¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, novembro 29, 2006
 
FINALMENTE UM JUIZ COM BOM SENSO



Conversando há pouco com amigos franceses, eles ficaram chocados com uma instituição nossa, o voto obrigatório. Não conseguiam entender como, em uma democracia, alguém pode ser obrigado a votar. O olhar do estrangeiro sempre nos esclarece sobre as mazelas nacionais.

Leio no Estadão que o juiz Wagner Guerreiro, da 276ª Zona Eleitoral, em Uberaba, decidiu isentar de multa os eleitores faltosos nas eleições deste ano. Em sua decisão, o juiz citou os escândalos do mensalão e dos sanguessugas, além do dossiê Vedoin, alegando que os episódios ajudaram a aumentar a abstenção. Segundo ele, a regra constitucional que obriga o voto confronta os ideais de liberdade, de manifestação de pensamento e de crença, entre outros. O magistrado alega que não está convencido da necessidade de punir os faltosos.

Mas lucidez e bom senso têm vida curta no Brasil. O Ministério Público Eleitoral já entrou com recurso. E certamente os tribunais superiores anularão a decisão de Wagner Guerreiro.

 
SOBRE RILLO


Leitores querem saber algo mais sobre o autor de Bicho Tutu. Le voilà:

Apparicio Silva Rillo nasceu em Porto Alegre, em 1931. Iniciou estudos de Economia Política na PUC-RS, passando mais tarde a viver em Nhú-Porã, interior de São Borja, em permanente contato com os costumes gauchescos. Fundador do "Os Angüeras", grupo amador de arte, de São Borja. Alguns livros publicados: Domingo no bolicho, teatro, 1957; Cantigas do tempo velho, poesia, 1959; Viola de canto largo, poesia, 1966; João Gaudério e João Peão, vida e paixão, teatro, 1969; São Borja, aqui te canto, poesia, 1970. Tem vários trabalhos inéditos sobre o folclore gaúcho.

terça-feira, novembro 28, 2006
 
BICHO TUTU



Apparicio Silva Rillo



- Gurizada alarifa, esta. Parece que nunca viram um velho feio. Dão para espiar de longe, como lagarto pra camoatim. Vai ver que até estes fedelhos já andam acreditando nessas mentiras que o povo espalha por ai. Sei que tem gente que me chama de bandido. Chomico! Pode que ninguém acredite, mas eu fui homem de coração mole. E foi o que me perdeu - a minha bondade.

Quando meu finado pai me entregou pro Coronel, a um ror de anos, me lembro que disse: "Respeita o Coronel como se fosse teu pai, guri. Ordem dele é lei, não te esquece. É Deus no céu e o Coronel na terra".

O Coronel - que nesse tempo era moço - me tomou pra seu capanga. Me deu revólver bom, adaga de bom corte; a melhor tropilha da fazenda para eu escolher o cavalo que me agradasse. E eu sempre fui reconhecido aos que me ajudavam. De que modo, então, me negar quando ordenava um rodeio de laço nuns cajetilhas maragatos? Não podia me recusar. Me doía aquilo - eu sempre fui um homem de coração molengo - mas ordem é ordem e eu sempre soube obedecer. E recusar de que jeito, quando me mandou dar sumiço no doutorzinho do jornal? Claro que tive que fazer o serviço. E bem feito, que eu nunca fui homem de deixar empreitada pelo meio: foi um tiro só, atrás da orelha. Na volta, o Coronel louvou: "Serviço de gente branca, guri". Recomendou: "Em boca fechada marimbondo não faz casa, não esqueça". Eu acresci: "Segredo neste peito caiu morto, Coronel..."

- X -

Nunca pude ver ninguém sofrer, bicho ou gente. Na revolução eu ficava bombeando de longe o Azulão e o Talho Feio degolando. Eram uns brutos. Sem jeito, tratavam como bichos aquela infelizama. Um dia eu não agüentei - pedi a bolada. O Azulão arreganhou os dentes: "Vai te embora, guri, que teu ofício é outro. Aqui quem degola sou eu e o Talho Feio". Mas eu estava decidido: meu coração não suportava ver tanta maldade. Disse pro negro: "Vocês são uns bandidos, estão degolando como quem atora um pau". Pelei minha faquinha e pedi por favor que me deixassem degolar um guri. Eu sempre tive muita pena de guri metido em revolução, longe da mãezinha deles, passando trabalho. O negro deixou, só pra ver se eu me garantia mesmo. O guri berrou, tinha chegado a hora dele. Eu disse: "Não te assusta meu filhinho, eu só quero o teu bem, não posso te ver sofrer". Segurei o bichinho pela melena, calcei o joelho no lombo dele, enfiei minha faquinha bem no pé do ouvido e puxei num golpe só até a outra orelha. O guri caiu quietinho, garanto que agradecido por ter morrido sem penar. Só a perninha dele ainda ficou batendo, tum que titum, enquanto o sangue escorria grosso e quente.

Dias depois o Coronel me chamou. Me disse: "Tem um bando de maragatos presos ali no capão. Dá um jeito neles, meu filho". Fui lá. Estava uma escolta cuidando dos prisioneiros. Boleei a perna do baio-perneira, mandei puxar o primeiro e fiquei afiando a faquinha no cano da bota. Experimentei ela nos pêlos do braço: uma navalha. O vivente botou a boca no mundo. Eu disse: "Não chora, meu filho, onde já se viu homem de barba na cara chorar?" O desgraçado se ajoelhou na minha frente: "Pelo leite que o senhor mamou nos peitos de sua mãezinha, não me mate, mocinho!" Aí, eu disse: "Que pena, meu filhinho, eu fui criado guaxo..." E era verdade. Nunca mamei leite de peito materno: minha mãe morreu quando eu nasci. Sei que tem gente que diz que ela morreu de desgosto, por ter adivinhado o bandido que havia parido. Quanta maldade neste mundo, mãe de Deus! Mas, como eu ia contando, o maragato rogava por todos os santos que eu não matasse ele. Sempre tive bom coração, já disse. Deixei ele amarrado ali perto, para degolar por último. Fui fazendo o serviço nos outros - uns seis ou sete - pra ele ver que eu trabalhava bem. Quando chegou a vez dele, afiei de novo a minha faquinha, puxei ele com todo o respeito e degolei com a canhota. Havia cansado a mão direita, não tinha o treino que peguei depois.


- X -


Um capricho que eu tinha era de não sujar minha roupa com o sangue dos inocentes. Quando se anda em revolução pouco tempo se tem para lavar os trapos. Me lembro que só uma vez me sujei de sangue. Foi na degola de um castelhano. Cortei dentro de minha ciência, de orelha a orelha, fundo. Pois o danado ainda deu uma volta inteira, ficou me olhando com cara de louco, os olhos pra fora dos buracos. Quando me dei conta foi aquele esguicho que me lavou os braços e a camisa. Fiquei até encabulado. Não fossem pensar o Azulão e o Talho Feio que eu estava perdendo o traquejo. Mas eu disse pra eles que castelhano é gente diferente, tem a veia artéria na nuca. Acreditaram.

Eu era caprichoso, já disse. Outra coisa que eu era: ruim de estômago, se revoltava fácil. Por isso nunca pude lamber o sangue da faca, como fazia o Talho Feio. O índio jurava que sangue de negro era doce; então, sempre que fosse preciso degolar um crioulo o Feio se encarregava.

O Azulão tinha uma mania engraçada: limpava o sangue na bombacha, não era como eu que tinha uma garra de pelego para limpar a faca. No fim do serviço era aquela nojeira, o sangue secava e empeçava a feder. O Azulão dizia que o sangue ajudava a conservar a fazenda, engrossava o pano, nem carecia tirador. Mas com aquela fedentina eu me revoltava: "Vai lavar esta bombacha, negro relaxado!" Uma vez ele estava de recavém alumiando ao sol, debruçado numa barranca de arroio, lavando os panos. Me deu vontade de fazer uma brejeirada. Campiei umas urtigas de mato, daquelas de folha larga, felpudas, e esfreguei ligeiro e com força no traseiro do negro. Dia que eu me ri muito. Chamei a gente do meu piquete para ver o Azulão arrastando as polpas no pedregulho, como guaipeca com lombriga. Sei que depois andou dizendo que se fosse outro ele carneava. Mas tinha sido brincadeira, caramba, e a gente não ia brigar por isso. E, depois, eu acho que o negro tinha medo da minha faquinha. Tem gente que tem medo de faquinha.


- X -


Bicho que sempre respeitei foi mulher. Mulher e padre. Padre é meio mulher, usa vestido. Uma vez a gente vinha numa escolta pequena, na vanguarda, quando chegamos num rancherio ali pelo Iguariaçá. Mulher naquela época não dava em touceira. Viviam se escondendo, mas ali tinha três chinas. Não eram lá essas coisas, mas na campanha mocotó é lombo. Minha gente boleou a perna e foi se atiçando pro lado das morochas. O Talho Feio já queria sacar a saia de uma pernuda quando eu gritei, de cima do meu baio-perneira: "Alto lá, cachorrada! Respeito com as mulher!" Naquele tempo eu já era meio tenente; galão se ganha é debaixo da fumaça e o Coronel conhecia meu valor numa peleia. E quem tem posto que se faça obedecer. Gritei, a indiada refugou, eu acresci: "Ninguém se acampa por aqui; vão tudo pr'aquele capão; o primeiro que meter o focinho fora eu incendeio os trapos!" Vi que os índios acharam o puchero meio gordo, mas que recurso? Manda quem pode e obedece quem precisa.

Fiquei de dono do terreiro, com dois de minha confiança dando guarda no rancho. Disse pras chinas, que choravam como umas galinhas, que fossem para o quarto, que não tinha perigo, que eu cuidava delas. Tranquei a porta por dentro e fui sestear. Sesta linda, seu! Tratei bem as bichinhas - eu sempre fui muito respeitoso com mulher. Elas andavam com saudade dos maridos, as pobres, e eu tive pena. Matei as saudades das três. Uma delas disse que não tinha marido, que era moça, tinha medo. Pra essa eu falei que então aproveitasse, que a gente casava sem padre mesmo, que depois da revolução podia ser difícil - perigava morrer tudo quanto era macho.

Quando saía do rancho, pela meia tarde, o Talho Feio vinha chegando, a meia guampa. Não sei onde o diabo do meu amiguinho havia arranjado cachaça. Resolveu me afrontar, falando grosso: "Tenente, neste piquete não tem um galo só. Arrede da porta que eu também tenho esporão!" Arredei, sempre fui um homem bem mandado. Quando passou por mim enfiei minha faquinha bem por debaixo do sovaco dele, do lado de montar. Coitadinho do Talho Feio! Não sabia que mulher a gente respeita, até mesmo em revolução. Fizemos um velório lindo, as três chinas ajudaram a chorar, era de cortar o coração. Se o céu existe o Talho Feio anda por lá. Homem bom tava ali mesmo...

Revoluçãozita buena a de 93!


- X -


Em 23 já não foi a mesma coisa. Já era então graduado: Capitão. O Coronel tinha me provisionado à moda dele - eu merecia o galão.

Um dia fui ver a degola de uns prisioneiros. Me deu pena ver o sofrimento daquela gente, sacrificada na mão de uma récua de brutos que pensam que degolar é matar porco. Minha faquinha era a mesma de antes - tinha ficado de reserva esses anos todos, pra quando carecesse. E careceu. Parece que a danadinha me entendeu. Quando apeei do malacara ela já vinha saindo da bainha, que nem cruzeira da toca em ponto do meio dia. Cortou sem qualquer ajuda aquela pescoçama toda...

Pena que durou pouco o entrevero. Coisa de poucos meses e se arreglaram, os meninos. Os homens já não eram os mesmos, cho-égua!

Por voltas de 25 um piá me desacatou numas carreira no Povinho. A mocidade já não era como no meu tempo; muito alarifa, não respeitava os mais velhos. Dei um laçaço na cara do guri, com meu trançado de oito. Parece que o menininho não gostou; se veio pela fumaça, como gato furioso. Até hoje o meu pala tem o furo da bala que matou o pobrezinho. Quando é que ele ia pensar que eu estava calçando ele - o nagão escondido por debaixo do pano, pronto pra um quero como negro em baile? Diz que custou a morrer - eu já não tinha mão firme, acho - mas não deu para conferir porque o pai dele carregou também. Quase me quebra o braço de um balaço. Atiramos juntos, mas eu tive mais sorte: meu 44 abriu outro olho no meio da cara dele.

Me descuidei no entrevero e a milicada me cercou. Uma Winchester no peito tem muita força, se tem! Mas nem me bateu a passarinha - tinha matado brigando. E o Coronel, eu sabia, ia dar um jeito no processo. Não seria a primeira vez.

Mas, desta vez, não sei por que foi, fui mofando na cadeia, fui mofando, mandei recado ao Coronel e ele nem água. Parece que andou dizendo que nem me conhecia bem, que quem aqui faz aqui paga - coisas por este conseguinte. Se há coisa que dói é a injustiça; nem tanto da Justiça, que por isso mesmo nasceu cega, mas dos homens.

Gastei o não podia, perdi meu campinho, minha ponta de gado, minha tropilha de éguas. Meu advogado era moço novo e lo acabaram embrulhando. Levei meia dúzia de anos na cadeia, com o que compreendi que defender o pelego já passava a ser crime. Cadeia foi feita pra homem e agüentei sem um ai, no meio de uns bandidos bárbaros. Foi aí que vi que engaiolar passarinho é o maior dos pecados.


- X -


Um dia me largaram. Tomei o trem e retornei às quietas, pronto para um ajuste que eu mastigara como um remédio ruim por esses anos todos. Cheguei diferente, barba crescida, envelhecido e magro. Ninguém me conheceu, que eu percebesse. Quase matei de susto a china velha que me cuidava o rancho. Pedi que se calasse, revirei o baú e saí para a noite.

Quando entrei no escritório do Coronel - magrinho que estava, o pobre, mirradinho e velho de dar pena - me conheceu de pronto: a faquinha na mão falava mais alto que o meu nome. Não presta deixar um homem morrer de susto, é a maior judiaria. Eu disse: "Se lembra de mim, Coronel?" Não sou homem de falar muito, falar atrapalha as mãos. Enfiei minha faquinha bem no pé do ouvido do pobre do Coronel; puxei devagarzinho até a outra orelha, e nem força careceu fazer; foi mesmo que cortar uma braça de seda, até o barulhinho foi igual.

Parece mentira, mas saí chorando. O Coronel tinha sido quase um pai para mim.


- X -


Bati na marca, me fui pro oco do mundo. Rodei por aí anos e anos. Me arranchei nesta querência, casei com mulher trabalhadeira e moça, criei filho. Este rancho eu mesmo construí, neste pedaço de terra que comprei com o meu dinheiro.

Mas as histórias vão surgindo. Erva ruim brota em qualquer parte, e o povo tem muita imaginação.

Dizem, entre tantas mentiras, que não tiro o pala para disfarçar as armas, sempre à mão de semear. Tudo falso, como rengueira de cusco. É que depois de velho o frio castiga, e o palita me ajuda como um sol.

Me contaram - gente que não precisa mentir - que tem mulher embalando criança com meu nome: "Dorme, menino, sinão o Capitão Pedra te pega..." Ora, já se viu? Andar ervindo de bicho tutu depois de velho. E Capitão Pedra, tem jeito? Logo Pedra - para um homem de coração molengo como eu. O que aliás me perdeu - minha bondade.



(Conto publicado na antologia Assim escrevem os gaúchos, organizada por Janer Cristaldo, Alfa Ômega, 1976)

domingo, novembro 26, 2006
 
DIA DA SUEQUINHA



Diga-se o que quiser de Marx, não podemos negar que fosse um intuitivo. Viu o universo de ricos e pobres de suas época e nesta dicotomia encontrou as bases de seu pensamento. Deu-lhes nomes mais solenes - proletariado e burguesia - e criou a ideologia mais assassina do século XIX, que produziu no século seguinte nadas menos que cem milhões de cadáveres. A humanidade tomou vergonha, o Muro foi derrubado, a União Soviética desmoronou e o comunismo passou a ser cultuado apenas em ilhotas do Terceiro Mundo. Operários se deram conta de que era melhor conviver com patrões que lutar contra eles. Desmoralizada a luta de classes, os velhos apparatchiks se sentiram desempregados. Uma nova luta precisava ser criada.

O leitor que tiver acesso a bancos de dados de jornais poderá comprovar facilmente. Depois de 89, palavras como proletariado e burguesia começaram a minguar nos noticiários. Ao mesmo tempo, aumentou espantosamente a incidência de palavras como racismo, racista, ódio racial. Ou uma nova luta se estabelecia ou os velhos apparatchiks morriam de fome. Neste Brasil inculto, que elegeu e reelegeu um analfabeto como presidente, estes profissionais que só encontram lugar em países que vivem a reboque da História investiram tudo na nova luta. O senador Paim Filho, por exemplo, restabeleceu o conceito de raça, conceito este sempre negado pelos movimentos negros, e pretendeu instituir a carteirinha de negro.

Não bastasse isso, a lei 10.639, de 2003, instituiu o Dia da Consciência Negra e fez desta data um feriado nacional. O feriado mal havia sido notado por coincidir com sábados e domingos. Assim foi que, somente neste ano da graça de 2006 acabamos descobrindo que o racismo foi oficializado no Brasil. O racismo negro, bem entendido, pois jamais ocorreria aos brancos criar um Dia da Consciência Branca. E se o criassem, seriam imediatamente denunciados na Justiça como racistas.
Pouco de novo se tem a dizer a respeito desta história antiga. Mas a cada vez que a estupidez emerge, urge denunciá-la. O dia é uma homenagem a um dos símbolos da resistência negra no país: Zumbi de Palmares, que foi degolado em 20 de novembro de 1695. Até há bem pouco, a data celebrada pelos negros era o 13 de maio, quando, em 1888,a princesa Isabel decretou a libertação dos escravos.

Isso de branca libertar negros, ainda mais quando se tratava de uma princesa, não gera luta racial. Era preciso encontrar um negro, de preferência um mártir. Mesmo que nos quilombos existissem escravas brancas. Mas este dado, stalinisticamente, deve ser apagado da História. Não fica bem à imagem de um herói libertador de negros ter escravas brancas. Por outro lado, não vejo porque não unificar a grande Parada Negra às paradas gays de São Paulo. Afinal, Zumbi era chegado às práticas nefandas, como se dizia na época, tanto que mereceu o apelido de Suequinha.

Cerca de doze mil pessoas participaram, nesta última segunda-feira, da primeira Parada Negra, na avenida Paulista, região central de São Paulo. Após a parada ocorreu a 3ª Marcha da Consciência Negra. A festa já acontece em 232 municípios brasileiros. Agências bancárias e dos correios permaneceram fechadas nos municípios que decretaram feriado devido à data. Ai daqueles que um dia pensarem em uma parada branca. Serão imediatamente anatematizados e jogados no rol dos racistas, nazistas e fascistas.

Esta manifestação só serve para incentivar o racismo no país. Bem entendido, jamais teremos um dia da consciência mulata. Os negros racistas brasileiros, à semelhança dos negros racistas americanos, não aceitam a idéia de mulato. Aceitar o conceito de mulato significa admitir que no Brasil negros e brancos se miscigenaram sem maiores problemas, e isto significa dizer que no Brasil não há racismo, ou pelo menos não hás um racismo mais pronunciado. Isto não serve aos velhos comunistas, sempre entrincheirados na antiga idéia de luta de classes.

É sempre bom lembrar que os negros não chegam a constituir seis por cento da população nacional. Os mulatos chegam a 38%. Até o Supremo Apedeuta já assumiu esta idéia de que estes mulatos não existem, e andou colocando o Brasil como segundo país negro do mundo, depois da Nigéria. Chamem como quiserem o 20 de novembro. Eu prefiro chamá-lo de dia da Suequinha. Quem quiser empunhar Zumbi como herói da libertação dos negros, terá também de empunhar outras bandeiras, que não sei se todo o pequeno contingente negro da população terá coragem de empunhar.

sexta-feira, novembro 24, 2006
 
CHOPE CHEGA A DOM PEDRITO



2006 ficará como um marco histórico na brava Capital da Paz. Finalmente o chope chegou a Dom Pedrito. Chegou no século XXI, é verdade. Antes tarde do que nunca. O que me lembra o gelo chegando a Macondo.

Ainda neste século, os pedritenses tiveram contato com o mármore. Pela primeira vez vi na cidade mesas de mármore. No mesmo bar que servia o chope. Antes disto, para ter contato com o mármore ou chope, suponho que os pedritenses tivessem de organizar excursões culturais à vizinha Rivera, na Banda Oriental.

Chegaram também os primeiros mendigos. Também pela primeira vez em minha vida, vi dois mendigos em Dom Pedrito.

quinta-feira, novembro 23, 2006
 
CAMPEREANDO ENTRE FAVELAS



Gostar da Fronteira Oeste gaúcha é coisa de quem nasceu naqueles pagos. A pampa é um deserto plano, verde e monótono, pontilhado de caponetes de árvores, entre as quais se abriga uma casa. Rodando entre Dom Pedrito e Livramento - em busca de algo decente para comer na Banda Oriental, isto é, em Rivera - deparei-me com algo anômalo na geografia de minha infância. Em determinado trecho, a pampa estava pontilhada por casebres esdrúxulos, sem nenhuma razão de ser. Eram casinhas retangulares, todas iguais, plantadas sobre porções de terra onde o pastiçal tinha sido arrancado. Nenhuma árvore em torno, nenhum jardim, nenhuma roça. Via-se que os casebres estavam ali porque alguém ou algo os havia jogado ali.

Eu estava atravessando um assentamento de sem-terras. Sinal algum de agricultura em torno a eles. Animais, muito menos. Nada de plantas. Indício algum de uma atividade produtiva, por mínima que fosse, naquela região toda. Lá pelas tantas, vi um pequeno milharal. Pacase, meu excelente guia em assuntos da Fronteira Oeste, me advertiu: "Não pensa que são eles que plantam esse milho. Quem fornece a semente e planta é sempre um fazendeiro. O sem-terra recebe uma parte da produção. Depois cada um bota um saco de espigas nas costas e sai a vender de porta em porta em Dom Pedrito".

As casas todas, aparentemente vazias. "Eles nem moram aí. Só aparecem para receber a cesta básica. A maior parte do tempo estão marchando rumo a outras invasões".

O que mais me espantou foi a ausência de árvores. Todo homem do campo, para melhor enfrentar o sol e a intempérie, cerca seu rancho com muita sombra e proteção contra os ventos. As moradias dos tais de sem-terra em verdade não passavam de tetos provisórios fincados em meio a uma favela absurda. Plantar árvores para quê? A revolução não precisa de árvores.

O pior é que quem financia esta organização parasitária e inútil, somos nós, os contribuintes. Que ainda não tomamos vergonha e continuamos financiando uma guerrilha católico-marxista liderada por desocupados imbuídos de ideologias do século XIX.

Melhor ir a Rivera. O Uruguai é pequeno e não admite tais palhaçadas de Terceiro Mundo. Melhor esquecer a favela e degustar uma boa costela de cordeiro, regada com um esplêndido Tannat. Vontade de ficar eternamente no pequeno Uruguai. Naquelas bandas que os espanhóis marcavam nos mapas como "Tierra de Ningún Provecho".

O pior é que se tem de voltar.

quarta-feira, novembro 22, 2006
 
ELEIÇÕES GANHAS, ZÉ POVINHO QUE SE LIXE


Duas notícias significativas, hoje, na Folha Online:


Governo consegue derrubar aumento de 16,67% para aposentados

Os deputados da base aliada do governo federal derrubaram nesta terça-feira a proposta da oposição de elevar o reajuste dos aposentados que ganham mais que um salário mínimo para 16,67%. Com isso, esses aposentados terão um aumento de 5,01% -como previa a proposta inicial do governo federal.

O aumento de 16,67% foi rejeitado por 184 deputados contra 158 que eram favoráveis, além de quatro abstenções. Essa decisão garantiu uma vitória do governo na Câmara. Para a oposição, o resultado de hoje já reflete o apoio do PMDB ao governo.


PT defende reajuste de 30% a deputados

De olho na presidência da Câmara, o PT defenderá um aumento da ordem de 30% para os deputados a partir de 2007, suficiente para repor a inflação dos últimos quatro anos.

terça-feira, novembro 21, 2006
 
TRADUTORES



Millôr Fernandes é um dos raros intelectuais brasileiros que não se rendeu às ideologias do século passado. Verdade que nunca foi contundente na denúncia ao marxismo. Pelo menos não era marxista, o que já constitui virtude mínima.

Mas...

Leio na Folha de São Paulo de domingo passado reportagem sobre sua obra. Em dado momento, diz o repórter que Millôr fez centenas de traduções, desde Ibsen a Brecht. Ora, não me consta que Millôr tenha norueguês ou alemão suficientes para traduzir Ibsen ou Brecht. Houve época no Brasil em que grandes títulos, especialmente os escandinavos, eram oferecidos a escritores de renome, para que os traduzissem a partir de traduções do inglês ou francês. Quintana, Raquel de Queiroz e creio que até mesmo Drummond de Andrade caíram neste conto.

Era uma época em que poucas pessoas no Brasil conheciam sueco, norueguês, dinamarquês ou alemão. O recurso tinha algum sentido. Mas não é coisa para que alguém ponha no currículo. Penso que Millôr deveria corrigir o redator, que pecou por excesso de idolatria.

segunda-feira, novembro 20, 2006
 
OS CAUSO DAS ESCRITURA



(conto de Sérgio Jockymann)


Pois não sei se já les contei os causo das Escritura Sagrada. Se não les contei, les conto agora. A história essa é meio comprida, mas vale a pena contá por causa dos revertério. De Adão e Eva acho que não é perciso contá os causo, porque todo mundo sabe que os dois foram corrido do Paraíso por tomá banho pelado numa sanga.

Naqueles tempo, esse mundaréu todo era um pasto só sem dono, onde não tinha nem dele nem meu. O primeiro índio a botá cerca de arame foi um tal de Abel. Mas nem chegou a estendê o primeiro fio porque levou um pontaço no peito do irmão dele, um tal de Caim, que tava meio desconforme com a divisão. O Caim, entonces, ameaçado de processo feio, se bandeou pro Uruguay. Deixou o filho dele, um tal de Noé, tomando conta da estância.

A estância essa ficava nas barranca de uma corredera e o Noé, uns ano despois, pegou uma enchente muito feia pela frente. Cosa munto séria. Caiu uma barbaridade de água. Caiu tanta água que tinha até índio pescando jundiá em cima de cerro. O Noé entonces botou as criação em cima de uma balsa e se largou nas correnteza, o índio velho. A enchente era tão braba que quando o Noé se deu conta a balsa tava atolado num banhado chamado Dilúlvio.

Foi aí que um tal de Moisés varou aquela água toda com vinte junta de boi e tirou a balsa do atoleiro. Bueno, aí com aquele desporpósito, as família ficaram amiga. A filha mais velha do Noé se casou-se com o filho mais novo do Moisés e os dois foram morá numa estância muito linda, chamada estância da Babilônica. Bueno, tavam as família ali, tomando mate no galpão, quando se chegou um correntino chamado Golias, com mais uns trinta castelhano do lado dele. Abriram a cordeona e quiseram obrigá as prenda a dançá uma milonga.

Foi quando os velho, que eram de muito respeito, se queimaram e deu-se o entrevero. Peleia braba, seu. O correntino Golias, na voz de vamos, já se foi e degolou de um talho só o Noé e o velho Moisés. E já tava largando planchaço em cima do mulherio quando um piazito carretero, de seus dez ano e pico, chamado Davi, largou um bodocaço no meio da testa do infeliz que não teve nem graça. Foi me acudam e tou morto. Aí a indiada toda se animou e degolaram os castelhano. Dois que tinham desrespeitado as prenda foram degolado com o lado cego do facão. Foi uma sanguera danada. Tanto que até hoje aquele capão do Mar Vermelho.

Mas entonces foi nomeado delegado um tal de major Salomão. Homem de cabelo nas venta, o major Salomão. Nem les conto! Um dia o índio tava sesteando quando duas velha se bateram em cima dum guri de seus seis ano que tava vendendo pastel. O major Salomão, muito chegado ao piazito, passou a mão no facão e de um talho só cortou as velha em dois. Esse é o muito falado causo do Perjuízo de Salomão que contam por aí.

Mas, por essas estimativas, o major Salomão, o que tinha de brabo tinha de mulherengo.

Eta índio bueno, seu. Onde boleava a perna, já deixava filho feito. E como vivia boleando a perna, teve filho que Deus nos livre. E tudo com a cara dele, que era pra não havê discordância. Só que quando Deus nosso Senhor quer, até égua véia nega estribo. Logo a filha das predileção do major Salomão, a tal de Maria Madalena, fugiu da estância e foi sê china de bolicho. Uma vergonhera pra família. Mas ela puxou a mãe, que era uma paraguaia meio gaudéria que nunca tomo jeito na vida. O pobre do major Salomão se matou-se de sentimento, com uma pistola Eclesiaste de dois cano.

Mas, vejam como é a vida. Pois essa mesma Maria Madalena se casou-se três ano despois com um tal de coronel Ponciano Pilatos. Foi ele que tirou ela da vida. Eu conheço uns três caso do mesmo feitio e nem um deles deu certo. Como dizia muito bem o finado meu pai, mulher quando toma mate em muita bomba, nunca mais se acostuma com uma só. Mas nesses contraproducente, até que houve uma contrapartida. O coronel Ponciano Pilatos e a Maria Madalena tiveram doze filho, os tal de aposto, que são muito conhecido pelas caridade que fizeram. Foi até na casa deles que Jesus Cristo churrasqueou com a cunhada de Maria Madalena, que despois foi santa muito afamada. A tal de Santa Ceia.

Pois era uns tempo muito mal definido. Andava uma seca braba pelos campo. São José e a Virge Maria tinham perdido todo o gado e só tavam com uma mula branca no potrero, chamada Samaritana. Um rico animal, criado em casa, que só faltava falá. Pois tiveram que se desfazê do pobre. E como as desgraça quando vem, já vem de braço dado, foi bem aí que estouraram as revolução.

Os maragato, chefiado por uma tal de coronel Jordão, acamparam na entrada da Vila. Só não entraram porque tava lá um destacamento comandado pelo tenente Lazo aquele mesmo que por duas vez foi dado por morto. Mas aí um cabo dos provisório, um tal de cabo Judas, se passou-se pros maragaro e já se veio uns tal de Romano, que tavam numas várzeas, e ocuparam a Vila.

Nosso Senhor foi preso pra ser degolado por um preto muito forte e muito feio chamado Calvário. Pois vejam como é a vida. Esse mesmo preto Calvário, degolador muito mal afamado, era filho da velha Palestina, que tinha sido cozinheira da Virge Maria. Degolador é como cobra, desde pequeno já nasce ingrato. Mas entonces botaram Nosso Senhor na cadeia, junto com dois abigeatário, um tal de João Batista e o primo dele, Heródio dos Reis. Os dois tinham peleado por causo de uma baiana chamada Salomé e no entrevero balearam dois padre, monsenhor Caifás e o cônego Atanásio.

Mas aí veio uma força da Brigada, comandada pelo coronel Jesus Além, que era meio parente do homem por parte de mãe e com ele veio mais três corpo de provisório e se pegaram com os maragatos. Foi a peleia mais feia que se tem conhecimento. Foi quarenta dia e quarenta noite de bala e bala.

Morreu três santo na luta: São Lucas, São João e São Marco. São Mateus ficou três mês morre não morre, mas teve umas atenuante a favor e salvou-se o índio. Nosso Senhor pegou três balaço, um em cada mão e um que varou os pé de lado a lado. Ainda levou mais um pontaço do mais velho dos Romanos, o César Romano, na altura das costela. Ferimento muito feio que Nosso Senhor curou tomando vinagre na sexta-feira da paixão. Mas aí, Nosso Senhor se desiludiu-se dos home, subiu na Cruz, disse adeus pros amigo e se mandou-se de volta pro céu. Mas deixou os dez mandamentos, que são cinco e que se pode muito bem acolherá em dois: não se mata home pelas costa, nem se cobiça mulher dos outros pela frente.

domingo, novembro 19, 2006
 
COM A NONCHALANCE DE UM DEUS



Há mais de vinte anos não leio ficções. Já fui devoto do gênero e traduzi uma boa dezena delas ao brasileiro. Acabei cansando. O autor faz das tripas coração para criar um universo imaginário. Como este universo é de mentirinha, ele não está limitado pelas contingências da realidade. No entanto, a realidade acaba superando de longe todas as ficções.

Qual ficcionista conseguiria criar personagens como Hitler, Mao, Stalin, Pol Pot? Nenhum. Na hora de matar, embora possa matar e permanecer impune, o autor de ficções é tímido. Verdade que o Hagiógrafo conseguiu criar um que matou todos menos um. Mas não é todos os dias que se escreve uma ficção como a Bíblia. "Quem mata um é assassino, quem mata milhões é conquistador, quem mata todos é Deus" - escreveu o biólogo Jean Rostand. No século passado, assistimos a conquistadores que mataram com a nonchalance de um Deus.

Costumamos empurrar a barbárie para épocas remotas da História. No entanto, o século em que mais se massacrou em todos os tempos foi o passado, este no qual todos nascemos. Outra característica do XX, é que estes grandes assassinos foram cultuados como heróis, modelos de virtude e mesmo como deuses. Quando surgiram as notícias da morte de Stalin, não poucos comunistas não acreditaram. Um deus não pode morrer.

Se você nada conhece de Josiph Vissarionovitch Djugatchivili, nada entendeu da história recente. Este senhor, conhecido também por Koba ou Stalin, "o de aço", matou mais que Hitler e só não conseguiu matar mais que Mao. Ostenta em seu currículo a modesta cifra de 20 milhões de cadáveres. Houve época em que não era fácil encontrar uma biografia de Stalin no Brasil. A primeira biografia importante, a de Boris Souvarine, escrita originalmente em francês e editada em Paris em 1939, jamais chegou até nós. Consta ter existido uma tradução em russo, editada em único exemplar, para uso exclusivo de Stalin. Ignora-se o destino do tradutor.

Outra importante biografia, a de Adam B. Ulam, em dois volumes e editada pela primeira vez nos Estados Unidos em 1973, tampouco chegou até nós. Tive acesso a elas porque vivia em Paris. Este ano, tivemos nas livrarias brasileiras pelo menos três biografias do ditador georgiano, a do britânico Simon Sebag Montefiore e a dos irmãos russos Roy e Zhores Medvedev e a de Isaac Deutscher.

Estão surgindo no Brasil biografias das mais completas destes grandes assassinos. Ainda há pouco, li uma outra de Stalin, assinada por Simon Sebag Montefiore, intitulada Stalin, a Corte do Czar Vermelho, 860 páginas. Editada originalmente em 2003, esta biografia é trabalho invejável de um jovem pesquisador (o autor nasceu em 1965), que narra o dia-a-dia, cada frase, cada gesto de Stalin. Montefiore parece ser um observador onisciente e onipresente. O livro é lido com o sabor de um romance. Com um detalhe: os horrores nele narrados - com fria objetividade - nada têm de fictícios. É leitura que recomendo vivamente, particularmente aos jovens, em especial àqueles que nunca ouviram falar de Stalin. Se você quiser entender o século passado, leia o livro de Montefiore. Voltarei ao assunto.

Mal larguei Stalin, foi lançado Mao, a História Desconhecida, 960 páginas, de Jung Chang e Jon Halliday. Estas duas obras, ambas lançadas pela Companhia das Letras, preenchem uma lacuna enorme no estudo dos tiranos do século passado. Decididamente, nenhuma mente seria capaz de conceber ficcionalmente a trajetória destes monstros que foram cultuados como deuses.

Em Mao, a História Desconhecida, vemos Stalin amplamente superado por seu discípulo chinês, Mao Tse Tung. O nome duplo Tse Tung significa "brilhar sobre o Leste". De início vemos uma diferença básica entre ambos. Se Stalin passou a matar uma vez instalado no poder, matar foi o método empregado por Mao para chegar ao poder. Nesta biografia, é interessante ver Mao lutando contra Chiang Kai-Shek, Stalin apoiando Mao e Chiang Kai-Shek ao mesmo tempo, os Estados Unidos apoiando Mao, e Chiang Kai-Shek permitindo a progressão da Longa Marcha, marcha tão exitosa que começou com 80 mil homens e acabou com dez mil.

O Livro Negro do Comunismo debita a Mao 65 milhões de cadáveres em tempos de paz. Jung Chang fala em 70 milhões. 65 ou 70, não se tem notícia na História de homem que, sozinho, tenha matado tanto. Entre 58 e 61, no Grande Salto para a Frente, 28 milhões de chineses morreram de fome. Segundo a autora, foi a maior epidemia de fome do século XX - e de toda história registrada da humanidade. A China produzia carne e grãos, mas Mao exportava estes produtos para a União Soviética, em troca de armas e tecnologia nuclear. Segundo o homem que brilhava sobre o Leste, as pessoas "não estavam sem comida o ano todo - apenas seis ou quatro meses."

Para Mao, morrer fazia parte da vida. É preciso que as pessoas partam para dar lugar às que chegam. Claro que jamais lhe ocorreu perguntar se alguma pessoa aceita partir antes do devido tempo. "Vamos considerar quantas pessoas morreriam se irrompesse uma guerra - diz Mao -. Há 2,7 bilhões de pessoas no mundo. Um terço poderia se perder; ou um pouco mais, poderia ser a metade. Eu digo que, levando em conta a situação extrema, metade morre, metade fica viva, mas o imperialismo seria arrasado e o mundo inteiro se tornaria socialista."

A partir de 1953, foi imposto o confisco em todo o país, a fim de extrair mais alimentos para financiar o Programa de Superpotência. A estratégia era simples: deixar para a população apenas o suficiente para que permanecesse viva e tomar todo o resto. Segundo Chang, Mao via vantagem práticas nas mortes em massa. "As mortes trazem benefícios", disse em 1958. "Elas podem fertilizar o solo". Os camponeses receberam ordens para plantar sobre os túmulos. Usar luto foi proibido e até mesmo derramar lágrimas, pois segundo Mao a morte deveria ser celebrada.

O homem que brilha sobre o Leste não se contentou em matar e torturar. Procurou também humilhar a inteligência. Em 1966, durante o Grande Expurgo, fez arrastar e maltratar professores e funcionários da universidade de Pequim diante da multidão. "Seus rostos foram pintados de preto e puseram chapéus de burros em suas cabeças. Forçaram-nos a ajoelhar-se, alguns foram espancados e as mulheres foram sexualmente molestadas. Episódios semelhantes se repetiram em toda a China, provocando uma cascata de suicídios."

Os Guardas Vermelhos invadiram casas onde queimaram livros, cortaram pinturas, pisotearam discos e instrumentos musicais - conta-nos Yung Chang - destruindo tudo em geral que tivesse a ver com cultura. Confiscaram objetos valiosos e espancaram seus donos. Ataques sangrentos a residências varreram a China, fato que o Diário do Povo saudou como "simplesmente esplêndido". Muitos dos que sofreram os ataques foram torturados até a morte em seus lares. Alguns foram levados para câmaras de tortura improvisadas em antigos cinemas, teatros e estádios. Guardas Vermelhos vagando pelas ruas, fogueiras de destruição e gritos das vítimas: esses eram os sons e as cenas das noites do verão de 1966.

Que um tirano mate, isto nada tem de original. Faz parte de sua estratégia para manter-se no poder. O que mais me causa espécie em Mao foi um episódio de seu regime que bem demonstra a insanidade de homens que se atribuem poderes absolutos. Sigo ainda o relato de Yung Chang. "Um dia, Mao teve a brilhante idéia de que uma boa maneira de manter os alimentos seguros era se livrar dos pardais, pois eles comiam grãos. Então designou esses passarinhos como uma das Quatro Pragas que deveriam ser eliminadas, junto com ratos, mosquitos e moscas, e mobilizou toda a população para sacudir paus e vassouras e fazer uma algazarra gigantesca, a fim de assustar os pardais e impedi-los de pousar, de tal modo que eles cairiam de fadiga, seriam capturados e mortos pelas multidões".

Vi certa vez um documentário sobre esta insânia. Milhares de chineses perseguiam pardais por ruas, árvores e telhados, businando, batendo latas e tambores. Que Mao matasse, até que se entende. O mais difícil de entender é ver um líder levando milhões de chineses a matar pássaros... no grito. O problema é que estes pássaros, além de comer grãos, eliminavam muitas pragas, "e não é preciso dizer que muitas outras aves morreram na farra da matança. Pragas que eram mantidas sob controle pelos pardais e outros pássaros floresceram, com resultados catastróficos. Os argumentos dos cientistas de que o equilíbrio ecológico seria afetado foram ignorados".

Resultado da Grande Matança de Pardais: o governo chinês acabou pedindo, em nome do internacionalismo socialista, que os russos enviassem 200 mil pardais do leste da União Soviética assim que possível. E durante anos houve quem cultuasse no mundo todo - e principaslmente entre nós - como salvador da humanidade, este assassino ridículo.

sexta-feira, novembro 17, 2006
 
COMBINAÇÃO PERVERSA



O tempo passa. E com este passar, nossos hábitos e relações se modificam. Se houve época em que eu vivia cercado de filhas, hoje vivo cercado de mães. Nada contra. Mães ou filhas - e até mesmo vovós - são sempre interessantes.

Com o passar do tempo, mudam não só os homens mas também as coisas. As inovações tecnológicas mal nos dão tempo de respirar. Há uns quinze anos - não sei se alguém ainda lembra - ter telefone era sinal de status no Brasil. Ao chegar em São Paulo, tive de pagar 4 mil dólares por uma linha. Atenção: dólares. Nem moeda nacional era aceita pelo vendedor. Na época, só tinha mais status que o telefone fixo o celular. Hoje, qualquer criançola ou empregada doméstica tem o seu.

E as mães também, é claro. Confesso-vos, leitores, que tecnologia em excesso é sempre inconveniente. Desconheço combinação mais perversa que uma mãe acoplada a um celular. E ai da mãe que ousar desligar o aparelhinho. Do outro lado da linha, a cria entra em chilique.

 
EM SANTA MARIA DA BOCA DO MONTE



Estou em Santa Maria, cidade universitária gaúcha de 300 mil habitantes. Os raros restaurantes abordáveis correm o cliente às duas horas da tarde. Estou no Augusto, talvez o mais reputado restaurante da cidade. Em absoluta falta de opção, peço um vinho nacional. O último filme nacional que vi foi em 1977. Por essa época, devo também ter tomado o último vinho nacional. Pedi o mais caro vinho da carta, um Valduga Premium Cabernet Sauvignon. Apesar do nome pomposo, tive de cuspir fora.

A cidade pequena, olha e passa, dizia Kavafis. Eterna vergonha para esta cidade universitária. Vergonha também para a indústria vinícola nacional.

quinta-feira, novembro 16, 2006
 
GILNEI DESCANSA



Começou a descansar hoje Gilnei Marques, jovem empresário gaúcho, o pioneiro criador do primeiro jornal eletrônico do Rio Grande do Sul, onde tive a honra de ser convidado para escrever. Em outubro de 2003, quando manifestou o desejo de curtir os países da Europa, perguntei-lhe: "por que não vais?" A resposta me caiu como uma ducha fria: "no momento, a única razão para não ir é um câncer".

De lá para cá, foram três anos de uma batalha insana contra a morte. Quem quiser ter uma idéia do tremendo desejo de viver de Gilnei, de sua teimosia quase insana em enfrentar a Indesejada das Gentes, pode ler seu blog, Trópico de Câncer (http://www.tropicodecancer.blogger.com.br/)

Sua última postagem, de 31 de outubro passado:

Os últimos 15 dias foram infernais. Noites mal dormidas, dores nas costas e na lombar, dificuldade para engolir alimentos, pés inchados por desnutrição, nariz invariavelmente entupido, incapacidade de respirar pelo excesso de líquido na pleura, ouvidos a meio pau, surdinho, tudo, enfim, para aumentar a tal da depressão profunda diante do barranco.

Tudo parece estar desmoronando, melhor os passeios do passado, no Barranco, com motivos mais torpes, algo como "ah, me dá mais um chope aí então". Mas, nem tudo está perdido, entre hoje e amanhã - uma cirurgia para drenar dois litros de líquido e grudar as paredes da pleura podem retirar da lista sinistra itens fundamentais para o meu bem-estar. Prometo manter os amigos informados.


Teimoso, há uns seis meses ele me perguntava: "Quando vamos tomas aquele mocotó no Gambrinus?). Não houve tempo. Há momentos em que o melhor que um amigo pode desejar a outro amigo é que parta, e parta logo. Gilnei partiu. Sofre quem fica. Quem parte descansa.

quarta-feira, novembro 15, 2006
 
A VELHA LUTA DE CLASSES?


Segundo a Folha de São Paulo, circularam ontem na Internet trechos de notas dos controladores militares do tráfego aéreo onde se conclama para que "os ventos que abalaram Brasília se espalhem por todos os rincões de nosso país". No mesmo texto se podia ler que "avião no Brasil é transporte de rico, artista e político".

Começa-se a entender as razões do caos aéreo no Brasil.

terça-feira, novembro 14, 2006
 
FALTA DE RESPEITO




Ano passado, peguei um trem de Bruxelas a Paris. Ao descer na Gare du Nord, um funcionário distríbua algo a todos os passageiros que desciam. Curioso perguntei o que era. "O trem atrasou 20 minutos. É o formulário para receber sua indenização".

Contemplo o caos atual nos aeroportos do Brasil, passageiros dormindo no chão ou em bancos, atrasos de mais de dez horas, autoridades insistindo em que nada está acontecendo. O curioso é que ninguém parece saber qual seja a raiz do problema. (Uma dica: a ANAC está infestada de petistas). Mas o que mais me choca é ler a recomendação das tais autoridades: que o passageiro que sentir lesado recorra à Justiça ou à defesa do consumidor.

É quando me lembro do trem de Bruxelas. Nada de recorrer à Justiça, nada de defesa do conumidor. A própria empresa se apressava em distribuir um formulário para ressarcir o cliente, sem maiores burocracias.

Perca as esperanças quem acha que este país tem solução.

 
TRISTE PORTO



Em Porto Alegre, revisito minha universidade. Não a UFRGS, mas a Praça da Alfândega e a Rua da Praia. Estas foram minhas verdadeiras universidades, foi lá que, madrugadas adentro, conheci os melhores autores e as mais importantes bibliografias. Girávamos pela noite discutindo o homem e o mundo, até as madrugadas. Lembro-me de uma noite em que discutíamos esse nó górdio, a mulher. Lá pelas tantas, vi pombas passeando na calçada. Epa! Pomba não perambula na noite. Dei-me então conta de que já havia amanhecido.

Encontrei a praça tomada pela Feira do Livro, que assumiu proporções gigantescas. Aquela feira quase íntima dos anos 70 já era. Quanto à Rua da Praia, arrasada, infestada por um peculiar lixo humano. Bem entendido, não é de hoje que os camelôs tomaram conta da rua. A história vem de bem longe, de 16 anos de administração do PT, este partido especializado em destruir cidades. E é possível que venha de mais longe ainda. A deterioração dos centros urbanos tornou-se regra no Brasil, independentemente de partidos.

A Rua da Praia era a rua elegante de Porto Alegre, onde as mulheres exibiam seus melhores adereços para desfilar e serem paqueradas. Era um momento de charla, prazer e ócio. Hoje virou um mercado persa. Os portoalegrenses que adoravam o centro se afastaram para bairros distantes. E há pessoas que não vão ao centro há mais de dez anos.

Dói lembrar de Porto Alegre. Teimoso, me hospedo no centro. Mas o centro em que um dia fui feliz já não existe.

segunda-feira, novembro 13, 2006
 
INGRATA ESPANHA



Sempre defendi a idéia de que não só a Espanha, mas também a Europa foi salva do comunismo graças a Francisco Franco. Se Stalin conseguisse coquistar a Espanha, a URSS teria o controle de dois mares, o Mediterrâneo e o do Norte. Portugal caíria com um piparote. França, Itália e Alemanha ficariam estranguladas entre a Espanha comunista e os países do Leste. E a Inglaterra teria o inimigo às suas porta.

Francisco Franco, doutor honoris causa da Universidade de Santiago de Compostela, teve seu título cassado na sexta-feira Passada. Para o reitor Senén Barro, o título concedido em 1965 foi retirado porque Franco "não tinha os méritos acadêmicos suficientes". A universidade afirma que Francisco Franco Bahamonde "não reúne os méritos científicos nem pessoais para ostentar esta honra e, em conseqüência, o seu nome é retirado da lista de ilustres honoris causa desta Universidade bem como do livro de honras".

É a primeira vez que a universidade toma uma decisão deste tipo. O reitor disse ainda que pediu às Universidades de Coimbra e Salamanca para que tomem uma decisão no mesmo sentido. É o que dizem as agências.

Entre as pessoas que receberam o título e que reúnem os méritos científicos e pessoais para ostentá-lo está Luís Inácio Lula da Silva.

Os espanhóis, numa demonstração de esquerdismo tardio, estão jogando ao lixo o homem que construiu a Espanha moderna e passam a cultivar nulidades do Terceiro Mundo.

domingo, novembro 12, 2006
 
INGENUIDADE E MALANDRAGEM



Pesquisa divulgada na semana passada pela ONG Transparência Internacional mostra que o País teve uma "piora significativa" no nível de percepção de corrupção. Na pesquisa anterior, o Brasil ficou em 62º lugar em uma lista de 159 países. Agora, caiu para 70º em 163 nações pesquisadas. Entre as nações percebidas como menos corruptas, estão empatadas Finlândia, Islândia e Nova Zelândia, com 9,6 pontos. Dinamarca, Cingapura, Suécia, Suíça, Noruega, Austrália, Holanda. Entre os últimos da lista, por ordem decrescente: Guiné Equatorial, Uzbequistão, Bangladesh, Chade, Congo, Sudão, Guiné, Iraque, Mianmá, Haiti. O Brasil divide o 70º lugar com China, Egito, Gana, Índia, México, Peru, Arábia Saudita e Senegal. Para fazer o ranking mundial, a Transparência Internacional usa como base de dados várias pesquisas feitas em diferentes países por instituições como o Banco Mundial, o Fórum Econômico Mundial e agências de avaliação de risco. A pontuação vai de zero (pior situação) a dez (situação ideal).

Não é preciso ser um especialista em geografia política para perceber que nos países ricos a corrupção é ínfima, enquanto impera em países pobres. Seria a honestidade uma virtude típica de ricos? Ou ricos não precisam ser desonestos? Estas perguntas não têm muito sentido, afinal mesmo nos países pobres quem se beneficia da corrupção são sempre os ricos. Melhor buscar por outro lado. Entre os países menos corruptos, Cingapura à parte, predomina uma cultura protestante. Entre os mais corruptos estão os muçulmanos. Os católicos Brasil, México e Peru dividem o meio de campo com China, Egito e Arábia Saudita.

Em meus dias de Suécia, vivi em uma sociedade onde a honestidade era a regra. O Estado confiava no cidadão e o cidadão confiava no Estado. O mais odiado dos crimes, naqueles dias, era a sonegação de impostos. Quem sonegava estava cometendo um crime de lesa-igualdade. O problema é que o imposto de renda podia chegar até 95% e houve inclusive o caso caricatural da escritora Astrid Lindgren em que chegou a 102%. Personalidades como Ingmar Bergman ou Ronnie Peterson chegaram inclusive a trocar de país para fugir à fúria tributária do Estado sueco.

Havia uma ingenuidade muito grande nesta confiança do Estado no cidadão, mesmo estrangeiro. Bastava um migrante dizer que era perseguido político e as autoridades acreditavam piamente em suas declarações. (Hoje, diante da invasão muçulmana, os suecos devem estar se arrependendo amargamente disto). Se os suecos eram ingênuos, nós latinos, brasileiros, somos malandros. Sem malandragem, não há corrupção.

Em minha volta ao Brasil, após um ano de Estocolmo, tive uma percepção brutal destas duas mentalidades. Volto a contar episódio que já devo ter contado e que gosto de recontar. Certo dia, fui postar uma carta. Na fenda de uma caixa automática, pus uma moeda de duas coroas. Em vez de uma cartela com selos, recebi de volta um impresso com um pedido de desculpas. Não havia mais selos na caixa. Para recuperar minhas coroas - ou os selos - teria de telefonar para um número X.

Decidi pagar para ver. Estava na Suécia há menos de um mês e falava o sueco precariamente. Os problemas começaram com meu nome, que na língua lá deles se pronuncia Ianér. Do outro lado da linha, uma voz me pediu para soletrá-lo. E como é que se diz jota em sueco? Pacientemente, a moça aventou outras palavras. Confirmei a letra que, descobri então, pronunciava-se "ií". Mas o pior estava por vir. Eu morava na Öregrundsgatan, informação que tampouco foi fácil de passar. Muito bem - disse a moça - amanhã, às 11hs, o senhor receberá o equivalente, em selos, a duas coroas. O senhor prefere a série do rei ou a série da ponte?

Recém-chegado naquelas bandas, apenas balbuciando o idioma local, eu preferia mesmo era piedade. Qualquer uma, respondi. Dia seguinte, mal passavam dois ou três minutos das onze, o carteiro enfia um envelope em minha porta. Nele vinham os selos, série do rei, com um compungido pedido de desculpas dos Correios.

Estou na Europa! - pensei, incrédulo. Este terá sido o episódio mais marcante de meus dias de Suécia. Lá, o Estado respeitava os direitos mínimos do cidadão. Encerradas minhas deambulações por aqueles nortes, voltei ao Brasil. Em Porto Alegre, fui telefonar de um orelhão e a máquina engoliu a ficha. Chamei a CRT, expliquei o caso, perguntei como devia fazer para telefonar. Ora, ponha outra ficha - me respondeu a moça.

Subi em meus tamancos. Eu quero a minha ficha de volta. A moça disse nada poder fazer. Pedi para falar com seu superior. Ela me passou alguém que também me sugeriu pôr outra ficha. Respondi que não pretendia pôr ficha nenhuma, queria a minha de volta, etc., pedi falar para com seu superior, falei com outro superior, repetiu-se toda a lengalenga e esta terceira e última instância me bateu o telefone na cara. Indignado, fui à televisão reivindicar meus direitos. O próprio jornalista que comentou o fato deveria estar pensando que eu havia voltado pirado da Escandinávia, contaminado talvez por alguma escandinavite aguda. Nada disso. Eu havia vivido em um país onde o cidadão era respeitado. O Estado confiava que o cidadão era honesto e lhe retribuía na mesma moeda.

Este clima de confiança mútua perpassa - ou perpassava - as relações entre Estado e cidadão na Suécia. Lembro de quando fui renovar minha permissão de permanência. O policial, ao saber que eu era brasileiro e jornalista, me ofereceu imediatamente asilo político. Ora, eu saíra pela porta da frente de meu país, não queria asilo político. Eu saíra do país do carnaval e do futebol e havia chegado no país de Bergmann, Karin Boye, Lagerkvist. Queria, isto sim, asilo afetivo e espiritual. Recusei. Os brasileiros da colônia estocolmense, todos malandros, ao saber de minha recusa, quase me lincharam. "Cara, tens idéia do que estás perdendo?"

Olhemos para a tabela da Transparência Internacional: a distância entre país de corrupção mínima e país de grande corrupção tem as mesmas proporções da distância entre país desenvolvido e subdesenvolvido. Só que na razão inversa: mais corrupto é o país, mais subdesenvolvido ele é. Com sua ingenuidade, os suecos construíram um país rico e hoje invejado, apesar de seus atuais problemas, decorrentes da imigração árabe e africana. Com nossa malandragem, construímos este nosso monstrengo, onde cinturões de miséria e ressentimento estão estrangulando aos poucos os centros urbanos. Em nada surpreendem, neste ranking da corrupção, as posições de Brasil e Suécia.

sábado, novembro 11, 2006
 
MANHÃ DE DOMINGO

(conto)



Espiou o céu por uma fresta da quincha. Noite limpa, bueno há de ser o domingo. Não esperou pelos galos. Levantou de manso pra não acordar Joana. Vestiu-se em silêncio. Na cozinha, deu uma enxaguada na boca, apanhou baldes e canecos e se dirigiu à mangueira. As vacas, habituadas ao apojo depois do raiar do sol, protestavam com coices e mugidos. Meio balde de leite se misturou à terra. Juvêncio retribuiu o coice da oveira e sampou-lhe o balde pelas guampas. Não seria uma vaca quem lhe estragaria o domingo. Por segurança, maneou as outras. Até os guaxos se mostravam baldosos. Azar, não beberiam o apojo. Nas pedras da cerca assomou Negrinho, o mais madrugador: "Paiê, quero com bastante escuma!" Ao soltar as vacas sentiu-se cristeado, os terneiros mamavam o leite escondido.

Na cozinha, Joana quase sem fôlego assoprava na boca do fogão. A madeira verde resistia ao fogo, as lágrimas caíam pelas bochechas infladas, mentalmente maldizia a gurizada que não havia juntado graveto seco. Quando Juvêncio entrou, derramando leite do balde e canecos, Negrinho ao lado com um bigode branco de espuma, Joana já cuspia fora o primeiro mate.

- Que é que te deu na telha, levantar a esta hora?

Não há vivente que não perca o respeito pelo outro com a intimidade. Até cachorro estranho, quanto mais mulher. Cachorro começa rosnando, é só passar a mão na nuca e já vem lambendo as botas. Mulher também, só que com uma diferença. Em vez de fazer carinho, encrenca. Quando cortejava Joana e pernoitava na casa do sogro, ela surgia acanhada na cozinha, mas cumprimentava com um bom dia mais fresco que ar da manhã. Casou, taí! Já acorda em pé de guerra. Lei da vida. Vai olhando e aprendendo, guri. Todo índio tem sua hora de bobeira. É justo nessa que elas prendem o maula.

Respondeu com um vago "não amola, mulher! Tava sem sono e levantei". Em verdade, não era bem isso. Chegara tarde da noite, banho de gado em estância grande rebenta qualquer cristão, até os ovelheiros haviam deitado cedo. Caíra na cama sem dar nem ao menos uma areada no cascão dos pés. Acordara mais cedo do que de costume. Nem havia esfregado os olhos, decidira uma troteada até o Aliás Bendigo. Já estava em tempo de pagar os fiados no bolicho. Como Aliás nunca tinha troco, aceitaria umas que outras por câmbio.

Qual seria o nome de pia do Aliás? Havia chegado há muito naqueles pagos, se alguma vez disse o nome a alguém, foi logo esquecido. Com ar de granfa, insistindo nos erres e esses de cada palavra, mal abria a boca dizia "aliás, bem digo!", daí o nome. Tinha muita plata escondida, juntada não se sabia como. No lugarejo, dinheiro só tinham os estancieiros, e esses jamais pisavam em bolicho. Havia quem falasse em tropeadas noturnas, contrabandos, mas ninguém havia visto nada, só ouvira dizer. E diz-que-diz-que é ocupação de mulher em tarde de mate doce. Falta de assunto. Aliás mourejava de sol a sol, ganhava no arroz e na canha, carneava e distribuía a carne, levava coima do carteado e do osso, era justo que ganhasse o seu. Viver todos vivem, saber viver é que é!

O baio, flete de domingo, ficara preso durante a noite pra adelgaçar. Cavalo no trabalho vira matungo. O baio ficava solto a semana toda, tinha trote faceiro e nervoso. Mesmo velho, conservava o garbo da época em que conhecera Joana. Não fosse o baio, talvez não ganhasse a mulher. Bem aperado, fazia bela figura. O pelegão vermelho já estava desbotado e meio rasgado, as rédeas brancas de brancas só tinham o nome. Nunca as usava em serviço, mas é assim mesmo, índio que casa perde a elegância. Também! Não tem mais precisão de andar arrastando a asa. Pra que elegância, então?

Entre um mate e outro foi afiando a gilete num copo, fez espuma de sabão numa lata enferrujada de sardinha, ajeitou o espelho rachado na cadeira, sentou num cepo, Joana trouxe a bacia com águia quente. Negrinho olhava calado aquele ritual todo, Juvêncio forçava a vista pra se afeitar à luz do fogão. Em seguida vai chegar tua vez, guri! E não pensa que barba é privilégio. Barba é maldição que cresce com o sono.

Se afeitava pra quê? Bueno, mesmo casado, um tem que manter certo asseio. Com o rosto ainda sangrando, deu uma aparada no bigode. Uma chama mais viva iluminou o espelho, Juvêncio viu em meio às rachas do cristal um corpo estranho - o seu. Um calafrio lhe percorreu a espinha, devia ser o vento entrando pelas frestas da porta. Ou seria talvez que pela primeira vez olhava seu rosto?

Joana amassava o pão, largava a massa de vez em quando para tomar um mate. Estava arisca.

- Que requintes são esse, até parece que tu vai pra um baile?

Mulher não merece resposta. Negrinho ia guri bom. Via as coisas, aprendia pra si, não falava muito. Madrugava, bom sinal. Os outros ainda roncavam, as nulidades, nem pareciam crias do mesmo pai. Eram mais como filhotes de chupim em rancho de joão-de-barro. Puxaram a algum inútil da família, pois Joana também era despachada.

Secou a gilete - se a gente não seca, enferruja -, despejou a bacia pela janela, uma claridade fria começava a se infiltrar por baixo do carramanchão de glicínias. Com o barulho da água despejada o galo cantou, com um ar de tapeado. O galo do Martim respondeu. Em silêncio tomou mais uns mates, só se ouvia o chiado da cuia seca e Joana sovando a massa. O rancho era pobre, mas visita que chegasse no domingo não podia se queixar de ser mal recebida.

Os anuns começaram a charlar no bambuzal, as corruíras chiavam no oitão da casa. Amanhecia.

Bateu a porta, foi encilhar o baio. Negrinho largou a cuia, saiu atrás como cachorro. Via e aprendia. Esse guri merecia ir pra escola. Os tempos haviam mudado, qualquer rapazote bom nas contas valia mais que um domador. Negrinho mal dava na barriga do cavalo e já encilhava o seu, trepado num tronco. Os arreios ficavam meio frouxos, mas o que importa é a boa intenção.

A crina estava desparelha, Juvêncio deu uma tosada rápida. Encurtou um pouco a cola do baio e, num repente, decidiu sair de cola atada. Por que só solteiro havia de sair com o cavalo de cola atada? Não tá morto quem tá casado!

Pela barriga do animal corriam arrepios, o cavalo todo estava indócil. Negrinho ia alcançando os arreios. Deixou a cincha frouxa, o animal só de cabresto e foi se vestir.

O lenço estava encardido, mas vermelho quando encarde é sempre vermelho. Só fica um sebo na linha do cogote, mas isso ninguém nota. A camisa estava recém no terceiro domingo. Bombacha remendada mas limpa, pior se estivesse inteira e suja. Bota lustrada, o problema era meter o pé dentro, acostumado o dia todo nas chinelas. Mas com talco e jeito, não há bota que não sirva. Pé de pobre não tem número.

De espora o baio não precisava, mas enfiou os pés nas cujas. Há muito não se pilchava, queria hoje sair lampeiro, ainda que pela última vez na vida. Enfiou o pala calamaco, que mais não fosse servia pra esconder o nagão. Recheou de balas o dito, nunca se sabe que insolente um vai encontrar no bolicho em dia de cachaceira. Ajustou o sombrero ensebado na cabeça, puxou o lenço vermelho pra fora do pala branco, ajustou o barbicacho logo abaixo do bigode. Devia estar lindo o tipo todo. Resolveu embromar Joana.

Entrou despacinho por baixo do parral, abriu sem bulha a janela da cozinha. Joana virou-se com a luz que entrava, arregalou os olhos de susto.

- Não te reconheci. Tu não vai durá muito.

Mulher agourenta, caramba! Não era à toa que cada vez mais parecia uma coruja. Queria só lhe fazer uma broma e recebia uma respostada daquelas. Ficou até meio sem jeito. Quis fazer um carinho, não pôde. "Bueno, já me vou!" - foi só o que conseguiu dizer.

Enquanto enfrenava o baio, buscou Negrinho com o olhar pelo galpão. Não estava mais lá. Uma revoada de pássaros indicou que já andava caçando pelo eucaliptal. Le traria umas rapaduras. Açúcar é ruim pra dentição, mas mais vale um gosto do que cem pesos. Apertou a cincha, já a cavalo fechou a porteira, saiu a trote manso pelo lançante da coxilha. Na sanga, enquanto o baio tomava água, olhou para trás.

Em frente à casa senhorial, se delineava contra o horizonte o cinamomo que dera sombra a tantas gerações. Imóvel contra o céu já claro, suas ramadas mais altas acenavam como que em despedida. Talvez fosse aquela árvore, com sua copa generosa, a causa do empobrecimento e decadência dos Moreiras. Sua sombra convidava sempre para o mate. Pela manhã, batia no portal da casa, o sol já ia alto mas sua sombra era sempre fresca. Depois da sesta, a sombra estava do outro lado da cerca que rodeava o pátio. Quanto namoro não começou com mate doce debaixo daquela ramada!

Já que a água estava quente, os barbados aproveitavam pra tomar um amargo junto com o mulherio. Enquanto isso, a lavoura se enchia de jujo brabo, os alambrados deitavam mal um caturrita pousava no fio de cima. Fosse como fosse, cumprira sua obrigação, a de dar sombra. Se os Moreiras não haviam cumprido a sua, a culpa nãso era do cinamomo.

Atravessou a sanga pelo passo do vime. Tinha histórias aquele vime. Ali pescara suas primeiras joaninhas (um dia uma Joana o pescou, mas isso já era outro causo), ali possuíra sua primeira ovelha. No tronco deitado à guisa de barranco, cavalgara a primeira égua. E numa tarde quente de dezembro, quando levava os animais pra aguada, encontrou Joana acocorada esfregando roupa nas pedras. Não resistiu, homem não é de ferro. O sabão caiu na correnteza, foi descendo, fazendo borbulhas sanga abaixo.

Largou as rédeas do baio, que partiu num galope suave. A brisa dobrava as abas do chapéu de feltro, o barbicacho se enredava nos flecos do pala. Uma perdiz assustada alçou vôo, interrompida em seu passeio matinal. De um cardo a outro brilhavam babas-de-boi. Em zona de pedregal, os quero-queros mergulhavam com puas e gritos de guerra. Juvêncio galopava com o rebenque apoiado no lombilho, gesto pelo qual os Moreiras eram reconhecidos a léguas. Não que o baio precisasse de mango, no necesita el rebenque el que tiene buen cavallo, diz o paisano, mas em toda cancha de osso sempre há um atrevido implorando um mangaço.

O campo havia mudado, e como! Nos tempos de rapazote, era só se chegar no bolicho e já se sabia onde havia bate-coxa. Tudo tinha terminado, hoje só sobrava jogo de taba e missa no último domingo do mês. Não havia mais churrasqueada em eleição, ninguém dava mais baile pra despachar as machorras. Não havia mais estímulo pra uma penca, já nem se podia matar negro em fandango que a Rural Montada não dava mais folga ao índio. Se um ia calmamente pela estrada, nunca faltava um caminhão ou jipe roncando para atirar o cavalo nas macegas. Qualquer dia o Aliás Bendigo juntava uma boa plata e botava armazém na cidade. E nada mais haveria pra se fazer no domingo. Não era por nada que a rapaziada mais nova se mandava pros povoados.

O cavalo resfolegava, passou pra um trote largo. Ao passar pelo rancho das Tujas, o baio exibiu suas manhas de marchador. Mas as Tujas já tinham se mandado à la cria, há muito o rancho era tapera. A última que ficara se afogou numa cacimba ao saber que tinha doença ruim, ninguém consegue esquecer a infeliz nem beber daquela água. Só o baio não via isso, insistia em ser galante. Mulher da vida só no povo, agora. Os pagos ficavam cada dia mais tristes.

Chegou cedo no bolicho, nenhum cavalo na frente. De longe avistou o Aliás no meio dos eucaliptos, molhando a cancha de osso. Certa volta foi descoberto um pelego enterrado numa ponta. Por mais clavador que fosse o índio, só dava culo. Não saiu morte porque ninguém sabia a quem matar. Ninguém falou nada, mexerico é coisa de china. Mas não houve quem não pensasse no Aliás.

Ao chegar ao palanque, Aliás se aproximou com uma faca e uma chaira.

- Buenas, Juvêncio. Me ajudas a coreá uma vaca?

- Se não for roubada, te ajudo.

Broma de mau gosto. Com três mangangás no peito, Juvêncio Moreira mordeu o pó do terreiro.

Cumprida sua sina, o baio voltou ao trotezito pelo caminho real, os estribos balançando na manhã de domingo.

 
CAMPEREANDO


Estarei mais ou menos ausente deste blog nos pròximos dias. Estou revisitando meus pagos e nem sempre estarei perto de um computador. De qualquer forma, deixarei aos leitores um pouco de literatura.

quinta-feira, novembro 09, 2006
 
NOVE DE NOVEMBRO



Hoje é 09 de novembro de 2006. Alguém ainda lembra o que ocorreu em 09 de novembro de 1989? Acho que não.

quarta-feira, novembro 08, 2006
 
MIGUEL ACEVES MEJÍA



Morreu ontem, uma semana antes de completar 91 anos, um dos ídolos de minha infância, o cantor mariachi Miguel Aceves Mejía, el rey del falsete. Na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, onde nasci, Aceves Mejía era um dos cantores preferidos da gauchada. É dele aquela canção, "Cucurrucucu paloma", que por décadas foi vista como brega, antes que Caetano Veloso a cantasse em um filme de Almodovar. Suas letras, as copiávamos em cadernos escolares que circulavam entre a peonada lá do campo.

Sempre gostei das canções mariachis, para espanto de meus colegas universitários. Aceves Mejía nunca foi bem visto nos círculos intelectuais. Certo, não era nenhum Mozart, mas o gênero me agradava. Tive a ventura de ver o cantor mexicano, com sua mecha de cabelos brancos encimando a testa, em algum ano da década de 70, se apresentando na Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Naquela noite, descobri uma insuspeita clientela do cantor: as mais charmosas prostitutas do Portinho invadiram a Reitoria.

Se bem que Aceves Mejía é mais um desses que morrem... mas não morrem. Sua voz continuará encantando os cultores da música mariachi. Há um restaurante aqui em São Paulo, El Mariachi, onde me esbaldo cantando com os charros quando passo por lá. Acho que vou revisitá-lo nestes dias, em memória del rey del falsete.

Voz de la guitarra mia,
al despertar la mañana,
quiere cantar sua alegria
a mi tierra mexicana.

México lindo y querido,
si muero lejos de ti,
que digan que estoy dormido
y que me traigan aqui.

Que digan que estoy dormido
y que me traigan aqui,
México lindo y querido,
si muero lejos de ti.

terça-feira, novembro 07, 2006
 
RIDÍCULO ADIADO SINE DIAE


BRASÍLIA - A votação do projeto de lei, que está em tramitação no Senado e poderá dificultar o acesso à internet no Brasil, que estava marcada para esta quarta-feira, dia 8, foi adiada. Ainda não há definição de uma nova data. A decisão veio depois que o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Antonio Carlos Magalhães(PFL-BA), fez a proposta. "É melhor retirar de pauta que pedir vistas", afirmou o senador em aparte ao discurso que o relator do projeto, senador Eduardo Azeredo, fez em defesa de seu relatório.

O senso do ridículo, quem diria, encontrou abrigo junto ao senador Antonio Carlos Magalhães.

 
RIDÍCULO SE INSTALA EM BRASÍLIA



A internet foi um sopro de liberdade a refrescar o pensamento e a expressão do pensamento. Hoje, todo cidadão que disponha de um computador e esteja conectado à rede pode falar com o mundo e ser ouvido. Os blogs, que começaram como brincadeirinha de adolescentes, invadiram as redações dos grandes jornais. Se até há pouco havia escritor ou similar que se queixava de não ter uma tribuna para perorar o mundo, agora não há de que queixar-se.

Eu, sem ir mais longe, certamente não existiria não fosse a Internet. Nunca me adaptei aos grandes jornais nem os grandes jornais me dariam a liberdade de escrever o que penso. Na Net, me sinto como peixe dentro d'água. Os blogs e homepages hoje são centenas de milhões. Outros tantos milhões de obras literárias circulam sob a forma de ebook e o papel - com todos seus custos de feitura, impressão e distribuição - começa a deixar de ser o suporte preferencial do jornalismo e da literatura. Estamos vivendo em um mundo novo e a ele nos adaptamos em pouco tempo.

Claro que isto não agrada ao pensamento totalitário. Na China e em Cuba, por exemplo, a comunicação via Internet sofre uma série de percalços. O problema é que o internauta, uma vez conectado, viaja para onde bem entender. A única limitação é a do idioma.

Amanhã será votado no Congresso Nacional um projeto de lei que prevê a identificação de usuários da internet,entre outras bobagens. Para início de conversa, os computadores já são identificados através do número de IP. Pretende alguém identificar quem senta frente ao computador? Digamos que eu e meu computador estejamos cadastrados junto ao provedor. Mas se uso outra máquina, como seria feita minha identificação? Mostrando RG a uma webcam? Ou todo usuário estaria proibido de usar qualquer outro computador que não o seu? Li ainda em algum jornal que o projeto prevê a responsabilização do provedor por tudo que rola em seu domínio. Haja costas largas. Se um provedor tem um milhão de assinantes, será o responsável pelo que escreve um milhão de cabeças?

É espantoso que um projeto assim ditatorial surja em um país onde a imprensa tem tido um papel fundamental nas denúncias de corrupção e abuso de poder. Até o entenderíamos se surgisse do PT, que só gostava de liberdade de imprensa quando era oposição. Agora, no poder, os petistas há horas bolam projetos para limitar a liberdade de imprensa. Ocorre que o projeto foi apresentado pelo senador Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas. A situação é tão esdrúxula, a ponto de vermos um comunista, o deputado Aldo Rebelo, posicionar-se contra o projeto.

O senador mineiro quer impedir o sol de nascer. Não vai ser fácil.

segunda-feira, novembro 06, 2006
 
ALÉM DE COMUNISTA, FEDORENTA?



Escreve Diego Casagrande em seu blog:

A deputada federal eleita Manoela D´Ávila (PC do B), que de cada duas palavras pelo menos três são brados contra o neoliberalismo e o capitalismo, é fã de perfumes e cremes caros. Na madrugada desta quinta-feira ela se esbaldou no Duty Free do Aeroporto Internacional Salgado Filho. As compras incluíram perfumes, loções e cremes, todos importados, com destaque para o delicioso Victoria´s Secret, feito no EUA. Como é fácil ser comunista com acesso às boas coisas do capitalismo.

Mas meu caro Diego: você pretenderia que a moça, além de comunista, fosse desleixada e fedorenta? Se a alma já está perdida, salve-se pelo menos o corpo.

domingo, novembro 05, 2006
 
RIDÍCULO SE INSTALA
NA CASA BRANCA




A gente morre e não vê tudo. No século passado, tive a ocasião de deslumbrar-me com não poucas novidades. Começou com o rádio, que já existia quando eu nasci. Mas não em minha geografia. O primeiro rádio que ouvi era para mim um poço de mistérios. (De certa forma, até hoje continua sendo). Descobri depois o cinema, a televisão e o computador. Quando já me parecia que não teria maiores novidades até o fim de meus dias, leio que o governo americano sugere que a população comece a ser sexualmente ativa aos 30 anos. O novo programa de educação para a abstinência, do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) dos Estados Unidos tem um orçamento de US$ 50 milhões, de acordo com as agências. Segundo os jornais, a mensagem é simples: se a pessoa não tem relações sexuais, não corre o risco de adquirir doenças, nem as mulheres o de engravidar sem desejá-lo. Para esta filosofia, nenhum outro método seria mais profilático e contraceptivo que a abstinência sexual.

Cinqüenta milhões de dólares investidos em marketing para a pregação da castidade! Esta meus olhos não esperavam ver nos dias que me restam de vida. Nem o Vaticano ousaria apostar tão alto. Autoridades do HHS dizem que não é uma obrigação, mas uma opinião para combater "um alarmante crescimento no número de nascimentos fora do casamento". A impressão que estes senhores nos passam é que nunca ouviram falar de métodos anticoncepcionais. No entanto, é óbvio que ouviram. O que o novo programa esconde é uma ideologia puritana e perversa de condenação ao prazer, típica destes dias de Bush.

O presidente americano quer nada menos que toda a população adulta dos Estados Unidos - até os 30 anos - se prive do mais intenso dos prazeres que tem o ser humano em sua curta existência. Que se privem deste prazer justamente nos anos de mais vigor sexual. Consegue o leitor imaginar, em pleno século XXI, um marmanjo de 30 anos que não tem idéia do que seja uma mulher na cama? Existem, é verdade. Comentei outro dia o caso de um numerário da Opus Dei que só conheceu mulher aos 30. Mas estes coitados são anomalias, pertencem ao mundo da exceção. O espécime mais próximo de nós, a quem Bush talvez erigisse um monumento, é o grande líder das esquerdas e guru de Tarso Genro, Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Foi desvirginado aos 37 anos, já no declínio de seu vigor sexual, por Olga Benario, oficial do Exército Vermelho. Outro exemplo destes anormais foi Louis Althousser, aquele senhor que já sexagenário estrangulou a própria mulher. Em suas memórias, o filósofo - também comunista, como Prestes - conta que aos 27 anos andava com aquela coisa ereta entre as pernas e não sabia que fazer com ela.

Pode-se imaginar uma mulher virgem até os 30 anos? Que insanas razões podem exigir que esta mulher desperdice o auge de sua sexualidade? Vai viver de autocarícias seus melhores dias? Pode-se imaginar alguém casto em uma sociedade onde os apelos sexuais infestam as ruas, jornais, revistas, filmes, publicidade?

A mesma filosofia de abstinência inspira o plano de 15 bilhões de dólares prometidos por Bush para combater a Aids na África. Lembro que há alguns anos, um desses presidentes africanos que nos parecem tão caricatos andou recomendando a castidade para os habitantes de seu país. A medida soou ao mundo como algo de um ridículo atroz. O ridículo instalou-se agora em Washington, na Casa Branca.

De nada adianta expulsar a natureza pela porta, diziam os antigos. Ela volta a galope pela janela. Sexo é um desejo imperioso. Tão imperioso que a ele sucumbem homens que, por seus ofícios, deveriam manter-se castos. Aí estão, e precisamente nos Estados Unidos, os milhares de casos de religiosos pedófilos, cujas indenizações milionárias estão esvaziando as burras das dioceses. Em todos os cantos do mundo, poderosos expostos à censura pública perdem cargos e têm suas carreiras destruídas por não conseguirem controlar o próprio desejo. Se pessoas que têm tudo a perder perdem tudo por alguns minutos de prazer, não será certamente uma multidão anônima, que nada tem a perder, que aceitará seguir os preceitos de Bush.

O puritanismo religioso condenou multidões, em décadas passadas, a uma vida insípida e assexuada. Quem reivindicasse sua sexualidade ou simplesmente a praticasse era ipso facto um fora-da-lei. Este puritanismo tornado lei gerava um fruto imediato, a hipocrisia. Os machos mantinham uma castidade de fachada e, na calada da noite, se refestelavam nos bordéis. As mulheres tinham de permanecer em casa e aquela que ousasse ter um orgasmo arriscava ser chamada de puta. Estes tempos já vão longe e Bush quer a eles retornar.

A mentira sempre foi energicamente reprovada nas sociedades protestantes. Nixon caiu não pela invasão de Watergate, mas por ter mentido sobre a invasão. Clinton balançou não por seu apreço a uma felação, mas por ter tentado vender a idéia de que sexo oral não é necessariamente sexo. Mas algo mudou nos Estados Unidos nestes últimos anos. Bush mentiu para invadir o Iraque e permanece no cargo. Se das mentiras de Nixon ou Clinton não decorreu nenhuma morte, as mentiras de Bush provocaram a morte de dezenas de milhares de americanos e iraquianos.

Apoiado pela pior das direitas, a direita religiosa, Bush quer vender ao país todo uma mentira colossal, a mentira da castidade. Ora, homem algum é casto. Até pode ser que um anacoreta, à força de muito cilício e autoflagelação, consiga reprimir sua sexualidade. Mas aí não temos mais um homem e sim um aleijão psíquico.

Enquanto o presidente americano prega a castidade para os jovens, nem os velhos conseguem conter-se e os escândalos sexuais saltam como pipocas numa panela. Recentemente, o senador republicano pela Florida, Mark Foley, presidente do Comitê contra a Pedofilia, foi flagrado enviando mensagens pornográficas a meninos que trabalham no Congresso. O reverendo Ted Haggard, presidente da Associação Nacional de Evangélicos dos Estados Unidos, pai de cinco filhos e opositor ferrenho do casamento gay, teve de renunciar a seu cargo depois de ser acusado de pagar para ter relações sexuais com outro homem nos últimos três anos. Ah, estes senhores que investem ferozmente contra o homossexualismo... No fundo o que mais almejam é o afago de um efebo.

Nestes dias de dificuldades eleitorais, melhor faria Bush se propusesse uma ligeira modificação em seu plano. Que proibisse o sexo para maiores de 70. Aposto que o Partido Republicano arrebanharia o voto de toda a velharada do país. Digamos que um senhor de idade provecta se visse assediado por alguma eventual ancionófila. Temeroso ante seu desempenho, poderia alegar, aliviado: "Adoraria, filha, mas não posso. Sou um cidadão cumpridor das leis".

sábado, novembro 04, 2006
 
HIPOCRISIA NA JUSTIÇA GAÚCHA


Leio nos jornais que a Justiça do Rio Grande do Sul proibiu a venda de uma boneca em duas cidades - Panambi e Condor - por considerar que o brinquedo teria conteúdo erótico, inapropriado para crianças. De acordo com o Ministério Público, o problema está nos sensores que fazem a boneca rir ou chorar, localizados principalmente na região genital.

De acordo com a psicóloga Roberta Cavalheiro Haushahn, um brinquedo como esse atrapalha o desenvolvimento psicossexual. "A criança pode pensar que se para uma boneca é interessante tocar na região genital, para ela ou o coleguinha também pode ser".

Mas desde quando, senhora psicóloga, não é interessante tocar na região genital? Ou será que a doutora jamais explorou essa região? Claro que é interessante. E nenhuma criança precisa de boneca para saber disso. Ou a Justiça gaúcha pretende negar o óbvio?

 
PT PODE


Quando o senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, disse que em função do escândalo do mensalão o país se veria "livre dessa raça por, pelo menos, 30 anos", é óbvio que falava em raça figuradamente, no caso, os petistas. Mas bastou alguém com sobrenome alemão pronunciar a palavra raça e o professor Emir Sader, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), não se conteve. Chamou o senador de racista, banqueiro e direitista, afirmando também se tratar de uma das "pessoas mais repulsivas da burguesia brasileira". Disse ainda que o senador realimentava no povo e na esquerda o ódio pela burguesia. Interessante notar que, para o velho comunista, banqueiro não é palavra que designe uma profissão, mas um palavrão.

No ritmo em que vamos, qualquer dia João Batista estará incurso, retroativamente, em crime de racismo. Pois João, vendo os muitos fariseus e saduceus que vinham ao seu batismo, disse-lhes: "Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira vindoura?"

O senador, sentindo-se ofendido, moveu processo de injúria contra Sader. Que foi condenado à perda de seu cargo de professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a um ano de detenção, em regime aberto, conversível à prestação de serviços à comunidade. Mal saiu a sentença, um grupo de intelectuais e acadêmicos lançou um manifesto em apoio a Sader, contestando sua condenação.

Encabeça o manifesto outro velho comunista, o escritor, crítico literário e professor Antonio Candido, segundo o qual a sentença condena de forma injustificada um quadro intelectual importante do País. "A impressão que eu tenho é de que esta é uma decisão extremamente arbitrária", afirmou. Para a editora Ivana Jinkings, "esta decisão é absurda e totalmente despropositada". Para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a sentença é "um atentado às liberdades individuais e absolutamente injusta".

Segundo o manifesto, assinado até ontem por três mil pessoas, a decisão judicial "transforma o agressor em vítima e o defensor dos agredidos em réu. Numa total inversão de valores, o que se quer com uma condenação como essa é impedir o direito de livre expressão, numa ação que visa a intimidar e criminalizar o pensamento crítico. É também uma ameaça à autonomia universitária que assegura que essa instituição é um espaço público de livre pensamento".

O PT, ao tentar mobilizar a opinião pública contra uma decisão judicial, arroga-se ao direito de injuriar impunemente. Injúria vira direito de livre expressão e condenação de injúria é atentado às liberdades individuais. O PT pode.

sexta-feira, novembro 03, 2006
 
A MODÉSTIA DO APEDEUTA



Leio entrevista de Lula no jornal espanhol El País de hoje. Interrogado sobre as perspectivas de seu segundo mandato, respondeu:

- Quero ter um segundo mandato melhor que o primeiro. Agora já não tenho que comparar-me com o fracasso da política de Fernando Henrique Cardoso, mas com o que eu fiz. Demonstrei que posso governar melhor que Cardoso, mas agora tenho de competir comigo mesmo, o que é mais difícil.

Não vai ser fácil. Haja talento para superar as besteiras e mentiras que proferiu nos últimos quatro anos.

 
SINDICALISMO NO EXÉRCITO



Pode um desastre aéreo isolado provocar o caos em todos os aeroportos do país? Só no Brasil. Em país decente, nunca tive notícia. Os jornais têm sido tímidos em estabelecer o nexo causal entre as duas coisas. Estamos em verdade diante de uma greve e ninguém quer pronunciar a palavrinha. As autoridades da Aeronáutica estão esgotando o estoque de eufemismos para não pronunciá-la. Na Folha de São Paulo de hoje, Elaine Cantanhêde toca pela primeira vez na ferida:

E chegamos a 2006 com uma típica operação-padrão - que, pela lei, é um direito restrito a civis. Os militares são proibidos de fazer greve, de se associar a sindicatos e associações e até de fazer "reivindicações". Para eles, só é permitido ter "anseios" ou "aspirações".
O que complica os limites entre civis e militares, depois do acidente e no meio do caos em aeroportos, é que o PT está no poder e tem forte base sindical. Eis que, além de militares se comportarem como sindicalistas, eles passam a ter apoio em setores poderosos do governo, para o bem e para o mal.


Neste governo petista, os sindicatos estão invadindo as Forças Armadas. Só não vê quem não gosta de ver coisas desagradáveis.

quinta-feira, novembro 02, 2006
 
ENTREVISTA

concedida a Guilherme Roesler
http://www.gazetacultural.blogspot.com



Janer Cristaldo é um dos poucos escritores no Brasil ainda preocupado com a democracia e com a liberdade, seja ela de expressão, seja ela de pensamento. Enquanto sua geração, bem como as gerações posteriores, adotaram um pensamento único que tende naturalmente ao autoritarismo, Janer, assim como Nietzsche, adota uma postura diferente, parecendo ser um extemporâneo aos olhos daqueles que não conhecem seu trabalho de escritor e tradutor. Janer, antes de tudo, é um libertário. Como lemos nos seus vários livros de crônicas, este intelectual sempre foi comprometido com aquilo que o ocidente tem de mais valioso: a liberdade, a democracia e a razão. Nessa entrevista gentilmente cedida para o blog Gazeta Cultural, o intelectual esclarece alguns pontos importantes de suas idéias, e nos revela também qual a sua visão sobre o atual estágio da Europa, e quais os rumos que esta pode ter nos próximos anos: uma teocracia ou uma democracia. Como sempre, a escolha de que lado lutar é nossa.


* * * * * * * * * *

Gazeta Cultural - Janer, a maioria de seus artigos sempre são feitos em um tom confessional, de memórias vividas e experiências próprias. Acredita ser fundamental ao escritor a vivencia, a maturidade, ou a leitura de dezenas de livros mesmo basta para escrever um bom texto?

Janer Cristaldo - Guilherme, não vejo muita diferença entre memórias vividas e experiências próprias. Estas experiências são tão fundamentais ao escritor quanto as leituras. Eu diria que um escritor se nutre de leituras, memória e viagens. Pessoalmente, me agrada muito falar de viagens, pois para um bom observador mesmo a pior das viagens é aprendizado. Eu fiz belas viagens e viagens muito desagradáveis. Estas, por países socialistas ou muçulmanos, foram talvez as que mais me ensinaram.

GC - Janer, em suas viagens pela Europa, o que tem notado de diferente em relação à literatura de cada país? Acha que os escritores estão se tornando cada vez mais iguais, repetitivos, ou está surgindo uma nova literatura em cada país, com seus temas próprios, suas realidades próprias, como ocorreu no movimento romântico?

JC - Guilherme, quando falas literatura, suponho que queiras dizer ficção. Bom, eu não leio ficção há uns bons 20 anos. Ou talvez mais. Cansei. Me cansa ver o autor se esforçar para dar coerência a histórias inventadas, quando a realidade é muito mais rica. Quando um autor conseguiria imaginar as trajetórias de grandes assassinos como Mao, Hitler, Stalin, Pol Pot? Nunca. Eu curti ficção por muito tempo, mas hoje a considero muito pobre. Então, não saberia te falar das tendências literárias de cada país. Em minhas últimas viagens, tenho comprado principalmente ensaios históricos, e a França é excelente neste gênero, particularmente no que diz respeito à história das religiões.Há obras históricas fundamentais publicadas na França, Itália e Espanha que não chegam até nós. Só um exemplo: os últimos livros de Oriana Fallaci. Vendem como pão quente na Europa e nenhum editor brasileiro ousou traduzi-los. Ou seja, nossos editores já se renderam ao politicamente correto. Se os escritores estão se tornando mais repetitivos? Fora os autores de bestsellers, diria que não. Todo autor insiste em ser original. Mas os temas se esgotam.

GC - Janer, mudando um pouco de assunto, e saindo do campo da literatura, um tema sempre recorrente nas suas crônicas parece ser o da democracia e da liberdade. Com acredita estar caminhando a democracia no Brasil e na Europa? Em relação ao Brasil, o que impede o avanço do liberalismo e da queda do paternalismo e da burocracia? E em relação à Europa, o que está significando a morte de Oriana Fallaci, intelectual tão recorrente em seus textos?

JC - Na Europa, as instituições democráticas vêm sendo minadas pelo avanço do islamismo. Os muçulmanos estão tentando introduzir suas próprias leis no continente europeu, leis oriundas de Estados teocráticos e sempre conflitantes com as de um país laico. Os imãs advogam um casamento segundo a legislação muçulmana - oficiado por eles, é claro - insistem em praticar a ablação do clitóris e a infibulação da vagina, querem impor seus dias de festa no decorrer da semana de trabalho, pretendem que suas mulheres possam tirar fotos com véus para documentos de identidade. Há sinais em vários países que a Europa tende a ceder a estas exigências. Se isto acontecer, será o fim de uma cultura superior.

No Brasil, a grande ameaça é o PT. O PT tem suas origens no marxismo e ainda não abandonou seus reflexos condicionados. Os petistas há horas vêm tentando acabar com a liberdade de imprensa, e sem liberdade de imprensa a democracia afunda. Quanto ao MST, no que dependesse destes celerados, já teríamos paredões no país para quem quer que pense diferente.

GC - Janer, acredita que o avanço antidemocrático islâmico na Europa pode significar uma nova Cruzada, mas agora não mais no campo religioso, mas sim no campo da idéias (e quem sabe belicamente) entre a democracia contra o totalitarismo, da razão contra a intolerância?

JC - Guilherme, o islamismo é totalmente incompatível com o Ocidente. No Ocidente, há muito a Igreja separou-se do Estado. Nos países islâmicos, domina o Estado. A luta entre Islã e Ocidente existe há muito e agora se manifesta com mais intensidade em função do aumento do número de imigrantes árabes e africanos na Europa. Hoje, por exemplo, estamos no segundo ano de depredações em massa em Paris, Marselha e outras cidades. (As depredações menores, ocasionais, acontecem desde há muito). Os descendentes de imigrantes descobriram sua força e é claro que este vandalismo, daqui pra frente, vai se repetir todos os anos na França. Mais ainda, vai se espalhar pelas demais capitais européias.

GC - Janer, outro tema sempre presente nas suas crônicas é deus. Qual a diferença do tratamento dado ao ateu na Europa e o tratamento dado ao ateu no Brasil? Existe uma diferença, se assim posso me expressar, no espírito europeu (racional, iluminista, que sentiu na pele o drama da libertação intelectual) e do brasileiro, de formação altamente religiosa, que trata toda polêmica pelo viés religioso?

JC - Guilherme, não saberia responder. Nunca pesquisei isso. Sou ateu, mas não militante. Desconheço associações atéias, não tenho contato com nenhum movimento neste sentido. Ateu que se associa a outros para lutar contra Deus, no fundo está louco para acreditar em Deus. Pelo que vi na Europa, os cristãos - ou melhor, os católicos - são minoritários. Igrejas e catedrais estão repletas de turistas. Os crentes, um grupo de gatos pingados, geralmente assiste missa em uma das capelas. Em Viena, por exemplo, onde são cantadas missas belíssimas, me parece que boa parte dos "fiéis" vai para curtir uma hora de boa música.

Por outro lado, eu não diria que o brasileiro tem uma formação altamente religiosa. Diria, isto sim, que tem uma formação religiosa precária. Certa vez, em uma aula de 40 alunos, perguntei-lhes se eram católicos. Fora duas ou três exceções, todos se disseram católicos. Muito bem: então que significa a palavra "católico"? Ninguém sabia. Perguntei se seus pais eram católicos. Eram. Muito bem: então perguntem a eles o que significa a palavrinha. E me contem amanhã. Os alunos interrogaram seus pais. Nenhum sabia o que significava.É muito difícil encontrar, entre nós, um católico que tenha uma idéia precisa de sua fé. Por exemplo, um católico não pode negar os dogmas da Igreja. Diga a um deles que, ao comungar, ele não está comendo pão, muito menos um símbolo do corpo de Cristo, mas sim a própria carne do Cristo. Ele vai achar que você pirou. No entanto, é isto mesmo. Pelo dogma da transubstanciação da carne, o que se come é carne mesmo. Ao beber o vinho consagrado, está se bebendo o sangue de Cristo, e não um símbolo do sangue de Cristo. A quase totalidade dos católicos desconhece isto. E, se disto tomar conhecimento, não acredita.

Eu suponho que se um candidato à Presidência da República se declara ateu na Europa, isto em nada influiria em sua votação. Aqui no Brasil, político algum ousaria se dizer ateu.

GC - Realmente Janer, você está coberto de razão. Muito obrigado por nos conceder esta entrevista e aceitar o nosso convite para esta entrevista. Muito obrigado.

quarta-feira, novembro 01, 2006
 
CORTE ALEMÃ PUNE VIGARISTA



Sempre considerei que, por respeito ao consumidor, todo cliente de padres, astrólogos, cartomantes, psicanalistas e espécimes do gênero deveriam ser ressarcidos quando não recebem a cura, a salvação ou não vêm realizadas as previsões prometidas. Já me perguntei inclusive quando chegará ao Procom a primeira queixa contra as colunas de astrologia dos jornais. Assim sendo, é com alegria que leio esta notícia:


Bruxa paga indenização a cliente por falha em feitiço
Terça, 31 de Outubro de 2006, 12h34

A corte de Munique, na Alemanha, condenou uma mulher que se diz bruxa a pagar indenização de US$ 1,2 mil a uma cliente que não obteve resultados após pagar por feitiço amoroso.
O objetivo do feitiço era fazer com que o namorado da cliente voltasse para ela. Uma corte administrativa alemã condenou a bruxa a pagar a indenização por ter oferecido um serviço que era "objetivamente, completamente impossível".
De acordo com a agência Associated Press, depois que seu namorado a deixou em 2003, a cliente consultou a bruxa para obter uma magia que o traria de volta. "A mulher realizou o ritual correspondente por diversos meses, sempre em dia de lua cheia, mas sem sucesso", afirma a decisão judicial.
Em depoimento, a bruxa negou ter dito à mulher que seu feitiço teria resultados garantidos. Contudo, a corte decidiu que isso era irrelevante, já que "um ritual amoroso não é capaz de influenciar uma pessoa distante".


Finalmente uma corte condena um desses gigolôs das angústias humanas. Nunca consegui entender neste país como jornais que se pretendem sérios - falo em Estadão ou Folha de São Paulo - mantenham uma coluna de astrologia. A autoridade desses jornais confere credibilidade à vigarice. O Brasil está cheio destes senhores, especializados em explorar o medo do homem ante a intempérie metafísica. Temos padres, psicanalistas, pastores, pregadores do Santo Daime, bruxas, xamãs, pajés, mães de santo, cartomantes, quiromantes, cirurgiões espirituais, profissionais de florais, reiki e feng shui e sei lá quantos outros picaretas, que ganham suas vidas às custas da boa fé dos simplórios, sem que nenhuma lei os enquadre.

Soube que há em Florianópolis um hospital para recuperação de cirurgias espirituais. Parece que as ordens de médicos se renderam a crendices, já que estes senhores anunciam abertamente nos jornais seus contos do pacote e médico algum os denuncia. Seria divino ver um dia em meu país um destes vigaristas condenados por suas trapaças. Mas meu país se chama Brasil. Provavelmente jamais terei esta ventura.