¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quinta-feira, maio 31, 2007
 
SUPREMO APEDEUTA HUMILHA CATEDRÁTICO DE HARVARD



Leio num despacho da Reuters que Lula já avalia a hipótese de retirar o convite ao professor Mangabeira Unger para a exótica Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo, o que será decidido na volta de sua viagem de dez dias a Inglaterra, Índia e Alemanha, que começa nesta quinta-feira.

Seria a humilhação definitiva do catedrático arrivista. Tendo denunciado a corrupção do governo Lula em um bombástico artigo escrito há menos de dois anos, Mangabeira, tentado pela mosca azul do poder, vendeu a alma por uma prebenda e desdisse tudo que disse. Hoje, por ter entrado com uma ação contra a Brasil Telecom, arrisca perder o ministério pelo qual se pôs de quatro. Ou retira a ação ou desiste do cargo.

Nunca neste país um intelectual de Harvard foi tão escrachadamente humilhado. O pau-de-arara que reside na alminha de Lula deve estar exultante.

 
OLHO POR OLHO, ESTUPRO POR ESTUPRO



Em referência às sublimes prescrições do Antigo Testamento quanto à virgindade, Erny Jr. me envia um despacho da EFE:

Una mujer es condenada en Pakistán a ser violada
por los abusos de su marido a una menor


Una mujer de una localidad del centro de Pakistán huyó de su casa tras dictaminar un consejo tribal que ha de ser violada por el padre de una menor de la que abusó su marido, en un caso que ninguna de las familias afectadas ha planteado a la Policía. La corte tribal juzgaba a Rafiq Naunari, padre de cinco hijos y habitante del pueblo de Jehanian, cerca de Multán, la capital de la provincial oriental paquistaní de Punjab, según el diario Daily Nation.

Violar a la mujer del violador

El pasado día 23, Naunari fue sorprendido abusando de una niña de ocho años a la que había secuestrado cuando ésta acudía al colegio, pero logró escapar y aún está en paradero desconocido. Los hermanos del violador ofrecieron a sus cuatro hijas, pero el padre de la víctima las rechazó. Los tres hermanos de Rafiq ofrecieron a sus cuatro hijas en matrimonio al padre de la niña violada, Muhammad Nawaz, que las rechazó. La corte dictaminó entonces que fuera la esposa de Rafiq la que pagara el delito de su marido siendo entregada a Nawaz, pero la mujer logró huir antes de que se ejecutara la sentencia.


Aparentemente, mais uma barbarie de um país islâmico. Em termos. Mutatis mutantis, esta mania de oferecer o corpo alheio em sacrifício já está no Gênesis. Em piores circunstâncias. Um pai, logo o único homem justo de Sodoma, escolhido justamente por isso por Jeová para ser salvo da destruição da cidade, oferece à turba suas filhas virgens para proteger dois hóspedes seus. Vamos aos textos divinos:

"Mas antes que se deitassem, cercaram a casa os homens da cidade, isto é, os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim, todo o povo de todos os lados; e, chamando a Ló, perguntaram-lhe: onde estão os homens que entraram esta noite em tua casa? Traze-os cá fora a nós, para que os conheçamos. Então Ló saiu-lhes à porta, fechando-a atrás de si, e disse: meus irmãos, rogo-vos que não procedais tão perversamente; eis aqui, tenho duas filhas que ainda não conheceram varão; eu vo-las trarei para fora e lhes fareis como bem vos parecer: somente nada façais a estes homens, porquanto entraram debaixo da sombra do meu telhado".

Nada de novo sob o sol, diz Qoelet.

quarta-feira, maio 30, 2007
 
GRAVATAS NUNCA MAIS



O rabino Henry Sobel, presidente licenciado da Congregação Israelita Paulista (CIP), que aos 63 anos houve por bem começar carreira como ladrão de gravatas, em vez de recolher-se ao silêncio, prefere implorar perdão publicamente: "Me senti profundamente humilhado e profundamente indigno daquilo que fui e que sou", disse Sobel ontem ao Jornal da Globo, sobre a noite de 23 de março, que passou em uma cela do condado de West Palm Beach, na Flórida. Conheço estas reações. Conheci pessoas que, tendo cometido um crime, saem a pedir perdão desesperadamente, ao primeiro interlocutor que encontram. Quando este interlocutor não tem motivo algum para perdoá-las, afinal não foi vítima de seus crimes. Pessoalmente, não tenho razão alguma para perdoar o rabino. As gravatas não eram de minha loja.

Da maneira como fala, Sobel deixa a impressão que alguém que não ele o humilhou. Se se sentiu humilhado, podia ao menos dizer quem o humilhou. A polícia de Flórida é que não foi. Quem humilhou Sobel foi Sobel. O rabino acabou pechinchando uma sentença através de seus advogados e não cumprirá prisão por seu delito. Terá de cumprir apenas cem horas de serviços comunitários no Brasil. Tomado de uma providencial amnésia, diz que não lembra detalhes do crime: "só lembro do que aconteceu depois. Acredito no que os médicos dizem. Foi uma overdose, uma dose exagerada de remédios. E isto mexeu com minha química cerebral e mudei o meu comportamento".

O curioso é que só percebeu a mudança química após a imprensa brasileira ter noticiado sua prisão. Antes não havia percebido mudança alguma. Não fosse a imprensa, nada saberíamos da mudança cerebral do religioso. "Eu tinha dinheiro para pagar, eu tinha condições de pagar. Eu podia comprar trinta gravatas", diz. Disto todos sabemos.

O bom rabino diz que quer se redimir perante Deus. "Preciso me redimir perante mim mesmo e a sociedade que está me apoiando, preciso me redimir perante Deus. Nunca mais". Perdão, penso, deveria pedir aos proprietários das lojas lesadas e a ninguém mais. Em todo caso, se acha que ofendeu o deus que cultua, por que não vai então bater a cabeça nas pedras do Muro da Lamentação em vez de prosternar-se ao vice-deus cristão?

O rabino anda pedindo perdão em porta errada.

terça-feira, maio 29, 2007
 
TOPOI SUBLIMES DO LIVRO SAGRADO



Do Deuteronômio:


Se um homem tomar uma mulher por esposa, e, tendo coabitado com ela, vier a desprezá-la, e lhe atribuir coisas escandalosas, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Tomei esta mulher e, quando me cheguei a ela, não achei nela os sinais da virgindade; então o pai e a mãe da moça tomarão os sinais da virgindade da moça, e os levarão aos anciãos da cidade, à porta; e o pai da moça dirá aos anciãos: Eu dei minha filha por mulher a este homem, e agora ele a despreza, e eis que lhe atribuiu coisas escandalosas, dizendo: Não achei na tua filha os sinais da virgindade; porém eis aqui os sinais da virgindade de minha filha. E eles estenderão a roupa diante dos anciãos da cidade.

Então os anciãos daquela cidade, tomando o homem, o castigarão, e, multando-o em cem siclos de prata, os darão ao pai da moça, porquanto divulgou má fama sobre uma virgem de Israel. Ela ficará sendo sua mulher, e ele por todos os seus dias não poderá repudiá-la.

Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade,levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra; porque fez loucura em Israel, prostituindo-se na casa de seu pai. Assim exterminarás o mal do meio de ti.

Se um homem for encontrado deitado com mulher que tenha marido, morrerão ambos, o homem que se tiver deitado com a mulher, e a mulher. Assim exterminarás o mal de Israel.

Se houver moça virgem desposada e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis até que morram: a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo. Assim exterminarás o mal do meio de ti.

Mas se for no campo que o homem achar a moça que é desposada, e o homem a forçar, e se deitar com ela, morrerá somente o homem que se deitou com ela.

segunda-feira, maio 28, 2007
 
DORMIR E MENTIR



Acabo de ver, no Jornal Nacional, o senador Renan Calheiros defendendo-se das acusações que respingaram da operação Navalha. O cerne de sua defesa consistiu em insistir que pagou as despesas da filha de três anos com a jornalista Mônica Veloso com recursos próprios. A última edição da revista Veja o acusa de ter estas despesas pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da construtora Mendes Júnior.

Não entendi mais nada. Se a filha do presidente da República pode ter sua estada em Paris financiada por uma sócia-proprietária da Andrade Gutierrez, a empreiteira que doou milhões de dólares às campanhas eleitorais de Paulo Maluf, Orestes Quércia e Fernando Collor nos anos 80, que inconveniente existe em que o presidente do Senado tenha suas despesas com a Outra pagas pelo preposto de outra grande empreiteira?

Ou ninguém mais lembra que Lurian, a filha de Lula, passou seis meses em Paris às expensas de Marília de Andrade, filha de um dos donos da Andrade Gutierrez? Marília financiou inclusive uma plástica para Lurian. O próprio Lula não morou durante nove anos numa casa do compadre empresário Roberto Teixeira sem pagar aluguel? Espanta constatar que o senador Renan Calheiros não utilizou este notável precedente em sua defesa. Estivesse eu na berlinda, singelamente argumentaria: "se o presidente da República pode, por que não posso eu, presidente do Senado?"

O senador Calheiros, que parece ter um xodó pelas proparoxítonas, depôs com a presença em plenário de sua mulher Verônica, artista plástica e colecionadora de orquídeas. Pediu desculpas à Verônica. Segundo sua assessoria, encarregava o amigo Gontijo para "manter discrição sobre o caso" com Mônica. Em bom português, mentia para a mãe de seus filhos.

Se há outra coisa que não consigo entender neste mundinho é como pode um homem - ou uma mulher - mentir para a pessoa com quem partilha a cama. Dormir ao lado de alguém é ato de extrema confiança. Ao dormir, a pessoa está completamente entregue à outra com quem dorme. Honestamente, confesso não entender como pode alguém mentir à pessoa com quem divide mesa, cama, teto e afagos. Sei que essa é a regra dos matrimônios. E por isso mesmo não tenho maior apreço pela instituição. No fundo, uma mentira a dois, sabida, tolerada e alimentada por sórdidos interesses mútuos.

Se o senador Calheiros mentia para sua própria mulher, imagine o leitor o que não terá mentido para seus eleitores. Quando uma testemunha é flagrada em mentira em um depoimento, seus depoimentos posteriores ficam eivados de inveracidade. Ao admitir em pleno Congresso sua mentira conjugal, toda a defesa do senador não vale um vintém furado.

domingo, maio 27, 2007
 
O ÚLTIMO REFÚGIO DA ÉTICA



Em meus debates, observei que muitos interlocutores confundem Direito com ética e consideram que ambas as normas, tanto as jurídicas como as éticas são coercitivas. Como cidadão, sinto-me obrigado apenas a respeitar as normas jurídicas, que são universais. Quanto às éticas, tenho compromisso apenas com minha ética, que pode coincidir - ou não - com a ética das pessoas que me cercam. Quem mais se indigna com esta afirmação são meus leitores católicos. Alegam que a ética é uma só, que suas normas são universais e que sou adepto do relativismo moral. Praga que, segundo eles, católicos, ameaça as bases do Ocidente. Daí basta apenas um passo para chamar-me de ateu. O que de fato sou. Mas a acusação vai além. Que, sendo ateu, não tenho ética. Pois o fundamento de toda ética é Deus. E logo lançam mão de Dostoievski, citando uma frase que o russo nunca escreveu: "se Deus não existe, tudo é permitido".

Ora, se transgrido um preceito legal, sou passível de uma punição, imposta pelo Estado. Se transgrido um preceito ético, que não alcançou a condição de lei, o Estado nada tem a ver com isso. Posso sofrer, isto sim, uma sanção de comunidade onde vivo, ou de meu pequeno círculo de amizades. Neste caso, posso avaliar a conveniência ou não de receber esta sanção, compará-la com o prazer ou benefício que a transgressão me dá e tomar uma decisão. Mas transgredir um preceito ético jamais será crime.

Há um crime contra todos os brasileiros que o Estado comete impunemente e que, por desídia, já nem constitui crime. A Federação, os Estados e municípios devem bilhões de reais a milhares de credores. São os precatórios, isto é, dívidas confirmadas por sentença judicial. Estas dívidas do Estado podem ter sua origem em imóveis desapropriados, por exemplo, ou vantagens salariais devidas e não pagas. Há milhares de pessoas às quais o Estado deve até mesmo milhões de reais, individualmente. Muitos desses credores são pobres. Embora os precatórios tenham transitado em julgado e não admitam mais recursos por parte do devedor, estes credores esperam o pagamento há anos e não têm esperança alguma de recebê-lo em vida.

Conheço não poucas pessoas próximas a mim que têm a receber mais de um milhão de reais da União. Diga-se de passagem, sou uma delas. Não há mais instâncias às quais recorrer. Mas a União simplesmente não paga e estamos conversados. Herdei o precatório de minha mulher, que morreu sem ver a cor do que lhe era devido. Estou certo que também morrerei sem ver esta cor. O precatório será herdado por minha filha. E tenho dúvidas de que ela um dia seja paga. Os auditores fiscais da Receita Federal já entraram inclusive com uma ação junto à OEA para responsabilizar o Estado brasileiro como criminoso, mas ninguém em sã consciência acredita que este recurso extremo terá algum resultado.

Para legalizar o calote, está em tramitação no Senado a PEC (proposta de emenda constitucional) nº 12, que dará à prefeitura de São Paulo 45 anos para quitar seus débitos baseados em sentenças judiciais. O governo do Espírito Santo teria 140 anos para liquidar compromissos desse tipo. Mas se você deve ao Estado, o Estado não espera nem 45 nem 140 anos para garantir seu pagamento. Não espera nem mesmo um segundo. Você é tributado na fonte. O projeto desta PEC é iniciativa de uma figura impoluta da República, o então presidente do STF, Nelson Jobim. Foi encampada pelo também impoluto presidente do Senado, Renan Calheiros, hoje atolado até o pescoço em denúncias de recebimento de propinas.

Leio no Estadão: "Com a PEC nº 12, governadores e prefeitos ganham imunidade para continuar lesando milhares de credores do setor público, sem risco de novos processos, de confisco de receita ou de intervenção, bastando que atendam àqueles limites de pagamento. Mais que isso: os novos prazos de pagamento, sustentados por um dispositivo constitucional, contribuirão para desvalorizar os créditos contra Estados e municípios. Muitos desses créditos têm sido vendidos no mercado, naturalmente com deságio, que de certo aumentará, se os credores ficarem mais desprotegidos. Além disso, governadores e prefeitos serão estimulados a praticar novos calotes. Se vítimas dos novos golpes conseguirem apoio judicial a suas pretensões, nenhum governante precisará ficar preocupado. Os novos precatórios entrarão na fila, para liquidação - quem sabe? - dentro de várias décadas".

Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), há um total de precatórios (inclusive alimentares) de R$ 62,39 bilhões devidos por Estados e municípios. Só em São Paulo foi encontrado um débito estadual de R$ 12,98 bilhões. Os precatórios municipais, no Estado, totalizavam naquela ocasião R$ 10,89 bilhões. Com a aprovação da PEC n° 12, o calote torna-se perfeitamente legal. Pagar ou não pagar é uma questão delegada ao campo da ética. E contra as transgressões às normas éticas não há punição alguma. Ouve-se de vez em quando sugestões obscenas para resolver o problema. Os Estados pagariam os precatórios com 70% de deságio e você desiste de qualquer ação de cobrança. Se a União lhe deve um milhão de reais, receba 300 mil e agradeça ao bom deus dos credores. Se não topar, não recebe nada.

Quando o Estado busca legalizar um calote deste porte, pouco ou nada podemos esperar do Direito. Restaria, quem sabe, apelar a ética. Mas onde terá se refugiado a ética?

Pelo jeito, junto à bandidagem. O Estadão deste domingo traz diálogos divinos entre os implicados na operação Hurricane. Ler estes diálogos, ultimamente, tem sido um de meus lazeres diletos. O cerne da questão é o dinheiro, mas ninguém pronuncia esta palavra. Tudo são metáforas. Juízes e advogados falam em oxigênio, material de campanha, carvão, elogio, paetês, presentinho, coisica. Este, por exemplo, captado por uma escuta telefônica, é de um primor inigualável de honestidade. Dinheiro aqui se chama "o meu" e "o seu":

- A gente acerta aquilo que se conversou, os 30%. Eu abro a porta e digo a você: tá o meu e tá o seu aqui.
- Bota 50%.
- Não, Sérgio, não quero usurpar.

Os interlocutores são o advogado Sérgio Luzio e José Luiz Rebello, ligado a donos de bingos, sobre um valor a ser pago. O advogado é generoso. Seu cúmplice é comedido. Se a União não tem escrúpulo algum em usurpar o cidadão, Sérgio não quer usurpar seu colega de corrupção. Contenta-se com 30%. A União, quando acena com alguma proposta, quer apenas... 70%.

Em outra negociação que prima pela ética, Virgílio Medina, irmão do ministro mercador de sentenças, foi procurado por uma pessoa de Juiz de Fora, também envolvida no esquema. Virgílio agradece e dispensa o intermediário, pois estava negociando com Luzio: "Tem de ter uma transparência, uma ética".

Lá pelas tantas, o empresário Jaime Dias, inconformado com a cassação da liminar comprada e concedida pelo ministro Paulo Medina, afirma:

- Como é que vão cassar uma decisão de ministro do STJ em matéria que não é constitucional?
- Com quem você vai reclamar? - pergunta José Renato Granado, seu interlocutor, também preso pela PF.
- Daqui a pouco, não vai mais existir Direito - diz Dias.
- Não existe mais estado de Direito - concorda Granado.

Só resta a ética, senhores.

sábado, maio 26, 2007
 
É HOJE!



Você trabalha? Então erga um brinde ao dia de hoje, 26 de maio. Pois só hoje você começa a ganhar dinheiro. Tudo que você ganhou nos últimos 146 dias vai para o Leão. A informação é do IBPT (Instituto Brasileiro do Planejamento Tributário).

 
ELES NÃO SE ENTENDEM



Sair de porta em porta, ouvir as pessoas, rezar e ler a Bíblia com elas e, se tiverem abandonado a religião, convidá-las a voltar à Igreja para viver a sua fé, será o apelo que os bispos farão no encerramento da 5ª Conferência-Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, num esforço de evangelização que deverá envolver todos os fiéis, não só padres e freiras. É o que leio no Estadão.

Após citar o discurso que Bento XVI fez aos bispos brasileiros em sua visita a São Paulo, o cardeal dom Cláudio Hummes disse que muitos católicos deixam a Igreja porque não foram devidamente evangelizados e, por isso, são incapazes de resistir às investidas do agnosticismo, do relativismo e do laicismo. "Aqueles que nós batizamos têm o direito de ser evangelizados por nós, pois no momento em que os batizamos nós assumimos o compromisso de evangelizá-los e de conduzi-los a Jesus Cristo. Não é uma forma de proselitismo nem de antiecumenismo, porque se trata de pessoas que nós batizamos".

O que o cardeal esqueceu de dizer é que as crianças são batizadas ao nascer, ou seja, à revelia, quando não têm defesa alguma contra a imposição de uma crença. O cardeal está dizendo: "se nós batizamos, a alminha é nossa". No fundo, defesa de mercado. Nestes dias em que, enquanto os padres católicos dormem a sono solto os evangélicos varam madrugadas em busca de um rebanho, não deixa de ser uma atitude de defesa. Mas não venha o cardeal dizer que não se trata de proselitismo. Proselitismo que começou há 1700 anos, no império de Constantino, que a Igreja adotou e jamais abandonou.

Soa então muito estranho ouvir Bento XVI afirmar como justa preocupação para a Igreja o "proselitismo agressivo das seitas", referindo-se às diferentes denominações evangélicas que hoje roubam ovelhas de seu rebanho. Se assim fala Sua Santidade, é porque considera o proselitismo como algo condenável.

Já o cardeal Hummes, mais papista que o papa...

sexta-feira, maio 25, 2007
 
O CONCÍLIO DE LATRÃO E O CONGRESSO DE LADRÕES



Um irado leitor me pergunta porque insisto em falar no concílio de Latrão e não comento os recentes escândalos que infestam o panorama político do país, como o caso das corrupções trazidas à tona pela operação Navalha. Um outro quer saber porque não escrevo sobre um congresso constituído por ladrões.

Vamos por partes. Citei o Concílio de Latrão por tratar-se de uma concordata obscena, assinada entre a Igreja Católica e Mussolini, em 1929, pelo qual a Itália reconhecia a soberania da Santa Sé sobre o território do Vaticano. Quanto a Igreja propôs uma outra concordata obscena com o Brasil, que introduzisse o ensino obrigatório da religião nas escolas públicas e isentasse suas paróquias de obrigações trabalhistas, lembrei-me de Latrão. Como poucas pessoas sabem hoje que o Vaticano é uma concessão do ditador fascista Benito Mussolini, é sempre bom lembrar estes fatos. Foi isto que irritou, não só o irado leitor, mas também muitos católicos fanáticos, que inclusive se recusam a acreditar que tal concordata tenha existido. A fé remove tratados.

Quanto aos escândalos nacionais, confesso que me abstenho de escrever. Eles estão na primeira página de todos os jornais, que contam com grandes equipes de repórteres para a cobertura dos fatos. Eu não tenho equipe nenhuma, não tenho o poder investigativo de uma Veja ou Estado de São Paulo. Só me resta comentar as reportagens. Como comentários é o que não falta, procuro trazer aos leitores outro tipo de informação, aqueles episódios mais ou menos esquecidos da História. Um destes é o Concílio de Latrão.

Quanto ao congresso de ladrões... bom, a imprensa nacional tem sido pródiga em denúncias de corrupção. Tão pródiga que se torna difícil acompanhá-las, tantos são os casos de roubalheira e os nomes envolvidos. Haja memória. Qualquer comentário meu seria redundante. Quando se começa uma CPI sobre uma rede de corrupção, uma outra rede é descoberta e rouba o espaço nos jornais das corrupções anteriores. Só o relatório da operação Navalha tem 1 Gb de memória e 52 mil páginas de texto. A trama é tão vasta que até o Supremo Apedeuta já está pondo as barbas de molho. Disse hoje Lula: "Eu aprendi, nesse período todo, que pobre de quem faz o julgamento de uma pessoa por uma matéria. Essas coisas têm que ter um processo, uma investigação, uma chance para aqueles que são acusados de prestarem explicações. Porque senão estaremos banindo do País uma conquista que foi nossa".

O presidente sofisma. Que conquista é essa que "foi nossa"? Se se refere à liberdade de imprensa, não foi "deles" coisa nenhuma. O PT lutava por liberdade de imprensa quando não estava no poder e não tinha acesso à corrupção. Agora tem e acusa a imprensa quando esta denuncia seus desmandos. Quer inclusive controlá-la. Por outro lado, a imprensa não está julgando ninguém. A imprensa está denunciando. Julgar compete ao Judiciário. Mas que julgamento podemos esperar do Judiciário, quando um ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Galotti, orienta um outro seu colega do mesmo STJ, Paulo Medina, como agir para defender-se da acusação de venda de sentenças? Venda esta que está registrada em gravações públicas. A corrupção há muito transbordou do Congresso e hoje inunda as Cortes Supremas. Um Paulo já está afastado do STJ. Falta afastar o outro.

Já que falei no assunto... O trabalho da imprensa nacional na denúncia destes crimes tem sido admirável. A última Veja traz como chamada de capa:

O fio das operações anticorrupção já cortou Zuleido
e agora chega perto do pescoço de Renan Calheiros,
presidente do Senado


A reportagem deixa Renan Calheiros em um beco sem saída. Ou renuncia, ou desmoraliza de vez o já desmoralizado Congresso. Fica no entanto uma pergunta no ar. Sabemos que dois dos mais importantes ministros de Lula foram hóspedes de fim-de-semana de uma lancha de luxo do indigitado Zuleido. Um outro ministro já teve de deixar o cargo, por ter recebido uma propina de 100 mil reais. (Isso sem falar nos ministros que caíram no governo passado de Lula). Se ministros, deputados e senadores são cúmplices da corrupção, 70% das liberações de verba para os ladrões foram autorizadas pelo Executivo. Uma delas por MP do presidente da República.

Que falta para nominar com todas as quatro letras o chefe da máfia?

quinta-feira, maio 24, 2007
 
ALÉM DE UNIVERSAL, AVANÇA



Uma das primeiras decepções que tive com a Europa ocorreu em Estocolmo, em minha primeira viagem. Aluguei um quarto que dava para a Karlaplan, um praça divina circular e rodeada de plátanos. A cada estação, eu tinha uma praça diferente. Hirta e branca no inverno, era dourada no outono, de um verdor histérico no verão e um festival de flores na primavera. Minha hospedeira era fru Kristensen, uma senhora de seus cinqüenta anos com mania de bailarina e pintora. "Dancei na vida como tenho dançado nos palcos", dizia-me. Na época, dedicava-se à pintura. Seus quadros, de uma mediocridade atroz, representavam invariavelmente a Karlaplan. No inverno, no verão, de dia, de noite, com neve, sem neve, mas sempre a Karlaplan. Para uma senhora na menopausa, nada melhor como laborterapia, pensei.

Certo dia, a casa foi invadida por fotógrafos, jornalistas e cinematografistas. Era uma reportagem sobre seu vernissage, iria finalmente estrear como pintora. No dia seguinte, com um ar misterioso, pediu-me que lhe trouxesse um exemplar do Dagens Nyheter na volta da universidade. Em rodapé da primeira página, a notícia em cinco colunas:

Kristensen, konstnärina med många talanger

Ou seja, Kristensen, artista com muitos talentos. Quando li que minha anfitriã ganhava espaço nobre no mais importante jornal da Suécia, um dos países mais desenvolvidos da Europa, meu apreço pela Europa caiu vários pontos de uma só vez. Quando voltei a Porto Alegre, fui entrevistado em um programa de televisão. A apresentadora, muito fútil, perguntou-me:

- Janer, que coisas lindas e maravilhosas descobriste em tua viagem?
- Eu descobri que a estupidez é universal.

A moça quase se engasgou com o microfone. Como? Que foi mesmo que descobriste? Repeti, escandindo as sílabas: "descobri que a estupidez é universal". Claro que a entrevista não durou muito. Não era isto que ela queria ouvir.

Emílio Calil me escreve:

Não pude deixar de lembrar dos teus textos sobre o "Manual de Vigarice" ao ler a notícia de que Harry Potter e a Pedra Filosofal foi eleito pelos britânicos o melhor livros dos últimos 25 anos. Tudo bem, é leitura pra crianças e ajudou muita gente a pelo menos descobrir o que é um livro, mas... o "melhor dos últimos 25 anos"?

A lista segue com O Código Da Vinci em quinto, e percebi que quase todos os livros citados são obras de ficção. Essa notícia, vinda da Europa, me faz pensar se o mundo já não foi mais culto. Ou será que nunca foi?


Parece que não, Calil. Cada cultura terá seus grandes momentos. Mas o que predomina é sempre a mediocridade. Claro que vamos encontrar mais e melhores opções de leitura em Londres, Paris ou Madri - capitais que têm um mercado editorial muito diversificado - do que no Rio ou São Paulo. Mas os harrys potters da vida sempre terão a preferência da grande massa, inculta e vulgar.

O pior é que a vulgaridade está conquistando celeremente as páginas de uma imprensa que julgávamos séria. Nos Estados Unidos, a New Yorker publicou um perfil de Paulo Coelho em oito páginas. Pelo que lembro, nem a imprensa brasileira ousou tanto.

A estupidez, além de universal, conquista cada vez mais espaço.

quarta-feira, maio 23, 2007
 
BENTO, O INCULTO, REMENDA O SONETO



A cada dia que passa, ponho cada vez mais em dúvida a cultura de Sua Santidade Bento XVI. Em janeiro passado, andou falando em reis magos, quando sabemos que a Bíblia, se fala de magos, em momento algum fala de reis magos. Em sua visita ao Brasil, denunciou os teólogos da libertação como milenaristas. Ora, milenarismo é coisa da Igreja. Está no Apocalipse de João. Os ditos teólogos da libertação não querem nada com projetos milenares. Querem a revolução aqui e agora. Andou definindo as religiões evangélicas como seitas, sem lembrar que o cristianismo, antes de Constantino, não passava de uma seita. Nunca antes no Brasil, como diria o Supremo Apedeuta, um papa disse tantas bobagens.

Mas sua gafe maior, que ultrapassou as fronteiras do país e provocou indignação em toda a América Latina e até mesmo na Europa, foi afirmar que "o anúncio de Jesus e de seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de uma cultura estrangeira". Ou o papa nunca leu nada sobre a história de sua igreja - hipótese que não me parece plausível - ou faz pouco da cultura de brasileiros e latino-americanos. Isto foi observado inclusive pela imprensa de seu país natal. O jornal alemão Süddeutsche Zeitung, em editorial intitulado "As fraquezas do Papa", ao comentar na semana passada o discurso final de Bento XVI no Brasil, afirmou: "o culto Joseph Ratzinger mostra fraquezas assustadoras em assuntos histórico-políticos. (...) Então provavelmente no início de outubro de 1492, entre o México e a Terra do Fogo as pessoas ficavam olhando para o mar, pensando 'Onde estão eles? Quando é que nós índios finalmente vamos poder ser cristãos?'"

Ainda segundo o jornal, Bento XVI acabou "neutralizando o pedido de desculpas feito por João Paulo II pelas atrocidades cometidas em nome de Jesus contra os moradores da América Central e do Sul". Ao espiritualizar o resultado de morte, assassinato e exploração, o Papa teria passado a mensagem de que "no final das contas, os sobreviventes aceitaram Cristo, e tudo bem".

Algum assessor vaticano deve ter sussurrado aos ouvidos de Sua Santidade algo sobre a crassa bobagem que proferiu no Brasil. Tentando remendar o soneto, Bento XVI tentou amenizar hoje suas declarações. Ao fazer um balanço de sua visita, em sua costumeira audiência das quartas-feiras no Vaticano, disse: "Não podemos ignorar os sofrimentos e as injustiças impostas pelos colonizadores às populações indígenas, cujos direitos humanos e fundamentais foram freqüentemente ultrajados".

Até aí, apenas uma admissão de que falara bobagens no Brasil. O problema é que quis esmiuçar suas desculpas e a emenda acabou saindo pior que o soneto. Classificou os excessos cometidos pelos colonizadores como crimes e disse que estes já tinham sido condenados antes por missionários como Bartolomé de las Casas e teólogos como Francisco de Vitória, da Universidade de Salamanca, na Espanha.

Como escreveu o jornal alemão, Bento de novo revelou fraquezas assustadoras em assuntos histórico-políticos. Nenhum historiador que se preze levaria a sério o depoimento de de las Casas. Para começar, o frei espanhol escravizou índios e africanos em seu repartimientos em Hispaniola (Haiti) e Cuba, na prospeção de suas minas de ouro. Mais tarde tomou partido contrário e passou a pregar contra o sistema de encomiendas, denunciando-o como injusto. Seus relatos sobre a colonização espanhola são hoje considerados delirantes e tidos como a origem da lenda negra. O criador desta expressão, Julián Juderias, assim a define, em seu livro La Leyenda Negra, de 1914:

"Ambiente criado pelos relatos fantásticas sobre nossa pátria, que vieram à luz pública em todos os países, as descrições grotescas que se fizeram sempre do caráter dos espanhóis como indivíduos e coletividade, a negação ou pelo menos a ignorância de tudo que é favorável e formoso nas diversas manifestações da cultura e da arte, as acusação que em todo tempo foram lançadas sobre Espanha".

Em 1944, o American Council of Education definiu o conceito como "uma expressão empregada pelos escritores espanhóis para denominar o antigo corpo de propaganda contra as gentes da Península Ibérica, que começou na Inglaterra no século XVI e foi desde então uma conveniente arma para os inimigos da Espanha e Portugal nas guerras religiosas, marítimas e coloniais destes quatro séculos".

Como as esquerdas contemporâneas, que o têm como guru, de las Casas considerava que os únicos donos do Novo Mundo eram os índios e que os espanhóis só deviam lá ir para o trabalho de conversão. Ou seja, os indígenas não passavam de bugres que ainda não tinham tido conhecimento da verdade do cristianismo. Renunciou a seus escravos, mas sua arrogância de colonizador permaneceu intacta.

Bartolomé de las Casas é visto pelos teólogos da libertação latino-americanos como um precursor de sua teologia marxista. Parece que nenhum assessor vaticano se preocupou em alertar o Bento que, em suas desculpas, ele invocava o guru dos teólogos que condenou. Tampouco houve uma santa alma que o advertisse que estava assumindo a lenda negra.

Quem diz besteiras uma vez sempre tende a repeti-las. Deixemos que o homem fale. Novas besteiras virão.

terça-feira, maio 22, 2007
 
DEUS É FEIO



Acabo de conhecer uma menina adorável em meu boteco. Eu lia Religiões, de Michael D. Coogan. Ela viu na capa a foto de montanhas do Tibet e perguntou-me se eu lia geografia. Não, era sobre religiões. Daí a conversa fluiu sobre viagens, meu assunto predileto.

Ao despedir-se, disse-me que viu Deus em Calafate. Bom, eu diria que o vi no Assekrem. Ilusão. Equívoco. Confundimos Deus com beleza. Deus, em verdade, é feio.

 
A CHINA E A INICIATIVA PRIVADA



A notícia insólita vem da China. Eu a apanho do jornal parisiense Libération.

Em certos cantões da China, desta China que hoje é modelo de desenvolvimento, os camponeses se dispõem a pagar milhares de yuans para assegurar a felicidade eterna a seus defuntos celibatários. Quando morre um filho, os pais passam a procurar um cadáver de mulher, de preferência da mesma idade, que será enterrado a seu lado. O costume provém da dinastia Ming. Em Linzhang, Song Tiantang, um desempregado de 52 anos fornece uma companheira póstuma ao defunto por três ou quatro mil yuangs (300 ou 400 euros).

Tiantang começou sua carreira em 1998, desenterrando cadáveres em cemitérios. Preso, passou dois anos no cárcere. Ao sair, dinamizou seus negócios. Em falta de cadáveres, passou a matar as jovens consortes póstumas. Já matou seis: quatro camponesas e duas meninas que procuravam um emprego como domésticas. Preso novamente dia 12 de abril passado, Tiantang declarou ter agido por dinheiro. "Eu sonhava ser milionário. A visão dos homens de negócio bem sucedidos sempre me fez ter ciúmes".

O jornal Notícias de Pequim foi autorizado a entrevistar Song Tiantang, cujo prenome significa "paraíso", em sua prisão.

- Como você teve a idéia de matar para vender cadáveres?
- Os cadáveres secos são baratos e menos procurados. Os cadáveres frescos são vendidos mais caros. Eu tinha dívidas a pagar na época.
- Porque procurar mulheres deficientes intelectualmente?
- As pessoas não as procuram após seu desaparecimento e elas não resistem quando eu as mato. As domésticas das agências de emprego não são da região, e isso evita problemas.
- Que você diz aos compradores?
- Cada vez eu contava uma história e dava um nome falso aos cadáveres. Eles não me pediam nenhum papel.
- Você não acha isso cruel?
- Cada vez, antes de vender, eu comprava um vestido vermelho (cor do casamento) para o cadáver. Eu espero que elas partam para o outro mundo e não voltem. Afinal, fui eu quem as enviei ao paraíso antes do que elas mereciam.

segunda-feira, maio 21, 2007
 
AINDA UM HONESTO MANUAL DE VIGARICE



Humberto Quaglio escreve:

Prezado Janer,

Excelente seu texto "Um Honesto Manual de Vigarice". Só gostaria de comentar algo que pensei ao ler dois trechos de seu texto: "...não se pode considerar minimamente culto quem um dia não tenha lido Swift, Nietzsche, Stendhal e pelo menos um ou dois romances de Dostoievski", e "Se falo em Dulcinéia, Blefuscu, Laputa, Raskolnikoff, Julien Sorel, Ema Bovary, Martín Fierro e meu interlocutor não tem a mínima idéia do que sejam ou de quem seja, é porque meu interlocutor não é pessoa que lê".

Há alguns anos, quando o Mário Henrique Simonsen morreu, eu estava ainda nos primeiros períodos da faculdade, e li em algum jornal que o ex-ministro uma vez disse que só se poderia considerar uma pessoa culta se ela tivesse lido o Fédon, de Platão. Como eu desejava, aos vinte anos, ser considerado uma pessoa culta, ainda mais pelos padrões de alguém que possuia reputação de homem muito culto, li imediatamente o Fédon. Lembro-me até que eu e um amigo, jovens muito moleques na época, passamos um dia interpelando as pessoas no campus da UFJF e perguntado "você sabe quem disse que devia um galo a Asclépio?", para vermos quantas pessoas cultas conseguiríamos encontrar na universidade. Só um professor de filosofia, portador do título de doutor por uma universidade alemã, conseguiu responder corretamente.

Posteriormente, lendo, ou conversando com pessoas consideradas cultas, ouvi e li muitas frases semelhantes: "Só se pode considerar culto quem leu...", e aí as obras ou autores variam muito. Alguns são citados mais freqüentemente, como Platão, Dante ou Shakespeare, mas eu tenho percebido que, se eu fizer uma lista de todas estas obras cuja leitura é considerada por uns ou por outros indispensável para considerar alguém culto, será uma lista tão extensa que talvez seja impossível ler tudo no período de uma vida humana. O que acaba acontecendo é que sempre alguém será reputado como culto por uns e como inculto por outros, o que me leva a concluir que dizer que alguém é culto é um julgamento subjetivo.

No entanto, é falsa a afirmação de que quem não conhece este ou aquele personagem célebre da literatura é pessoa que não lê. Dizer de alguém que "esta é pessoa que não lê" é um julgamento objetivo. Há pessoas que lêem muito, (e não estou falando de subliteratura, mas de leituras de qualidade) porém não são grandes apreciadores de literatura, de ficção. Conheço muita gente que lê tratados históricos, filosóficos ou científicos por prazer, e com muita freqüência, mas que não saberiam dizer quem é Raskolnikoff (ou Raskóllhnikov, na grafia dada na edição que eu tenho do Crime e Castigo). Algumas dessas pessoas que não conhecem Raskolnikoff, mas que lêem tratados científicos, poderiam perguntar a um apreciador de literatura em que célebre diálogo foram interlocutores Salviati, Sagredo e Simplício, e receber como resposta um "não sei", e penso que ambos poderiam dizer um do outro "esta não é uma pessoa culta", mas não poderiam dizer um do outro que "esta não é uma pessoa que lê".

Isto me faz lembrar da rivalidade existente entre pessoas ligadas às chamadas "humanidades" ou "ciências humanas e sociais", e as pessoas ligadas às "ciências naturais". Se eu não me engano, se a memória não me trai, no livro Imposturas Intelectuais, o Alan Sokal (que, aliás, desmascara picaretas como Lacan) menciona esta rivalidade, contando de literatos que consideravam os físicos incultos, por não conhecerem este ou aquele autor ou obra. Um grupo de físicos até aceitou a alcunha de pessoas incultas, mas resolveu fazer uma pesquisa entre professores de literatura, para verificar se eles saberiam o conceito de massa. A maioria não sabia, e eles concluíram que estavam diante de analfabetos, pois se, para um apreciador de literatura, o desconhecimento de algumas obras significa falta de cultura, para um físico, o desconhecimento do conceito de massa significa analfabetismo.

Adorei o seguinte trecho de seu texto: "Uma boa biblioteca é feita de centenas, senão de milhares, de livros não lidos ou lidos pela metade. Best-sellers à parte, a produção de bons livros é enorme. Há os livros que compramos por engano. Outros, por gula. Nos últimos anos, sempre estou lendo os livros que comprei na penúltima viagem. Os da última, conforme o nível de interesse, ainda estão à espera. Podem até ser deixados de lado em função de um título mais urgente que por acaso surja".

Sempre pensei assim. Minha biblioteca está cheia de excelentes livros que ainda não li, mas, como eu costumo dizer, estão na fila.

Quanto a mim, ainda não sou minimamente culto de acordo com seu critério. Não li Swift nem Stendhal (li há alguns anos uns poucos capítulos d' O Vermelho e o Negro, mas outros livros me interessaram mais naquela época, e aí o Stendhal voltou para a fila). Do Nietzsche eu já li alguma coisa. Na época em que eu abandonei o cristianismo, li o Anticristo. Depois, li a Genealogia da Moral. Do Dostoievski eu li três: Crime e Castigo, A Casa dos Mortos e Noites Brancas. Dulcinéia e Sorel eu tenho uma idéia de quem sejam, pois comecei a ler o Quixote quando era adolescente (também voltou para a fila) e sobre o Vermelho e o Negro eu já falei. Ema Bovary é para mim apenas um nome que não me soa estranho. Blefuscu e Laputa eu desconheço completamente. O Martín Fierro não li ainda, está na fila, mas me é bastante familiar. Meu avô, que era de Santana do Livramento, recitava alguns versos do Hernández, e meu tio mais velho também gosta muito da obra dele. Não sei se você se lembra que uma vez eu enviei um e-mail em que mencionei que eu sou bisneto do João Manuel de Araújo Filho.

Enfim, penso que há muito ainda para se ler, mas não é possível ler tudo o que se quer, ou o que reputa importante, ou mesmo indispensável, no breve período em que nos é dado viver. Assim, procuro conciliar sempre aquelas leituras que considero indispensáveis (e que muitas vezes não são prazerosas de ler), com aquelas que, mesmo não sendo indispensáveis, me dão prazer (mas nunca subliteratura, não me entenda mal), como, por exemplo, os textos e e-books do escritor Janer Cristaldo, que, aliás, escreve muito bem.

Um grande abraço.




Tens razão, Humberto. A lista é grande e subjetiva. Eu citei bem poucos autores para o que se entenderia como homem culto. Claro que estou falando dessa cultura que se convencionou chamar de humanidades. Um físico, um químico, um geólogo, estas pessoas até podem ter muita cultura sem ter passado pelos clássicos. Mas, se estamos falando das tais de humanidades, há autores obrigatórios.

Platão é um deles. Não precisa ler tudo. Mas lá estão as bases do pensamento ocidental. Como diz aquela propaganda da Folha, "não dá pra não ler". Dostoievski e o Quixote, também. Pode-se até deixar de lado o Stendhal ou o Flaubert, mas é bom que se tenha uma idéia de quem sejam. Já o Galileu, bom... estamos numa área mais científica, e aí a listagem não terminaria mais. E sempre é bom saber quem devia um galo a Asclépio. É bom também saber quem era Asclépio. Há quem pense que o Sócrates estaria devendo um galo a algum vizinho. É apenas um detalhe da obra, mas fundamental. Conheço pessoas que acreditam que Sócrates acredita em Deus. Com isto pretendem que Sócrates já aceitava o monoteísmo.

O problema é a memória. Eu li Platão e Cervantes muito jovem, hoje quando os releio me parece estar visitando territórios desconhecidos. Depois, há as releituras. À medida em que crescemos intelectualmente, a percepção de uma obra vai mudando. Uma viagem, por exemplo, pode fazer com que você faça uma leitura totalmente nova de um livro. Uma coisa é ler o Quixote antes de conhecer as paragens por onde andou. Após conhecê-las, a leitura é outra. Quando andei pela geografia árida de Castilla, ao ver um moinho naqueles campos agrestes, te juro que vi os dois, o Quixote e o Sancho, cavalgando rumo ao nada. Quem vai à Espanha e não os vê, não viu a Espanha.

As leituras adultas são sempre as melhores. A propósito, Blefuscu e Laputa são ilhas das Viagens de Gulliver. Este livro é fundamental. Se não leste, compra logo. Vai te fascinar. O que ocorreu com Swift é que, dada a forma alegórica como desenvolve seu livro, foi considerado literatura infantil. Ora, Swift é certamente o autor que mais escarneceu da humanidade. As Viagens é livro ao qual sempre volto e sempre encontro um redobrado prazer ao relê-lo.

Quanto ao Hernández - opinião suspeita de quem nasceu lá na Fronteira Oeste - se eu tivesse direito a levar um só para uma ilha, acho que seria o Martín Fierro. Quando me isolei na Suécia, levei comigo dois livros. O Fierro, e a Poesia Completa do Fernando Pessoa. Foram os dois autores que me mantiveram em pé naqueles dias de neve e solidão.

Pois é, Humberto, a lista é vasta e subjetiva. Em minha adolescência, li um livro de Will Durant, onde ele listava um mínimo de autores que um homem culto deveria conhecer. Começava com Platão e Aristóteles, passava por Agostinho e Tomás de Aquino, incluía Descartes, Rousseau, Montesquieu e por aí vai. Fui atrás desses autores todos. Eu vivia então em Dom Pedrito, onde havia apenas uma pequena livraria, que só tinha livros didáticos. Ainda pivete (teria uns quinze anos) viajei a Santa Maria, cidade universitária, onde havia uma sucursal da livraria Globo. Pedi para o balconista ir baixando os livros de minha listinha. Tive sorte. A editora Globo, nos anos 50 e 60, montou uma excelente coleção, a "Biblioteca dos Séculos", que continha boa parte dos livros fundamentais para um homem se pretenda culto.

O que eu não sabia é que a Suma Teológica tinha dez volumes. Ainda bem que naquela época ainda não fora traduzida. Hoje tenho os dez volumes da Suma, em português e latim, quando quero rir um pouco volto à leitura do Boi Mudo. Não li todos os livros sugeridos por Durant, mas li muitos deles. Se hoje considero que nem todos eram fundamentais, foi bom lê-los para saber que não eram.

Em suma, não dá pra ler tudo. Mas sempre é bom ter livros que ainda falta ler. É algo que ajuda viver.

Abração.

domingo, maio 20, 2007
 
DISCUSSÃO BIZANTINA



O aborto, segundo nossa legislação, é crime, salvo em duas exceções, estupro e risco de vida para a mãe. Segundo dados do Ministério da Saúde, ocorrem no Brasil cerca de um milhão de abortos clandestinos por ano. Ou seja, temos cerca de um milhão de mulheres cometendo esse crime a cada ano. Isso sem falar nos médicos, enfermeiras ou açougueiros cúmplices deste crime. Há pouco eu me perguntava quantos destes criminosos estariam na cadeia. A resposta está na Folha de São Paulo de hoje:

Não há nenhuma mulher em São Paulo cumprindo pena por aborto, segundo levantamento da Secretaria da Administração Penitenciária, órgão responsável pela custódia das 6.159 mulheres presas no Estado.O aborto é crime previsto em cinco dos 361 artigos do Código Penal brasileiro, de 1940. As penas vão de um a dez anos de prisão, dependendo das circunstâncias.

Ainda segundo a Folha, se em São Paulo não há nenhuma mulher presa, no país não há números conclusivos. Tanto a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres como o Ministério da Justiça dizem não dispor de dados. O único caso que o jornal conseguiu catar foi o de uma mulher, presa no dia 10 passado, em Salvador, na Bahia. Trata-se de uma empregada doméstica que recebe R$ 100 por mês, e que tomou três comprimidos de um remédio para abortar seu terceiro filho, "porque luta para sustentar duas crianças". Mesmo presa, esta moça responderá ao processo em liberdade. E duvido que seja condenada à prisão. O jurista Damásio de Jesus, que atuou no Ministério Público durante 26 anos, durante esse período "não chegou a ver mais do que dois ou três julgamentos por aborto".

Vamos deixar de hipocrisia. O aborto há muito está legalizado no Brasil. Em Direito, aprendi que o desuso é uma forma de revogação de leis. Desde há muito não se pune ninguém por este crime no país. Lá de vez em quando, encontramos notícias de um médico aborcionista que foi preso. E não mais que isto.

A campanha pela descriminalização do aborto não deixa de ser uma redundância. Tornar legal o que desde há muito é tolerado por lei? Isto é coisa de igrejeiros que, sabe-se lá por quais razões, continuam crendo na ficção jurídica de que aborto é crime. Fosse assim considerado, faltaria cárcere para mais de milhão de pessoas por ano. Ousaria o Brasil prender pessoas por atos que são considerados legais na maioria dos países civilizados?

Desde há muito o aborto deixou de ser crime, caríssimos. A discussão sobre a descriminalização é bizantina.

sábado, maio 19, 2007
 
SÃO MALCOLM X



Celebra-se hoje o nascimento, em 19 de maio de 1925, de Malcolm Little, mais conhecido como Malcolm X, assassinado em 21 de fevereiro de 1965, em Nova Iorque. Tido como um dos maiores defensores dos direitos dos negros nos Estados Unidos, foi na verdade o mais ativo pregador de racismo naquele país. Fundou a Organização para a Unidade Afro-Americana, que uniu duas das piores pragas contemporâneas, o marxismo e o Islã.

Em uma época em que os negros americanos lutavam pela integração racial, o extremista negro, que passou a chamar-se El-Hajj Malik Al-Shabazz, pregava a luta armada contra os brancos e a separação total entre as duas raças. Pelo simples fato de ser assassinado, Malcolm virou santo. Em verdade, não passava de um teórico do terrorismo racial, mesclado com o Islã.

Jornais do mundo todo certamente prestarão hoje homenagens ao santo homem.

sexta-feira, maio 18, 2007
 
RAYMOND ARON E EU



Leio no blog Gropius:

O exemplo de Janer Cristaldo é o mais sério, porquanto se trata de um jornalista e intelectual, responsável, pelo próprio ofício, a ter as definições em mente antes de expelir expressões de polêmica fácil. Mesmo assim, antes de avançarmos rápido no repúdio ao anti-catolicismo do jornalista, deveríamos perguntar-lhe: o que se entende por "traficante de drogas"? O Cristianismo é uma droga tanto quanto a cocaína e o ópio? Quais as diferenças? Quais as semelhanças? O que define uma droga? A polêmica esvazia-se assim. E logo se vê que de um post pretensamente polêmico nada resta. Só um bater de panelas patético.

Claro que considero as religiões como uma droga, tanto ou quanto a cocaína e o ópio. Com uma diferença: a cocaína e o ópio matam quem as consome e as religiões, ao longo dos séculos, têm matado quem se recusa a consumí-las. São talvez mais perigosas que as drogas propriamente ditas. Algumas seitas mais agressivas, como a cientologia, chegaram a gerar uma nova profissão, a dos desprogramadores, para desintoxicar os jovens que sofreram lavagem cerebral.

É curioso observar que ninguém questionou Raymond Aron, quando escreveu O ópio dos intelectuais. Referia-se ao marxismo e o comparava a uma droga. O livro fez fortuna e hoje é um dos clássicos da contestação ao pensamento totalitário.

Ou seja, marxismo é droga. Cristianismo não é.

 
CONY ARROTA FALSA ERUDIÇÃO



Comentei há pouco o ensaio Como falar de livros que não lemos?, de autoria de Pierre Bayard, psicanalista e professor da universidade Paris VIII. O livro nem chegou ainda no Brasil, mas Carlos Heitor Cony tem demonstrado sobejamente, em suas crônicas, ser mestre no assunto. Em artigo publicado na Folha de São Paulo desta sexta-feira, intitulado "Elis Regina e a castidade", escreve:

Não parece, mas, a julgar pela perplexidade de grande parte da mídia provocada por alguns pronunciamentos do papa na sua recente visita, Bento 16 teria inventado a castidade ao pedir que os jovens aguardassem o casamento para iniciar a vida sexual.
Num comentário feito na CBN, no dia seguinte à declaração do papa, tive a audácia de lembrar que o preceito da castidade vem lá de trás, do decálogo que Moisés, séculos antes de Cristo e de Bento 16, trouxe do monte Sinai, sendo o sexto dos dez mandamentos que procuraram dar uma ordem mais social do que religiosa não apenas ao povo hebreu que fugia da escravidão no Egito mas que passou ao judaísmo e foi absorvido integralmente pelo cristianismo.
Recebi e-mails furibundos de ouvintes estarrecidos pelo fato de lembrar um mandamento que, junto com os outros nove, tentaram formar a civilização ocidental. Não matarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho, honrarás pai e mãe, não pecarás contra a castidade, não desejarás a mulher do próximo (por sinal, dois dos mandamentos da legislação de Moisés referem-se ao mesmo assunto).


Mesmo tendo sido seminarista, Cony parece jamais ter lido a Bíblia. Os mandamentos que enumera são a versão que a Igreja produziu para seu catecismo. Os catecismos são livros elementares de instrução religiosa, organizados em perguntas e respostas, para uso dos catecúmenos e das crianças que se preparam para fazer a primeira comunhão. Pouco ou nada têm a ver com a Bíblia. Nesta, o conceito mais próximo de castidade que encontramos é adultério. "Não adulterarás". Cony fala em "não desejarás a mulher do próximo", como se o pecado consistisse apenas em desejar a mulher do próximo. Não é. O mandamento é bem mais abrangente: "Não cobiçarás a mulher do teu próximo; não desejarás a casa do teu próximo; nem o seu campo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo". Reduzir este preceito ao desejo da mulher do próximo é conferir-lhe uma característica exclusivamente sexual, que o preceito não tem.

O irônico é que o cronista começa seu artigo ironizando a incultura dos universitários:

NÃO FAZ muito tempo, fiz parte de uma comissão julgadora de textos universitários sobre história e escrevi uma crônica a respeito. Para 90% dos trabalhos apresentados, o mundo teria começado a partir de Elis Regina. Antes dela, havia um espaço nebuloso, uma zona gasosa como nos primeiros séculos da galáxia da qual a Terra foi formada.

O roto ri do rasgado. Se para os universitários o mundo parece ter começado a partir de Elis Regina, para Cony o velho Jeová já antecipava os textos catequéticos da Igreja Católica. Ora, o Celipotente jamais falou em castidade. Diga-se de passagem, a palavra castidade não existe na Bíblia. Nem no Velho, nem no Novo Testamento. Se Cony os tivesse lido com atenção, saberia disso. Se não sabe, é porque não leu e agora arrota falsa erudição.

 
MORAL DE CUECAS CATÓLICA



Enquanto Bento XVI prega a castidade no Brasil, a Igreja Católica de Los Angeles prevê vender o Centro Católico arquidiocesano para pagar as indenizações de 60 milhões de dólares a vítimas de abusos sexuais por parte de alguns sacerdotes. É o que leio em despacho da AFP. Segundo o cardeal Roger Mahony, algumas propriedades serão mantidas para o funcionamento de futuras paróquias. "Preferiríamos mantê-las todas, mas não temos nenhuma saída para arrecadar dinheiro, a não ser com as vendas".

Enquanto Na Europa a Igreja vende suas igrejas porque já estão desertas de fiéis, nos EUA as vende para pagar indenizações pelos crimes sexuais cometidos pelos sacerdotes. Os 60 milhões de dólares são destinados a solucionar, de forma amistosa, os processos abertos por apenas 46 vítimas de sacerdotes pedófilos.

Com a idéia de padres pedófilos já estamos acostumados. Ocorre que também houve casos de freiras acusadas de abusos sexuais. A Bishop Accountability, organização nacional que compila dados sobre abusos sexuais praticados pela Igreja, tem 40 freiras em seu banco de dados. Segundo o padre Thomas Doyle, que já trabalhou na embaixada do Vaticano em Washington, as pessoas muitas vezes se surpreendem com as queixas contra freiras, considerando-as "mais difíceis de enfrentar".

Não foi por falta de aviso. Há uns bons dois mil anos, o apóstolo Paulo já dizia que, para evitar a impudicícia, é preciso que cada homem tenha sua mulher e cada mulher seu marido. A Igreja fez ouvidos de mercador ao santo homem e hoje paga um alto preço por sua defesa intransigente da abstenção sexual.

Algumas dioceses, para fugir ao pagamento, recorreram a um singelo recurso, o calote. Entraram com uma declaração de falência e estamos conversados. Segundo a lei de falência, a diocese em questão pode continuar funcionando, com os credores ficando com apenas uma parte dos ativos. Difícil decidir o que é mais vil: padres violentando crianças ou usando de recursos contábeis para escapar à indenização.

É de supor-se que Bento XVI tenha ciência destas artes de seu rebanho. Antes de vir recomendar continência a uma juventude laica, bem que podia pôr freio à lascívia de seus ministros.

quinta-feira, maio 17, 2007
 
CHOPE TAMBÉM É CULTURA



Leio na Folha de São Paulo:


O governo federal autorizou a organização da Oktoberfest, festa do chope no Rio Grande do Sul, a captar R$ 1,182 milhão, via Lei Rouanet. Justificativa: o projeto "mantém e potencializa a cultura local, essencialmente germânica, contemplando a música instrumental".

Pergunta ao contribuinte que gosta de chope: se já financiou a festa, terá de pagar de novo pelo chope? A Lei Rouanet, promulgada certamente com as melhores intenções, está se revelando um excelente instrumento de corrupção.

Melhor ainda, corrupção legal.

 
UM HONESTO MANUAL DE VIGARICE



Em Paris, está nas livrarias um excelente manual de vigarice intitulado Comment parler des livres qu’on n’a pas lus?. Ou seja, Como falar de livros que não lemos? O autor é Pierre Bayard, psicanalista e professor da universidade Paris VIII, o que já nos diz muito sobre o livro. Como todo psicanalista, é intelectualmente desonesto. Como professor de Paris VIII, é ipso facto suspeito. Paris VIII é aquela universidade parisiense criada em 1968, que normalmente não ousa dizer seu nome. A ex-ministra francesa da Educação Edith Cresson a considerava "la poubelle du Thiers Monde", isto é, a lata de lixo do Terceiro Mundo. Quando você ler no currículo de algum intelectual brasileiro que ele se formou na Université de Paris, abra o olho. Não existe Université de Paris, assim sem mais.

As universidades parisienses, após a sedizente revolução de 68, são designadas por números. Paris I, Paris II, Paris III, e assim por diante, até Paris XIII. Quem não designa com precisão a universidade em que se doutorou, é tiro e queda: é porque se doutorou em Paris VIII, a poubelle. Assim, não é de espantar que tal manual de vigarice tenha sido escrito por um egresso da lata de lixo.

Segundo resenha da Veja, "o livro que foi largado na metade, ou logo nas primeiras páginas, ou lido aos pedaços, ou apenas folheado - todos eles fazem parte do histórico do leitor". Até pode ser. Muitas vezes compramos um livro só porque um capítulo nos interessou. Isso ocorre muito com ensaios. Um dos livros que não li todo foi Le Livre noir du communisme, de Stéphane Courtois et alii. Li os capítulos sobre China, União Soviética e América Latina. E cansei. Os massacres são tão monótonos que deixei de lado Coréia, Vietnam, Camboja. Seja como for, é um livro de referência. A qualquer momento que necessitar de dados sobre estes países, a obra está ao alcance de minha mão.

Outro que não consegui chegar até o fim foi La História criminal del cristianismo, de Karlheinz Deschner. Tenho oito volumes da obra e me consta que ainda faltam alguns. Os massacres patrocinados pela Santa Madre Igreja Católica são tantos que acabam entediando. Mas o livro está aqui, a uns dois metros de minha mesa, para quando for necessário discutir com aquele tipo de católico que gosta de justificar a Inquisição e as cruzadas.

Uma boa biblioteca é feita de centenas, senão de milhares, de livros não lidos ou lidos pela metade. Best-sellers à parte, a produção de bons livros é enorme. Há os livros que compramos por engano. Outros, por gula. Nos últimos anos, sempre estou lendo os livros que comprei na penúltima viagem. Os da última, conforme o nível de interesse, ainda estão à espera. Podem até ser deixados de lado em função de um título mais urgente que por acaso surja. Seja como for, não é intelectualmente honesto deixar pela metade livros como o Quixote, Crime e Castigo, 1984, As Viagens de Gulliver. E centenas de outros. Sei, não é fácil ler Cervantes ou Dostoievski nos dias que correm. Mas quem decidiu enfrentá-los, tem de ir até o fim. Leitura é trabalho.

Bayard sugere que o leitor não deve ter vergonha das lacunas de sua formação cultural. Ora, lacunas todos temos e não poderia ser diferente. A literatura é vasta e a vida é breve. Mas há lacunas e lacunas. Certa vez, mostrei a uma jovem executiva de São Paulo a estátua do Quixote e Sancho Pança, na Plaza España, em Madri. Ela não tinha a mínima idéia de quem se tratava. Obviamente, sabia quem era Machado de Assis. Como conheço a moça de perto, sei-a inteligente e dotada de curiosidade intelectual. A falha é de nosso ensino. Por outro lado, não se pode considerar minimamente culto quem um dia não tenha lido Swift, Nietzsche, Stendhal e pelo menos um ou dois romances de Dostoievski. E é claro que quem leu isto leu muito mais. "Nas rodas em que se discute literatura - diz o autor - não há porque imaginar que o sujeito a seu lado conheça mais de uma obra do que você".

Errado. O homem que lê se impõe por seu conhecimento, pela aisance com que trafega por entre os autores. O leitor vigarista de Bayard até pode se impor, mas só impõe entre seus pares, os demais vigaristas. Se falo em Dulcinéia, Blefuscu, Laputa, Raskolnikoff, Julien Sorel, Ema Bovary, Martín Fierro e meu interlocutor não tem a mínima idéia do que sejam ou de quem seja, é porque meu interlocutor não é pessoa que lê. Só pode enganar analfabetos.

O mestre-vigarista de Paris VIII considera que opiniões sobre literatura são sempre um tanto arbitrárias. "Fale bem ou mal de um livro, mas fale com convicção - e ninguém desconfiará que você não o leu". Não é verdade. É fácil desmascarar este tipo de leitor. Por exemplo, estes bravos cronistas católicos que afirmam que Dostoievski teria escrito que se Deus não existe tudo é permitido. É só perguntar a passagem precisa em que leram isto. Jamais conseguirão responder. Porque esta frase, assim formulada, não existe em Dostoievski.

Sem ir mais longe, certo dia conheci uma promoter que se pretendia conhecedora da obra de Ernesto Sábato. Morava em uma casa que me lembrou a mansão onde vivia Alejandra. Comentei isto. A moça nem sabia quem era Alejandra. Para mim, morreu ali mesmo. Era mais uma dessas vigaristas que Bayard louva.

"Todo leitor é traído pela memória", diz Bayard, e nisto tem toda a razão. Não há memória humana que guarde tudo o que se leu. A menos que se trate de Funes, el memorioso, e se meu leitor conhece literatura sabe de quem estou falando. Mas Bayard extrapola: "Assim, você pode inventar novos episódios para um livro, ou até falar de autores e livros que não existem". Verdade que Jorge Luís Borges fazia isto. Mas o fazia com arte e requinte, como uma ficção em que os personagens - fictícios - eram livros. Não tente inventar novos episódios para um livro. Quem conhece literatura logo o desmentirá.

Bayard sugere falar do significado pessoal que um livro tem para você, mesmo que não o tenha lido. Não funciona. Se alguém um dia lhe falar de como foi influenciado por Cervantes, pergunte logo o que Quixote viu na cueva de Montesinos. Ou quem era o governador da Isla de Barataria. Ou de que aldeia vinha Dulcinéia. Se não responder, é vigarista.

O autor pretende que qualquer um pode ter uma opinião legítima sobre um livro mesmo sem tê-lo lido. Tem e não tem razão. Você pode ter uma opinião legítima sobre Paulo Coelho ou Harry Potter, mesmo sem tê-los lido. Não é preciso ler esses livros que constam das listas dos mais vendidos para saber que se tratam de subliteratura. Por isto estão na lista dos best-sellers, tão ao gosto dos brutos. Mas esta estratégia não é válida para a grande literatura.

A obra de Bayard não deixa de ser honesta. O autor deixa claro que quer formar um leitor mentiroso. Neste sentido, não está enganando ninguém. Mas seu manual só vem em socorro de embusteiros.

quarta-feira, maio 16, 2007
 
ASCENSÃO E DECADÊNCIA DE UM BEST-SELLER



Bento XVI considerou ser justa preocupação para a Igreja o "proselitismo agressivo das seitas", referindo-se evidentemente às diferentes denominações evangélicas que hoje roubam ovelhas de seu rebanho. Este foi um dos propósitos de sua viagem, previsto desde dois anos atrás. Em outubro de 2005, o cardeal Walter Kasper, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, dizia à imprensa internacional reunida em Roma que a agressividade e o proselitismo das seitas neopentecostais eram os motivos principais que induziram o papa a escolher o Brasil para sua viagem à América Latina. A verdade é que a Igreja Católica não tem muita autoridade moral para se queixar. Os evangelistas se apropriam hoje do Novo Testamento com a mesma nonchalance que os católicos se apropriaram do Velho.

Falar em proselitismo agressivo de seitas soa muito estranho numa Igreja que quer firmar concordata com o Brasil, tornando o ensino de religião obrigatório nas escolas públicas. Proselitismo é coisa de evangélicos, que trabalham madrugadas afora para conquistar mentes. O Vaticano quer moleza. Se conseguir torcer o pepino desde menino, amém! Vale inclusive golpe baixo, introduzir o ensino obrigatório da religião - católica, é claro - no ensino público.

O Vaticano defende com unhas e dentes seu mercado. O que Bento e Kasper parecem esquecer é que, em seus primórdios, o cristianismo não passava de uma seita dissidente do judaísmo. Ainda hoje há cristãos desavisados que julgam que Cristo era cristão. (Sem falar nos que têm certeza de que Cristo era católico). Ora, Cristo nunca foi cristão. Era judeu. Em sua época, não existia nada que se pudesse chamar cristianismo. A palavra cristianismo nem existe na Bíblia. Encontramos, isto sim, a palavra "cristãos". Mas apenas nos Atos, II, 25, bem depois da morte de Cristo: "Partiu, pois, Barnabé para Tarso, em busca de Saulo; e tendo-o achado, o levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se naquela igreja e instruíram muita gente; e em Antioquia os discípulos pela primeira vez foram chamados cristãos".

Como esta seita, liderada por um judeu com mania de Messias, seguido por um punhado de iletrados, conseguiu expulsar os deuses pagãos do universo mediterrâneo e tornar-se, ao longo dos séculos, uma das religiões dominantes do planeta? Esta pergunta sempre me intrigou. Não é difícil encontrar resposta. O historiador Paul Veyne, em L’Empire Gréco-romain (Paris, Éditions du Seuil, 2005), nos esclarece melhor a questão. Se os deuses pagãos não permitiam que se abusasse de seu nome em falsos juramentos ou que um celerado conspurcasse seus santuários com sua presença impura, a moralidade dos mortais não lhes dizia respeito. Um romano podia fazer uma prece: Vênus, tu cujo poder reina sobre terra e mares, acaba com nossas guerras civis. Subentendia-se: se não o fazes, teu poder será posto em dúvida. Ou ainda: Zeus, me ajuda, senão serás considerado uma nulidade. Ou seja, havia uma relação mais ou menos de igual para igual entre deuses e homens.

"Em revanche, o que não oferecia o paganismo era o amor de um Deus amoroso. Não havia relações sentimentais com estes poderosos estrangeiros que viviam antes de tudo para si mesmos (...) O paganismo ignora toda relação interna de consciências entre deuses e homens. O cristianismo terá sido uma religião mais amorosa, mais apaixonante, terá tido a espécie de sucesso de um best-seller que prende você pelas entranhas por seu calor ético, por seu deus temível mas amoroso, com o qual se pode conversar intimamente".

Esta idéia de um best-seller apaixonante será retomada mais adiante por Veyne, em seu último ensaio, Quand notre monde est devenu chrétien (312-394), lançado em Paris em fevereiro passado. Sem Constantino, diz o autor, o cristianismo não teria sido mais que uma seita de vanguarda. O grande sucesso da nova doutrina residiria em ser uma religião de amor, uma invenção coletiva de gênio: "a misericórdia infinita de um Deus que se apaixona pelo destino da humanidade - mais ainda, pelo destino das almas, uma a uma, a minha, a tua, e não apenas pelo destino dos reinos, dos impérios ou da humanidade em geral; um Pai cuja lei é severa, que faz você andar na linha, mas que, como o deus de Israel, está sempre pronto a perdoar".

Veyne propõe um paralelo para mostrar o abismo que separa o cristianismo do paganismo. Uma mulher do povo pode contar seus infortúnios familiares à Madona. Se ela os contasse a Hera ou Afrodite, a deusa se perguntaria qual maluquice havia passado pelo cérebro daquela idiota que vinha lhe falar de coisas que não lhe diziam respeito.

Por outro lado, o cristianismo era um organismo completo, o que não existia no paganismo. Como este, "possuía seus ritos, mas também uma porção de outras coisas que o paganismo não tinha: sacramentos, livros santos, reuniões litúrgicas, a propaganda oral pelas homilias, uma moral, dogmas. Do mesmo modo que era preciso confessar sua fé e respeitar a lei divina, era preciso crer nos dogmas e nos relatos sagrados, na Queda, na Redenção, na Ressurreição. Um cristão que atravessava uma crise de fé não dispunha do recurso que tinham os pagãos, o de considerar como invenção de poetas tudo aquilo que lhes parecia inacreditável em seus mitos".

Outro fator fundamental para a saúde da nova doutrina seria a máquina colossal posta em movimento por Constantino, após sua conversão. Ao legalizar a Igreja, concedendo-lhe privilégios e fazendo dela sua religião pessoal, o imperador "fortificará um organismo completo, desfechará um formidável mecanismo que iria enquadrar e cristianizar pouco a pouco a massa da população e mesmo enviar missionários aos povos estrangeiros. Pois o cristianismo tinha ainda uma outra particularidade, o proselitismo, enquanto o paganismo e o judaísmo raramente procuraram persuadir os outros a adotar suas divindades".

Para Veyne, a conversão de Constantino é facilmente explicável. Para quem queria ser um grande imperador, era preciso um deus grande, um deus gigantesco que se apaixonasse pela humanidade, que despertasse sentimentos mais fortes que os deuses do paganismo, que viviam para eles mesmos. Esse Deus desenvolvia um plano não menos gigantesco para a salvação eterna da humanidade. Ele se imiscuía na vida de seus fiéis, exigindo deles uma moral estrita.

Mil e setecentos anos depois, Bento XVI dá-se ao luxo de classificar como seitas as demais religiões que reivindicam o legado de Cristo. É confortável caminhar pela História com as costas quentes, protegidas por quase dois milênios de idade. No entanto - e aqui as hipóteses não são de Veyne, mas minhas - se essa idéia de amor está na raiz do sucesso da antiga seita, esta mesma idéia é responsável por sua decadência.

O Deus único que oferece amor, cobra amor de volta. Ciumento, não admite outros deuses. Manda os seus chacinar tribos, destruir ídolos e altares e interdita outras crenças. Esta prepotência de Javé se manifesta no Cristo, quando mostra suas garras: "quem não está comigo, está contra mim". Desconheço frase que resuma, com tanta síntese, o fanatismo ancestral dos cristãos. É o mesmo fanatismo de Ratzinger, quando declara: "A Igreja Católica é a mãe de todas as igrejas cristãs. Por isso, outras igrejas não devem ser consideradas irmãs da Igreja Católica". Ou seja, não passam de seitas.

No transcurso da história, os monoteísmos se revelaram - e ainda hoje se revelam - produtores de guerras, massacres, genocídios. Se a humanidade um dia tomou gosto pela idéia do deus único, muito cedo repensou a proposta. O próprio cristianismo observou este fenômeno em seu corpo doutrinal. Lá pelas tantas, os fiéis estavam cultuando três deuses, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O paganismo, expulso pela porta, voltou voando pelas janelas.

Para suprimir este retorno a crenças pagãs, o primeiro Concílio de Nicéia, realizado em 325 - sob a égide de Constantino, é claro - decretou o dogma da Trindade. Deus é três mas é um só. Não tente entender: é mistério. Não tente descrer: é dogma. Isso sem falar em Maria, que goza de uma condição de deusa, à semelhança dos outros três. O Ocidente monoteísta tem hoje quatro deuses. Isso sem falar nos santos, uma espécie de delegação das divindades. A miríade de santos católicos dilui a camisa-de-força do monoteísmo.

Os deuses gregos morreram. Morreram de rir - dizia Nietzsche - ao ouvir que no Ocidente havia surgido um que se pretendia único. É o mesmo Nietzsche, junto com Kierkegaard, que denuncia a perversidade desta idiossincrasia cristã, a do amor ao próximo. É idéia que destrói o conceito de amizade. Amamos quem elegemos para amar. Não necessariamente quem é próximo.

O best-seller fez sucesso, mas a fórmula está gasta. A Europa, que um dia se chamou Respublica Christiana, está exportando o antigo achado para o Terceiro Mundo. Não por acaso, o Brasil foi contemplado com a primeira grande viagem de Ratzinger.

terça-feira, maio 15, 2007
 
BENTO SUPRE LACUNA



Lula andava silente e há horas não dizia bobagens. (Ainda não li sua coletiva de hoje). Bento XVI parece ter vindo para suprir a lacuna. Ao manifestar seu repúdio por ideologias, afirmou que nem o marxismo nem o capitalismo podem hoje dar respostas à demanda de justiça social. Está tentando misturar azeite e água. Marxismo é uma ideologia. Capitalismo é uma atividade econômica. Marxismo é uma doutrina utópica, que visa construir, manu militari, uma sociedade utópica.

Capitalismo não é doutrina. Se os autores marxistas formulam a idéia de uma sociedade ideal para depois tentar instaurá-la, os estudiosos do capitalismo se debruçam sobre uma economia já existente, para tentar melhor entendê-la. Capitalismo é um sistema que surgiu espontaneamente na História e desde seu surgimento só tem contribuído para a prosperidade das nações. Marxismo é um projeto tirânico surgido na cabeça de um utópico alemão, que só tem servido para oprimir e empobrecer as nações.

Que mais não seja, se ambos os sistemas não dão resposta alguma à demanda de justiça social, onde irá o cristão buscar tal resposta? No silêncio das catedrais? O Vaticano tem alguma terceira via a sugerir? Existe uma terceira via? O que tem surgido por aí, batizado com este nome, não passa de uma variante do capitalismo.

Ou quem sabe o Vaticano considera ideal aquele regime em que existe a crença em um só Deus, mais precisamente no Deus da Igreja Católica Apostólica Romana? Acontece que crenças não alimentam sociedade alguma. O Vaticano não produz alimentos nem tecnologia. Nem mesmo braços para o trabalho. O Vaticano só produz blábláblá.

A impressão que Sua Santidade passou é que quis ser politicamente correto, ao não condenar apenas o marxismo. Por uma questão de simetria, sentiu-se constrangido a lançar seus anátemas ao regime que sustenta a própria casa onde habita. Nenhuma economia socialista conseguiria bancar o fausto do Vaticano. Em país socialista, não existe Vaticano. O Vaticano só existe graças à liberdade de expressão e de cultos que só o capitalismo permite.

 
"VOCÊ NÃO TEM CANETA?
OS IRMÃOS EMPRESTAM"




Passei agora, na madrugada, na rede TV, canal 20, no programa do "missionário" Romildo Ribeiro Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus. Mais conhecido como Missionário R.R. Soares, o personagem é cunhado daquele outro virtuose da vigarice, o pastor Edir Macedo. Romildo Soares é dos bons. Inconformado com os lucros fabulosos do cunhado, construiu sua própria igreja. Com sua lábia, é capaz de vender refrigeradores no Alaska.

Sua Igreja foi erigida em 1980, numa discreta rua de Duque de Caxias, município do Rio de Janeiro, e hoje goza de esplêndida saúde, com direito a TV aberta. Através da fé na Palavra de Deus, Soares ordena a saída de doenças, as curas e libertações, sempre pela autoridade do nome de Jesus. Caroço na cabeça, dor na coluna, olho que não enxerga, perna direita que não anda, dor no coração que parece rebentar, tudo isto tem cura. Basta freqüentar os cultos e receber a benção do missionário. Templos sempre cheios.

Estou seguindo
a Jesus Cristo,
esse caminho
eu não resisto

Atrás o mundo,
Jesus à frente.
Atrás não volto,
não volto mais.


Lá pelas tantas, em meio a suas pregações, o divino missionário passa um formulário em branco para quem quer ser patrocinador. Os obreiros distribuem o formulário entre os crentes. O crente não tem muita escolha. "Quando Deus escolhe você como patrocinador, Deus diz até a quantia. Você não tem caneta? Os irmãos emprestam. Você não sabe preencher? Os irmãos preenchem".

Existe polícia neste país? Ao que tudo indica, não.

segunda-feira, maio 14, 2007
 
CANONIZING A CHARLATAN
WAS JUST THE START OF
THE POPE'S BRAZILIAN MISSION



(Transcrito para quem quiser repassar o artigo a leitores anglófonos)


A reader tells me that he doesn't understand "this persecution of yours of Catholic ideas." This is a very roguish way to disqualify what I write. I do not persecute Catholic ideas. I offer criticism to Catholic ideas, that's what I do. The same way that I have provided criticism of Jews, Muslims and Marxists. All of these gentlemen stand for totalitarian thinking and all of them wish to subject individuals and nations to their "truths".

I had a Catholic education in my youth and I know very well what I'm talking about when I speak on religious oppression. Fortunately I freed myself very early from the Church' shackles. When I was about 16 or 17 I shook off faith from my loin like a dog shakes water from its back. From this experience I kept the repudiation of all and every attempt of mind control through faith.

If Benedict XVI had come on a pastoral visit, to check the health of his herd, comfort his sheep and bring them spiritual cure, I would not feel motivated to write a single line about his trip. But what we are seeing is something very different. The man who visited us is an arrogant European, who feels at ease to threaten to excommunicate congressmen in case they vote in favor of measures that go against the Church's teachings.

Chief of state - from a make-believe state of course - His Holiness gets involved in matters of other states with the nonchalance of a despot. He seems to see in the Legislative a kind of bordello you can just threaten to make them obey the Vatican imperial will. It's true that it is a bordello but for other reasons than those the pope supposes.

If it weren't enough this spurious pressure over the Legislative, Ratzinger wants to impose upon the Brazilian government a concordat as much or more obscene than the 1929 Lateran Treaty by which Italy recognized the Holy See's sovereignty over the Vatican territory. Few people remember today that the Vatican is a grant from Fascist dictator Benito Mussolini. Had Mussolini won the war, this might be part of the Church's hagiography. He lost? Forgotten be.

Ratzinger didn't come to Brazil merely to announce the canonization of a charlatan, the friar of the miraculous little paper pills. This always is useful to increase the customer basis. Saints are an attempt to lighten the Church's rigid monotheism and to multiply by the thousands the Christian subgods, to satisfy the masses' ancestral pagan instinct. But His Holiness's ambitions don't stop there.

The Holy See wants Brazil to make religion classes mandatory in the public elementary schools. It also wishes to create constitutional mechanisms that would make it hard to expand the cases where abortion is legal. The Church would also like to find ways to avoid lawsuits especially labor ones. There are many priests suing their parishes for labor matters and the Vatican, eternally concerned about the eternal, abhors these material chicken feeds.

These negotiations, confirmed by cardinal Tarcísio Bertone, the second highest man in the ecclesiastical hierarchy, were being conducted secretly. If we heard about them it was thanks to the press. With Europe's progressive rebuff to the Vatican theocracy, Ratzinger has been retreating strategically to the Third World, where the Church still finds room to survive, thanks to poverty and ignorance of the Latin-American continent population. Ignorance and poverty constitute excellent manure for any religion.

For that, however, you need to start your work in early childhood. Imagine if the Kremlin had a proposal to make mandatory the teaching of Marxism in the country's public school. Everyone, especially the Catholics would be screaming against it. It's true, however, that the Marxist truths are already kind of mandatory in Brazilian public schools.

But at least no apparatchik had the nerve to propose a concordat. Further more, the Vatican wants privileged forum. It feels entitled to stick it to those who work for the Church without giving the victim the right to complain. Odd philosophy of a religion that claims to be the defender of the poor.

Worse than everything is Ratzinger's contempt for the national intelligence. From his statements we can deduce that he considers us all illiterate. On the liberation theology, the pope says: "Now it is evident that these easy Millenarianism, which promise revolutions and also a fast track to get a just life, were also wrong". His Holiness seems to believe that no journalist knows what Millenarianism is. And he might be right. But Brazil is not just journalists.

Chiliasm - another word for Millenarianism - before being a Hitlerist project - see the Thousand-Year Reich - is a biblical idea. It is in St John's Apocalypse. With Christ's second coming, the Dragon will be captured and chained in Armageddon's battle. That's when Chialism, a messianic kingdom of a thousand years of peace and justice, will start. Passed these one thousand years, Satan will be released and again defeated. Christ will have a second resurrection and the old world will be extinct, and in its place there will be a new Sky and a new Land.

Far from me defending Liberation Theology. But these Marxist theologians are men who grew tired of waiting for the one thousand years who wish the new Sky and the new Land tomorrow, preferably tomorrow before dawn. Ratzinger, in defining Liberation Theology as an easy Millerianism, shows that he hasn't understood well neither the Bible (something I suspected for some time) nor the Liberation Theology. And he trusts Brazil's national inculture to sell his fish.

As if weren't enough his biblical inculture, Benedict XVI, in his encounter with Catholic youngsters in Pacaembu's stadium, in São Paulo, exhorted them to not waste their youth and to follow the Church's commandments, especially the one about marriage. He asked them to keep their chastity within and outside marriage.

"Respect it, venerate it. At the same time, God calls you to also respect yourselves during courtship and when engaged, because married life, which, by divine disposition, is reserved to married couples will only be a source of happiness and peace when you learn how to make of chastity, within and outside marriage, a bastion of future expectations".

Like John the Baptist, he is preaching in the desert. The contemporary youth can even say they are Catholic, thanks to their herd spirit. But they won't renounce to sex. In Brazil there are millions of pregnant teenagers. As nobody gets pregnant on its own, these millions of young people with active sexual life should be multiplied by two. This without mentioning those who take precautions and whose number should be much bigger.

Deep down, the pope is stating that if a man or a woman opt for celibacy, or if they don't find a mate, both are condemned to deprive themselves from sex. He still talks about chastity within marriage. It would be better to explain what he means by that. Is His Holiness saying like the Saint Inquisition theologians, that some sexual practices are forbidden between two married people?

From the available evidence, the pope got excited with George Bush's puritan policy and wants to spread it to the four corners of the world. Bush wants to turn the United States in a nation of masturbators. Ratzinger is even more ambitious, he wants to turn this Earth into a planet of masturbators. With a difference in favor of Bush. While the American president preaches chastity to his own countrymen Ratzinger comes to preach it in a foreign nation.

I have nothing against if the Vatican's misogynist old fogies insist on cultivating chastity. That they come to condemn pleasure in a country in the tropics is a revolting insolence.



(Published in Brazzil - http://www.brazzil.com. Translated from the Portuguese by Arlindo Silva).

domingo, maio 13, 2007
 
FALTA A PÁ DE CAL



Já falei de minha viagem à Romênia, em 1981, durante a ditadura de Ceaucescu, oito anos antes da queda do Muro e dez anos antes do desmoronamento da URSS. Foi a pior das viagens que fiz e, ao mesmo tempo, a mais importante.

A pior viagem, pelo desconforto. Estava em um hotel de primeira classe. (Nos países socialistas, os hotéis eram de primeira ou de segunda classe, nenhuma classificação a mais). Estava em um dos melhores hotéis do país, pagava em dólares e, na hora de comer, não tinha muita opção. No almoço, me davam um papelucho mimeografado e sujo, para optar entre frango ou porco na janta. De nada adiantava escolher frango. Só tinha porco. Para o café, eu tinha de escolher entre café ou chá. De nada adiantava escolher café. Só tinha chá. E da China. Quanto ao açúcar, uma pedrinha. Para conseguir duas, só subornando o garçom. O leitor pode então ter uma idéia de como vivia o cidadão romeno que, sob o tacão de Ceaucescu, nem tinha como reclamar.

A mais importante viagem, pela experiência de ver in loco um regime socialista. Se eu pedia uma informação a um nativo, mal eu me afastava do fulano saltava do nada um soldado com uma metralhadora de baioneta calada e um cão policial. E passava a identificar e interrogar o coitado. Mas o que mais evidenciava o socialismo era o total desabastecimento dos supermercados e bares. Nas gôndolas vazias dos mercados, nada que incitasse ao consumo. Gêneros alimentícios, nenhum. Em compensação, abundavam baldes, pás, vassouras, enxadas. Em bares de praia, nada para comer. Nem para beber. Os distribuidores nada haviam trazido, portanto nada havia para vender. Mas os bares estavam abertos. Os garçons eram funcionários públicos e sua função era abrir os bares. Mesmo que nada houvesse para ser oferecido aos clientes. Certo dia, vi chegar uma paleta de carne em um mercado. Uma multidão de romenos disputou-a a tapas, grama a grama. Claro que disputavam a carne os que tinham poder aquisitivo suficiente para comprá-la.

Sinal indefectível do socialismo, a falta de papel higiênico. Não sei por quê, mas este é um dos primeiros estragos do regime. Nos anos 70 e 80, todo turista que ia aos países socialistas era recomendado a levar consigo papel higiênico. Como não me preveni, todo santo dia eu tinha de lutar por alguns centímetros de papel na portaria do hotel. Rolo, que é bom, nem em sonhos.

O mesmo que ocorre em Cuba. Com uma diferença. Castro isolou setores da ilha para uso exclusivo dos turistas, e nestes sempre se encontra alguma coisa. Quando Hugo Chávez começou a falar de seu socialismo bolivariano, disse a amigos: agora é só esperar pelo desabastecimento. Não demorou muito. Leio na Folha de São Paulo de quinta-feira passada que hoje, na Venezuela, a escassez afeta pobres e ricos. Produtos como carne, feijão preto, leite e açúcar são raros nas prateleiras. Em alguns casos, é necessário pagar gorjeta. Culpado pela situação? Segundo o governo, são os pérfidos Estados Unidos, que querem desestabilizar o país.

Anteontem à tarde, mercado Luvebras, no afluente bairro La Castellana, zona leste da capital venezuelana. Dois funcionários puxam um carrinho carregado de carne em bandejas. Atraem imediatamente a atenção dos clientes, na maioria mulheres de classe média alta. Sem disfarçar a ansiedade, os clientes se aglomeram em torno dos funcionários e se acotovelam para pegar seus pedaços de carne de boi e de frango da prateleira numa velocidade mais rápida do que a reposição. Alguns avançam diretamente no carrinho, outros levam o quanto conseguem segurar. Em pouco tempo, o balcão refrigerado volta a ficar vazio.

Exatamente o que vi na Romênia, há 26 anos.

Cinco estações de metrô mais a leste, na populosa região pobre do Petare, a loja do Mercal, a rede de supermercados pública, sofre com a falta de produtos e clientes. Assim como no primo rico, faltam carne, ovos, leite, feijão preto e queijo branco, embora tenha açúcar, limitado a um quilo por cliente.

E, conseqüência indefectível do socialismo, a falta de papel higiênico. "Aqui, não se consegue nada há três semanas", diz um cliente. "A cada dia é mais difícil encontrar carne, papel higiênico, leite". Segundo funcionário de um supermercado localizado em área nobre da cidade, a escassez é medida pelo volume de trabalho. Nos últimos dias, passou meio período sem fazer nada, já que sua função é abastecer as prateleiras. Como na Romênia. Sem abastecimento, não há trabalho. Mas o trabalhador tem de bater ponto. Para um cliente conseguir carne no mercado é preciso pagar propina para o açougueiro. "Eles vão lá, deixam a lista do que querem junto com um dinheirinho", diz o funcionário. Como eu fazia na Romênia para conseguir uma pedrinha a mais de açúcar ou um bom vinho.

A Venezuela, antes de ser um país, é um poço de petróleo. Nos anos 70 e 80, era um dos países mais prósperos da América Latina. Bastaram alguns anos de "socialismo bolivariano" para ser reduzida a um clone de Cuba. Chávez entrará para história como o primeiro governante a levar um poço de petróleo à miséria. A Bolívia irá pelo mesmo caminho. Como os ditadores têm uma tradição de longevidade neste continente, estes países terão ainda de esperar algumas décadas para voltar a uma economia de mercado.

Cuba, a meu ver, está muito perto disto. Morto o grande ícone da revolução, os cubanos, famintos de capitalismo, reerguerão a ilha em pouco tempo. A queda do Muro foi um grande baque para as esquerdas. Mas pouco afetou os comunistas do continente. A ressurreição de Cuba, após a morte de Fidel, será a pá de cal nas ideologias marxistas na América Latina.

sábado, maio 12, 2007
 
MAIOR TRAFICANTE INTERNACIONAL DE DROGAS
OFERECE TRIBUNAL MAIS LENIENTE
A COLEGAS MENOS BEM SUCEDIDOS


Leio na Folha on line:

Deus vai cobrar satisfações dos traficantes, foi o que afirmou Bento XVI neste sábado, em seu discurso na Fazenda da Esperança, em Guaratinguetá, um centro de recuperação para dependentes químicos. "Digo aos que comercializam a droga que pensem no mal que estão provocando a uma multidão de jovens e de adultos de todos os segmentos da sociedade: Deus vai-lhes exigir satisfações".

Marcola deve estar adorando a perspectiva de prestar contas a Deus. Muito melhor que à Justiça terrena. Apesar de as Supremas Cortes brasileiras terem juízes bons e baratos, os traficantes de drogas menos prestigiosas não têm tido boa fortuna no Brasil. Em um tribunal celestial, com um bom ato de contrição, alguns pai-nossos e ave-marias, mais uma jaculatória, Marcola estaria absolvido. Poderia inclusive aproveitar o ensejo para falar ao Altíssimo sobre suas leituras de Nietzsche.

sexta-feira, maio 11, 2007
 
BUSH E RATZINGER, MESMO COMBATE



Um leitor diz não entender "essa tua perseguição às idéias católicas". É uma forma muito safada de desqualificar o que escrevo. Não persigo idéias católicas. Teço críticas a idéias católicas, isto sim. Da mesma forma que tenho tecido críticas a judeus, muçulmanos e marxistas. Todos estes senhores representam pensamentos totalitários, que querem submeter indivíduos e nações às suas "verdades". Tive educação católica em minha adolescência e sei bem do que falo quando falo de opressão religiosa. Felizmente libertei-me bastante cedo dos grilhões da Igreja. Lá pelos dezesseis ou dezessete anos, joguei fora de meu lombo minha fé, como cachorro que se sacode para secar-se. Desta experiência, restou em mim o repúdio a toda e qualquer tentativa de dominação das mentes através da fé.

Viesse Bento XVI em visita pastoral, para examinar a saúde de seu rebanho, confortar suas ovelhas e trazer-lhes cura espiritual, eu não me sentiria motivado a escrever uma única linha sobre sua viagem. Mas o que estamos vendo é algo bem distinto. Quem nos visita é um europeu arrogante, que se sente à vontade para ameaçar deputados de excomunhão caso votem a favor de medidas que contrariam o magistério da Igreja. Chefe de Estado - verdade que de um Estado de mentirinha - Sua Santidade se imiscuí nos assuntos de outro Estado com a nonchalance de um déspota. Parece ver no Legislativo uma espécie de casa-da-mãe-joana, ao qual basta dirigir ameaças para dobrá-lo à vontade imperial do Vaticano. Que é uma casa-da-mãe-joana, é verdade. Mas por outras razões que não as que o papa supõe.

Não bastasse esta pressão espúria sobre o Legislativo, Ratzinger quer impor ao governo brasileiro uma concordata tão ou mais obscena que o Tratado de Latrão, de 1929, pelo qual a Itália reconhecia a soberania da Santa Sé sobre o território do Vaticano. Poucas pessoas lembram hoje que o Vaticano é uma concessão do ditador fascista Benito Mussolini. Tivesse Mussolini vencido a guerra, talvez constasse da hagiografia da Igreja. Perdeu? Olvidado seja.

Ratzinger não vem ao Brasil apenas para anunciar a canonização de um charlatão, o frei das pilulinhas milagrosas de papel. Isto sempre serve para captar maior clientela. Santos são uma tentativa de amenizar o rígido monoteísmo da Igreja e multiplicar por milhares os subdeuses cristãos, para satisfazer o ancestral instinto pagão das massas. Mas as ambições de Sua Santidade são maiores. A Santa Sé quer que o Brasil torne as aulas de religião obrigatórias no ensino fundamental público, que crie mecanismos constitucionais que dificultem uma eventual ampliação dos casos de aborto legal e encontre formas de evitar que a igreja sofra ações na Justiça, principalmente trabalhistas. Há muito pároco processando as paróquias por questões trabalhistas e o Vaticano, eternamente preocupado com o eterno, abomina essas ninharias do século.

Estas negociações, confirmadas pelo cardeal Don Tarcísio Bertone, segundo homem na hierarquia eclesiástica, estavam sendo conduzidas em segredo. Se vieram à tona, foi por obra da imprensa. Com o rechaço progressivo da Europa à teocracia vaticana, Ratzinger recua estrategicamente para o Terceiro Mundo, onde a Igreja ainda encontraria espaço para sobreviver, graças à pobreza e ignorância das populações do continente latino-americano. Ignorância e pobreza constituem excelente adubo para qualquer religião.

Mas para isso é preciso torcer o pepino desde menino. Imagine o leitor se houvesse uma proposta do Kremlin para tornar obrigatório o ensino das escolas públicas no país. A grita seria geral, particularmente da parte dos católicos. Verdade que as "verdades" marxistas são mais ou menos compulsórias no ensino público brasileiro. Mas pelo menos nenhum apparatchik teve o desplante de propor uma concordata. Além do mais, o Vaticano quer foro privilegiado. Reserva-se o direito a calotes trabalhistas, sem que a vítima possa ao menos chiar. Estranha filosofia de uma religião que pretende ser defensora dos pobres.

Pior que tudo isto é o desprezo de Ratzinger à inteligência nacional. De suas afirmações, depreende-se que nos considera todos analfabetos. Sobre a teologia da libertação, diz o papa: "Agora é evidente que esses fáceis milenarismos, que prometem revoluções e também rápidas condições para se conseguir uma vida justa, estavam também errados". Sua Santidade parece confiar que nenhum jornalista saiba o que é milenarismo. No que talvez tenha razão. Mas o Brasil não é só jornalistas.

Quiliasmo, antes de ser um projeto hitlerista - vide o Reich dos Mil Anos - é uma idéia bíblica. Está no Apocalipse joanino. Com a segunda vinda de Cristo, o Dragão será capturado e acorrentado na batalha do Armagedon. Começará então o quiliasmo, um reino messiânico de mil anos de paz e justiça. Transcorridos estes mil anos, Satanás será solto e novamente derrotado. Cristo terá uma segunda ressurreição e o mundo antigo será extinto, substituído por um novo Céu e uma nova Terra.

Longe de mim defender a Teologia da Libertação. Mas estes teólogos marxistas são homens cansados com a espera dos mil anos e querem o novo Céu e a nova Terra amanhã, de preferência amanhã de madrugada. Ratzinger, ao definir a Teologia da Libertação como milenarismo fácil, não entendeu bem a Bíblia (o que venho desconfiando há tempos), nem a Teologia da Libertação. E confia na incultura nacional para vender seu peixe.

Não bastasse sua incultura bíblica, Bento XVI, em seu encontro com jovens católicos no estádio do Pacaembu, exortou-os a não desperdiçar sua juventude e a seguir os mandamentos da Igreja, principalmente o do matrimônio. Pediu que mantenham a castidade dentro e fora do matrimônio. "Respeitai-o, venerai-o. Ao mesmo tempo, Deus vos chama a respeitar-vos também no namoro e no noivado, pois a vida conjugal que, por disposição divina, está destinada aos casados é somente fonte de felicidade e de paz na medida em que souberdes fazer da castidade, dentro e fora do matrimônio, um baluarte das vossas esperanças futuras”.

Como João, está pregando no deserto. A juventude contemporânea pode até se dizer católica, por espírito de rebanho. Mas não renuncia ao sexo. No Brasil há milhões de adolescentes grávidas. Como ninguém engravida por sua própria obra, estes milhões de jovens com vida sexual ativa devem ser multiplicados por dois. Isso sem falar nos que tomam precauções, cujo número deve ser bem maior. O papa, no fundo, está afirmando que se um homem ou uma mulher optam pelo celibato, ou não encontram seu par, ambos estão condenado a privar-se de sexo. Fala ainda de uma castidade dentro do matrimônio. Seria melhor explicar o que isso quer dizer. Pretenderá Sua Santidade, como pretendiam os teólogos da Santa Inquisição, que determinadas práticas sexuais são proibidas entre dois cônjuges?

Ao que tudo indica, o papa entusiasmou-se com a política puritana do presidente americano e a quer difundir aos quatro ventos. Bush quer transformar os Estados Unidos numa nação de masturbadores. Ratzinger é mais ambicioso, quer transformar a Terra num planeta de masturbadores. Com uma diferença a favor de Bush. O presidente americano prega a castidade para seu país. Ratzinger vem pregá-la em pátria alheia.

Que os gerontes misóginos do Vaticano cultivem a castidade, nada contra. Que venham condenar o prazer em um país nos trópicos é uma insolência revoltante.