¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV
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Janer Cristaldo escreve no Ebooks Brasil Arquivos outubro 2003 dezembro 2003 janeiro 2004 fevereiro 2004 março 2004 abril 2004 maio 2004 junho 2004 julho 2004 agosto 2004 setembro 2004 outubro 2004 novembro 2004 dezembro 2004 janeiro 2005 fevereiro 2005 março 2005 abril 2005 maio 2005 junho 2005 julho 2005 agosto 2005 setembro 2005 outubro 2005 novembro 2005 dezembro 2005 janeiro 2006 fevereiro 2006 março 2006 abril 2006 maio 2006 junho 2006 julho 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 dezembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 novembro 2008 dezembro 2008 janeiro 2009 fevereiro 2009 março 2009 abril 2009 maio 2009 junho 2009 julho 2009 agosto 2009 setembro 2009 outubro 2009 novembro 2009 dezembro 2009 janeiro 2010 fevereiro 2010 março 2010 abril 2010 maio 2010 junho 2010 julho 2010 agosto 2010 setembro 2010 outubro 2010 novembro 2010 dezembro 2010 janeiro 2011 fevereiro 2011 março 2011 abril 2011 maio 2011 junho 2011 julho 2011 agosto 2011 setembro 2011 outubro 2011 novembro 2011 dezembro 2011 janeiro 2012 fevereiro 2012 março 2012 abril 2012 maio 2012 junho 2012 julho 2012 agosto 2012 setembro 2012 outubro 2012 novembro 2012 dezembro 2012 janeiro 2013 fevereiro 2013 março 2013 abril 2013 maio 2013 junho 2013 julho 2013 agosto 2013 setembro 2013 outubro 2013 novembro 2013 dezembro 2013 janeiro 2014 fevereiro 2014 março 2014 abril 2014 maio 2014 junho 2014 julho 2014 agosto 2014 setembro 2014 novembro 2014 |
sábado, junho 30, 2007
MAIS UMA VEZ, BRASIL INOVA ENTRE AS NAÇÕES A situação nos aeroportos piora; atrasos atingem 45,2% dos vôos - diz o noticiário on line de hoje, sábado. Segundo balanço da Infraero, os atrasos atingem 45,2% (639) dos 1.411 vôos registrados a partir das 0h de hoje. Foram registrados 178 cancelamentos (12,6% do total) em toda rede administrada pela estatal. O levantamento corresponde a atividade nos terminais da 0h às 19h30 deste sábado. O boletim aponta ainda que 84 vôos permaneciam com atrasos por volta das 19h30. Em Congonhas, os passageiros fizeram até passeata pelos corredores do aeroporto em protesto contra caos aéreo que há quase um ano perturba o país. Na edição da Folha de São Paulo de amanhã, domingo, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, arrota autoridade: - Tenho convicção de que não haverá apagão aéreo nas férias, porque estamos com todos os nossos controladores de vôo trabalhando com dedicação e profissionalismo. Além disso, providenciamos reforços, até para aliviar a carga deles, e tomamos medidas em termos de tráfego aéreo que estão dando bons resultados. O povo brasileiro pode tirar suas férias e viajar de avião, tranqüilamente, sem susto. Hoje mesmo, a situação é de absoluta normalidade. As férias do tal de povo brasileiro, começaram hoje, sábado. A entrevista do brigadeiro sairá amanhã na Folha, mas foi concedida hoje. Chamar de "absoluta normalidade" o atraso de 45,2% dos vôos é um acinte aos leitores e ao público em geral. Para fingir que não está ocorrendo um motim, as autoridades militares atribuem os atrasos ao mau tempo. Ora, os atrasos estão ocorrendo nos treze principais aeroportos do país e não é concebível que em treze aeroportos deste país esteja fazendo mau tempo. Não só o Congresso nacional está desmoralizado, mas também as Forças Armadas. Que se podia esperar? Se as Forças Armadas aceitaram passivamente a promoção de um desertor a general – promoção decretada por civis – por que não aceitariam inocentes motins que só atrapalham a vida desses milhões de passageiros que precisam viajar? Num futuro não muito distante, quem sabe os sargentos amotinados não receberão uma gorda indenização por suas heróicas atitudes? Chez nous, nunca se sabe. Mais uma vez o Brasil inova ante o concerto das nações. É o único país do mundo onde insubordinação militar faz parte da rotina nacional. sexta-feira, junho 29, 2007
CONTRABANDO? SÓ PARA GENTE FINA O governo publicou nesta sexta-feira, no Diário Oficial da União, a Medida Provisória 380, que institui um imposto único e um limite de importação anual para os sacoleiros brasileiros que compram produtos no Paraguai. Além disso, a MP traz uma outra novidade: esse tributo será debitado diretamente da conta-corrente do sacoleiro. Ou seja, a partir de hoje só podem entrar no país com produtos importados, sem pagar impostos, os já privilegiados viajantes que vêm do Exterior por via áerea. Ou seja, aqueles que passam pelas freeshopps de entrada. Em quase todos os países do mundo, as freeshops existem na saída, para que o viajante não entre no país com produto não tributado. Entre nós, como sempre, é diferente. Quando aos sacoleiros, que atravessam fronteiras para mitigar o desemprego, estes terão de pagar imposto. quinta-feira, junho 28, 2007
O ÓDIO NÃO PODE MORRER Nem sempre os jornais trazem notícias ruins. Hoje, temos duas boas. No Egito, conforme despacho da BBC, foi anunciada a proibição completa da ablação do clitóris. E nos Estados Unidos, a Suprema Corte considerou nesta quinta-feira que as escolas públicas não podem utilizar os chamados programas de ação afirmativa para garantir a mistura racial nos estabelecimentos. Jornalismo vive de desgraças. Não é todos os dias que os jornalistas podem nos oferecer notícias como estas. No Egito, uma menina morreu durante a ablação do clitóris, o que provocou uma série de protestos populares. Um porta-voz do Ministério da Saúde disse que nenhum médico está permitido a executar a operação em estabelecimentos públicos ou privados. Ainda segundo a agência britânica, os que infringirem a lei serão punidos. Estudos recentes estimam que cerca de 90% das mulheres egípcias já tiveram o clitóris extirpado. A notícia é boa, mas nela não podemos depositar muita fé. Quando os machos egípcios castram 90% de suas mulheres, não será uma determinação de ministério que acabará, do dia para a noite, com a prática abominável. A cirurgiã que conduziu o processo em que a garota faleceu foi presa. Já é um avanço. Neste dias em que os defensores de cotas para negros nas universidades brasileiras estão tomando posturas agressivas, a notícia vinda dos States nos toca mais de perto. "A procura de um objetivo pelas escolas (a integração racial) não quer dizer que elas sejam livres para empreender uma discriminação com base na raça para atingi-lo", disse o presidente da Corte, John Roberts, na decisão tomada por cinco votos a quatro. O racismo negro estava tomando proporções caricaturais nos Estados Unidos. Em Seattle a raça foi o critério que impediu 300 adolescentes (200 brancos e cem negros, latinos ou asiáticos) de ingressarem nas escolas de sua preferência, que tinham mais candidatos do que vagas. Em Louisville, um menino não pôde entrar no maternal mais próximo de sua casa, onde restavam vagas, porque no estabelecimento já havia brancos demais. A decisão da Suprema Corte americana terá alguma influência na política de cotas no Brasil? Duvido. Do Primeiro Mundo, só importamos o pior. Do melhor, nem queremos ouvir falar. É a velha vocação comunista da América Latina. O Brasil continuará estimulando o racismo pelas próximas décadas, até transformar este país numa espécie de Estados Unidos de início do século passado. Se a luta de classes morreu, alguma outra luta precisa ser estimulada. Há brancos e negros no Brasil? Maravilha - dirão os eternos apparatchiks. Vamos fazê-los lutar entre si. O ódio não pode morrer. quarta-feira, junho 27, 2007
SOBRE KALOCAINA Guilherme Roesler escreve em seu blog (http://acao-humana.blogspot.com) sobre um dos mais belos romances que traduzi do sueco, nos anos 70: O romance, por mais fantasioso que possa parecer, sempre está ligado à realidade. Não existe ficção que seja mera imaginação de situações desligadas do tempo, de um momento definido ou que assim poderá o ser. Talvez, por isso, que a literatura ficcional de nosso tempo perdeu a importância que tinha antigamente. Se os contemporâneos de Zola lessem seu Germinal, acreditariam estar em contato com a verdade. O escritor seria o elo entre a idéia e a realidade, seja esta futura ou presente. Entretanto, as ideologias sufocaram os escritores que imaginavam uma nova sociedade. Não estou me referindo ao aspecto do escritor estar filiado a esta ou aquela corrente de idéias e a ela se entregar de corpo e alma, como o fez Jorge Amado. Refiro-me que as ações práticas e concretas das ideologias, embriagando novos profetas e reformadores sociais, ultrapassaram em muito o que poderia ser imaginado por um ficcionista. Se qualquer escritor, no inicio do século XIX dissesse que, dali alguns anos morreriam 100 milhões de pessoas sob as mãos de um Estado opressor, ou que um Chefe de Estado, antes de dormir, assinasse diariamente listas daqueles que seriam deportados e daqueles que seriam condenados à morte, este escritor seria chamado de louco, irrealista. Entretanto, a ficção ficou superada pelos acontecimentos. Realmente, nosso século sepultou a literatura. Se Adorno disse que não haveria mais poesia depois de Auschwitz, o disse mentirosamente reforçando a crença que tanto mal causou ao século passado e ao século que vivemos. A literatura não é poesia, mas um meio desta existir. A prosa e a poesia são meios de realização de um objetivo. Se este objetivo é alertar a um futuro próximo bom ou ruim, depende do talento de cada escritor. Mas cada um, dentro do gênero que for sua especialidade, deverá estar calcado em algum ideal, alguma realidade ou mesmo fantasia. A realidade do século XX superou em muito a imaginação de centenas de escritores, poetas e intelectuais. Hoje, vivemos o sepultamento de um defunto. Entretanto, vários escritores pensaram um presente que fosse não o ideal de todos nos, mas pensaram um futuro sombrio, opressor. Entre os grandes que o fizeram, ninguém melhor que o conhecido George Orwell e a também não tão conhecida escritora sueca Karin Boye. Ambos os escritores imaginaram uma sociedade onde não houvesse liberdade individual, onde não houvesse o Eu, mas apenas o Ele, neste caso representado pelo Estado. Orwell todos nós conhecemos pelo seu clássico 1984, mas Karin Boye não. Seu mais conhecido livro pelo público brasileiro é o seu Kalocaína, que foi traduzido pelo jornalista Janer Cristaldo. O livro de Karin Boye retrata um distopia. Segundo Janer, uma distopia "é a utopia às avessas, o mundo real projetado não para um futuro desejável, e sim para um futuro abominável e - o que é pior - cada vez mais próximo e inevitável". Um dos meus ensaios preferido do Janer Cristaldo é justamente este: Kalocaína, uma provável fonte de 1984, em que o jornalista faz uma analise de ambas as obras. Uma leitura rara. Segundo Janer, as semelhanças entre as idéias de Orwell e Boye são: i. a vigilância contínua dos cidadãos pelo Estado ii. a ausência de arte; iii. a constância dos duplos; iv. uma fraternidade, clandestina e paralela ao Estado; v. a existência de um mundo selvagem, não organizado, e por isso mesmo desejável; vi. a desconfiança entre os homens como fundamento do Estado; Só por estas linhas já dá para ter uma noção deste impressionante ensaio. Leia o Kalocaína, uma provável fonte de 1984 clicando aqui: http://textos-ah.blogspot.com/2007/06/kalocana-uma-provvel-fonte-de-1984.html terça-feira, junho 26, 2007
EMPRESÁRIO REIVINDICA NOVAS INSTÂNCIAS NA JUSTIÇA O Brasil tem justiça para todos os gostos. Ministros, senadores e deputados têm foro privilegiado. Índios podem matar, estuprar, seqüestrar e continuam livres como passarinhos na selva. Sem-terra pode invadir, depredar, manter pessoas em cárcere privado e ainda recebe em média 31 mil reais em compensação aos crimes cometidos. O microempresário Ludovico Ramalho Bruno, pai de um dos pobres meninos ricos que espancaram barbaramente uma empregada doméstica no Rio, quer instituir uma nova instância na Justiça, para julgar os universitários. Em defesa de seu pimpolho, diz Ludovico: "Eles não são bandidos. Tem que criar outras instâncias para puni-los. Queria dizer à sociedade que nós, pais, não temos culpa nisso. Eles cometeram erro? Cometeram. Mas não vai ser justo manter crianças que estão na faculdade, estão estudando, trabalham, presos. É desnecessário, vai marginalizar lá dentro. Foi uma coisa feia que eles fizeram? Foi. Não justifica o que fizeram. Mas prender, botar preso, juntar eles com outros bandidos... Essas pessoas que têm estudo, que têm caráter, junto com uns caras desses?" De fato. Se indíos e sem-terra não podem ir para a cadeia, porque iria um universitário? Desde há muito está em curso um movimento para isentar universitários de qualquer responsabilidade penal. Até bem pouco, universitários eram os únicos brasileiros que podiam drogar-se, na paz dos campi, com a leniência de reitores e demais autoridades. Com a recente invasão da Reitoria da USP, ficamos sabendo que também podem invadir prédios administrativos, ocupá-los pelo tempo que bem entenderem e depredá-los, sem temer qualquer punição. Ludovico Ramalho Bruno acha pouco. Quer mais liberdade de ação para a juventude universitária. Onde se viu universitários não poderem espancar uma reles empregadinha doméstica? Os futuros líderes da nação precisam de mais liberdade para suas inocentes brincadeirinhas de fim de balada. Além do mais, boa parte da culpa é da moça agredida. "Sirley é mais frágil por ser mulher e por isso fica roxa com apenas uma encostada", disse Ludovico. ESCRITORA CEGUINHA "Não existe a literatura on-line como gênero", escreve Cecília Giannetti, escritora e jornalista que foi uma das agraciadas naquela corrupção entre amigos, que mandou escrevinhadores a diversas cidades do mundo às custas do contribuinte. Ou pelo menos pretendia mandar, já que o projeto inicial previa captações através da lei Rouanet. A moça é ceguinha ou não entende o que seja a palavra on-line. E esses milhões de obras literárias que estão sendo digitadas e colocadas na rede, à disposição dos leitores de qualquer quadrante do mundo? Isso não é literatura on-line? Bem entendido, não se trata de um gênero novo. É o bom e antigo livro, romance, ensaio ou poesia, só que não é em papel. Nem está preso nas estantes de livrarias ou bibiotecas, mas solto no espaço, ao alcance da mão de quem quiser apanhá-lo. HENK, A MALA DOS POBRES DE ESPÍRITO Sem dúvida alguma, ser rico é muito bom. Dinheiro é beleza, saúde, requinte, felicidade. Pelo menos para quem sabe usá-lo. O que nem sempre acontece. Para uma minoria de ricos inteligentes, existe uma grande massa de milionários com cérebro de camarão. Estes senhores - ou senhoras - grossos por fora e ocos por dentro, na hora de apresentar-se como são, identificam-se com o único valor que possuem. Falei semana passada de minha maleta de viagens, na qual levo seis quilos de roupa. Coincidentemente, a Veja desta semana traz uma reportagem sobre malas. Viajantes experientes são unânimes ao afirmar que uma boa mala de mão é item de primeira necessidade numa viagem, particularmente nestes dias de caos nos aeroportos brasileiros. E como! A bagagem que você leva na mão não corre o risco de partir sem você. A mala ideal apontada pela reportagem, a mais leve, é exatamente a que comprei em minha penúltima viagem. Estava em Barcelona, no carrer Ferran, em pleno Barrio gótico, precisava de uma mala para voltar e justo em frente a meu hotel havia uma loja do ramo. Achei uma do tamanho que gosto, forte, leve e não muito grande, e a comprei. Não olhei a grife e se olhasse de nada me adiantaria, pois desconheço grifes. Só mais tarde fui saber que havia comprado o supra-sumo das malas, a Kipling. Foi mera coincidência. Ela tem rodinhas e pesa 3,2 quilos, o que aumentou minha bagagem para algo entre nove e dez quilos. Nada demais para quem gosta de viajar sem peso. Preço no Brasil, 640 reais. Lá, comprei pela metade disto. A reportagem apresenta uma série de malas, todas elas relativamente pequenas e muito práticas, umas baratas e outras nem tanto. Uma página adiante, temos notícias de uma mala Henk, considerada pela revista Forbes a mais cara do mundo. Foi projetada para não pesar mais de 25 gramas ao ser puxada, o que não deixa de ser interessante. Vem nas opções ébano de Madagascar, folha de madeira nobre e couro italiano e com rodinhas de titânio, que não trepidam nem mesmo em terrenos irregulares. Preço? De 40 mil a 80 mil reais. É preciso ser muito rico para comprar tais objetos. Rico e besta. Se você optasse por tal mala - supondo-se que pudesse por ela optar - melhor sair de casa com segurança armada. 40 mil reais é o custo de seis semanas na Europa para duas pessoas, passagens incluídas, comendo em bons restaurantes e parando em hotéis confortáveis. 80 mil seria o custo de três meses. Passando bem, insisto. Se você aceitar menor conforto, pode fazer estas viagens pela metade destes preços. Só a mala, considerado seu menor preço, sai vinte vezes o custo da passagem. Caso você se interesse, esta maletinha pode ser comprada em www.henk.com. Na mesma edição da revista, uma outra reportagem fala de bolsas (femininas, é claro), ao preço de 37 mil reais. Ou de uma outra modelo Vuitton, de 42 mil dólares, o equivalente aos 80 mil reais da mala Henk. Diz uma gerente da loja Daslu: "A nossa cliente paga caro pela exclusividade, pela segurança de ter uma bolsa única em qualquer lugar do mundo". De novo a estupidez de novo rico. Que mais não seja, a bolsa só será única enquanto um chinês não a clonar. Mas a reportagem não fica nestes patamares. Acaba com uma bolsa Birkin de couro de crocodilo cravejado de diamantes, da Hermès. Preço: 148 mil dólares. Ou seja, 285 mil reais. Esta até que entendo. Não é mais bolsa, é jóia. Preço de jóia não tem teto. Há canetas bem mais caras. Se entendo a bolsa Hermès, não entendo a mala Henk. Pode uma mala valer de 40 a 80 mil reais? Os marqueteiros que me desculpem, mas não pode. A Henk não passa de uma armadilha para esses pobres diabos, ricos de posses e pobres de espírito, que só têm uma coisa para ostentar como valor: dinheiro. Embora nada entenda da arquitetura destes sofisticados objetos do desejo, vejo nesta mala um erro de concepção. Para que rodinhas, ainda que de titânio? Quem paga tais preços por uma mala, não arrasta malas em aeroportos. segunda-feira, junho 25, 2007
MAIL DO QUAGLIO Recebo do leitor Humberto Quaglio: Prezado Janer, Saudações, Mais uma vez escrevo para parabenizá-lo por mais um excelente texto, "Os Ateus estão chegando", em seu blog. Além de ser seu leitor, sou ateu, e, mesmo já tendo lido suas críticas aos "ateus militantes", vejo em você alguém que contribui bastante para a causa do ateísmo, mais até do que aqueles ateus engajados em propagar suas convicções. Bem, nem sei se ateísmo pode ser chamado de "causa". Para os militantes, certamente é. Não quero parecer um leitor chato, mas há um detalhe no texto que chamou minha atenção, e que merece correção: você mencionou Nietzsche, Voltaire e Bertrand Russell como os escassos autores ateus aos quais teve acesso. Voltaire não era ateu. Outros célebres pensadores de sua geração, como Diderot e d'Holbach, eram ateus, mas Arouet não. Voltaire é uma das personagens da história da humanidade que eu mais admiro. É para mim um daqueles que alguns costumam chamar de "heróis intelectuais", uma mente livre, independente, e é para mim o exemplo maior de pessoa que teve a coragem de ser anticlerical em uma época em que a Infame, como ele chamava a Igreja de Roma, ainda tinha poder suficiente para arruinar ou mesmo tirar a vida de seus opositores. No entanto, Voltaire era teísta, e inclusive expõe sua opinião sobre os ateus em seu Dicionário Filosófico. Infelizmente, estou escrevendo este e-mal no escritório, e meus exemplares do Dicionário (tenho três edições diferentes) estão em casa. Mas, se não me falha a memória, no verbete sobre os ateus, Voltaire expõe a prática do clero, muito comum em seu tempo, de acusar seus inimigos de serem ateus, mesmo quando estes apenas divergiam quanto a detalhes insignificantes em questões teológicas. Voltaire, se não me engano, reconhece a coragem deles, mas defende a idéia de que estão em erro ao pensar que não existe uma divindade. Sou ateu, e pode parecer uma contradição o que vou afirmar, mas admiro Voltaire pelo seu teísmo. Entre os religiosos (principalmente pelos católicos e especialmente pelos jesuítas), Voltaire era visto como um inimigo terrível, principalmente depois do caso Calas. No entanto, entre os ateus como d'Holbach e Diderot, seu teísmo provavelmente também era criticado. Para mim isto demonstra independência e destemor intelectual. Gostei da menção às crises de histerismo causadas por Dawkins entre os teístas. Logo lembrei-me dos artigos do Olavo de Carvalho atacando o biólogo. Obrigado pela dica sobre o novo livro do Dennett. Não sabia que estava sendo publicado no Brasil. Se você não leu, recomendo A perigosa Idéia de Darwin. É excelente. Acho que o próprio Voltaire se tornaria ateu se tivesse nascido em nosso tempo, e se tivesse lido Dennett e Dawkins. Um grande abraço. Gratíssimo, meu caro Quaglio. De fato, meus dedos pairaram um segundo sobre o teclado ao incluir Voltaire como ateu. Sim, eu sabia de seu teísmo. Seja como for, não é de todo errado situá-lo como ateu, já que sua crença em algum deus não implicava nenhum culto ou reverência. Além do mais, foi um dos escritores que com mais bravura se opuseram à Infame. ALVÍSSARAS! Guilherme Diniz me envia uma boa nova. O livro de Minois já está traduzido em português. De Portugal, mas português. Você pode encomendá-lo em http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=757592 Recomendo vivamente. Boa leitura a todos! domingo, junho 24, 2007
OS ATEUS ESTÃO CHEGANDO "Como fazer a história de uma atitude negativa?" - pergunta-se George Minois, em Histoire de l’athéisme -. "A história dos que se opõem à... é seguidamente empunhada pelo campo adverso, e tratada com todos os preconceitos de hábito. (...) A dificuldade não é menor na época contemporânea: exceção feita dos movimentos ateus militantes, muito minoritários, como retraçar a história de uma atitude que não parece ter conteúdo positivo? Sonharia alguém, por exemplo, retraçar a história dos que não acreditam nos Ovnis?" Mesmo assim, Minois desenvolve por quase 700 páginas a história dos que se opõem à... Tornei-me ateu lá pelos quinze ou dezesseis anos. Não foi lendo literatura atéia, que praticamente não existia na época. Foi lendo a Bíblia. Não há fé que resista a uma leitura atenta da Bíblia. Pelo menos se o leitor for honesto consigo mesmo. Os escassos autores ateus aos quais tive acesso, fui ler um pouco mais tarde: Nietzsche, Voltaire, Bertrand Russel. Deste último, o excelente livrinho Porque não sou cristão, consolidou de vez o que eu já vinha suspeitando. Ateu sendo, na época nunca fui questionado por esta atitude. Era ateu como outros eram católicos, evangélicos, espíritas ou o que quer que fossem. É curioso notar que só hoje, uns bons quarenta anos depois daqueles dias de adolescente, tenho provocado escândalo ao declarar-me ateu. A meu ver, isto só pode ser explicado por um avanço crescente dos teístas fundamentalistas e fanáticos. Seja como for, este fenômeno me diverte muito. Religião é mala sem alça. Ante a razão, não há como segurá-la. Leio com prazer, na Veja desta semana, que a mais recente literatura sobre ateísmo está finalmente chegando ao Brasil. A Martins Fontes publicou o Tratado de Ateologia, de Michel Onfray, que comprei na França quando havia saído do forno. Interessante, mas não se compara ao livro de Minois. Onfray tem uma produção irregular. Talvez um pouco embriagado pelo sucesso, investiu em uma "contra-história da filosofia", obra projetada para seis volumes, dos quais já tenho o primeiro, Les sagesses antiques. Pensei que iria descobrir novidades na área e só encontrei os pré-socráticos que um dia estudei em meu curso de Filosofia. O autor promete mais do que fornece. Ainda nesta área, ano passado tivemos Jesus e Javé - os nomes divinos, de Harold Bloom, pela Objetiva, um dos melhores estudos literários que já li sobre a Bíblia. Bloom, crítico literário, judeu e ateu, vê Deus como mais um personagem da literatura universal, assim como o Quixote ou Hamlet, e nisto reside o vigor de seu ensaio. Surgiu também Quebrando o encanto, de Daniel Dennett, pela Globo. Em agosto deve sair, pela Companhia das Letras, Deus, um delírio, de Richard Dawkins, autor que vem provocando crises de histerismo nos teístas. E a Ediouro nos promete para outubro, Deus não é grande, de Christopher Hitchens, que já nos deu o excelente The Missionary Position - Mother Teresa in Theory and Practice, um libelo arrasador e definitivo contra Agnes Gonxha Bojaxhiu, essa vigarista albanesa de alto bordo mais conhecida como Madre Teresa de Calcutá. Este livro não foi - e suponho que tão cedo não será - traduzido no Brasil. Mais do que santa, como pretendeu João Paulo II, a escroque internacional é um dos ícones da mídia contemporânea. Em meio a isso, tenho afirmado, por influência de Bloom, que hoje o Ocidente cristão é politeísta e cultua nada menos que quatro deuses: Jeová, Cristo, o Paráclito e Maria, que assumiu o status de deusa. Esta percepção parece estar sendo mais difundida nos dias atuais, quando se vê com mais nitidez o que está por trás da hagiologia católica. Dawkins, em Deus, um delírio, escreve: "A Santíssima Trindade é acompanhada pela Virgem Maria, uma deusa de fato, embora não seja chamada assim. O panteão católico é inflado ainda pelos santos, que, se não são semideuses, têm poderes de intercessão em áreas especializadas que incluem dores abdominais, anorexia, desordens intestinais. O que me impressiona na mitologia católica é não só sua qualidade kitsch, mas também a falta de vergonha com que essa gente fabrica as coisas no andar da carruagem. É tudo despudoramente inventado". Ateus, temos leituras divinas pela frente. Mas está faltando ainda a tradução do mais importante deste livros, o de George Minois. Falta também L'Esprit de l'athéisme, de André Comte-Sponville, lançado ano passado em Paris pela Albin Michel. sábado, junho 23, 2007
MÔNICA NÃO CONVENCE Ontem, todo-poderoso presidente do Senado, terceiro sucessor presidencial, em caso de impedimento ou vacância do cargo de presidente da República. Hoje, um pobre diabo emendando uma mentira na outra para preservar seu status. Nada de surpreendente em um país onde quem não mente não se elege. Até aí, estamos dentro da normalidade. Se alguém conhece um deputado ou senador que conseguiu eleger-se sem mentir, favor comunicar-me. Eu não conheço. Embora o que esteja em jogo sejam as relações escusas com um lobista, o pivô de toda a história é uma infidelidade conjugal. Para manter um relação equilibrada entre Perpétua e a Outra, o todo-poderoso presidente do Senado, ao que tudo indica, pediu socorro a uma empreiteira para pagar os custos da Outra. Tudo isto na surdina, até o dia em que a pensão minguou e a Outra resolveu botar a boca no trombone. Palavra puxa palavra, mentira puxa mentira, e o senador se revelou como mais um dos tantos corruptos que fazem fortuna na política. A Veja desta semana mostra, em um gráfico arrasador, a evolução do patrimônio do senador. Em 1978, quando deputado federal, era de 26 mil reais e um Wolkswagen. Em 2002, senador reeleito, tem 1,6 milhão de reais, uma casa e um flat em Brasília, um apartamento em Maceió, uma caminhonete Toyota e outra Mitsubishi. No ano seguinte, como líder do PMDB no Senado, seu patrimônio evolui misteriosamente para 6,3 milhões de reais. De repente, não mais que de repente, surgem em suas posses 1278 cabeças de gado. Em 2005, como presidente do Senado, seus bens alcançam a cifra de 9,5 milhões de reais. Em 2006, 9,8 milhões. No espaço de cinco anos, o senador multiplica por seis suas posses. Em 2007, para justificar a pensão paga à Outra, o senador apresenta uma contabilidade fajuta que só o enreda cada vez mais. É espantoso constatar que a Receita Federal, que intima contribuintes para justificar o recebimento até mesmo de duas ou três mil merrecas não justificadas nas declarações de IR, não tenha observado nada de anormal na evolução miraculosa do patrimônio do senador. Se Renan Calheiros chegou até seus 9,8 milhões impunemente, é porque contava com a cumplicidade do fisco. Mas isto é o de menos. Vamos à Outra. A tendência da imprensa é ver Mônica Veloso como uma jornalista ingênua que caiu nas manhas de um político ardiloso. Ora, não é bem assim. Jornalista que aceita dinheiro pago por fora como pensão deve pelo menos suspeitar que esse dinheiro é sujo. Mais ainda quando aceita um pacote de cem mil reais em dinheiro vivo. Em entrevista à Folha de São Paulo deste domingo, diz Mônica: "quando você tem um relacionamento com um homem e vocês têm um filho, você não vai ficar questionando se o pagamento de sua pensão é ou não em espécie". Ora, jornalista que recebe cem mil reais em espécie, ou sabe que está recebendo dinheiro ilícito ou não é jornalista. Jornalista pode ser tudo, menos ingênuo. Pode ser até corrupto. Mas ingenuidade não é coisa de quem lida com informação. Mônica diz ainda que a "sociedade, em geral, tende a recriminar" mulheres com casos extraconjugais. Não é verdade. Isto faz parte dos costumes contemporâneos. Se alguém merece a reprovação pública é a panaca da Perpétua, que aceita passivamente a condição de mulher secundária. Mônica afirma que amou o peemedebista, "amei, amei muito". E aqui já cabe uma primeira pergunta: pode alguém amar um peemedebista? Se ama, é porque ama a mentira. Diz a moça que os dois nunca procuraram se esconder e que, no início, Renan dizia que estava separado. Ora, bastava que a jornalista fosse às fontes competentes - como se faz em sua profissão - para saber que o senador mentia. Bastaria um telefonema à sua casa. Ou terá achado normal relacionar-se com alguém durante três anos com a condição de jamais chamá-lo em sua própria casa? "Soit belle et tais-toi", dizem os franceses. Seja bela e cale a boca. É o que melhor teria feito Mônica. Em vez disso, preferiu abrir a boca. Revelou-se como um personagem à altura do pequeno Renan Calheiros. Interrogada sobre sua religião, disse: "Evangélica, batista, da Vale do Amanhecer". Ora, jornalista que dá crédito àquele caldo místico que borbulha na geografia fétida de Brasília não merece crédito algum. E é óbvio que nenhuma crença evangélica vai abençoar relações com senhores casados. Mônica não convence. Se aceitou o assédio de um homenzinho vulgar e mentiroso é porque o merece. Pergunta a quem interessar possa: quem recebe dinheiro sujo não deveria devolvê-lo? sexta-feira, junho 22, 2007
DIAS LOPES, CRONISTA DA BONA-XIRA O mundo está cheio de comensais que comem sem jamais pretender entender o que comem. Há também os que gostam de saber o que estão comendo. Me situo entre estes últimos e entre minhas leituras prediletas estão os autores que tratam de história da comida. O primeiro livro que li nesta área foi Food in Civilization – How History Has Been Affected by Human Tastes, de Carson I. A. Ritchie. O livro tem uma origem curiosa. Carson havia convidado alguns amigos a jantar em um bom restaurante. Comeram bem e fartamente. Na hora de pagar, Carson pegou a carteira ... e viu que não tinha dinheiro suficiente. Seus amigos o salvaram. "Mas uma vez passado o mau momento, pensei que a história da alimentação em algo se parece a esta anedota: quando chega o momento de pagar o banquete, podemos descobrir que o que desfrutamos custa mais do que estávamos dispostos a pagar quando nos sentamos à mesa". Decidiu então escrever este estudo para que o leitor descubra uma nova interpretação de sua própria história e de suas atitudes frente ao que come. No ano que vivi em Madri, meu guru era Enrique Sordo, jornalista que escreveu España, entre trago y bocado, minha bíblia naqueles dias. Viajando de região em região do país, o autor vai mostrando suas características físicas e geográficas, a estética de sua paisagem, a psicologia de seus habitantes... e as cozinhas regionais. Não é um guia para jogar-se entre outros mapas de turismo, mas um estudo antropológico e sociológico sobre o modo e estilo de comer de cada povo. Mais recentemente, li o excelente A Invenção do Restaurante, de Rebecca L. Spang, que estuda o fenômeno em suas origens, ou seja, em Paris. Considero os restaurantes um dos mais esplêndidos achados da história humana e atualmente viajo quase só para visitá-los. Foi neste livro de Rebecca que descobri que os restaurantes evoluíram das maisons de santé até o que hoje conhecemos por restaurante. A palavra decorre de uma paráfrase de um versículo de Mateus (11:28) "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei". Lá pelos estertores do século XVIII, um dos primeiros restaurateurs da época pôs na entrada de sua casa esta frase um tanto blasfema: "Accurite ad me omnes qui stomacho laboratis et ego vos restaurabo". Ou seja, corram a mim todos vós cujos estômagos padecem, e eu vos restabelecerei. Fascinado por este tipo de literatura, não poderia deixar de ir ontem até a Livraria Cultura, onde José Antonio Dias Lopes - pedritense de cepa, veterano jornalista da Abril, ex-correspondente de Veja na Itália e editor da revista Gula - autografava seu último livro, A Rainha que virou pizza. Viajor e cultor da bona-xira, Dias Lopes nos guia em uma viagem no tempo e na geografia, percorrendo cortes e mosteiros da Europa, desvelando as ceias de reis, rainhas, papas e cardeais e nos esclarecendo sobre a origem de coisas de nosso dia a dia - como a toalha de mesa, o guardanapo, a colher, a faca, o garfo - tão banais que nem imaginamos que um dia não tenham existido. Quando empunhamos um cardápio em um restaurante, ou comemos um croissant num café, não temos nem idéia de como e onde surgiram. Detentor de uma cultura histórica considerável, Dias Lopes nos conduz desde os primórdios da culinária - o banquete fúnebre do rei Midas, a mesa requintada da Magna Grécia, Cleópatra e os festins egípcios - até os pratos prediletos da máfia ou do Vaticano. Comer e viajar são prazeres espirituais complementares. Falei em crônica passada da pergunta que fiz a um amigo, emérito gourmet, sobre porque os homens viajavam. "Os homens viajam para comer", respondeu-me. O livro de Dias Lopes é a demonstração cabal deste postulado. Só quem viaja consegue falar de cátedra de culinária. Ainda não li o livro, mas sei que tenho muitas horas de prazer intelectual pela frente. Melhor que comer e beber bem, só comer e entender a história do que se come e bebe. Seguidamente, os leitores me pedem recomendações de leitura. Les voilà. Para quem é chegado a lidar com fogões, o autor oferece ao final de cada crônica uma receita relacionada ao assunto tratado. Last but not least, Dias Lopes foi quem me introduziu pela primeira vez em um restaurante na Paulicéia. Eram os anos 70, e o restaurante era a Osteria do Piero. O autor pode ser encontrado todas as quintas-feiras no suplemento "Paladar", do Estadão. LULA E LUSTROG Em As Viagens de Gulliver, Swift nos fala da guerra deflagrada entre os dois grandes impérios de Lilipute e de Blefuscu. "Estas duas poderosas potências têm, como ia dizendo, andado empenhadas, durante trinta e seis luas, numa guerra muitíssimo acesa, e motivada pelo seguinte: toda gente concorda em que a maneira primitiva de partir os ovos antes de serem comidos, é bater com eles no rebordo de qualquer prato ou copo; mas o avô de Sua Majestade imperial, em criança, estando para comer um ovo, teve a infelicidade de cortar um dedo, o que deu motivo a que o imperador, seu pai, lavrasse um decreto, em que ordenava aos seus súditos, sob graves penas, que partissem os ovos pela extremidade mais delgada. Este decreto irritou tanto o povo, que consoante narram os nossos cronistas, houve por essa época seis revoltas, em uma das quais um imperador perdeu a coroa". As guerras entre os dois impérios continuaram a fazer mais e mais vítimas. Os imperadores de Blefuscu, em defesa de suas posições, empunhavam o quinquagésimo quarto capítulo do Blundecral (que era o Corão lá deles) onde o grande profeta Lustrog afirmava que todos os fiéis quebrarão os ovos pela ponta mais conveniente. Impossível não evocar Swift quando Lula diz ao comandante da FAB, brigadeiro Juniti Saito, que "a Aeronáutica deve tomar todas as medidas que considerar adequadas para estabelecer o fluxo e a normalidade do tráfego aéreo". O Supremo Apedeuta já está dominando com virtuosismo a linguagem dos profetas. quinta-feira, junho 21, 2007
SOBRE MALAS E VIAGENS Sabrina, amiga de Orkut, ficou intrigada com minha maletinha de viagem. "Como assim, Janer, maletinha de seis quilos? Me ensina como levar pouca bagagem?" Mistério algum, Sabrina. O que é necessário para uma viagem de trinta dias? A meu ver, dois pares de calças, um no corpo, outro na mala. Cinco camisas, digamos. (Em verdade, sempre sobra uma ou duas que acabo não usando). Quando sujam, se manda lavar no hotel. Uma boa idéia é levar blusas que não precisem ser passadas, a gente mesmo lava no quarto. Meias, cuecas, creme dental, escova. Sapatos, levo sempre um par só, nos pés. Se for inverno, uma parca ou sobretudo, já no corpo. E nada mais. Para mulheres, considerados os shampoos e cremes da vida, até que concedo um quilo a mais. A propósito: jamais viaje com sapatos recém-comprados. Podem estragar sua viagem. Sapatos, além de serem leves, devem ser sovados. Os melhores sapatos para viajar são aqueles recomendados para diabéticos. Houve uma época em que só havia uma linha destes sapatos no país, o Opananken. Agora há muitas opções. Há mulheres que, por uma questão de vaidade - questão das mais legítimas! - não gostam de ser vistas com a mesma roupa todos os dias. Ora, numa viagem, exceto os funcionários do hotel em que você se hospeda, dificilmente alguém a verá duas vezes com a mesma roupa. Raramente revemos alguém em uma viagem. Não tema: suas roupas sempre serão únicas para quem a vê. Pois você não vai ser vista de novo. Quando viajamos, não viajamos para desfilar guarda-roupas. Claro que em hotéis de luxo extremo seria conveniente um guarda-roupa mais incrementado. Mas estes hotéis nunca estiveram em meu roteiro. Não vejo por que gastar uma fortuna só para dormir. Com minha Baixinha, nunca tive conflitos com malas. Ela geralmente levava dez quilos, o que me parece permissível. Outras vantagens da mala pequena: você pode levar no interior do avião, sair com ela na mão e ganhar pelo menos uma hora no aeroporto, sem ter de esperar a descarga de bagagens. Como todos os aeroportos da Europa têm trem, ônibus ou metrô até a cidade, pode-se economizar o preço de um táxi. Carregar malas imensas em corredores de metrô ou nas ruas não é programa recomendável a quem viaja por lazer. Isso sem falar que, se você quiser curtir os trens da Europa, verá o quanto dói uma mala grande. Se você gosta de comprar em viagens, é simples. Compre mais uma mala para voltar. Dispensável dizer que sempre é bom deixar as compras para a última escala da viagem. Meu único conflito são as óperas. Claro que você não será barrado se entrar de jeans num teatro. Já fiz isso. Mas me sinto desconfortável em meio aos pingüins de black tie. Seja como for, não admito sobrecarregar minha mala com mais três ou quatro quilos de um terno. Compro então os DVDs e curto as óperas chez moi. Neste sentido, adorei Nova York. Nada de pompa nos teatros de ópera. Sem minha Baixinha adorada, tenho tido conflitos com minhas atuais companheiras de viagem. Não lhes passa pela cabeça viajar com menos de vinte quilos. Em fevereiro passado, viajei com duas amigas gaúchas. Uma delas, antes de partir, deixou sete quilos aqui em São Paulo. Mesmo assim levava uma mala absurda. Três casacos pesados, dois pares de botas, sei lá quantos de sapatos. Para que três casacos ou dois pares de botas em uma viagem, meu Deus? Outro detalhe que o marujo de primeira viagem desconhece é que o inverno europeu é menos frio que o brasileiro. Todos os ambientes têm calefação. Não invente de levar grossas blusas de lã, você vai viver em uma eterna sauna. A temperatura interna dos hotéis, cafés e restaurantes está sempre acima dos 22, 23 graus. Ônibus ou metrô, idem. Cá no Brasil, basta o termômetro cair um pouco e tiritamos de frio nos bares, que não estão preparados para o inverno. Outro detalhe: quando lá fora faz zero ou menos graus, a primeira providência ao entrar em um bar é tirar logo o casacão. Se não tirá-lo, você vai bater dentes ao enfrentar de novo a rua. Uma das coisas que adoro na Europa é tomar uma cerveja gelada em um café, enquanto do outro lado da vitrine a neve cai com gosto. Só em um clima assim os cafés assumem sua condição de útero quentinho, de abrigo e proteção a quem foge da intempérie. Mal se atravessa uma porta, o frio se transforma em apenas paisagem. Em matéria de proteção contra o inverno, a cidade que mais me surpreendeu foi Montreal. Tem 25 quilômetros de ruas subterrâneas, com todos os serviços de uma cidade: bares, restaurantes, bancos, escolas, hotéis, comércio, etc. Lá em cima, pode fazer –30°, como não é raro acontecer. Nos subterrâneos, vive-se em clima de eterno verão. Em suma, quando viajar para o inverno no Primeiro Mundo, não se preocupe em levar roupas internas quentes. Camisas leves bastam. O que deve ser quente é o casaco. Claro que estou falando em invernos civilizados, urbanos e humanos. Se você for para a Sibéria ou para os pólos, esqueça tudo o que eu disse. Para o Sahara também. O deserto é um país frio que aquece durante o dia. Quinze graus negativos é uma temperatura normal na noite sahariana. Bom mesmo é rumar às ilhas gregas. Neste caso, deixo no último hotel todo meu "excesso" de bagagem. Para o Egeu a fórmula é uma só: mochila, dois pares de bermudas, duas ou três camisetas e um par de tênis. Com menos de três quilos está resolvida a questão bagagem. Não suporto a idéia de viajar só. Não tem graça alguma percorrer ruas e arquiteturas, fazer uma bela refeição e tomar um bom vinho, sem ter com quem compartilhar estes bons momentos da vida. Como companheiros de viagem, excluo de cara boa metade da humanidade, a metade masculina. Viajar há de ser com mulher. Fazer e receber cafuné torna mais alegre qualquer viagem. É bom que ela conheça pelo menos duas ou três línguas além da própria, ou perderá muito da viagem. O que já reduz mais um pouco minhas eventuais companheiras. Melhor que não fume, pois o Primeiro Mundo é hoje tremendamente hostil ao fumante. Depois da partida de minha Baixinha, a cada ano busco alguém com quem partir. O nó górdio são as malas. Pois de nada me adianta viajar com seis ou oito quilos, se minha parceira viaja com vinte. Terei de enfrentar a espera das bagagens no aeroporto, eventuais revistas em aduanas, corredores de metrô. A outra mala, a dela, me atrapalha. Neste sentido, toda honra e toda glória a uma de minhas sobrinhas diletas, com quem viajei há dois anos. Conseguiu partir com apenas oito quilos. Minha filha já está conseguindo quinze, dezesseis. Precisa ainda sofrer mais um pouco para chegar ao entendimento. quarta-feira, junho 20, 2007
COVARDIA SE REPETE Já comentei várias vezes a covardia do Ocidente ante a affaire Rushdie. Vou comentar de novo. Tudo começou em 1989, quando o indiano Salman Rushdie publicou Versículos Satânicos. Neste livro, Rushdie reproduziu os versículos Gharanigh, não aceitos pelos canonistas do Corão. Mutatis mutandis, foi como se no Ocidente fossem publicados os evangelhos apócrifos ou gnósticos, não aceitos pela Igreja Católica, que aliás são publicados em várias línguas do Ocidente. Embora fosse indiano com nacionalidade britânica, Rushdie foi condenado à morte por uma fatwa do aiatolá Khomeini, então todo-poderoso da "revolução" no Irã. A Europa aceitou tranqüilamente a sentença do aiatolá. Em vez de isolar o Irã, o Reino Unido passou a dar proteção a Rushdie. Os demais países da comunidade se mantiveram em silêncio obsequioso. Sem atinar que não se tratava apenas de proteger um escritor perseguido. Mas de repudiar a pretensão megalômana de um padre persa, que pretendeu legislar inclusive no estrangeiro. A apostasia, ou crime, segundo os muçulmanos, havia ocorrido em Londres, com a publicação do livro. Do alto dos minaretes de Teerã, Khomeiny ordenou não só a condenação à morte - como também a execução da sentença - de Rushdie, assim como todos os implicados na publicação do livro… em território europeu ou onde quer que estes "criminosos" estivessem. Em 1991, o tradutor do livro para o japonês foi assassinado e em 1993 o editor de Rushdie na Noruega foi atacado quando saía de casa. Na semana passada, a rainha Elizabeth II houve por bem conceder o título de "sir" a Rushdie, ao nomeá-lo cavaleiro da Coroa britânica. Protestos histéricos no Irã e Paquistão. O ministério das Relações Exteriores do Irã considerou a decisão da rainha um ato de provocação. Em Islamabad, manifestantes queimaram fotos do escritor e da rainha e o ministro dos Assuntos Religiosos do Paquistão, Mohammad Ejaz uh-Haq, ressuscitou a já esquecida fatwa, ao declarar que "se alguém comete um atentado suicida para proteger a honra do profeta Maomé, seu ato é justificado". A covardia se repete. Leio hoje nos jornais que a ministra britânica das Relações Exteriores, Margaret Beckett, declarou que Grã-Bretanha lamenta a ofensa causada pela concessão do título ao escritor Salman Rushdie, o que se deveu a seus méritos literários. No fundo, a Coroa está pedindo desculpas a uma súcia de fanáticos terroristas, por ter reconhecido o valor literário de um de seus súditos. terça-feira, junho 19, 2007
BOA BISCA Quem dá explicação, já perdeu a discussão - diz a vox populi. Quanto mais o senador se explica, mais se enreda. Mentir não é bom, me dizia o Mário Quintana. Para cobrir uma mentira é preciso inventar outra e a coisa não acaba mais. O que era uma simples affaire conjugal, perfeitamente tolerável pelos costumes - como direi? - republicanos, está se transformando num imbróglio que talvez custe a cabeça do impoluto presidente do Senado. Se até agora não há algo que prove que o senador Renan Calheiros recebia dinheiro de uma empreiteira, o que já está mais que provado é que sonegava imposto. Pois se não tinha como justificar uma pensão alimentícia de 12 mil reais e no entanto a pagava, é porque dinheiro havia. Para justificar que podia pagar a pensão - o que nem de longe prova que a pagasse do próprio bolso - o senador apresenta recibos fajutos de venda de gado. Para começar, o número de reses de sua fazenda é contestado pelo funcionário por elas responsáveis. Continuando, dos recibos constam preços não praticados no mercado. Ou seja, o senador está encaminhando sua defesa a rumos cada vez mais perigosos. Se nem o gado explica o dinheiro que diz dispor, resta a pergunta: de onde veio então esse dinheiro? Pergunta mais que pertinente. Afinal, segundo suas declarações de bens, em 24 meses, a partir de maio de 2003, o senador ergueu um patrimônio agropecuário formado por três fazendas e mais de mil cabeças de gado. Não é tarefa para qualquer mortal. Para situar-se como vítima, o senador insiste na affaire afetiva, alegando estar sendo chantageado. Ora, neste Brasil de hoje, a ninguém interessa as eventuais infidelidades, seja de um senador, seja de um Zé Ninguém. Há uns trinta anos ou quarenta anos, a simples suspeita de uma amante derrubaria até mesmo o presidente da República. Os tempos mudaram. O cerne da questão, que o senador que a todo custo desviar, é de onde vinha o dinheiro recebido por sua teúda e manteúda. Falar nisso... O primeiro livro assinado por Machado de Assis, publicado em 1861, tinha como título A Queda que as mulheres têm para os tolos. Em verdade, segundo os machadianos, não seria de sua lavra, pois seu nome consta como tradutor. Embora não o tenha lido, o título sempre me fez pensar. Particularmente nestes dias de Mônica Veloso. Que faz uma jornalista bonita, inteligente e independente entregar-se a um pedaço de gente, incapaz até mesmo de ser honesto com a mãe de seus filhos? A fortaleza destes senhores empertigados nos altos cargos do poder no fundo não passa de verniz. Mal são flagrados em uma pulada de cerca, tecem atabalhoadamente um rosário de mentiras tentando provar o que nunca foram. Quando uma mulher bonita dorme com um canalha, eu, justo, me sinto roubado. Diga-se de passagem, não precisa nem dormir. Quem tem qualquer tipo de apreço por um corrupto, certamente acha normal, senão louvável, digna e justa, a corrupção. Não me refiro apenas às relações entre homem e mulher. Penso que uma pessoa honesta não pode ter intimidade alguma com corruptos. Se tiver, demonstra que aceita o crime com naturalidade. Claro que as facilidades que só o dinheiro e o poder oferecem sempre constituem uma tentação. O que me pergunto é se vale a pena dormir com pessoa vil em troca de tais facilidades. Ainda mais em um país onde uma mulher bonita, inteligente e independente tem todas as portas abertas para uma ascensão profissional. Longe de mim pretender jogar na jornalista a culpa toda desta história sórdida. Mas mulher que dorme com senadores, boa bisca deve ser. segunda-feira, junho 18, 2007
A MODÉSTIA DO SUPREMO Com a volta de Sua Santidade Bento XVI a Roma, o Supremo Apedeuta retomou a liderança no festival nacional de besteiras. O Brasil vive o seu melhor momento econômico desde que a República foi proclamada, disse hoje Luiz Inácio Lula da Silva, em seu programa de rádio "Café com o Presidente". Modesto, o Supremo. Em verdade poderia ter sido mais abrangente. Segundo sua ótica, o Brasil vive seu melhor momento econômico desde a criação do universo. "Todo mundo está percebendo que nós conseguimos combinar crescimento com controle da inflação. E mais importante, todo mundo conseguiu perceber que nós estamos fazendo o crescimento das exportações e o crescimento das importações e o crescimento do mercado interno", destacou. Duas observações se impõem. Em primeiro lugar, Lula assume o controle da inflação como sendo obra de seu governo. Ora, a inflação foi controlada por Fernando Henrique Cardoso e sua equipe, com o Plano Real. Plano que aliás o PT tanto combateu, até concluir que não era boa política combater algo que libertava o país da corrosão provocada pela inflação. Em segundo lugar, sua afirmativa em nada difere daquela corrente durante o governo Médici: a economia vai bem, o povo vai mal. "Eu posso hoje dizer ao povo brasileiro, com muita tranqüilidade, que mesmo aqueles que são pessimistas ou mesmo aqueles que querem torcer contra o governo - porque a verdade é que tem gente que gosta que as coisas não dêem certo para eles poderem dizer que têm razão - é que o Brasil vive o seu melhor momento desde que a República foi proclamada. Eu não tenho dúvida de dizer isso". Poderia acrescentar que nunca antes neste país - conforme seu bordão - a corrupção viveu momento melhor, comprando deputados, senadores, policiais e juízes das cortes supremas. Soube-se na semana passada que 91% dos policiais em São Paulo recebem propina da máfia do jogo. Que farão as autoridades? Expulsarão e punirão estes 91%, deixando a função policial a cargo dos 9% que ainda não se corromperam? A corrupção se tornou tão banal, que já não há memória humana que consiga lembrar dos detalhes do penúltimo escândalo. Os relatórios investigativos já são medidos por gigabytes. Poderia ainda dizer que neste governo republicano - como gosta de sublinhar o ministro comunista da Justiça - as favelas vivem o auge de seu poder, expulsando à bala os policiais que nela tentam entrar para cumprimento da lei. Já há países dentro deste país onde o poder de polícia não mais se exerce. Caberia também destacar que o PT promoveu farta distribuição de renda, através de malas e cuecas recheadas de dinheiro vivo. Que o Estado está financiando, com o dinheiro do contribuinte, uma vasta quadrilha de celerados, que invadem fazendas e próprios do Estado, seqüestram pessoas e depredam centros de pesquisa, sem que a polícia possa intervir. Que o país produziu fato jamais visto no concerto das nações, promovendo um oficial assassino e desertor a general. Pareceu-me tímido o pronunciamento do presidente. Seu governo é responsável por mais insólitos e portentosos feitos. Lula, modesto, parece ter preferido omiti-los. domingo, junho 17, 2007
MINHA GEOGRAFIA PREDILETA Comentei outro dia meu absoluto desinteresse em viajar pelo Brasil. Recebi não poucos mails, cuja tônica era uma só: se as autoridades de Turismo contam comigo para viajar pelo Brasil, podem esperar sentadas. No que a mim diz respeito, também. Sem falar que não há, neste país, consideração alguma à vontade do consumidor. Estou perto de Campos de Jordão. Pensei um dia ir até lá, que mais não fosse questão de ver como era. Queria passar uma noite na cidade. Telefonei para vários hotéis e nada feito. O pacote era de duas noites. Era pegar ou largar. Mais ainda: incluía refeições no hotel. Ora, não suporto comer em hotel. Na época, planejava uma viagem maior. Telefonei para Budapeste. Consegui hotel na hora, sem que me impusessem tempo de estada ou refeições que eu não desejava. Ou seja, é mais fácil reservar um hotel na Hungria do que em Campos. Assim sendo, até hoje não conheço Campos, a poucas horas de São Paulo. Nem pretendo conhecer. Recebi também outro tipo de mensagem. Que preciso explorar melhor meu país, como também a culinária local. Ora, buchada de bode à parte, acho que já degustei tudo o que se cozinha no Brasil. Em meus dias de Paris, eu tinha um amigo gaúcho, médico cheio da grana e comunista, que seguidamente passava por lá. Convidava-me para restaurantes caros nos quais, na condição de estudante, eu não tinha muito como ir. Que não me inquietasse, ele pagava tudo. Assim, foi graças a um defensor incondicional do proletariado que conheci a mais sofisticada cozinha francesa. A meu ver, como bom militante devotado à causa, ele pesquisava qual seria a cozinha ideal à qual um dia os affamés de la terre teriam acesso. Certo vez, perguntei-lhe: - Porque os homens viajam, Walter? - Os homens viajam para comer - respondeu-me. A resposta me supreendeu. Eu julgava que os homens viajavam em busca de sexo. Mais tarde e mais adulto, entendi que sexo é mais ou menos a mesma coisa em todas as partes do mundo. Quanto à cozinha, difere a cada azimute. Não tenho respeito intelectual algum por quem me fala em cozinha internacional. Isto não existe. A não ser que seja aquela gororoba que nos oferecem nos aviões, a dez mil metros de altitude, entre um país e outro. Um amigo me pergunta o que penso dos Estados Unidos e Oriente, como meta de uma viagem. Bom, pelo grande irmão do Norte, admiração e respeito. Mas não me adapto aos modus vivendi deles. Lá por 95, estive em Nova York. Só para confirmar o que já pensava. Os bares não me agradaram, não me agradou a culinária, não admito beber em copos de plástico e acho sumamente detestável aquela mania de apresentar a conta mal a gente pede uma cerveja. "É só?" - perguntam as garçonetes, e já vêm pra cima do cliente de caneta em punho. Ora, sei lá se é só! Preciso examinar o bar, ver se me agrada, se o ambiente me apraz, tampouco sei lá qual é o tamanho de minha sede. Não suporto a idéia de pagar a conta a cada chope que peço. Naqueles momentos, eu me lembrava dos cafés de Madri. Ficava duas horas lendo e bebendo e ao sair o garçom me perguntava: "Já?" O que eu gostei em Nova York foi o fácil acesso a óperas. A escolha é farta, dá pra comprar ingresso no dia e se pode ir de jeans e tênis. Não me sinto bem naqueles ambientes black tie das óperas na Europa. Para começar, quando viajo, minha mala fica em seis, no máximo oito quilos. Se pusesse um terno - para usar apenas uma noite ou duas - o peso da mala já ficaria fora de meus projetos. Lá pelos anos 70, em uma visita a Erico Verissimo, recebi uma orientação que jamais esqueci. "Para uma viagem confortável, sapatos leves e mala pequena". Uma pequena frase que escondia uma larga experiência de viagens. Não uso terno e gravata desde março de 1981. Foi o dia em que defendi minha tese no vetusto prédio da Sorbonne. Já estive em algumas óperas na Europa, mas em manga de camisa. Mesmo que você vá de parca ou sobretudo, na chapelaria você é despido. Manga de camisa não é proibido, mas a gente se sente um tanto mal em meio aos pingüins engravatados. Ópera, na Europa, não é exatamente um evento musical. Mas um acontecimento social, onde as pessoas vão exibir status. Neste sentido, adorei as óperas de Nova York. Os Estados Unidos oferecem, é claro, muita paisagem, arquitetura, cultura e atrativos ao turista. Não me basta. No dia em que eles se civilizarem e passarem a beber em copos de vidro, pensarei em voltar. Sem falar que não admito a idéia de ter de tirar os sapatos para entrar em um país. Assim sendo, é geografia excluída no que me resta de vida. Não gosto do jeitão deles. Naquela viagem de 95, rumei então ao Canadá. Não me senti muito bem no Canadá anglófono. Mal cheguei a Montreal e Québec, voltei a me sentir em casa. Quanto ao universo oriental, agradeço e passo. Claro que deve existir coisas interessantes a se ver por lá. Mas certamente lá não existem os bares que me aprazem, nem os jornais com que gosto de tomar minhas cervejas. Que mais não seja, como disse Buñuel, que vou fazer às três da tarde em Calcutá? Um outro amigo acha que eu me daria bem no Japão. "Tem bar pra tudo que é gosto, tem até containers de navio transformados em bar. Existem edifícios com vários bares por andar e olha que devia ter uns dez andares". Ora, não é bem a profusão de bares que busco. Mas a qualidade, o charme. Não consigo entender bares em andares. Creio que nunca entrei num bar que ficasse num andar. Me sentiria encaixotado. Aliás, lembro que entrei em um, em Paris. Era uma torre, o bar devia ficar lá pelo trigésimo andar. Interessante, tinha uma visão magnífica de Paris. Mas não era bar para o dia a dia. A propósito, todas as cadeiras eram viradas para o exterior, não havia como ficar face a face. Tenho predileção por cafés centenários, no bom rés-de-chaussée. De preferência com terrasse, onde eu possa curtir um sol de inverno. Quanto aos interiores, hão de ser com muita madeira e muito mármore. Com lustres pesados caindo do teto. Meu café predileto na Europa é o Metropole, de Bruxelas. Quem o conhece, entende o que estou falando. Fui conhecer a Áustria recentemente, há uns seis ou sete anos. Depois disso, voltei lá mais duas vezes. Eu imaginava que os mais belos cafés da Europa estavam em Paris, Madri ou Berlim. Ledo e crasso engano. É que não conhecia Viena. É certamente a mais alta concentração de cafés requintados da Europa. Nessas três viagens não deu para ver todos, e falo apenas dos melhores. Tenho certeza de que no Japão eu não encontraria isso. Outro detalhe: em Viena, os cafés oferecem dezenas de jornais do mundo todo (menos do Brasil, é claro), aos clientes. Conheci um que oferecia 300 jornais. Os interiores são verdadeiras salas de leitura. Lembro que um deles mais parecia uma biblioteca, tinha lâmpadas especiais para leitura em cada mesa. Acho que nos últimos quinze anos de viagens, talvez vinte, só tenho viajado em busca de bares. Faço longas caminhadas, curtindo a arquitetura de becos e vielas, com pausas em um bar e outro. Gosto de cidades velhas. Arquitetura modernosa não me atrai. Gosto de viajar pelos séculos XVIII, XIX, no máximo em princípios do XX. Aliás, esta é uma boa pergunta: em que século você vive? No que a mim diz respeito, apesar dos computadores e Internet, penso que vivo melhor no XIX. Não suporto garçons me apresentando a conta mal peço uma bebida. Minha concepção de bar é a mesma de Buñuel: são lugares de recolhimento. Tampouco suporto televisão ou rádio em um bar. Muito menos mesas de plástico ou fórmica. A mesa há de ser de madeira. Ou mármore. Se for para comer, com toalhas. Os copos hão de ser no mínimo de vidro. Neste sentido, gosto do francês. Copo é verre. Isto é, a palavra já determina o material do copo. Não se concebe um verre en plastique. Por estas e outras, a Europa é minha geografia predileta. Tenho tentado dela fugir, mas não é fácil. Vasto é o mundo e curta a vida. É preciso priorizar. Há cidades encantadoras na Europa que ainda não conheço. Atualmente, tenho vivido um impasse. Quero sair do eixo Roma-Paris-Madri e não consigo. Há horas penso ir ao México. Na hora de fazer a mala, minha maletinha de seis quilos, acabo rumando ao velho eixo. E por que não? Lá estão os botecos onde me sinto feliz, é lá que me sinto em casa. sábado, junho 16, 2007
POLÍTICA DE AVESTRUZ Vivo em um país que, bem ou mal, funciona. Difícil é entender como funciona. Neste sábado, leio no Estadão que a lista de propina da máfia do jogo inclui, só na cidade de São Paulo, as oito delegacias seccionais e 84 dos 93 distritos policiais. A mesada era semanal, na base de 30 a 40 reais por máquina. Pergunta que se impõe: serão afastados os policiais dessas oito delegacias e 84 DPs? Claro que não. Não existiria mais polícia na cidade. No Estadão de domingo, uma resposta ao de sábado. A polícia anunciou o afastamento de pelo menos 20 investigadores-chefes dos DPs da capital. Muito pouco. Chegamos a um ponto em que o crime está tão disseminado que a melhor política é a do avestruz, fazer de conta que não se viu nada. Sabe-se também que 55% dos parlamentares receberam dinheiro de empreiteiras. Que fazer? Fechar o Congresso? Não dá. O Congresso não vai gostar da idéia. sexta-feira, junho 15, 2007
GENERAL LAMARCA, HERÓI E MÁRTIR Mais uma vez as nações se curvam ante o Brasil. Um oficial comunista, que roubou armamento do Exército, desertou e matou friamente a coronhadas um companheiro de armas indefeso, foi postumamente promovido a general. Sua viúva terá pensão de R$ 12.152,61 mensais, o equivalente a vencimento de general-de-brigada, além de indenização de R$ 300 mil, a ser dividida por três familiares. Diga-se de passagem, ela já recebia pensão de acordo com a patente de coronel, cargo ao qual seu marido já havia sido promovido por decisão do Superior Tribunal de Justiça. Para o ministro da Justiça, Tarso Genro, também comunista, o benefício foi "juridicamente correto e politicamente adequado". Terrorista, assassino, assaltante de bancos, seqüestrador, ladrão de armas e desertor, Carlos Lamarca não está na lista dos prisioneiros mortos sob tortura ou custódia do Estado, o que justificaria uma indenização a seus familiares. Tendo optado pela luta armada, morreu em combate contra seus ex-companheiros de caserna nos sertões da Bahia, doente e abandonado pelo tal de povo que pretendia redimir. A decisão de indenizar Lamarca foi tomada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. De uma penada, um colegiado de civis humilha as Forças Armadas e reduz a cacos sua hierarquia. Os generais estão chiando. Ontem, no Rio, disse o general Luiz Cesário da Silveira Filho: "Tudo o que é falta grave que pode ser cometida esse assassino cometeu. E está sendo premiado aí! É lamentável, lamentável! Espero que não vá até o final esse processo. Pode dizer: os generais de Exército, os generais da ativa do Alto Comando do Exército estão indignados. Causou profunda indignação na Força". Leônidas Pires Gonçalves , ex-ministro do Exército, declarou: 'Não me sinto bem tendo como conviva, mesmo morto, um desertor, traidor, ladrão e assassino frio do tenente Mendes, que se ofereceu para defender seus soldados". Ele se referia a Alberto Mendes Júnior, o tenente que participou do cerco a Lamarca e foi morto a coronhadas, indefeso, em 1970. Tarde piaram os generais. Podem chiar à vontade. O que foi feito é a manifestação de uma vendeta administrativa das esquerdas e não tem mais volta. Talvez um dia nossos lúcidos generais ainda descubram que quem venceu o confronto de 64 não foram os militares, mas as esquerdas. Enquanto os militares foram relegados ao papel de vilões até mesmo pelos livros didáticos do ensino nacional, os velhos comunistas estão posando de heróis, ocupando ministérios e cargos chaves da administração nacional, com obscenas aposentadorias das quais nem mesmo o Imposto de Renda é descontado. Tudo isto neste mesmo país em que aposentados - que nunca mataram ninguém a coronhadas, que nunca roubaram bancos, que nunca seqüestraram embaixadores - morrem sem ver a cor de seus precatórios alimentícios, já transitados em julgado, em fase de execução e sem possibilidade alguma de mais recursos. Para quando o monumento? Tais heróis da pátria não podem ser renegados ao olvido. Precisamos erigir urgentemente estátuas a Carlos Lamarca, dar seu nome a ruas e escolas, cantar sua biografia em prosa, verso e filmes e tornar obrigatória nas escolas primárias, secundárias e universidades a leitura e o estudo de seus feitos. O capitão escolheu o caminho mais difícil para a glória: desertou, roubou, seqüestrou e matou. Mas a nação, penhorada, soube fazer-lhe justiça. Mas que se pode esperar de um país que tem um comunista no ministério da Defesa e outro no da Justiça? Os generais podem bater pezinhos indignados. O general Lamarca, para exemplo e preito das gerações futuras, repousa no panteão dos heróis que a pátria incensa. quinta-feira, junho 14, 2007
DOIS LUMINARES DA MACKENZIE Dois luminares das ciências jurídicas tupiniquins, os advogados Ives Gandra da Silva Martins - advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra - e Antonio Carlos Rodrigues do Amaral - mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e mestre em educação pela USP, professor de direitos e garantias fundamentais da Universidade Mackenzie e presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP - reuniram hoje suas sapiências e títulos para proferir bobagens em espaço nobre da Folha de São Paulo. O besteirol se evidencia já no título: ESTADO LAICO NÃO É ESTADO ATEU E PAGÃO Os notabilíssimos jurisconsultos, apesar de já avançados em idade, demonstram ainda não ter entendido o que seja ateísmo e paganismo, a ponto de os tomarem como sinônimos. Se esta sinonímia não fica bem clara no título, os autores a reforçam no corpo do artigo: "Essa percepção da importância de Deus como fundamento de uma sociedade fraterna radica na indissociável conexão entre a história, a cultura e o próprio Criador, o que é imprescindível à elaboração de políticas públicas que não colidam com a liberdade religiosa nem desrespeitem a profunda religiosidade dos brasileiros. Daí a enorme distância entre o pluralismo religioso do Estado laico e um Estado ateu ou pagão, que nega a existência de Deus ou prega a divinização do ocupante do poder". Com a arrogância de um Torquemada, os titulados professores estendem a todo universo a jurisdição de uma crença que está longe de ser universal. Deus existe para aqueles que nele crêem, e não para o mundo todo. Por outro lado, se o século passado viu Estados que fizeram do ateísmo profissão de fé, nunca tivemos notícias de um Estado pagão. Sem falar que o paganismo nunca negou a existência de deus algum. Pelo contrário, os pagãos tinham muitos deuses. Deuses que nunca interferiram na vida do Estado e - o que é mais importante - nunca se imiscuíram na vida dos mortais. Exceto quando alguma mortal mais atraente lhes provocava a libido. Desciam então de sua morada para folgar com as terráqueas. Mas em momento algum ditaram leis ou pregaram moral. Isso de meter-se nos assuntos cá da terra é coisa do deus tosco e bruto do Antigo Testamento. A seguir, demonstrando uma miopia histórica de grau avançado, os eméritos juristas tomam as árvores pela floresta e consideram que a falência do socialismo é decorrente da ausência de Deus: "Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes no último século, erro destrutivo, como demonstram os resultados dos sistemas marxistas e dos capitalistas. Falsificam o conceito de realidade com a amputação da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito de realidade e, em conseqüência, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte: só quem reconhece Deus conhece a realidade e pode responder a ela de modo adequado e realmente humano. A verdade dessa tese é evidente ante o fracasso de todos os sistemas que colocam Deus entre parênteses". Em suma, os sapientes articulistas insultam a inteligência de quem quer que não creia em Deus. Segundo este raciocínio, nós, ateus, desconhecemos a realidade e a ela não podemos responder de modo adequado e humano. Seremos monstros morais? Estes senhores, travestidos de humanistas, em verdade demonstram uma intolerância digna de fazer inveja aos inquisidores da Santa Madre Igreja Católica. Por outro lado, os acontecimentos do final do século passado deixaram bem claro que o comunismo afundou não em virtude da ausência de Deus, mas em decorrência da falta de liberdade econômica e de expressão. Os Estados comunistas pretenderam revogar por decreto as leis do mercado e só poderiam acabar como acabaram, falidos. Deus não faz falta alguma a economias prósperas, o Ocidente capitalista que o diga. Só um fanático poderia afirmar que é a idéia de Deus que sustenta o bem-estar dos Estados Unidos, Canadá ou Europa. Não por acaso, estes dois senhores lecionam na universidade presbiteriana Mackenzie, da qual tenho algumas informações. Ao longo de toda sua vida, minha mulher trabalhou com legislação. Uma vez aposentada, passou a dar consultoria, sem ter diploma de Direito. Considerou que seria melhor obtê-lo, para poder assinar petições. E decidiu fazer o curso de Direito da Mackenzie. Eu a adverti que ela não o suportaria três meses. Ela elaborava pareceres em um Conselho Fiscal em Brasília, pareceres que geravam legislação, e não iria agüentar o beabá do Direito. Ela insistiu, fez vestibular e decidiu-se a freqüentar o curso. Pois bem: não esquentou banco por mais de três dias. Eu havia superestimado sua capacidade de tolerar a mediocridade. Na primeira aula de Direito Constitucional, um decrépito professor perguntava a seus alunos: - O direito é uma emanação da so.. da so...? Ninguém conseguia terminar a frase. - Da socie... da socie...? Os alunos, demonstrando invulgar inteligência, responderam em coro: - Da sociedade!!! - Muito bem - disse o professor, com um sorriso beatífico. - Ao direito dos costumes, costumamos chamar de Direito con... Direito con...? Silêncio total. - Direito consue...? Consue...? Silêncio ainda mais espesso. - Consuetu...? Consuetu...? Nada feito. - Consuetudi...? Consuetudi...? Muito menos. O brilhante professor exclamou então com um sorriso sapiente na face, sorriso de quem detém o saber: - Consuetudináááááário!!! Foi o terceiro e último dia de curso de minha mulher. Preferiu continuar dando consultoria sem diploma algum. Que Ives Gandra da Silva Martins e Antonio Carlos Rodrigues do Amaral exponham suas estultícies a um alunado assim analfabeto, entende-se. Talvez até passem por doutos e eruditos. Daí a explanar tais bobagens em página nobre de um jornal como a Folha, só depõe contra o jornal e demonstra intolerância e indigência intelectual. UM MINISTRO SEM PAPAS NA LÍNGUA Em meio a um governo eivado de corrupção, minado pelo fisiologismo e dotado de um discurso demagógico, é muito bom ouvir um ministro falando claro e sem temor de desagradar os papistas. Me refiro ao ministro da Saúde José Gomes Temporão. Interrogado pelo portal BBCBrasil.com sobre as critícas à distribuição de anticoncepcionais, disse claro e bem: - Só a Igreja que é contra. A Igreja não tem nada a ver com isso. A Igreja tem que prescrever seus dogmas aos que militam. O Estado não está obrigando ninguém a consumir pílula nem nada. Estamos informando para que os casais e as mulheres possam optar conscientemente pelo método que se adapta mais à sua visão de mundo e à sua peculiaridade. Os casais que seguem os dogmas da Igreja vão usar o método natural, com todos os riscos que este método implica. Agora, a Igreja católica querer prescrever ao conjunto da sociedade sua visão não me parece razoável. O Estado brasileiro é um Estado laico, não tem nada a ver com a Igreja. A Igreja transmita aos seus fiéis os seus princípios, o Estado tem que cuidar da saúde pública. Não estou nem um pouco preocupado com isto. Isto pra mim não tem a menor importância. Eu diria mais: 90% dos brasileiros aprovam o uso de camisinha, a Igreja é contra. O que eu percebo aí é um grande conflito entre a visão da Igreja e a visão da sociedade. Um conflito total, uma ruptura. A Igreja que transmita aos seus fiéis os seus princípios, o Estado tem que cuidar da saúde pública. Não estou nem um pouco preocupado com isto. Isto pra mim não tem a menor importância. Aplausos ao ministro. Está na hora de a Igreja entender qual é seu lugar. quarta-feira, junho 13, 2007
POR QUE NÃO CONHEÇO MEU PAÍS Conheço bastante bem a Europa. O único país desta Europa de cá que não conheço é a Islândia. Não que não me atraia. Mas fica muito longe, é muito caro e muito fora de mão. Também não visitei aqueles paraísos fiscais disfarçados em principados. É turismo para milionários, e este não é meu caso. Fiz também algumas incursões ao mundo socialista e muçulmano. Foram viagens desconfortáveis, mas pedagógicas. A pior viagem que fiz foi a mais importante. Foi quando fui à Romênia, na época dos Ceaucescu, e vi de perto a miséria do socialismo. Gostei de Praga, Budapeste e Skopje, na Macedônia. Apesar de libertos do jugo do socialismo, eles ainda estão longe do capitalismo ocidental. Na Rússia, estive em São Petersburgo. Valeu a viagem, mas irrita. Depois de dez anos da queda do Muro, eles ainda não haviam conseguido libertar-se da burocracia comunista. Com isto quero dizer que o bom deus dos ateus foi generoso comigo. O que pouco ou nada conheço é o Brasil. Das capitais, só conheço até o Rio de Janeiro. Enfim, um dia fui a Brasília. Sempre detestei aquela cidade, antes mesmo de conhecê-la. Acho que fui só para comprovar minha ojeriza. Desconheço cidade concebida mais erradamente no mundo. Sua arquitetura e urbanismo só podia ter surgido da cabeça de comunistas. Não conheço nada do Norte nem Nordeste. Todos os amigos que tentam puxar-me para lá fracassaram redondamente. Amigos tentaram me fazer ir até as cidades históricas de Minas. Para ver aquelas igrejinhas? Não, muito obrigado. Já vi maiores e melhores. Quando estes amigos urdiam uma sub-reptícia campanha para me conduzir até lá, encontrei uma alma providencial em um bar que me disse: “Você já foi às cidades históricas de Minas? Não? Então não vá. É só incomodação”. Quase o beijei em pleno bar. Era tudo que queria ouvir. Ainda há pouco, amigos quase me levaram manu militari para um tour fluvial entre Belém e Manaus. Dei uma olhadela nas temperaturas locais e já desisti. Não consigo viver em temperaturas próximas a 40 graus. Nem mesmo em Madri, que adoro. Na Internet, dei uma olhadela no barco em que viajariam. Me pareceu muito precário. E de um barco não se pode desembarcar em meio à viagem. Eles foram, eu fiquei. De torna-viagem, soube que no barco não havia vinho. Só que o faltava navegar sem vinho. Além disso, quando quero ver águas, eu as quero azuis, de preferência de um azul mediterrâneo. Ou egeu. Não vejo encanto em águas turvas. Mas não é exatamente isto que me afasta do resto do Brasil. O fato é que, se viajo por meu país, não sinto estar viajando. Todo mundo falando português, discutindo futebol ou a novela das oito. Na melhor das hipóteses, a crônica das corrupções. Viajar, em meu entender, é sair de onde se está. É não mais ouvir o que se fala. Não mais comer o que se come. Só me sinto viajando quando ouço em torno a mim outras línguas, de preferência desconhecidas. Viajar é ir rumo ao anecúmeno. O ecúmeno não tem graça alguma. Esta minha opção tem me gerado não poucos desafetos. Nunca faltam os afonsos celsos da vida para alegar que "não há no mundo país mais belo do que o Brasil. Quantos o visitam atestam e proclamam essa incomparável beleza. Dentro do enorme perímetro brasileiro, encontra-se tudo o que de pitoresco e grandioso oferece a terra. Ainda mais: encontra-se, em matéria de panorama, tudo o que ardente imaginação possa fantasiar. E os espetáculos são tão variados quanto magníficos". Que sejam. Em minha primeira viagem à Europa, eu conversava com uma parisiense no salão Opala do já desarmado Eugênio C. Ela voltava da Amazônia, fascinada com o que vira por lá. "C´est fantastique". Eu rumava a Paris, fascinado com o que ainda não vira e não via nada de fantástico na Amazônia. Não a entendia. Na Amazônia só tem índios, árvores e bichos, objetei. Era justo o que a fascinava. Para mim, não dizia nada. Estava muito perto de mim. O ser humano busca sempre o que está longe. Em Madri, conheci uma montevideana que tinha uma avó galega em Santiago de Compostela, com uns bons 80 anos. Seguidamente convidava a vó para visitá-la. - Y si fuéramos a Madrid, abuelita? Nada feito: - Muy lejos, hijita! Estou muy vieja. Certo dia, convidou para visitar o Uruguai. - Y si fuéramos a Montevideo, abuelita? Montevidéu. Os olhinhos da vóvó brilharam: - Bueno… Sem falar que, quando comecei a viajar, ir de Porto Alegre a alguma capital do Nordeste era mais caro do que ir a Madri ou Paris. Em Paris, a Varig oferecia vôos mais baratos para o Brasil do que se eu partisse do Sul. Por estas e por outras razões pouco conheço o Brasil. Viver é optar. Na hora de optar, opto sempre pelo distante e desconhecido. Nem mesmo a cidade onde fiz minhas universidades, nem mesmo a cidade onde me criei, hoje me interessam. Se as revisito, é para rever amigos que por lá deixei. A única coisa que hoje me atrai em alguma cidade brasileira são meus afetos. "É preciso provocar os brasileiros a conhecerem o Brasil" - afirmou hoje o Supremo Apedeuta, no lançamento do Plano Nacional de Turismo 2007-2010. O Supremo que me desculpe. Conhecemos muito bem o Brasil sem precisar por ele viajar. Até entendo que um francês ou americano, em busca de exotismo, queira visitar favelas no Rio ou hotéis de luxo na Amazônia. Para mim, favelas ou hotéis de luxo nada dizem. Gosto de ouvir gentes falando outras línguas, gosto de comer o que sabe diferente a meu palato, gosto de cidades milenares, de restaurantes centenários. Viajar pelo Brasil é coisa de turista medroso, com medo de enfrentar o estrangeiro. Vou morrer sem viajar pelo resto do país, disto estou certo. Meus parcos euros, não penso gastá-los viajando pelo déjà-vu. Propor turismo interno é algo que ofende a inteligência de quem gosta de viajar. terça-feira, junho 12, 2007
POR QUE NÃO MAIS LEIO FICÇÕES "A mesquinhez, a estreiteza imaginativa são os vícios definidores da nossa época. Somos incapazes de escrever, ou de querer escrever, ou de saber ler sem escrever, epopéias. Em compensação, escrevemos romances. O romance é o conto de fadas de quem não tem imaginação" - escreveu Pessoa -. "A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. Talhar a obra literária sobre as próprias formas do que não basta é ser impotente para substituir a vida". Há quanto tempo não leio ficções? Não saberia dizer. Certamente há uns vinte anos. A última ficção que li foi provavelmente a última que traduzi. No caso, A Família de Pascual Duarte, de Camilo José Cela, em 1986. Se assim foi, encerrei meu ciclo de ficções com uma novela soberba. Ou seja, faz 21 anos que não ponho os olhos nesses contos de fadas para adultos, como dizia Nabokov. No entanto, deles já fui leitor fervoroso. Lembro de um dia distante, em Buenos Aires. Um amigo me havia encomendado O Túnel, de Ernesto Sábato. Comprei o livrinho e mergulhei em suas páginas, enquanto degustava um trago largo na Suipacha. A neurose de Juan Pablo Castel me fascinou de tal modo que li o livro de um sorvo só. Quem havia escrito aquele livro não poderia ter escrito coisa que não prestasse. De um impulso, comprei toda a obra de Ernesto Sábato, tanto suas ficções como seus ensaios. Mergulhei então em Sobre Heróis e Tumbas. Na nota preliminar do romance, o autor nos põe em contato com uma tragédia que teria abalado Buenos Aires: "Segundo as primeiras informações, o antigo Mirador que servia de dormitório a Alejandra foi chaveado por dentro pela própria Alejandra. Logo após matou seu pai com quatro tiros de um revólver 32. Por fim, espalhou gasolina e prendeu fogo". Estas parcas linhas me prenderam de tal modo, que desisti de ver a cidade e passei todo o tempo lendo. Só fui largar o livro, de mais de 500 páginas, quando cheguei à última. Mergulhei nos subterrâneos da cidade guiado pelo intrigante Fernando Vidal Olmos. A narrativa toda apontava para um enigmático "Informe sobre Cegos", a terceira parte do livro, e eu avançava com pressa as páginas para chegar lá. O Informe é um relato paranóico de um louco obcecado pelos cegos, e nele me pareceu ver uma Buenos Aires misteriosa e oculta ao turista. Fascinado pela loucura de Olmos, pensei ter então entendido a cidade. Suprema bobagem. Os delírios de Olmos nada tinham a ver com a Buenos Aires dos homens de carne e osso. Eu fora contaminado pela magia da pena de Sábato e pensava ter visto o que nunca existiu. Em todo caso, este encontro foi profícuo. Acabei entrando em contato com o autor e traduzi praticamente toda sua obra no Brasil. Em função daquelas leituras, acabei morando quatro anos em Paris e defendi tese sobre a obra de Sábato. Em minha tese, defendi com entusiasmo a ficção, a busca de um outro caminho, quando o escritor põe no mundo personagens que parecem ser de carne e osso, "mas que pertencem ao universo dos fantasmas. Entes que realizam por nós, e de certa forma em nós, destinos que a própria vida nos vedou", como diz Sábato. O romance é então uma forma de fugir à imanência, "forma quase tão precária como o sonho, mas pelo menos mais voluntariosa". Para o escritor de Santos Lugares, nisto reside uma das raízes metafísicas da ficção. A outra seria "essa ânsia de eternidade que tem a criatura humana, outra ânsia incompatível com sua finitude. A busca do tempo perdido, o resgate de alguma infância ou alguma paixão, a petrificação de um êxtase". Pode ser. Minha tese, eu a defendi em 81. De lá para cá, mudou minha visão destas fugas à imanência. Tendo escrito dois romances, Ponche Verde e Laputa, concluí que o escritor perde muito tempo criando climas e personagens, quando poderia ser mais conciso e direto no que se propõe. Um dicionário francês definiu o gênero como "história fingida, escrita em prosa". Ora, o real tem se mostrado muito mais surpreendente do que a ficção. Algum ficcionista imaginou que um dia o Muro de Berlim seria derrubado? Que o mundo soviético desmoronaria? Não. Então fico com Pessoa. O romance, de fato, é o conto de fadas de quem não tem imaginação. Substitui minha leitura de romances pela leitura dos jornais. O que não é muito diferente. Nos jornais, acompanho ao mesmo tempo vários enredos. Em priscas eras, acompanhei a guerra do Vietnã, as façanhas de Pol Pot no Camboja, as matanças de Mao Tse Tung na China - em proporções que nenhum escritor jamais ousaria imaginar. Acompanhei a Guerra dos Seis Dias, a "revolução" iraniana, os desastres de Khomeiny em Teerã, a primeira e a segunda guerras do Golfo, a queda do Muro, a balcanização da antiga Iugoslávia, o fim da URSS, as aventuras de Clinton no Salão Oval. Os romances são muitos na leitura diária dos jornais e satisfazem a todos os paladares. O fascinante é que o desfecho é imprevisível e suas possibilidades são cambiantes. Nem sempre o final é feliz e muitas vezes são obras inacabadas. Pode-se também acompanhar romances locais e neste caso o Brasil tem sido pródigo em ingredientes: poder, sexo, corrupção, assassinatos, escutas telefônicas, juízes comprados, políticos venais e por aí vai. Um universo variegado que nem a pena fértil de um Dostoievski ou Balzac conceberia. Jornalismo é a história presente, escrita com muitos erros de ortografia e sintaxe, é verdade. Mas fascinante. Além desta história presente, me dedico à leitura da outra, a antiga. Estudei Filosofia. Ao longo de quatro anos, descobri que a Filosofia pouco nos faz entender do mundo. São teorias que, ao tentarem entender o mundo, derrubam-se umas às outras. Neste sentido, tenho de admitir, a ficção leva alguma vantagem. Enquanto os sistemas filosóficos se tornam obsoletos com o transcurso do tempo, a ficção - pelo menos a grande ficção - preserva seu frescor ao longo das décadas e séculos. Se hoje leio um Aristóteles torcendo o nariz, sempre retornarei com entusiasmo às páginas do Quixote. Em suma, se deixei de ler ficção, me tornei um entusiasta das leituras de História. Deve fazer uns vinte anos que só tenho lido ensaios históricos. Sou um freguês de livreta de autores como Renan, Toynbee, Mircea Eliade, Délumeau, Le Goff, entre outros. Tenho especial apreço pelos medievalistas franceses e os invejo. A aisance com que ordenam os quebra-cabeças propostos por milhares de textos antigos é espantosa e não está ao alcance de qualquer mortal. Trocando os queixos de bolso: tudo isto para dizer que hoje fui até o centro da cidade, este centro feio e abominável que tanto evito. Ocorre que lá há um restaurante singelo, simpático, barato e de cardápio generoso. É o Da Giovanni, na Basílio da Gama. Os garçons sempre me recebem com carinho. Tirante a arquitetura interior, me lembra o popular Le Chartier, de Paris. Minha única queixa é que o restaurante não é mais perto de onde habito. E a duas ou três quadras do Da Giovanni, está minha perdição, a Livraria Francesa, uma das instituições que honram São Paulo. É livraria onde entro com certo medo, pois sei que dela não sairei impune. Da penúltima vez que lá estive, levei L’Empire Gréco-romain, de Paul Veyne, um soberbo ensaio de 876 páginas sobre nossas origens culturais. Recomendo vivamente. De Paris, do mesmo autor, minha filha acaba de me trazer Quand notre monde est devenu chrétien, um estudo menos alentado da época de Constantino. Hoje, marchei com uma antologia de cerca de 1400 páginas, Un Autre Moyen Âge, onde Jacques le Goff reúne pelo menos sete de seus ensaios. Mergulhei em La Naissance de Purgatoire e tão cedo não vou largá-lo. Qual ficcionista seria capaz de criar essas geografias e legislações do Além? Nenhum. Isto é tarefa para teólogos. As ficções, particularmente as contemporâneas, andam muito chatas. Sugiro História. Voltarei ao assunto. segunda-feira, junho 11, 2007
MUSTAFÁ POURMOHAMMADI DEFENDE FÓRMULA AO GOSTO DOS MACHOS IRANIANOS Se há algo que não entendo, é o que os religiosos têm contra o livre exercício da sexualidade. As religiões, de modo geral, só aceitam o sexo doméstico, dentro do matrimônio e olhe lá. Práticas mais heterodoxas são sempre vistas com maus olhos, quando não cabalmente condenados. Por outro lado, se há algo que me diverte, é ver os arabescos colaterais que padres, mulás e aiatolás empunham para driblar o conflito entre o dogma e a imperiosidade do desejo. Já comentei várias vezes essa singular instituição iraniana, o sigheh, casamento temporário que pode durar minutos, horas, semanas ou 99 anos. Como a tradição religiosa muçulmana exige que as mulheres permaneçam virgens até o matrimônio, alguma fórmula há de se encontrar para saciar a luxúria dos jovens machos iranianos. A boa trouvaille foi o sigheh: o macho casa, copula e logo descasa, sempre preservando rigorosamente a tradição. Não houve sexo fora do matrimônio. Sexo só ocorre dentro do matrimônio, ainda que este dure apenas o tempo da trepada. Para praticar o sigheh, basta recitar um versículo do Corão. O contrato oral não é registrado e o versículo pode ser lido por qualquer um. Uma contraprestação em dinheiro às mulheres casadas segundo este ritual é bem-vinda. Leio no Guardian que o ministro do Interior do Irã, Mustafá Pourmohammadi, declarou na cidade sagrada de Qom que o sigheh deve ser promovido para contrabalançar a tendência de casamento tardio, que ele disse estar privando a juventude da satisfação sexual. Segundo Pourmohammadi, a prática é norma de Deus, e serve como alternativa aceitável ao sexo pré-conjugal, proibido pela lei islâmica. "Será possível que o islamismo seja indiferente a um jovem de 15 anos no qual Deus incutiu apetite sexual? Temos de encontrar uma solução para atender o desejo sexual dos jovens que não têm possibilidade de casamento. O islamismo é uma religião abrangente e completa e tem solução para todos os comportamentos e necessidades, e o casamento provisório é uma das soluções para as necessidades dos jovens". Em 1990, quando presidente do Irã, Hashemi Rafsanjani já havia dito que o casamento temporário era preferível à promiscuidade dos ocidentais. Quanto às jovens, que se lixem. Ao que tudo indica, Deus não incutiu desejo sexual nas mulheres. As mulheres "casadas" pelo sigheh certamente constituirão uma categoria à parte no universo persa. É óbvio que um honesto macho iraniano jamais casaria definitivamente com uma mulher que tenha tido vários casamentos provisórios. Em todo caso, a instituição é um expediente eficaz para impedir a infidelidade conjugal. Seria interessante que fosse levado em consideração pelo Congresso Nacional. Fossem Renan Calheiros e Mônica Veloso unidos pelos sagrados - ainda que precários - laços do sigheh, não teriam sido expostos à sanha da mídia, afinal tudo teria ocorrido dentro do matrimônio. O sigheh também é santo remédio contra a prostituição, afinal não constitui prostituição relacionar-se com a própria mulher. O Islã é abrangente e generoso e tem solução para todos os conflitos humanos. Nada a ver com este Ocidente cristão e promíscuo. Alá-u-akbar! domingo, junho 10, 2007
HONRA E GLÓRIA A AUNTY MAIDUGURI Não sei se o leitor já leu livros como OS Kama Sutra, O Jardim das Delícias, ou As Mil e Uma Noites. Foram livros que embalaram minha juventude. Os Kama Sutra têm dezoito séculos e são uma compilação da artes amatórias, feita por um obscuro estudante hindu de religião, o jovem Vatsyayana, que disserta sobre as diferentes posições e técnicas sexuais. O Jardim das Delícias é sua versão árabe, escrita pelo xeique Nefzaui, entre os anos de 1349 e 1433. São obras de um erotismo elegante e bem-humorado, nada a ver com a pornografia vulgar dos dias que correm. Já As Mil e Uma Noites, destas todos ouvimos falar. Obra universalmente conhecida, são mil uma histórias imbricadas umas nas outras, narradas em árabe por Sherazade, a persa, ao rei Schahriar. O fio que conduz as narrativas é singular. O rei Schahriar descobre que sua mulher o havia traído, e que tal fato também ocorrera com seu irmão Shahzamán. Para que isto nunca mais se repita, dispõe que dali para a frente passará todas as noites com uma virgem, filha de algum de seus súditos, e a mandará matar na manhã seguinte. Este tributo é interrompido por Sherazade, que sabe despertar o interesse do rei contando uma história. O rei, para escutar o final, remete a execução para o dia seguinte. Mas na noite seguinte Sherazade insere uma outra história inacabada, e assim se passam mil e uma noites, ao final dos quais a persa já tem três filhos com o rei Schahriar. E um livro cheio de erotismo e violência, onde a mulher não é exatamente a árabe submissa de nossos dias, mas também guerreira e combatente de valor. Antes de ir adiante, atenção: minha edição em espanhol das Mil e Uma Noites está publicada em três volumes de mais de 1.400 páginas cada um. Não é livro para comprar por impulso, nem para ser lido linearmente. Quando quero mergulhar naquele universo, leio ao azar um ou mais contos. Claro que ainda não li todos os relatos. É espantoso ver como estas civilizações, tanto a árabe como a hindu, que cantaram desbragadamente os prazeres do sexo, se transformaram com o correr do séculos em sociedades repressivas, onde determinadas práticas constituem crime e podem ser punidas inclusive com a morte. O homossexualismo, por exemplo. Custa acreditar que em pleno século XXI dezenas de países punam com rigor as práticas homossexuais. Leio nos jornais que na outrora sensual Índia, as relações homossexuais são até hoje consideradas crime e podem ser punidas com até dez anos de prisão. A lei não acompanha os costumes. Mas algo está mudando. No primeiro domingo deste mês, ocorreu o primeiro festival gay do país, que reuniu três mil pessoas. Um punhado de gatos pingados, se compararmos com a Parada Gay que hoje percorreu as ruas de São Paulo, com três milhões de participantes, segundo seus organizadores. A polícia fala em um milhão. De qualquer forma, uma mostragem significativa. Segundo um dos organizadores do evento na Índia, "este festival seria inimaginável há cinco anos. As coisas mudaram muito". Em maio passado, mais de 300 mil transexuais se reuniram na região de Tamil Nadu, no sul do país para o Festival de Koovagam. No caso, os "aravanis" (como são chamados no país) vão todos os anos ao único templo a eles dedicado na Índia e aproveitam para prestar homenagem a seu deus protetor, Koothandavar, que se casou com Vishnu depois de adotar a forma de mulher. Mesmo os países socialistas, antes tão pudicos em matéria de sexualidade, estão se tornando mais tolerantes. Também em maio passado, os gays tentaram organizar seu festival em Moscou, na Praça Vermelha, sob protestos dos católicos ortodoxos e bastonadas da polícia. Homossexuais desfilando no coração do comunismo, na Nova Jerusalém socialista! A múmia de Lenin deve ter ruborizado em sua tumba. Mais de 70 pessoas foram presas. O prefeito de Moscou, Yuri Luzhkov proibiu a marcha porque o homossexualismo "não é algo natural e causaria ultraje na sociedade", posição compartilhada por grupos cristãos e muçulmanos. E disse que não permitirá um evento do gênero enquanto estiver no cargo. A bem da verdade, a homossexualidade foi descriminalizada há 13 anos na Rússia. A austera Cuba de Castro também parece marchar no mesmo sentido. Se um dia Cuba puniu os homossexuais com confinamento em campos de trabalho, hoje aceita os travestis como as demais pessoas. Curiosamente, a grande defensora dos homossexuais na ilha é Mariela Castro, 44 anos, filha de Raul Castro. Os travestis estão recebendo treinamento como conselheiros de Aids no Centro Nacional de Educação Sexual, que é dirigido por Castro. Embora o homossexualismo ainda seja proibido nas Forças Armadas, os camaradas travestis abordaram os relacionamentos que alguns deles mantinham com soldados. "Talvez aconselhamento nos quartéis seja necessário", disseram. A ortodoxia cede. Mas a melhor e mais insólita notícia que os jornais me trazem veio da islâmica Nigéria. Em abril passado, um grupo de cinco lésbicas fugiu do país depois que uma delas se casou com as outras quatro, contrariando os preceitos da Sharia, a lei islâmica. Aunty Maiduguri e suas quatro esposas teriam fugido para um lugar desconhecido no dia seguinte ao casamento. O grupo Hisbah, de voluntários que fiscalizam o cumprimento da Sharia, disse que o casamento foi inaceitável. Para que o exemplo não vingue, o teatro onde a cerimônia ocorreu, na cidade de Kano, foi demolido por ordem das autoridades. Aunty, além de coragem, deve ter senso de humor. Afinal, o Islã aceita que um homem se case com até quatro mulheres, desde que tenha condições de sustentá-las. Por analogia, Aunty concluiu que tinha o mesmo direito. Seu gesto, no infame universo islâmico, me soa mais ou menos como as palavras de Lúcifer: non serviam. Toda honra e toda glória a Aunty Maiduguri. sábado, junho 09, 2007
SOBRE MEU APREÇO PELAS PROSTITUTAS Não bastassem os cineastas e pessoal de teatro viverem às custas do contribuinte no Brasil, uma outra classe artística está demonstrando uma irrefreável vocação para o parasitismo estatal. A imprensa denunciou, há alguns meses, aqueles meninos da Vila Madalena que, entre uma cerveja e outra, tiveram a brilhante idéia de ter seus turismos na Europa e no mundo financiados pela renúncia fiscal. Tão jovens e tão corruptos. A grita foi geral e parece que desistiram dos benefícios da malsinada lei Rouanet, que se um dia pretendeu subsidiar a cultura, hoje está bancando até festivais de cerveja. Digo parece, pois neste país nada transparente, é difícil saber quando alguém está vivendo do próprio trabalho ou mamando nas generosas tetas do Estado. De qualquer forma, os escritores parecem ter gostado da idéia. Leio manchete no Estadão de hoje: ESCRITORES COBRAM INCENTIVO DO MINC Na linha fina: Movimento Literatura Urgente entrega a José Castilho série de propostas para democratizar o acesso ao livro Por democratizar o acesso ao livro, os escritores entendem financiamento estatal para seus delírios literários. Entre as propostas que embasam esta nobre e altruística intenção, está a criação do Fundo Nacional da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas e a destinação de 30% dele para ações de fomento à criação. A estimativa é de que o fundo chegue ao montante de R$ 45 milhões por ano. Para os 30% que reivindicam, os escritores propõem caravanas que levariam autores a universidades e escolas, além de bolsas, incentivo à publicação do primeiro livro, apoio a jornadas literárias e ainda um programa de compra direta de livros. O autor novo é um problema eterno. Não bastasse os autores novos pretenderem financiamento do primeiro livro, querem também turismo, boa restauração e venda forçada de seus livros. Pois bolsas e jornadas literárias não passam de turismo subvencionado. Quando há um encontro literário no mundo, quem mais ganha não é a literatura, mas hotéis e restaurantes. É claro que o escritor não vai pagar isto de seu bolso. Exige ser pago para exibir, ante uma platéia de basbaques, suas masturbações intelectuais. As notícias de que o muro de Berlim caiu e o socialismo desmoronou não parecem ter chegado ao Brasil. Isso de o Estado subvencionar escritores é coisa de comunista. Subvenciona e ao mesmo tempo controla. É óbvio que um escritor que conteste o poder vigente ou a mentalidade de sua época jamais será convidado para publicar um primeiro livro, participar de encontros literários e muito menos terá sua obra incluída nas leituras obrigatórias dos currículos escolares e universitários. Os novos candidatos a escritores, antes mesmo de entrar no ofício, já põem suas almas em leilão. Nem se preocupam em que sua literatura venda. O que importa é que o Estado os pague. Tenho mais apreço pelas prostitutas. Se vendem o corpo, pelo menos preservam a alma. |
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