica ou a União Européia "desafiarem" a ONU em Kosovo.

Putin e Rogozin, talvez por falta de assunto, estão retomando a retórica da Guerra Fria. Só o que faltava, em pleno 2008, as tropas russas fazerem turismo blindado nos Bálcãs.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008
 
SE BATINA FOSSE BRONZE,
QUE BADALADAS!



Em minha juventude, fui católico. A Igreja foi buscar-me ainda no campo. Uma catequista uruguaia apanhava-me em um jipe na Linha Divisória entre Livramento e Dom Pedrito para jogar-me nas aulas de catecismo. Na cidade, fui estudar em colégio católico, dirigido por padres oblatos. A eles agradeço minha iniciação em latim, francês e inglês. E só. Para desgraça de meus catequistas, muito cedo comecei a ler a Bíblia. Como não há fé em Deus que resista a uma leitura atenta da Bíblia, minhas dúvidas começaram a inquietar os oblatos. Um sacerdote de Bagé, franzino e inquisitorial, veio às pressas para tentar trazer o herege em potencial de volta ao rebanho.

Discutimos um dia todo, com várias jarras de água e um almoço de permeio. A cada preceito de fé que eu contestava, o padre Fermino Dalcin me jogava no rosto a acusação: "Arrogância. Orgulho intelectual. Quem és tu para contestar, aqui em Dom Pedrito, o que autoridades decidiram em Roma?"

Era um argumento pesado para um piá de uns quinze anos. Eu só tinha como defesa descrer do que não conseguia entender. Mas resisti e consegui, ainda adolescente, libertar-me do deus judaico-cristão. Bem sabia a Igreja o que fazia, ao proibir a leitura do Livro a menores de trinta anos. Como cachorro que sacode o corpo para secar-se, sacudi minha alma e procurei, nos anos seguintes, livrar-me da craca ética que vinha grudada ao cadáver do deus cristão. Esta é, a meu ver, a grande função da leitura, libertar o homem de mitos e superstições.

Muitas foram as restrições que tive à fé católica. Mas o conflito inicial, sem dúvida alguma, tinha suas origens na questão sexual. Ao menor pecado contra a castidade, fossem atos solitários ou acompanhados, éramos ameaçados com o fogo do inferno. Em verdade, mesmo pensar em sexo era pecado. No confessionário, a primeira – e diria que única – pergunta era: “pecaste contra a carne, em atos ou pensamento?” Atos, com algum esforço, até que se podia evitar. Mas como evitar pensamentos?

Vivi noites e noites torturado pela idéia de uma condenação eterna. Pecava e sentia meu corpo e minha alma queimando nas labaredas que jamais se consomem. Fazia rapidamente um ato de contrição, contando que viveria até o sábado seguinte – dia de confissão – para poder redimir-me de meus pecados. Fazia o sublime propósito de não mais pecar. Ocorre que a carne não é fraca, como dizem as gentes. É forte. Tão forte que não conseguimos dominá-la. Pecava de novo e se repetia o ciclo: arrependimento, contrição, confissão, bons propósitos... e pecado de novo.

As noites de tempestade constituíam para mim um tormento. Cada raio que caía, eu sentia que era dirigido a este pecador que vos escreve. Megalomania? Até pode ser. Mas o fato é que eu, quando não estava em estado de graça, me encolhia ante a ira divina como cusco amedrontado. Tive um dia a idéia de consultar a Bíblia. Descobri que nela não existia nem mesmo a palavra castidade. Pelo contrário, havia muita orgia, prostituição e até mesmo incesto.

Foi quando abandonei minha fé. Como eu exercia alguma liderança entre meus colegas de ginásio, providenciaram a vinda do Torquemada de Bagé para trazer-me de volta ao rebanho. Autoritário e ao mesmo tempo melífluo, padre Fermino voltou de mãos abanando.

Foi quando sofri minha primeira expulsão da cidade. Expulsão discreta, nada oficial. O oblato padre Antonio Paul, diretor do ginásio, cortou-me a matrícula. Se quisesse continuar estudando, tinha de mudar de cidade. (Eu seria de novo expulso mais tarde, oficialmente, pela comunidade toda e por questões bem mais graves, mas isto é outro assunto). Como já tinha contatos com a JEC, consegui consegui matrícula no colégio Santa Maria, em Santa Maria, dirigido pelos maristas. Que pelo menos não se imiscuíam na vida sexual de ninguém.

Naqueles dias, um pouco antes de perder definitivamente a fé, militei na Juventude Estudantil Católica (JEC) e Juventude Universitária Católica (JUC). Os religiosos que nos orientavam eram homens abertos, mas o conflito sexual persistia. Em Santa Maria, eu apertava o padre Carlos Pretto contra a parede: "Se mulher é tão bom, por que é proibido?" Pretto armava uma longa história, de final curto e grosso. Que não devíamos ter relações com uma mulher por amor a ela. “Eu estudei em Roma – dizia Pretto – no meio daquelas gringas boazudas. Eu me perguntava porque não podia ir para a cama com elas. Examinei criticamente a Bíblia e concluí que não podia fazer isso pelo amor que devia a elas”.

Nada mais fácil para um crente do que inverter uma evidência. Eu também havia lido a Bíblia e, fora as neuroses de Paulo, não via nada demais no exercício da sexualidade. Mas o Paulo era o Paulo. Eu era o Cristaldo. De minha parte, era por amá-las que as queria na cama.

Mas Pretto não era de ferro. As militantes de JEC e JUC, secundaristas e universitárias cheias de charme e desejo, fizeram um excelente trabalho de sapa. Mais adiante Pretto já ousava heresias desde "mulher e religião não se discute, se abraça" a outras do tipo "se batina fosse bronze, que badaladas!" Os sacerdotes que desceram do púlpito para falar conosco – e foram vários – sempre condenando a sexualidade, acabaram largando a batina, casando e fazendo filhos. Foi nossa revanche a longo prazo.

Nós, jecistas, éramos quase virgens em matéria de sexo. Havia o desejo, mas não sabíamos muito bem como a coisa funcionava. Nos apalpávamos nos corredores, nos beijávamos meio sem jeito, sem nem sempre chegar às vias de fato. Certa vez, uma jucista das mais árdegas apertou-me contra uma parede e foi direto ao assunto. Exclamou surpresa: “é por isso que chamam de pau?” Fico imaginando as torturas que elas impunham aos padres naquela penumbra silenciosa dos confessionários.

Um sexualidade exigente e incontrolável foi, sem dúvida alguma, o que me libertou do obscurantismo. Houve também os questionamentos de ordem intelectual, mas estes foram secundários. E é o sexo que tem afastado milhares de sacerdotes da Igreja Católica.

Leio na Folha On Line que a CNP (Comissão Nacional dos Presbíteros) deve publicar daqui a duas semanas texto intitulado "Subsídios para reflexão", no qual pede a abertura de discussões em torno da obrigatoriedade do celibato de padres na Igreja Católica. Com o fim da obrigação, os religiosos casados ou ex-casados também poderiam ser ordenados padres. Segundo o padre Francisco Santos, presidente da CNP, "o que está se propondo é que se reflita sobre novas formas de ministério, que não seja apenas o celibatário".

É uma boa idéia. Terá como conseqüência a diminuição do número de padres pedófilos. Ocorre que a Igreja submete seus ministros a um impiedoso leito de Procusto. Para a Santa Madre, o casamento de seus ministros trará uma série de problemas ainda não pensados.

Casar implica a possibilidade de divorciar-se. O padre pode até considerar o casamento indissolúvel. Mas... e se a mulher pensa diferente? Sacerdote algum poderá impedir, em nome de sua fé, uma mulher de divorciar-se. Aí surge outro problema: pagamento de pensão à mulher e filhos. O homem de Deus terá de suar um pouco mais a camiseta em função desses gastos, que um celibatário não tem.

Casar, por outro lado, neste nosso mundinho contemporâneo, é expor-se à cornificação. A menos que a Igreja admita o freio dos crimes ditos de honra – que já não são mais absolvidos pela Justiça – sempre existe a possibilidade de a mulher pular a cerca. E tais ornamentos não ficam bem na cabeça de um ministro do Senhor.

Ou seja, não vai dar pé. Mas a solução é singela. Se você gosta de sexo, faça como eu fiz. Largue essa fé.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008
 
ENTERRO CUBANO


De um leitor, recebo uma piadinha antiga. Sinistra e emblemática.

Toda a família em Cuba se surpreendeu quando chegou de Miami um ataúde com o cadáver de uma tia muito querida. O corpo estava tão apertado no caixão que o rosto estava colado no visor de cristal. Quando abriram o caixão encontraram uma carta, presa na roupa com um alfinete, que dizia assim:

Queridos Papai e Mamãe,

Estou lhes enviando os restos de tia Josefa para que façam seu enterro em Cuba, como ela queria. Desculpem por não poder acompanhá-la, mas vocês compreenderão que tive muitos gastos com todas as coisas que, aproveitando as circunstâncias, lhes envio. Vocês encontrarão, dentro do caixão, sob o corpo, o seguinte:

12 latas de atum Bumble Bee, 12 frascos de condicionador e 12 de xampu Paul Mitchell, 12 frascos de Vaselina Intensive Care (muito boa para a pele... não serve para cozinhar!), 12 tubos de pasta de dente Crest, 12 escovas de dente e 12 latas de Spam das boas (são espanholas) e 4 latas de chouriço El Miño.

Repartam com a família, sem brigas!

Nos pés de titia, estão um par de tênis Reebok novos, tamanho 9, para o Joseíto (é para ele, pois com o cadáver de titio, não se mandou nada para ele, e ele ficou amuado). Sob a cabeça, há 4 pares de "popis" novos para os filhos de Antônio, são de cores diferentes (por favor, repito não briguem!).

A tia está vestida com 15 pulôveres Ralph Lauren; um é para o Robertinho, e os demais para seus filhos e netos. Ela também usa uma dezena de sutiãs Wonder Bra (meu favorito), dividam entre as mulheres, e também os 20 esmaltes de unhas Revlon que estão nos cantos do caixão. As três dezenas de calcinhas Victoria's Secret devem ser repartidas entre minhas sobrinhas e primas.

A titia também está vestida com nove calças Docker's e 3 jeans Lee. Papai, fique com 3, e as outras são para os meninos.

O relógio suíço que papai me pediu, está no pulso esquerdo da titia. Ela também está usando o que mamãe pediu (pulseiras, anéis, etc.).A gargantilha que titia está usando é para a prima Rebeca, e também os anéis que ela tem nos pés.

E os oito pares de meias Chanel que ela veste, são para repartir entre as conhecidas e amigas, ou, se quiserem, as vendam (por favor, não briguem por causa destas coisas, não briguem).

A dentadura que pusemos na titia é para o vovô que, ainda que não tenha muito o que mastigar, com ela se dará melhor (que ele a use, custou caro). Os óculos bifocais, são para o Alfredito, pois são do mesmo grau que ele usa, e também o chapéu que a tia usa.

Os aparelhos para surdez que ela tem nos ouvidos são para a Carola. Eles não são exatamente os que ela necessita, mas que os use mesmo assim, porque são caríssimos. Os olhos da titia não são dela, são de vidro. Tirem-nos e, nas órbitas, vão encontrar a corrente de ouro para o Gustavo, e o anel de brilhantes para o casamento da Katiuska.

A peruca platinada, com reflexos dourados que a titia usa, também é para a Katiuska, que vai brilhar, linda, em seu casamento.

Com amor, sua filha

Carmencita.

PS1: Por favor, arrumem uma roupa para vestir a tia para o enterro e mandem rezar uma missa pelo descanso de sua alma, pois, realmente, ela ajudou até depois de morta. Como vocês repararam, o caixão é de madeira boa (não dá cupim); podem desmontá-lo e fazer os pés da cama de mamãe e outros consertos em casa. O vidro do caixão serve para fazer um porta-retrato da fotografia da vovó, que está, há anos, precisando de um novo. Com o forro do caixão, que é de cetim branco (US$ 20,99 o metro), Katiuska pode fazer o seu vestido de noiva. Não se esqueçam, com a alegria destes presentes, de vestir a titia para o enterro!!!

Com amor,

Carmencita.

PS2: Com a morte de tia Josefa, tia Blanca caiu doente. Se quiserem antecipar algum pedido...

 
MENTIRA RECORRENTE



Janer,

com relação ao seu último artigo, digo que a mentira recorrente de que o ditador Fidel Castro melhorou a saúde pública em Cuba é uma piada de mau gosto. Eu estive na ilha-presídio há menos de um semestre, onde fiquei por um mês, e o que alguns cubanos me contaram (bem discretamente e só depois de me conhecerem melhor) foi que o sistema de saúde estatal era uma desgraça. Não há remédios nem ambulâncias e se o cidadão comum não for apadrinhado por alguém do Partido, é impossível marcar uma consulta e ser atendido rapidamente. Os médicos preferem carregar malas nos hotéis a trabalhar para o Estado, o que gera um deficit de profissionais na área. Eu não os culpo, pois as gorjetas que eles recebem em Euros e em dólares são muito maiores do que qualquer salário na ilha.

Depois da minha experiência naquele presídio socialista, tem uma frase que costumo dizer de vez em quando: se é verdade que Frei Betto disse que Cuba era a materialização do paraíso na Terra, então eu quero ir para o inferno.

Abração!

 
FOI-SE O DITADOR,
FICOU A DITADURA



À semelhança de Kim Il Sung, Castro inaugurou uma dinastia socialista na América Latina. É dogma que não admite contestação: o sucessor do tirano deve ser seu irmão. Leitores me pedem uma crônica sobre a renúncia do ditador. Ora, não há muito a comentar.

Cuba continuará sendo um país de partido único por mais algumas décadas. O aparelho comunista que detém os mecanismos do poder não vai aceitar largá-los. É possível que haja alguma liberalização da economia, mas certamente não será significativa. Os cubanos da ilha, anestesiados por meio século de tirania e pobreza, já nem devem ter lembrança do que seja democracia e prosperidade.

Se não há muito o que falar da renúncia de um tirano, há muito o que dizer do que dizem os jornais. A UOL, por exemplo, em reportagem de Murilo Caravello, mancheteava ontem:

Regime de Fidel cerceou democracia e direitos
humanos, mas melhorou qualidade de vida


Uma no prego e outra na ferradura. Diz o texto:

Em quase meio século como líder de Cuba, Fidel Castro escreveu uma história pontuada por grandes conquistas e perdas significativas. Se educação, saúde, redução de miséria e emprego são áreas em que é impressionante a evolução do país após a revolução, em categorias como direitos humanos, liberdade de expressão, democracia e acesso a bens de consumo Cuba consta como um contra-exemplo no cenário mundial.

Acontece que, no caso cubano, não dá pra dar uma no prego e outra na ferradura. Em 58, durante o regime de Fulgencio Batista, o PIB cubano era o dobro do mexicano. Hoje é um quinto. E ainda há que ouse falar nas excelências da educação e da saúde, na redução da miséria e do emprego. Não me venham falar de virtudes da educação em país que tem imprensa única e não permite a liberdade de opinião. Educação para quê? Para ler o Granma? Fossem os cubanos analfabetos, estariam mais bem servidos.

Melhoras na saúde? Como podem existir melhoras na saúde em um país que vive à beira da fome? Onde os gêneros alimentícios são racionados por uma libreta? Onde carne e pescados são reservados aos turistas que pagam em moeda forte? Já vi depoimentos de visitantes que viram maravilhas em um hospital em Cuba. É que são conduzidos a um hospital diplomático. Tive essa experiência em Praga, na então Tchecoeslováquia.

Tive um problema de menisco e não houve outro jeito senão buscar socorro médico. O hospital era um lixo. Passei a manhã toda tentando me fazer entender. Eu falava inglês, meus interlocutores até que entendiam. Mas me respondiam em tcheco. Finalmente descobri uma ala diplomática no hospital.

Fui até lá. Nossa! O panorama mudou. Muita limpeza, muita higiene, não vi mais gente deitada nos corredores. Me atendeu uma médica que fizera estágio em Cuba e falava espanhol. Bonitaça, ela aproximou seu rosto do meu, começou a queixar-se de sua vida, me confessou suas mais íntimas angústias. Eu, que não sabia se voltaria ao Brasil com uma perna ou duas, não percebi naquele momento que a moça estava me insinuando outros serviços que não os médicos. Por uns vinte dólares, eu talvez até tivesse esquecido o inchume de meu joelho. Seja como for, a ala diplomática era limpa e abordável. Com acesso ao serviço VIP da doutora. O mesmo acontece em Cuba.

Clóvis Rossi, o decano dos cronistas da Folha de São Paulo, faz hoje uma pergunta ingênua: “Resta-me uma perplexidade: como o líder de uma pequena ilha, praticante de um modelo que caiu em desuso, conseguiu manter-se, ainda assim, como um "pop star?"

Ora, Rossi tem idade suficiente para saber que o século XX foi o século do comunismo. Para boa parte do Ocidente, comunismo era sinal de redenção. Nem a denúncia dos massacres de Stalin nos anos 30, nem a denúncia de Kravchenko em 49, nem a denúncia de Kruschov no XX Congresso do PCUS conseguiram convencer o Ocidente de que a Rússia geria um regime tão cruel quanto o nazista. Quando Castro aderiu ao comunismo, sua imagem de pop star foi inaugurada.

Há histórias de Cuba que a imprensa não conta. Tenho um amigo em Paris que adora Cuba e vai para lá pelo menos uma vez por ano. Não que adore o regime. O que o fascina é sentir-se em um museu que mostra um tempo passado. Hospeda-se sempre com cubanos e tem uma boa idéia da vida na ilha. Contou-me esse amigo que, quando morre um cubano em Miami, seu cadáver é enviado para seus parentes em Cuba. A chegada do cadáver é uma festa. O caixão vem recheado de dólares, jóias, enlatados. Mal chega o cadáver, seus parentes se dedicam à garimpagem. Isto é Cuba.

A população da ilha, em 2006, era estimada em 11,3 milhões de habitantes. 1,1 milhão fugiram para Miami. Isto faz dez por cento da população do país. Ora, quando dez por cento da população de um país foge, é porque algo há de errado naquele país. Este contingente constitui a maior fonte de divisas de Cuba, chegando a enviar mais de um bilhão de dólares por ano, trazidos por “mulas” através do México. O turismo, que seria o grande captador de divisas, está em segundo lugar.

Uma das características da ditadura de Castro é que ela não se exerceu sobre Cuba, mas sobre toda a América Latina. Houve anos aqui no Brasil em que um jornalista se suicidava profissionalmente se escrevesse que Castro era ditador. Aconteceu comigo.

Anos 80. Eu lecionava em Santa Catarina. Um jornalista gaúcho, que estava organizando o lançamento do Diário Catarinense, convidou-me para escrever uma crônica para o número zero do jornal. Era uma espécie de teste para escolher o cronista. Escrevi duas. Em uma delas, eu dizia que as esquerdas deviam rezar pela saúde de Stroessner e Pinochet. Não que eu tivesse maior apreço por estes senhores. Ocorre que, uma vez mortos, Castro seria o último ditador do continente.

A crônica entrou nos computadores e provocou um motim na redação. Que eu não poderia ser o cronista do jornal, de forma alguma. Que até poderia ter razão. Mas que aquilo não podia ser publicado. O editor não ousou bancar meu nome.

E assim Fidel Castro Ruz, lá de sua distante ilha, roubou-me um emprego. Mas ninguém imagine que amanhã a ilha estará respirando liberdade. Foi-se um ditador. Ficou a ditadura.

 
ALÉM DE ASTRÓLOGO, GRÃO-MESTRE?



De um leitor que prefere não ter seu nome publicado, recebo:

Sr. Cristaldo,

Não sou ateu, mas gostava de ler alguns de seus artigos no Mídia Sem Máscara. Após a sua saída do MSM, passei a visitar seu blog para ler seus artigos. Não sei se o senhor foi amigo de Olavo de Carvalho, mas fiquei surpreso ao saber que o senhor desconhecia que ele é astrólogo. Olavo de Carvalho é grão-mestre da maçonaria. Ele pertence a uma loja da maçonaria romena e já escreveu vários artigos sobre a maçonaria. Caso o senhor não saiba, os maçons estudam astrologia. A maçonaria se organizou em torno do Zohar, o livro escrito pelo rabino Shimon Bar Yohai contendo os ensinamentos da Cabala, a ciência oculta dos judeus. Para ter outras informações sobre a maçonaria, o senhor pode acessar o site da Editora Madras (www.madras.com.br), que publica livros de vários maçons. Pelos títulos publicados pela editora, o senhor saberá o que os maçons estudam. Não tenho intenção em convencê-lo a deixar de ser ateu, mas gostaria que o senhor compreendesse o que é maçonaria e a importância que eles dão à astrologia. Para alguém que escreve sobre religião, estudar a maçonaria é um dever.

 
O ASTRÓLOGO



“Com bandido não se discute. Lugar de criminoso é na cadeia”, diz o Astrólogo a meu respeito. Essa eu ainda não tinha ouvido. Já fui chamado de comunista, reacionário, agente do Dops, agente do SNI e mais tarde, quando comecei a viajar, de agente da CIA. Fui também chamado de Robin Hood às avessas, “o que tira de todo e não dá nada a ninguém”. Como também de Savonarola às avessas, “o que nos condena por não pecarmos”. Ultimamente tenho sido chamado de ateu, no que não vai nenhuma impropriedade, sou ateu mesmo. O curioso é que ajuntaram um adjetivo à definição: ateu militante. É o pejorativo que os católicos fundamentalistas empregam para desqualificar quem é simplesmente ateu. Pois há uma raça neste século XXI que não concebe que alguém seja ateu. Pode ser muçulmano, hinduísta, protestante, evangélico, testemunha de Jeová. Pode até ser terrorista, desde que em nome de Deus. O que não pode é ser ateu.

Agora, sou bandido, criminoso. Esta é ótima. Estou sendo acusado por nosso Nostradamus tupiniquim, que já foi bolchevique convicto. Do comunismo se converteu à astrologia, da astrologia assestou a proa rumo ao islamismo e do islamismo para um cristianismo difuso, que não ousa dizer seu nome. Nem pode, pois aí se afogaria em um mar de contradições. Católico não pode ser, pois é astrólogo. Protestante ou luterano também não, aí afasta seus discípulos católicos. O Astrólogo diz-se filósofo, sem que filosofia alguma tenha elaborado. Neste sentido, em nada difere da “filósofa” Marilene Chauí, velha bolchevique. Pretende-se de direita, mas faz frente única com outra velha bolche, a Marina Silva, quando se trata de defender o creacionismo. Um mesmo passado ideológico implica solidariedade com os velhos camaradas.

Pretende-se defensor da liberdade de imprensa. Mas fecha com o bispo Edir Macedo, quando se trata de ameaçar jornalistas com processos, quando estes jornalistas denunciam suas falcatruas. Edita um jornal que pomposamente se chama Mídia Sem Máscara. Que, ao professar um catolicismo fanático e fundamentalista, deixou cair a máscara que tentava ocultar a seus leitores. O Astrólogo, Marilena Chauí, Marina Silva, Edir Macedo: o mesmo combate.

Que ninguém me chame de ingrato. Fui convidado para escrever no MSM e gostei de escrever ali. O jornal liderava uma caterva de jovens católicos, fanáticos e analfabetos em relação à Bíblia e ao magistério da Igreja, com os quais muito me diverti digladiando. Os meninos sequer tinham noção dos dogmas católicos e pretendiam discutir com quem os conhece. Infelizmente, senti-me obrigado a deixar de escrever no jornal que se pretendia sem máscara, quando censuraram crônica em que eu afirmava que Cristo havia nascido em Nazaré. Foi uma lástima. Eu adorava provocar aquela malta de carolas. Hoje, sinto uma falta enorme dos papa-hóstias.

Tirante os astros, o itinerário do Astrólogo é o mesmo de um intelectual confuso do século passado, Roger Garaudy, autor de um livro que até fez certa fortuna no Brasil, A Perspectiva do Homem. Foi católico, virou comunista, ou era comunista e virou católico, já não lembro. A ordem dos fatores não altera a vigarice. E morreu muçulmano. Estas conversões tresloucadas, eu as assisti de perto. Em Porto Alegre, havia um jornalista que começou católico, tornou-se comunista, o Jefferson Barros. E morreu virando o traseiro pra lua e cumprindo o Ramadã. Pobres diabos cuja cabeça oca gira como cata-vento ao sabor das brisas, que chegam à velhice sem ter uma idéia definida do que seja a vida. Precisam acreditar em algo, por estúpido que esse algo seja.

Eu o conheci como autor de um livro interessante, O Imbecil Coletivo, livro que recomendei a muitos leitores. Era uma crítica contundente às esquerdas. O que não se via, neste livro, era o fanático fundamentalista que mais tarde o Astrólogo revelou ser. Eu jamais imaginaria que era astrólogo. A revelação surgiu a partir de uma crônica, em que comentei projeto de outro velho bolche – tudo fecha! – o senador Artur da Távola, que pretendia regulamentar a profissão de astrólogo. Baixei a lenha na pretensão do senador e – aproveitando a vaza – na astrologia.

Em um fórum de debates, um interlocutor me interpelou: “Como que você critica a astrologia, se escreve num jornal que tem como editor um astrólogo?” Fiquei perplexo. Meu interlocutor foi adiante: “Mais ainda: ele não só é astrólogo, mas mestre-astrólogo. Tem quatro tratados de astrologia publicados e um de seus onze filhos também é astrólogo”. Pus um pé atrás. Neste momento, dei-me conta de que não basta a alguém criticar as esquerdas, o marxismo e o PT, para ser considerado honesto.

O que espanta, em tudo isto, é que um astrólogo, que se pretende entendido em Lógica, lidere um grupo de jovens católicos que, por questões de fé, não podem aceitar a astrologia. Até mesmo o recórter chapa-branca tucanopapista hidrófobo Reinaldo Azevedo é fanzoca do Nostradamus de Pindorama. Mais um pouco e estará fechando – se é que já não fecha – com a bolchevique petista Marina Silva.

Ó tempora, ó lógica!

terça-feira, fevereiro 19, 2008
 
ASTRÓLOGO E BISPO EDIR MACEDO
TENTAM INTIMIDAR JORNALISTAS



O Desespero de Olavo


por Rodrigo Constantino


Bateu desespero em Olavo de Carvalho. Depois que eu provei que ele mentiu – ou criticou meu artigo sem nem ter lido, restou ao "filósofo" um ataque desesperado, uma ameaça de uso do Estado como coerção. Tirando os milhões na conta, não resta mais diferença entre Olavo e Bispo Macedo, cuja Igreja Universal tenta apelar para os mesmos artifícios para calar a crítica da mídia. Onde já se viu um filósofo ameaçar usar a lei para impedir que os outros critiquem suas crenças religiosas? Eis o que Olavo escreveu:

"O artigo 208 do Código Penal pune com detenção e multa os atos de 'escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa' e 'vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso'. Os srs. Rodrigo Constantino, Janer Cristaldo e Anselmo Heydrich já cometeram esse crime tantas vezes, que o simples fato de eu me contentar em xingar esses bandidinhos, em vez de denunciá-los à polícia, deveria ser considerado um exagero de caridade. Com bandido não se discute. Lugar de criminoso é na cadeia. Admito, porém, que não é a caridade, e sim a mera distância geográfica, que me impede de tomar contra os referidos as providências judiciais cabíveis."

Fico constrangido e ao mesmo tempo com muita pena do "filósofo". Ele deve estar mesmo em pânico para ter de apelar desse jeito. Logo ele, que xinga tudo e todos, que não respeita a crença de ninguém. Mas fica a pergunta: os não-crentes podem processar os crentes quando estes chamam de idiotas todos os ateus? Quando um crente jura que o ateu vai passar a eternidade no inferno, ele pode ser processado por danos morais? Se Olavo "vilipendiar publicamente objeto de culto religioso" de uma seita diferente, como a cientologia, ele vai se entregar à polícia? Olavo quer me colocar na cadeia por questionar a sua crença religiosa. Para ele, sou um bandido, um criminoso, pois questiono suas crenças. Como eu disse, o sonho dele era viver na Idade Média, e me mandar para a roda ou fogueira. Ainda bem que tivemos o Iluminismo para colocar uma focinheira em tipos como este. Conservadores fanáticos não odeiam o Estado coisa alguma, nem querem reduzir seu poder. Querem apenas se apossar dele, e ai de quem divergir de suas crenças! A dúvida é: será que Olavo vai respeitar a lei quando ela condenar a homofobia?

Parece que Olavo ficou muito irritado de ser chamado de astrólogo também. Vejamos:

"Quanto à insistência obsessiva desses canalhas em me chamar de 'astrólogo', com a ênfase que a palavra tem quando associada a tipos como Walter Mercado, é fácil notar que nenhum dos três jamais examinou criticamente e nem mesmo citou de passagem qualquer escrito meu sobre a questão da astrologia. [...] O intuito deliberado de falsificar para melhor difamar não poderia ser mais evidente, e a eventual desculpa de que foi ofensa proferida impensadamente no calor da discussão já está impugnada antecipadamente pelo número de vezes que a ofensa se repetiu."

Mas Olavo não disse o que importa: era ou não um astrólogo? Ainda acredita na astrologia? Fazia ou não mapa-astral? Chamar um astrólogo de astrólogo agora é ofensa? Ora, ofensa é um sujeito que se diz católico ser astrólogo também! O que a Bíblia diz sobre a astrologia? Mas vejamos o que o próprio Olavo disse numa entrevista, quando Roberta Tórtora perguntou como a astrologia contribuiu para sua formação:

"Muito. Não existe possibilidade alguma de entendimento de qualquer civilização antiga sem o conhecimento da Astrologia. O modelo de visão do mundo baseado nos ciclos planetários e nas esferas esteve em vigor durante milênios e isto continua a estar, de certo modo, no 'inconsciente' das pessoas. Apesar de algumas deficiências no modelo astrológico, foi ele quem estruturou a humanidade pelo menos a partir do império egípcio-babilônico, o que significa, no mínimo, cinco mil anos de história. A Astrologia é um elemento obrigatório, por isto quem não a estudou, não estudou nada, é um analfabeto, um estúpido."

Não creio que seja necessário fazer qualquer comentário. Melhor voltarmos ao tema das tradições, onde Olavo insiste em ignorar o que eu realmente escrevi. Eis o que ele disse depois que provei sua mentira:

"Constantino reduz o conceito de 'tradição' ao de 'repetição mecanizada', opondo-o ao do exame racional maduro, mas linhas adiante reconhece que 'há tradições boas'. Então é claro que, no seu entender, elas não são boas por ser tradições, mas pela coincidência casual do seu conteúdo com algo que o exame racional, feito por ele, aprova."

Será possível que Olavo ainda não tenha entendido mesmo? Sim, para mim uma tradição não é boa apenas por ser tradição. Por isso devemos questionar as tradições! É justamente o "exame racional maduro", ao invés de uma repetição mecanizada. Ora, como Olavo faz para saber quais tradições seguir? Escolhe aleatoriamente, joga um dardo, verifica no seu mapa-astral? Eu não. Eu prefiro justamente questionar se faz mesmo sentido adotar uma tradição. É o julgamento de um costume através da nossa razão, coisa que você vem condenando. Veja meu exemplo de noivas casando de branco: uma tradição. Para Olavo, tradições nunca são repetidas mecanicamente, mas sim compreendidas. As católicas sabem mesmo porque se casam de branco? Quantas podem seguir esta tradição honestamente? Em resumo, eu quero simplesmente questionar racionalmente qualquer costume ou tradição, algo que fez Olavo de Carvalho perder a linha e partir para as agressões. Não deixo nada acima da minha razão, nem as tradições nem a autoridade de algum filósofo. Meu instrumento epistemológico para tentar compreender o mundo em que vivo é a razão. Mas o ódio de alguns "filósofos" à razão é mesmo algo incrível.

Não satisfeito, Olavo fez uma análise psicológica de minha pessoa, não sei com quais credenciais. De astrólogo para comunista, depois filósofo conservador, crente católico e agora psicólogo também. O homem entende de tudo mesmo! Depois, num típico ataque de vaidade megalomaníaca, ele concluiu que tudo que eu escrevo é para "parasitar seus temas e referências". Segundo ele, passei a citar Ortega y Gasset e Viktor Frankl graças aos seus escritos. Não passa por sua cabeça narcisista que eu possa ter lido sobre Frankl no famoso livro de Steven Covey, Os 7 Hábitos de Pessoas Altamente Eficazes, ou ter descoberto Ortega y Gasset, autor renomado mundialmente, por qualquer outra fonte. Não! Tudo que escrevo, até mesmo sobre o multiculturalismo, é para copiar o grande filósofo. O mundo não gira mais em torno da Terra, como os crentes achavam. Gira em torno de Olavo! E um sujeito desses acha que pode dar um diagnóstico psicológico de alguém. Para Olavo, minhas "investidas polêmicas" são um "longo e reiterado pedido de socorro". Olavo deve escrever essas besteiras todas diante de um espelho, só pode!

Quando escrevi meu artigo provando as mentiras de Olavo, algumas pessoas me mandaram a seguinte resposta: "Nunca discuta com um tolo; eles podem não saber a diferença". Eu concordo com o alerta, mas explico que não discuto com Olavo. Se fosse apenas nós dois numa sala fechada, meu tempo seria mais bem gasto lendo gibis da Turma da Mônica. O problema é que Olavo ainda conquista seguidores desavisados. Cada vez menos, é verdade. Mas faz-se necessário desmascarar o embuste. Rebato as mentiras e falácias de Olavo como faço com Verissimo, Sader ou qualquer outro do tipo. Sei que, à exceção dos desesperados que ainda levam Olavo a sério, quase ninguém mais o enxerga como um debatedor honesto, mesmo entre seus pares conservadores. Mas sempre existe um ou outro que ainda pode acordar do entorpecimento da erudição de Olavo. Escrevo para eles.

E por falar nos seguidores de Olavo, nada mais lamentável que ver a bajulação em sua comunidade do Orkut. Os comentários são todos do tipo: "Perfeito, professor", "Muito bom!", "Perfeito!", "Excelentes comentários, Olavo!". Olavo criou uma seita, explorando o desespero dos outros, tal como Bispo Macedo fez. Vaidoso, ele busca puxa-sacos que não questionam, mas apenas aplaudem como focas. A falta de argumentos é diretamente proporcional aos elogios feitos ao "mestre". Olavo, ao comentar a obra de Schopenhauer, Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão, assimilou muito bem todos os estratagemas de erística, que ele usa e abusa. Mas, uma vez desmascarado, entrou em desespero. A ameaça de processo foi a gota d'água, o ato desesperado de alguém que sabe não ter mais argumentos para rebater as críticas que recebe. Como disse Ayn Rand, "o argumento pela intimidação é uma confissão de impotência intelectual". Olavo acaba de confessar a sua.

 
BIBLE DENIERS


Prezado Janer,

Saudações,

Acabei de ler seu texto "O Poder das Interpretações". Ainda não li o livro "A Bíblia" de Armstrong, que você mencionou, mas, pelo interesse que você demonstra pelo assunto, eu recomendo a leitura do livro "The Bible Unearthed: Archaeology's New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts", de Israel Finkestein e Neil Asher Silberman, que foi publicado no Brasil pela editora A Girafa com o título meio sensacionalista de "A Bíblia não Tinha Razão". Avaliando pelo seu texto, acho que o ponto de vista dos autores dos dois livros são semelhantes.

A polêmica causada por estes estudos arqueológicos, literários e históricos mais recentes sobre a Bíblia é muito grande, principalmente em Israel, pois os mitos do Velho Testamento são usados por muita gente como argumento para sustentar a legitimidade do Estado de Israel, e, quando a historicidade deles é questionada, as implicações políticas são fortes. Algumas reações a estes estudos chegam a ser engraçadas, como o fato de seus autores serem chamados de "Bible deniers".

Abaixo, envio uma entrevista interessante com Finkelstein, publicada no Ha'aretz.

http://www.haaretz.com/hasen/pages/ShArt.jhtml?itemNo=291264&contrassID=2&subContrassID=14&sbSubContrassID=0&listSrc=Y

Um grande abraço,

Humberto Quaglio

 
INTERPRETAÇÕES SEGUNDO
OS ACADÊMICOS DE LAGADO



Quem me acompanha, sabe que um de meus livros de cabeceira é As Viagens de Gulliver, de Swift. Pois bem, em sua visita à Academia de Lagado, o capitão Lemuel Gulliver toma ciência de curiosos métodos de interpretação.

"Um outro acadêmico mostrou-me um escrito contendo um curioso método para descobrir as conspirações e as intrigas, que era examinar os alimentos dos indivíduos suspeitos, a ocasião em que os comem, o lado para o qual se deitam na cama e a mão com que limpam o traseiro; observar-lhes os excrementos e ajuizar, pelo cheiro e pela cor, dos pensamentos e dos projetos de um homem, tanto mais que, na sua opinião, os pensamentos não são nunca mais ponderados, nem o espírito se encontra tão recolhido, como quando se está no retrete. Ajuntava que, quando, para fazer simplesmente experiências, havia algumas vezes pensado no assassínio de um homem, tinha então encontrado os seus excrementos muito amarelos e que, quando pensava em revoltar-se e incendiar a capital, achara-os de uma cor muito negra.

"Arrisquei-me a acrescentar algumas palavras ao sistema desse político; disse-lhe que seria bom manter sempre um núcleo de espiões e delatores que se protegeriam e aos quais se daria sempre uma certa importância em dinheiro proporcional ao valor da sua denúncia, quer fundada, quer não; que, por esse meio, os súditos viveriam no receio e no respeito; que esses delatores e acusadores seriam autorizados a dar o sentido que lhes aprouvesse aos escritos que lhes caíssem nas mãos; que poderiam, por exemplo, interpretar assim os termos seguintes:

"Uma peneira: uma alta dama da corte.
Um cão coxo: uma descida, uma invasão.
A peste: m exército em pé de guerra.
Um bolônio: um favorito.
A gota: um grão-sacerdote.
Um pinico: uma assembléia.
Uma vassoura: uma revolução.
Uma ratoeira: um emprego financeiro.
Um esgoto: a corte.
Um chapéu e um cinto: uma amante.
Uma cana partida: o tribunal.
Um tonel vazio: um general.
Uma chaga aberta: o estado dos negócios públicos.

"Poder-se-ia ainda observar o anagrama de todos os nomes citados num escrito; para isso, porém, eram necessários homens da mais elevada penetração e do gênio mais sublime, principalmente quando se tratasse de descobrir o sentido político e misterioso das letras iniciais. Assim: N poderia significar uma conspiração; B um regimento de cavalaria; L uma esquadra. Além disso, transpondo-se as letras, poder-se-ia descobrir num escrito todos os ocultos desejos de um partido descontente. Por exemplo: lê-se numa carta escrita a um amigo: Seu irmão Tomás sofre de hemorróidas; o hábil decifrador desvendará, na assimilação destas palavras indiferentes, uma frase que fará compreender que está tudo preparado para uma sedição".

segunda-feira, fevereiro 18, 2008
 
O PODER DAS INTERPRETAÇÕES



Acabei de ler um belo estudo sobre a Bíblia, que se intitula precisamente A Bíblia, da teóloga Karen Armstrong. A autora remexe nas camadas mais profundas do Pentateuco e agora passei a entender porque Jeová ora se chama Jeová, ora se chama Eloim. Os extratos mais antigos do Pentateuco – ou Torá, para os judeus – teria duas vertentes: um épico sulista de Judá que os estudiosos chamam de J, porque seus autores sempre chamavam seu Deus de Jeová, e uma saga do norte conhecida como E, porque esses historiadores preferiam o título mais formal de Eloim. Mais tarde essas duas histórias distintas foram combinadas por um editor para formar a história única que constituiu a espinha dorsal da Bíblia hebraica.

O livro de Armstrong é leitura fundamental para quem queira entender o Livro a fundo. Recomendo vivamente. Dele se deduz, por exemplo, que o próprio Jeová acreditava em outros deuses, obviedade que choca muito crente. É só em Isaías que Jeová passa a se considerar único. “Sou Jeová, inigualável. Não há nenhum outro deus além de mim”.

Cito Armstrong:

“Tanto J como E tinham, por exemplo, concepções de Deus muito diferentes. J usava imagens antropomórficas que causariam embaraço a exegetas posteriores. Jeová passeia pelo jardim do Éden como um potentado do Oriente Médio, fecha a porta da Arca de Noé, irrita-se e muda de idéia. Contudo, em E havia uma concepção mais transcendente de Eloim, que mal “fala”, preferindo enviar um anjo como seu mensageiro. A religião israelita posterior iria se tornar profundamente monoteísta, convencida de que Jeová era o único Deus. Mas nem J nem E eram monoteístas. Originalmente, Jeová fora membro da Assembléia Divina dos “santos”, que El, o poderoso deus de Canaã, havia presidido com sua consorte Aserá, e Jeová era o santo de Israel. No século VIII, Jeová havia expulsado El da Assembléia Divina e reinava sobre uma multidão de “santos”, guerreiros do exército celeste. Nenhum dos outros deuses podia se igualar a Jeová na fidelidade a seu povo. Nisso ele não tinha pares, não tinha rivais. Mas a Bíblia mostra que até a destruição do templo por Nabucodonosor, em 586, os israelitas também adoraram grande número de outras divindades”.

Um dos momentos do livro que mais me surpreendeu foi a revelação da exegese rabínica da midrash, na qual o significado de um texto não é evidente em si mesmo. O exegeta tinha de ir a sua procura, porque cada vez que um judeu se confrontava com a palavra de Deus na Escritura, ela significava algo diferente. A Escritura era inesgotável. Os rabinos gostavam de salientar que o rei Salomão usara três mil parábolas para ilustrar cada versículo da Torá e podia dar 1.005 interpretações de cada parábola - o que signficava que havia três milhões e 15 possíveis exposições de cada unidade da Escritura. Quer dizer, se a Bíblia diz isto, você pode perfeitamente interpretar como sendo aquilo. Cada rabino, uma sentença.

Vejamos este singelo versículo do Gênesis: "Porque o meu anjo irá adiante de ti, e te introduzirá na terra dos amorreus, dos heteus, dos perizeus, dos cananeus, dos heveus e dos jebuseus; e eu os aniquilarei".

Um bom especialista na midrash talvez pudesse chegar legitimamente à conclusão que Jeová recomendara enviar beijos e flores aos amorreus, aos heteus, aos perizeus, aos cananeus, aos heveus e aos jebuseus.

Esta orgia interpretativa contaminou inclusive os cristãos. Orígenes, por exemplo, nunca se deixou levar pelo sentido literal dos textos bíblicos. Abraão prostitui Sara para receber mordomias de faraó? Nada disso. Para Orígenes, Abraão queria partilhar a extraordinária virtude de Sara.

Da mesma forma, quando Sulamita diz: “Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o seu amor do que o vinho”, por favor, ninguém imagine que se trata de uma poema erótico. É apenas uma imagem do amor de Cristo por sua Igreja.

domingo, fevereiro 17, 2008
 
DENÚNCIAS DEVASSAM
O SANTO DOS SANTOS




Desde há mais de vinte anos tenho me perguntado por que a imprensa não aborda a corrupção nas universidades. Até hoje, a universidade tem sido o Santo dos Santos, onde jornalistas não podem penetrar. O Santo dos Santos era uma sala do Templo de Salomão onde ficava guardada a Arca da Aliança. Era onde se realizava anualmente uma cerimônia de sacrifício expiatório de um cordeiro sem mácula pelos pecados dos judeus. Esta sala ficava separada do templo por uma cortina de linho. Segundo a lei de Moisés, somente ao sumo sacerdote era permitido entrar no Santo dos Santos, e ele tinha que ser cerimonialmente purificado antes que pudesse falar com Deus.

Em meus dias de UFSCTUR – como denominei a Universidade Federal de Santa Catarina – denunciei na imprensa as centenas de professores contratados sob regime de Dedicação Exclusiva e que continuavam tocando serenamente seus consultórios de médicos ou dentistas, seus escritórios de advocacia. Mais outros tantos que ganhavam bolsas em outros Estados do País ou no Exterior e voltavam de mãos abanando, após quatro ou cinco anos de turismo regiamente subsidiado – extensivo a mulheres e filhos, é claro – sem nada devolver ao Erário. Minha denúncia causou comoção na Universidade, mas ficou tudo por isso mesmo. A desfaçatez da UFSC era tamanha a ponto de a Reitoria abrigar uma agência de turismo em suas instalações. (E talvez ainda a abrigue). O reitor processou-me por calúnia e difamação, mas teve de tirar o cavalinho da chuva. Em suma, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. A universidade é o Santo dos Santos, onde não há pecados nem impurezas.

Isso sem falar naquela corrupção perfeitamente legal, tais como doutorandos que vão a Paris ou Londres pesquisar a obra de Machado de Assis ou Nelson Rodrigues. Ora, por que não pesquisá-la aqui, onde estes autores a elaboraram? Depois de quatro ou cinco anos, elaboram um textículo de 300 ou 400 páginas, que não será lido por ninguém – talvez nem mesmo pelos participantes da banca – e ficará mofando nalguma biblioteca. Isso quando elaboram as 400 pagininhas. Pois muitos nem isso conseguem. Isso quando fica mofando nalguma biblioteca. Porque às vezes nem fica. Na UFSC, nos anos 60, um incêndio providencial numa sala da Reitoria queimou as “teses” de boa parte dos doutores da Universidade. Estranho incêndio, queimou só as teses. “Ainda bem que queimou” – me confessou um deles, doutor em História – . Porque a minha tese não se sustentava”.

Isso sem falar em professoras que voam de Porto Alegre a Tóquio, para expor durante vinte minutos um comunicado vital... sobre Literatura Comparada. Em velhotes que se candidatam a doutorado aos 50 anos, quando já estão perto da aposentadoria. O doutorado, que deveria ser uma especialização para o exercício do magistério, passa a ser um prêmio de consolação na velhice. Encontrei em Paris uma de minhas colegas de magistério, uma velhota quase sexagenária com dificuldades de locomoção, pois mal conseguia enxergar um semáforo. Fazia doutorado em Lingüística. Passaram-se os anos e não escreveu uma linha. A universidade queria trazê-la de volta. Mas para isso ela tinha de ser comunicada – sei lá porque razões – aqui no Brasil. Como ela não queria receber essa comunicação, permanecia em Paris. Com seus salários e subsídios de bolsa preservados. Não sei como foi resolvida a situação.

Mas isso tudo é perfeitamente legal. A UFSC teve um caso caricatural. Um professor, que foi contemplado com uma bolsa na Bélgica, jamais foi à Bélgica. Encontrou uma fórmula para abrir uma conta em um banco belga e receber seu dinheiro no Brasil. Com a bolsa, construiu uma mansão em Itapema. Me consta que a universidade não conseguiu afastá-lo de seus quadros.

Graças ao escândalo dos cartões corporativos, a universidade brasileira finalmente entrou na berlinda. Descobriu-se que o reitor da Universidade de Brasília (UNB), Timothy Mullholland, gastou apenas 470 mil reais na reforma do apartamento em que residia. Em que residia gratuitamente, diga-se de passagem. Homem refinado, o Magnífico comprou – com o cartãozinho mágico – uma lata de lixo no valor de R$ 990 e um saca-rolhas de R$ 859. Gente fina é outra coisa.

Mais ainda. Leio hoje no Estadão que os cartões corporativos da UnB serviram para pagar compras de valor elevado em supermercados, mercearias, açougues, peixarias e armazéns no ano passado. De 2004 a 2006, esse tipo de gasto tinha produzido uma despesa abaixo de R$ 13 mil, somadas as contas dos três anos. Levantamento do Estado mostra que somente em 2007 os cartões pagaram R$ 69.721,99 em compras feitas em estabelecimentos especializados na venda de gêneros alimentícios, como Carrefour, Pão de Açúcar, Tigrão e Oba, entre outros.

Mas também aparecem compras em lojas que vendem artigos mais refinados, como o minimercado e delicatessen La Palma, a confeitaria Monjolo - que vende biscoitos, tortas e bolos finos - e a padaria Pão Italiano, por exemplo. A profusão de compras desse tipo, pela universidade, mostra que o cartão público de débito é usado como um cartão pessoal - com a diferença de que a fatura é emitida contra o caixa do Tesouro Nacional.

É o que nos conta o jornal. Também informa que a segunda universidade com maior despesas de cartão corporativo é a Federal do Piauí, cujos gastos nem de longe rivalizam com os feitos pela UnB. Em 2007, a Universidade Federal do Piauí gastou R$ 356.772 nos cartões.

As denúncias chegaram ao Santo dos Santos do mundo acadêmico. Mas ainda são tímidas. No Brasil, quando se puxa um fio da corrupção, vem atrás um imenso novelo. E as demais universidades do país? Seus Magníficos Reitores e funcionários não usam cartões corporativos? Ora, se usam, é de supor-se que também terão caído na farra dos cartões. Alguém consegue acreditar que só as universidades de Brasília e do Piauí fazem uso indevido dos cartões?

As denúncias seguirão adiante? Duvido. Se seguirem, vai ser bom para o mercado de trabalho dos jornalistas. As empresas terão de contratar mais profissionais para apurar tanta malversação de dinheiro público.

De qualquer forma, a corrupção universitária é anterior à prática dos cartões. Corrupção são essas bolsas para pesquisas rumo ao nada, viagens para congressos inúteis, dobradinhas com Dedicação Exclusiva e exercício simultâneo de outra profissão, doutorandos que voltam de mãos vazias e nada devolvem à universidade. Em um colóquio literário, por exemplo, quem mais ganha não é a cultura, mas a hotelaria e as agências de turismo.

Puxa-se um fio e vem o novelo. Começou com o Executivo. Logo descobriu-se que Legislativo e Judiciários tinham também suas fórmulas de salário indireto. Agora, entra a Academia no baile. Antes tarde do que nunca. Mas se bem conheço os bois com que lavro, ninguém será punido. É gente demais para ser punida. Melhor então não punir ninguém.

 
OBSCURANTISMO MARXISTA NA UNIVERSIDADE



De Raphael Piaia, recebi:


Janer,

gostaria que você estivesse na faculdade nas últimas semanas. Ou melhor, acho que não gostaria. Não desejo esse tipo de tortura para ninguém, muito menos a você. Eu estava para te escrever esse e-mail há algum tempo, mas ainda não tive oportunidade. Ele deveria ser grande, mas vou tentar fazê-lo curto pela falta de tempo.

Lembra quando você disse que vomitava todo dia antes de ir para a redação da Folha? Pois é assim que me sinto na faculdade. O esquerdismo entre os professores é patente, não existem dúvidas sobre isso. Salva-se, no máximo, um pelo que pude notar até aqui. Os absurdos já foram vários, mas para citar um que se relaciona ao seu texto, só preciso lembrar de ontem.

Na aula de sociologia, surgiu o assunto índios. E então começa a “professora”, socióloga também formada em teologia: “Antes tudo era bom, não era, meu queridos? Agente vivia em harmonia com a natureza, as cidades não eram entupidas de gente como são agora, o ar era respirável. Deixa eu citar um exemplo de aumento da população em Londres, o êxodo rural e a queda no padrão de vida de tal década para tal década” (...) “Mas era bom, não era? Antes do Brasil ser descoberto, nós vivíamos bem, não vivíamos? Alguém consegue pensar em alguma coisa boa que eles ( europeus) trouxeram para nós?Nada, não é?” Deu para ter um idéia, não, Janer? Eu pensei em várias coisas que os europeus trouxeram, mas estava tão cansado. Desisti de debater com esses professores. No colegial até que ainda era legal, atraia garotas e tudo o mais, só começou a estressar no fim dos estudos. No convívio social, mais legal ainda, não há aquela tropa politicamente correta atrás de você. Se você discute com alguém, discute em pé de igualdade. Não é como na faculdade, onde o professor se arroga de sua autoridade de... mestre-doutor e você de... aluno do contra. E isso foi só um aperitivo, Janer. Já conseguiram opor empresários x proletariado. Já conseguiram comparar o Brasil com Cuba, onde um professor universitário ganha e vive bem com 10 dólares, veja só, pois lá não se paga nada! Escola, luz, saúde, para o espanto da classe, são providos pelo Estado. Aliás, muitas dessas defesas, embasbacando-me, vieram em aulas de economia. E, claro, Nenhum professor esqueceu de falar sobre o “ nosso capitalismo selvagem”.

Nos primeiros dias, desafiei bastante os absurdos. Desafiei sobre o ridículo de defender-se a cultura dos muçulmanos. Desafiei o nada tímido antiamericanismo dos professores. Desafiei os crucifixos no alto das salas ( nesse caso, numa conversa particular com um dos professores) enfim... Resultado? Consegui fama de antipático. Do tipo: “ Quem esse moleque pensa que é, contestando assim nossos divinos doutores?” A Parte atuante da sala deve me ver como um reacionário odioso, uma vez que ficam de boca aberta e olhos brilhando durante os discursos das viúvas de Marx. Os professores, como um rapazinho perigoso, audacioso e arrogante. O resto, a parte mais alienada que não dá bola para nada disso, deve se perguntar o que o Piaia faz se preocupando com essas coisas enquanto poderia passar mais tempo bebendo no barzinho ou “brincando” com as garotas.

Ora, brincar com as garotas é bom, não nego. Mas os professores com sua verborragia conseguem assassinar e sepultar qualquer clima. E eu ainda me mantenho calmo, Janer. Não contestei nada daquilo onde ainda sou leigo. Não contestei, por exemplo, as afirmações de que o Direito Natural é visto e entendido da mesma forma por todas as culturas e pessoas do mundo. Os desafio – os professores uspianos doutores que vieram criticar o capitalismo em universidade paga-, até os corrijo em alguns casos, quando se trata de assuntos culturais, geopolítica e afins. É cansativo, é estressante, é... Eu sei que você e todos sempre advertiram para não esperar nada diferente disso na faculdade, mas mesmo assim. Por enquanto, ainda me sinto como você se sentia antes de ir para a redação da Folha. Mas isso tem mudado. Estou indo para o lado do sarcasmo ou da indiferença como sempre fiz em outros tempos. Ou o da contestação sem circo, como faço, ou tento fazer, socialmente. Não sei. Não existem muitas alternativas.

sábado, fevereiro 16, 2008
 
MARTA RELAXA E GOZA INAUGURA
GREAT BRAZIL PICARETAGEM




Foi inaugurado ontem o trem de luxo Great Brazil Express, que percorrerá o trecho entre Ponta Grossa e Cascavel. A solenidade aconteceu em Morretes (PR) e contou com a presença da ministra do Turismo, Marta Suplicy. Mas atenção: o trem não é para viajar. Faz parte de um pacote turístico que inclui, além do passeio ferroviário, visita para as cataratas do Iguaçu. As saídas ocorrem desde Curitiba ou do Rio de Janeiro.

Vejamos agora os preços. Começam em 2,3 mil euros (cerca de R$ 5,8 mil) saindo da capital paranaense para Foz do Iguaçu, para um passeio de sete dias em outubro. A tarifa mais cara é para saída de Foz do Iguaçu até o Rio de Janeiro, entre julho e agosto, com duração de 10 dias para a viagem: 3,5 mil euros (cerca de R$ 8,9 mil). O trecho entre Ponta Grossa e Cascavel passa pelas cidades de Curitiba, Morretes, Antonina, Piraquara, Castro, Guarapuava, Irati e Tibagi. Estes preços incluem todas as refeições e bebidas no trem, entradas para os passeios, hotéis e taxas.

Vejamos agora os preços de um Eurail Pass na Europa, viajando em primeira classe naqueles soberbos trens europeus. Quinze dias, 747 euros. 21 dias, 968 euros. Um mês, 1.201 euros. Três meses, 2.093 euros. Há uma fórmula ainda mais barata, o Saver Pass. E se você tiver menos de 26 anos, os preços baixam pela metade. Quer dizer, para girar três meses na Europa, você paga menos do que por dez dias no Brasil.

Verdade que estes preços não incluem refeições nem bebidas, hotéis nem taxas. Mas trem, na Europa, é um meio de transporte ao alcance de todos os cidadãos. E não um pacote turístico, ao alcance de turistas ricos. Com o Eurail Pass, em vez de Curitiba, Morretes, Antonina, Piraquara, Castro, Guarapuava, Irati e Tibagi, você tem Lisboa, Madri, Barcelona, Toulose, Roma, Bolonha, Veneza, Paris, Bruxelas, Amsterdã, Munique, Stuttgart, Berlim, Copenhague, Estocolmo. E quantas mais cidades quiser. Em verdade, toda e qualquer cidade da Europa onde chegue um trem.

A Great Brazil Picaretagem é obviamente dirigida a turistas estrangeiros. Tanto que já fornece seu preço em euros. Mas europeus ou americanos não são tão estúpidos quanto imagina a dona Marta Relaxa e Goza. O pacote brasileiro só tem de interessante as cataratas. Pela metade do preço, um parisiense voa até lá, sem ter de perder seu tempo passando por cidades sem charme algum. Pelo preço proposto pela tal de Great Brazil, pode-se passar um mês nas ilhas gregas ou canárias.

Alguma crise de afonsocelsismo deve ter acometido as autoridades do turismo no Brasil. É claro que este trem de luxo tem seus dias contados.

 
BUGRES PODEM MATAR



Ao comentar a defesa da adoção de certos aspectos da sharia no Reino Unido, feita pelo o líder espiritual da Igreja anglicana, afirmei que o Brasil estava fazendo escola. Pois neste país insólito, desde há muito há diferentes legislações para diferentes grupos sociais. Para espanto de alguns leitores, afirmei que índio tem carteirinha de 007, aquela que dá o direito de matar.

Enquanto a Igreja Católica luta contra o aborto por considerá-lo um assassinato, os indígenas brasileiros se reservam o direito de matar filhos de mães solteiras, os recém-nascidos portadores de deficiências físicas ou mentais. Gêmeos também podem ser sacrificados. Algumas etnias acreditam que um representa o bem e o outro o mal e, assim, por não saber quem é quem, eliminam os dois. Outras crêem que só os bichos podem ter mais de um filho de uma só vez. Há motivos mais fúteis, como casos de índios que mataram os que nasceram com simples manchas na pele – essas crianças, segundo eles, podem trazer maldição à tribo. Os rituais de execução consistem em enterrar vivos, afogar ou enforcar os bebês. Geralmente é a própria mãe quem deve executar a criança, embora haja casos em que pode ser auxiliada pelo pajé. É o que nos conta reportagem da recente edição da Istoé.

Em meu livro Ianoblefe, citei as denúncias do antropólogo americano Napoleon Chagnon sobre as práticas ianomâmis, em cujas tribos a criança não desejada é morta após o parto. Ao tornar público este segredo de polichinelo, Chagnon foi excluído do universo da antropologia. Segundo a Istoé, a prática do infanticídio já foi detectada em pelo menos 13 etnias, como os ianomâmis, os tapirapés e os madihas. Só os ianomâmis, em 2004, mataram 98 crianças. Os kamaiurás, a tribo de Amalé e Kamiru, matam entre 20 e 30 por ano. Mas entre os sacerdotes que vociferam contra o aborto, você não encontra um só que denuncie estes assassinatos. E tudo isto sob os olhares complacentes da Funai, que considera que os brancos não devem interferir nas culturas indígenas. Dessa mesma Funai que quer proibir a adoção de crianças indígenas pelos brancos. “Índio sofre muito fora da tribo”, dizem os antropólogos. Na tribo, conforme o caso, nem sofre: é enterrado vivo ao nascer. Ou afogado. Ou enforcado.

A reportagem narra a história de Amalé, indiozinho de quatro anos, que sobreviveu a um enterramento. Logo que nasceu, foi enterrado vivo pela própria mãe, que seguia um ritual determinado pelo código cultural dos kamaiurás, que manda enterrar vivo aqueles que são gerados por mães solteiras. Para assegurar que o destino de Amalé não fosse mudado, seus avós ainda pisotearam a cova. Duas horas depois, em um gesto que constituiu um desafio a toda aldeia, uma tia apiedou-se do menino e o desenterrou. Estava ainda vivo. Amalé só teria escapado da morte porque naquele dia a terra da cova estava misturada a muitas folhas e gravetos, o que pode ter formado uma pequena bolha de ar.

“Antes de desenterrar o Amalé, eu já tinha ouvido os gritos de três crianças debaixo da terra”, relata Kamiru, a tia que o salvou. “Tentei desenterrar todos eles, mas Amalé foi o único que não gritou e que escapou com vida”.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008
 
EVANGÉLICOS E CANALHAS



Enquanto os cabeças-de-toalha tentam censurar a Wikipedia, no Brasil são os fanáticos da Igreja Universal do Reino de Deus que tentam censurar a imprensa nacional. Em dezembro passado, a repórter Elvira Lobato, da Folha de São Paulo, assinou reportagem intitulada "Universal chega aos 30 anos com império empresarial". Para intimidá-la, a IURD entrou com 47 ações de indenização por danos morais em Juizados Especiais de vários Estados. As ações são impetradas por diversos crentes desses vários Estados, mas o texto é sempre o mesmo.

A intenção é clara, forçar a jornalista a nomear advogados e ter de viajar pelo Brasil todo para defender-se. Em esquema semelhante ao usado contra a Folha, a IURD impetrou mais 41 ações de indenização por danos morais contra dois jornalistas dos jornais Extra, do Rio de Janeiro, e A Tarde, da Bahia, por terem noticiado ato de vandalismo numa igreja católica em Salvador atribuído a adepto da igreja.

Ou seja, a IURD não quer que os jornais informem. Felizmente ainda há juízes sensatos neste insensato país. O juiz Edinaldo Muniz dos Santos, 36, titular da comarca de Epitaciolândia, no Acre, extinguiu processo em que um reclamante, Edson Duarte Silva, pretendia obter indenização da Folha e da repórter Elvira Lobato.
O juiz entende que há um "assédio judicial", ou seja, "uma atuação judicial massificada e difusa da Igreja Universal contra o jornal". Já o juiz Alessandro Leite Pereira, de Bataguaçu (MS), condenou outro reclamante, Carlos Alberto Lima, por litigância de má-fé.

Reproduzo trechos de entrevista da Folha:

FOLHA - Por que o sr. extinguiu imediatamente o processo?
EDINALDO MUNIZ DOS SANTOS - Lendo a reportagem, vi de cara que o requerente, um simples fiel da igreja, era manifestamente ilegítimo, não poderia se aproveitar da matéria para pedir da Folha uma indenização. Legalmente só a própria Igreja Universal poderia, ao menos em tese.
FOLHA - Por que o sr. diz que está havendo um assédio judicial patrocinado pela Igreja Universal?
SANTOS - O Judiciário está sendo usado apenas para impor à parte requerida um prejuízo processual, isto com centenas de deslocamentos para audiências, passagens aéreas, advogados etc. O processo judicial, que é meio de punição e reparação, passa ser a própria punição.
FOLHA - Quais são os riscos quando os juízes, sem compreender a gravidade do caso, mandam citar os réus?
SANTOS - Se o requerido for citado e não comparecer, corre o risco de ser condenado à revelia. Depois, para desfazer isso leva tempo e dinheiro. O caminho da simples importunação judicial não é tão complicado. O "piloto automático" do Juizado Especial pode sim gerar injustiças que para serem desfeitas leva tempo e dinheiro.


Com outros métodos, a igreja do bispo Edir Macedo em nada difere dos cabeças-de-toalha que querem censurar a Wikipedia. A técnica é antiga. Já fui alvo de pelo menos três processos que tentavam intimidar-me. Qualquer jornalista mais combativo tem um histórico de processos em sua vida. Mas a IURD foi maquiavélica. Se o Judiciário aceita esta estratégia safada de processar um jornalista em diversos Estados da União, a vida do profissional se torna um inferno. E o livre exercício da crítica se torna inviável.

Canalhas!