¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, setembro 30, 2007
 
VOLTA AO CATECISMO, REINALDO!



A vida tem me ensinado que o mundo está cheio de pessoas que se dizem adeptas do marxismo, catolicismo, espiritismo e outros ismos, mas sequer sabem do que estão falando. Dizem-se marxistas, católicas ou espíritas, porque acham que em algo devem crer. Suas vagas noções destas doutrinas decorrem de toscos catecismos. Ora, catecismos são escritos para catecúmenos, aqueles que se preparam para receber o batismo. Catecismos não podem embasar uma fé adulta. Há católicos que jamais leram a Bíblia e tampouco conhecem a história ou o magistério da Igreja, há marxistas que jamais leram Marx e espíritas que jamais leram Allan Kardec.

O pior é constatar a existência de supostos intelectuais, que se pretendem católicos e não assimilaram sequer o catecismo. É o caso do cronista tucanopapista Reinaldo de Azevedo. Que escreve hoje em seu blog:

"Se você conhece mesmo Santo Tomás, sabe que ele jamais chamaria de ciência a concepção imaculada. Volte aos livros. O que é matéria de fé está fora do escrutínio científico. Mesmo as provas da existência de Deus, na Suma Teológica, são exercícios lógicos. Assim, em termos estritamente tomistas, Maria ter concebido virgem não pode jamais ser um 'absurdo' porque há uma condição anterior a qualquer verificação da experiência: 'é preciso crer'."

Eu já havia recortado a crônica do cronista tucanopapista para um comentário posterior, quando um leitor me alertou sobre a incongruência. Vamos então comentar logo.

Volta ao livros, Reinaldo! Ou melhor, volta ao catecismo. O aquinata jamais escreveria uma bobagem destas. A Imaculada Concepção nada tem a ver com virgindade. Se não conheces nem o catecismo, duvido que tenhas lido a Suma.

Imaculada Concepção significa apenas que Maria foi preservada do pecado original desde o primeiro instante de sua existência. Se era mãe do Cristo, que nascera sem a mancha do pecado original, ela também não poderia ter esta mancha. O dogma foi definido a 08 de dezembro de 1854, por Pio IX, na bula Ineffabilis Deus:

"Em honra da santa e indivisa Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a nossa, declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus e, portanto, deve ser sólida e constantemente crida por todos os fiéis".

Quanto à virgindade da Maria, é dogma bem mais antigo. Proclamada Theotokos - Mãe de Deus, em grego - pelo Concílio de Éfeso (431), no Concílio de Latrão (1649) Maria ganhou novos atributos. Disse o papa Martinho I:

"Se alguém não confessa de acordo com os santos Padres, propriamente e segundo a verdade, como Mãe de Deus, a santa, sempre virgem e imaculada Maria, por haver concebido, nos últimos tempos, do Espírito Santo e sem concurso viril gerado incorruptivelmente o mesmo Verbo de Deus, especial e verdadeiramente, permanecendo indestruída, ainda depois do parto, sua virgindade, seja condenado".

Ou seja, não bastou declarar a Theotokos virgem apenas antes do parto. Foi sempre virgem, isto é, antes do parto, no parto e depois do parto. Lendo sobre mitologia grega, na Encyclopédie des Religions, de Gerhard J. Bellinger, vejo que Héstia, primeira filha de Kronos e Rhéia, obtém de Zeus a graça de preservar eternamente sua virgindade. Nada se cria, tudo se copia.

Mas não era disto que pretendia falar. Em verdade, pretendia apenas alertar o cronista tucanopapista que ele precisa voltar urgentemente às aulas de catecismo, nas quais se explica muito bem o que é imaculada concepção de Maria e virgindade de Maria.

Volta às aulas, Reinaldo! Ateu, já começa a cansar-me dar lições de teologia a crentes.

 
ELZA PODE



No dia 24 de abril do ano passado, o professor de ciências políticas da Universidade de Brasília Paulo Kramer referiu-se a negros americanos como "crioulada". O episódio ocorreu durante uma aula de Teoria Política Moderna, ao explicar as políticas assistenciais implementadas nos Estados Unidos na década de 60: "Não adianta dar dinheiro para essa crioulada". Sete estudantes dos cerca de 20 que fazem parte da turma de TPM pediram o afastamento de Kramer ou a abertura de uma nova turma. Acusado de racismo, o professor Kramer acabou sendo condenado pela direção a trinta dias de suspensão, pena convertida em multa de R$ 1.750.

Nesta semana, dizia a cantora Elza Soares, na Folha de São Paulo: "Eu olho e não vejo minha família. Cadê a negrada? Ligo a TV e saltam uns olhos azuis em cima de mim". Imagine um branco falando em negrada em entrevista a um grande jornal. Dia seguinte, o Correio dos Leitores estará repleto de cartas de protestos. Sem falar em um eventual processo por racismo. Estamos chegando a um absurdo momento em que uma palavra, se dita por um branco é racismo, se dita por um negro não provoca reação alguma.

Eu, pessoalmente, já não falo em negrada. Prefiro afrodescendentada.

 
CARNE DE CRISTO
MAIS CARA NA FRANÇA




Leio no noticiário on-line que o aumento dos preços do trigo e das matérias-primas atingiu a Igreja Católica na França, que está pagando mais pelas hóstias que distribui em suas missas. Hóstias, para quem não lembra, é aquele pãozinho àzimo servido aos católicos durante o sacramento da comunhão. Uma vez consagrado pelo sacerdote, torna-se o corpo de Cristo, segundo doutrina límpida e inconteste do Concílio de Trento.

Segundo a edição de hoje do jornal Le Parisien, as carmelitas do departamento de Cher, no centro da França, que estão entre os maiores fornecedores de hóstias do país, elevaram em aproximadamente 25% o preço de um dos símbolos da comunhão com Cristo. Segundo uma das freiras, a congregação começou a fabricar hóstias em 1617 e que, atualmente, a produção encontra-se a cargo de uma comunidade de portadores de deficiência. "Nos demos conta de que, ultimamente, as revendíamos para a diocese a um preço abaixo daquele que pagávamos", disse a religiosa. A partir de agora, a hóstia reservada ao padre que celebra as missas será vendida às paróquias por 0,80 euro a unidade. Já o cento de hóstias pequenas subiu para 1,75 euro, enquanto o cento de hóstias destinadas a cerimônias excepcionais agora vai ser comercializado por 6,50 euros.

O dogma da transubstanciação, se foi aventado no concílio de Latrão (1215), só toma corpo no concílio de Trento (1551). Na encíclica Ecclesia de Eucharistia, no capítulo 1 § 15, lemos: "Pela consagração do pão e do vinho se opera a transformação de toda substância do pão na substância do corpo do Cristo nosso Senhor e de toda a substância do vinho na substância de seu sangue; esta transformação, a Igreja católica a chamou justa e exatamente de transubstanciação".

Donc, o aumento do trigo será obviamente repassado à carne do Cristo. Mais o valor agregado da consagração pelas mãos mágicas do sacerdotes da ordem de Melquisedec. A partir de amanhã, cada antropófago católico na França estará teoricamente pagando mais caro pelo produto. Mas não se preocupe. A Igreja fornece carne de Cristo gratuitamente ao consumidor final. O ônus é das paróquias. Quanto ao sangue, também não se preocupe em onerar as paróquias. Se você pertence a esta seita de hematófagos profissionais, continue bebendo sangue à vontade. O vinho não aumentou de preço.

sábado, setembro 29, 2007
 
ASSASSINO ENGANA SÉCULO



Na manhã do dia 09 de outubro de 1967, eu caminhava pela Rua da Praia em Porto Alegre, quando um advogado um tanto alucinado me abordou:

- É ele. Não há dúvidas. Viste os olhos?

Sem me dar tempo de falar, o amalucado seguiu em frente. Eu não havia visto olhos alguns, aliás não havia visto nada. Só entendi o que o angustiado rábula dizia quando vi as manchetes dos jornais. Che Guevara havia sido morto no dia anterior. De lá para cá, foram décadas de culto. A foto feita por Korda, que o assimilava a Cristo, foi certamente o ícone mais cultuado nestas últimas décadas. Em um passe de mágica, por obra de um fotógrafo, o celerado virou santo. E não falo por metáforas. Morto em odor de santidade, o guerrilheiro foi cultuado na Bolívia, como San Ernesto de la Higuera.

Em 18/06/99, escrevi:

"Se este foi o século do comunismo, pelas mesmas razões foi o século do culto aos fracassados. Particularmente nesta América Latina, onde a figura do herói coincide com a dos derrotados pela História. Você quer um manual do fracasso? Leia qualquer uma das dezenas de biografias de Che Guevara. Fracassou em todos os países onde lutou. Só venceu uma batalha: a da instauração em Cuba da mais longa ditadura do continente e do mundo contemporâneo. Teve sorte: morreu em odor de santidade. E até hoje sua efígie - xerox contemporâneo de um Cristo armado - permanece como bandeira e cartilha do subdesenvolvimento".

Leio na edição desta semana de Veja: "exceto na revolução cubana, sua vida foi uma seqüência de fracassos. Como guerrilheiro, foi derrotado no Congo e na Bolívia". Foi necessário transcorrer quatro décadas após a morte de Che, para que um órgão da grande imprensa brasileira titulasse em sua capa:

CHE, A FARSA DO HERÓI

Melhor que nada. Há dez anos, jornal algum no Brasil ousaria assim tratar o santo. Guevara era o mártir da libertação da América Latina e de todos os oprimidos do mundo. No fundo, não passava de um assassino de gatilho fácil. Que iludiu inclusive críticos ferrenhos do marxismo. Entre eles, Ernesto Sábato. Em novembro de 1967, em discurso proferido na Universidade de Paris, Sábato via no guerrilheiro o homem que encontrou a morte combatendo não somente pela elevação do nível de vida dos povos miseráveis, mas também por um ideal mais valioso, pelo ideal de um Homem Novo:

"Assim acabou a vida do comandante Guevara. Indefeso, após sofrer horas intermináveis com muitas balas em seu corpo enfermo, sem médico, com a asma que agravava de modo insuportável sua dor. Houve um latino-americano suficientemente covarde para aproximar-se daquele corpo dorido, com a suficiente coragem para sacar o revólver diante de seus olhos, dirigi-lo ao coração e disparar esse balaço miseravelmente histórico. Jamais saberemos o que disse Ernesto Guevara nesses momentos, mas podemos imaginar que seu olhar foi muito triste. Não por sua esperada morte, mas pelo fato de ter-lhe sido dada de tal forma e por um boliviano. Não por um ranger dos Estados Unidos, mas por alguém que de certa forma era seu próprio irmão".

Mais tarde, em Abadón, o Exterminador, o escritor argentino faz a hagiologia de seu conterrâneo, desenvolvendo a saga do Che, através do personagem Palito, suposto companheiro de armas do guerrilheiro. Sábato mescla história e ficção. Boa parte de seu relato está baseado no diário de campanha de Inti Peredo. Em carta de despedida a Fidel, diz Guevara:

"Outras terras do mundo reclamam o concurso de meus modestos esforços. Posso fazer o que te está negado por tua responsabilidade à frente de Cuba e chegou a hora de separarmo-nos. Deixo aqui o mais puro de minhas esperanças de construtor e o mais querido entre meus seres queridos. Libero Cuba de qualquer responsabilidade, salvo a que emana de seu exemplo. Se a hora definitiva me chegar sob outros céus, meu último pensamento será para ti, Fidel".

Comovente. Pelo menos para quem desconhece História. Abadon traz ainda a transcrição de um outro trecho de carta, esta endereçada a seus pais, que evidencia o caráter romântico e quixotesco do empreendimento do guerrilheiro:

"Queridos velhos: sinto outra vez sob meus talões o costilhar do Rocinante, volto à estrada com minha adarga no braço. Há coisa de dez anos, escrevi-lhes outra carta de despedida. Segundo recordo, lamentava-me de não ser melhor soldado e melhor médico. O segundo já não interessa, médico não sou dos piores... Pode ser que esta seja a definitiva. Não a busco, mas está dentro do cálculo lógico. Se é assim, vai um último abraço. Sempre os quis muito, só que não soube expressar meu carinho. Sou extremamente rígido em minhas ações e creio que às vezes não me entenderam. Por outro lado, não era fácil entender-me. Creiam-me, pelo menos hoje".

A evocação de Palito, no romance de Sábato, mostra um homem que acredita mais no moral e na disciplina que no poder das armas. Um guerrilheiro deve manter a decisão de combater seus ideais até a morte. Esta disciplina não é a dos quartéis, mas a de "homens que sabem pelo que lutam e que sabem que isso é grande e justo". À noite, segundo o relato de Palito, Che dava um curso de francês:

"Não é uma questão de dar tiros, dizia, só de dar tiros. Algum dia vocês terão de ser dirigentes, se triunfarmos nesta guerrilha. O dirigente, dizia, tem de ter não só coragem, tem que se desenvolver ideologicamente, tem de ser capaz de análises rápidas e de decisões justas, tem de ser capaz de fidelidade e disciplina. Mas, principalmente, dizia, tem de constituir o exemplo de homem que queremos em uma sociedade justa".

Palito confessa não compreender muito bem o que Che queria dizer "homem novo". Deduzia que deveria ser mais ou menos como o Che: "com espírito de sacrifício pelos outros, com coragem e ao mesmo com compaixão e..." O companheiro de armas de Guevara hesita. Mas acaba fazendo uma descrição quase evangélica do Che:

"Dizia que não se podia lutar por um mundo melhor sem isso, sem amor pelo homem e que isso era uma causa sagrada, não uma simples questão de palavras, que a cada dia, a cada hora, tinha-se de prová-lo. Muitas vezes o vimos tratar sem rancor soldados que pouco antes haviam atirado para matar, como curava suas feridas, mesmo gastando os medicamentos que para nós eram escassos".

Em suma, um santo. Hoje, sabemos que era um assassino frio. Sábato, ex-comunista que denunciou com vigor o comunismo e o stalinismo, tinha profunda admiração pelo assassino... comunista. Chegou inclusive a trocar afável correspondência com Guevara. Em entrevista que me concedeu em sua casa em Santos Lugares, disse Sábato:

- Devo esclarecer, no entanto, algo que para mim é importante: sempre respeitei os comunistas que, por sua candidez ou sólida fé acreditaram no regime soviético, os que sofreram prisão e torturas, os que lutaram com boa fé por seus ideais. Por isso - fato que enalteci em dois de meus livros - admiro e continuo admirando Che Guevara, que foi acima de tudo e de seu marxismo, um grande idealista, um personagem quixotesco que, como diria Rilke, teve sua morte pessoal na selva boliviana, após ter abandonado a burocracia cubana. Um herói, e sempre temos de nos erguermos ante um herói que morre por ideais.

Esta imagem difundida por Sábato difere um pouco do guerrilheiro que, em janeiro de 1957, escrevia à sua mulher: "Estou na selva cubana, vivo e sedento de sangue". Também difere do homem que, em 11 de dezembro de 1964, disse na assembléia-geral da ONU: "Fuzilamos e seguiremos fuzilando enquanto for necessário. Nossa luta é uma luta até a morte". Em maior de 1967, na revista cubana Tricontinental, Che escrevia: "O ódio intransigente ao inimigo converte o combatente em uma efetiva, seletiva e fria máquina de matar. Nossos soldados têm de ser assim".

Se o celerado argentino conseguiu enganar um escritor lúcido, não é de espantar que tenha enganado gerações e gerações de basbaques durante décadas. E ainda continuará enganando. O frio assassino não enganou apenas Sábato, mas o século todo. Foi preciso que o Muro fosse derrubado, que a União Soviética desmoronasse, que o socialismo fosse desmoralizado internacionalmente como regime, foi preciso que ainda decorressem quase duas décadas mais para que jornalistas e escritores ruminassem a idéia do fracasso rotundo do marxismo, para que Veja produzisse a capa desta semana.

Antes tarde do que nunca. A impressão que fica é que, quarenta anos após sua morte, Che acaba de morrer de novo. Pelo menos para os desavisados.

Segue a correspondência, cheia de nobres propósitos, trocada entre Che e Sábato.

 
RESPOSTA DE CHE A SÁBATO



La Habana, 12 de abril de 1960.
Ano da Reforma Agrária

Sr. Ernesto Sábato
Santos Lugares – Argentina

Estimado compatriota:

Faz já uns quinze anos, quando conheci um filho seu, que já deve estar próximo dos vinte, e sua mulher, naquele lugar creio que chamado de Cabalango, em Carlos Paz, e depois, quando li seu livro Uno y el Universo, que me fascinou, não pensava que seria você - possuidor do que para mim era o mais sagrado no mundo, o título de escritor - quem me pediria com o andar do tempo uma definição, uma tarefa de reencontro, como você diz, baseada em uma autoridade abonada por alguns fatos e muitos fenômenos subjetivos.

Fixava estes relatos preliminares apenas para recordar-lhe que pertenço, apesar de tudo, à terra onde nasci e que ainda sou capaz de sentir profundamente todas suas alegrias, todas suas esperanças e também suas decepções. Seria difícil explicar-lhe porque "isto' não é Revolução Libertadora: teria talvez de dizer-lhe que nela vi as aspas nas palavras que você denuncia nos dias em que se iniciava e eu identifiquei aquela palavra com o que havia acontecido em uma Guatemala que acabava de abandonar, vencido e quase decepcionado. Como eu, estávamos todos os que tivemos uma primeira participação nessa aventura estranha e os que fomos aprofundando nosso sentimento revolucionário no contato com as massas camponesas, em uma profunda interrelação, durante dois anos de lutas cruéis e trabalhos realmente grandes.

Não podíamos ser "libertadora" pois não fazíamos parte de um exército plutocrático mas sim um novo exército popular, levantado em armas para destruir o velho; e não podíamos ser "libertadora" porque nossa bandeira de combate não era uma vaca mas, em todo caso, um aramado de cerca latifundiária destroçado por um trator, como é hoje a insígnia de nosso INRA. Não podíamos ser "libertadora" porque nossas empregadinhas choraram de alegria no dia em que Batista se foi e entramos em La Habana. Hoje elas continuam dando testemunho de todas as manifestações e de todas as ingênuas conspirações da gente do Country Club, que é a mesma gente que você conheceu lá e que foram às vezes seus companheiros de ódio contra o peronismo.

Aqui, a forma de submissão da intelectualidade tomou um aspecto muito menos sutil do que na Argentina. Aqui, a intelectualidade era escrava mesmo, não disfarçada de indiferente, como lá, e muito menos disfarçada de inteligente. Era uma escravidão simples, posta ao serviço de uma causa de opróbrio, sem complicações; vociferavam, simplesmente. Mas tudo isto não é mais que literatura. Remetê-lo, como você fez comigo, a um livro sobre a ideologia cubana, é remetê-lo um ano a frente. Hoje posso apenas mostrar, talvez com um intento sério, mas sumamente prático, como são nossas coisas de empíricos inveterados, este livro sobre a Guerra de Guerrilhas. É quase como uma demonstração pueril de que sei colocar uma palavra atrás da outra. Não tem a pretensão de explicar as grandes coisas que lhe inquietam e talvez nem mesmo pudesse explicá-las esse segundo livro que penso publicar, se as circunstâncias nacionais e internacionais não me obrigarem novamente a empunhar um fuzil (tarefa que desdenho como governante mas que me entusiasma como homem amante de aventura). Antecipando-lhe aquilo que pode vir ou não (no livro), posso dizer-lhe, tentando sintetizar, que esta Revolução é genuína criação da improvisação.

Em Sierra Maestra, um dirigente comunista que nos visitara, admirado com tanta improvisação e de como se ajustavam todas as peças que faziam funcionar por sua conta uma organização central, dizia que era o caos mais perfeitamente organizado do universo. Esta Revolução é assim porque caminhou muito mais rápido que sua ideologia anterior. Ao fim e ao cabo, Fidel Castro era um aspirante a deputado por um partido burguês, tão burguês e tão respeitável como podia ser o Partido Radical na Argentina. Que seguia os rastros de um líder desaparecido, Eduardo Chibás, com características que poderíamos julgar parecidas às do próprio Yrigoyen. Nós, que o seguíamos, éramos um grupo de homens com pouca preparação política, apenas uma carga de boa vontade e uma ingênua honradez. Assim chegamos gritando: "Em 56, seremos heróis ou mártires". Um pouco antes havíamos gritado, ou melhor, Fidel havia gritado: "Vergonha contra dinheiro". Sintetizávamos em frases simples nossas atitudes também simples.

A guerra nos revolucionou. Não há experiência mais profunda para um revolucionário que o ato da guerra; não o fato isolado de matar, nem o de portar o fuzil ou estabelecer este ou aquele tipo de luta. É a totalidade do fato guerreiro, o saber que um homem armado vale como uma unidade combatente, vale tanto quanto qualquer homem armado e já pode não mais temer outros homens armados. Ir explicando, nós, os dirigentes, aos camponeses indefesos, como podiam apanhar um fuzil e demonstrar àqueles soldados que um camponês armado valia tanto quanto o melhor dentre eles. Ir também aprendendo como a força de um só não vale nada se não está rodeada da força de todos. Ir aprendendo, assim mesmo, como as diretrizes revolucionárias têm de responder a palpitantes anseios do povo. Ir aprendendo a conhecer o povo, seus anseios mais profundos, e convertê-los em bandeira de agitação política. Nós todos fizemos isso e compreendemos que a ânsia do camponês pela terra era o mais forte estímulo de luta que se podia encontrar em Cuba. Fidel entendeu muitas coisas mais; desenvolveu-se como o extraordinário condutor de homens que é hoje e como o gigantesco poder aglutinante de nosso povo.

Pois Fidel, sobre todas as coisas, é o aglutinante por excelência, o condutor indiscutido que suprime todas as divergências e destrói com sua desaprovação. Utilizado muitas vezes, desafiado outras, por dinheiro ou ambição, é sempre temido pelos seus adversários. Assim nasceu esta Revolução, assim foram sendo criadas suas diretrizes e assim foi-se teorizando sobre fatos, pouco a pouco, para criar uma ideologia que vinha atrás dos acontecimentos. Quando lançamos nossa Lei de Reforma Agrária em Sierra Maestra, há tempos haviam sido feitas repartições de terras no mesmo lugar. Após compreender na prática uma série de fatores, expusemos nossa primeira tímida lei, que não se aventurava no mais fundamental, a supressão dos latifundiários.

Não fomos demasiado maus para a imprensa continental por duas causas. Primeiro, porque Fidel Castro é um político extraordinário que nunca mostrou suas intenções além de certos limites e soube conquistar para si a admiração de certos repórteres de grandes empresas que simpatizavam com ele e utilizavam o caminho fácil na crônica de tipo sensacionalista. Segundo, simplesmente porque os norte-americanos, que são os grandes construtores de testes e padrões para medir tudo, eliminaram sua pontuação e o catalogaram.

Segundo seus documentos oficiais, onde dizia nacionalizaremos os serviços públicos, devia-se ler: evitaremos que isto aconteça se recebermos um razoável apoio. Onde dizia liquidaremos o latifúndio, devia-se ler utilizaremos o latifúndio como boa base para tirar dinheiro para nossa campanha política ou para nosso bolso, e assim sucessivamente. Jamais passou-lhes pela cabeça que o que Fidel Castro e nosso movimento disseram tão ingênua e drasticamente fosse a verdade do que pensávamos fazer. Constituímos assim o grande engodo deste meio século: dissemos a verdade parecendo tergiversá-la. Eisenhower diz que traímos nossos próprios princípios. É parte de sua verdade: traímos a imagem que eles fizeram de nós, como no conto do pastorzinho mentiroso, mas ao revés, e mesmo assim ele não acreditou em nós.

Assim estamos agora, falando uma linguagem que também é nova, porque seguimos caminhando muito mais rápido do que podemos pensar e estruturar nosso pensamento, estamos em um movimento contínuo e a teoria vai caminhando muito lentamente, tão lentamente que, após escrever este manual que lhe envio, nos pouquíssimos momentos de que disponho, achei que praticamente não serve para Cuba. Para nosso país, no entanto, pode servir: basta usá-lo com inteligência, sem precipitações nem artifícios.

Enquanto vão-se agudizando as situações externas e a tensão internacional aumenta, nossa Revolução, por necessidade de subsistência, deve se aguçar e, cada vez que a Revolução se aguça, aumenta a tensão e esta deve aguçar-se uma vez mais, em um círculo vicioso que parece ir se estreitando cada vez mais até romper-se; veremos então como sairemos do atoleiro. O que posso lhe assegurar é que este povo é forte, pois lutou e venceu e sabe o valor da vitória. Conhece o sabor das balas e bombas e também o sabor da opressão. Saberá lutar com uma inteireza exemplar. Ao mesmo tempo, asseguro-lhe que, naquele momento, embora eu agora faça uma tímida tentativa em tal sentido, teremos teorizado muito pouco e deveremos resolver os acontecimentos com a agilidade que a vida guerrilheira nos deu.

Sei que nesse dia sua arma de intelectual honrado disparará contra o inimigo, nosso inimigo. e que poderemos tê-lo presente e lutando conosco. Esta carta foi um pouco longa e não está isenta dessa parte de pose que gente simples como nós se impõe, ao tratar de demonstrar ante um pensador que somos também isso que não somos: pensadores. De qualquer forma, estou a sua disposição.

Ernesto Che Guevara

 
CARTA DE SÁBATO AO CHE



1º de fevereiro de 1960

Comandante Ernesto Guevara
La Habana - Cuba

Admirado Guevara:

Em sua viagem a Buenos Aires, o jornalista R. Walsh nos explicou minuciosamente e com entusiasmo a façanha que vocês levaram a cabo. Durante mais de cinco horas, em minha casa de Santos Lugares, onde eu havia reunido um grupo de amigos, dissipou uma quantidade de mal-entendidos que confundem a opinião pública deste país.

É precisamente este fato o que me induz a escrever-lhe esta carta para que você, como um dos chefes da revolução cubana e em sua condição de argentino possa ajudar a uma melhor compreensão do problema que mutuamente nos atinge e para que o movimento cubano alcance em nossa pátria a repercussão popular que deveria ter. Esquematicamente, o problema tem os seguintes aspectos que requerem uma análise (Para um exame mais circunstanciado, me permito remeter-lhe El otro Rostro del Peronismo, que publiquei em 1957):

1. A revolução cubana foi saudada como alvoroço pela totalidade da oligarquia argentina, que nela via a continuação ou o equivalente da revolução de 1955 contra o peronismo. O uso abstrato e equívoco de palavras como "liberdade" e "tirania" deu este resultado paradoxal. A mesma causa que levou tantos intelectuais argentinos a situar-se contra o autêntico povo argentino.
2. Como conseqüência inevitável do fato anterior, a imensa maioria do povo trabalhador tomou posição contra vocês. Pode-se ler nos bairros operários da grande Buenos Aires enormes cartazes que dizem: "Viva Perón, morra Fidel Castro".
3. Com o desenvolvimento dos acontecimentos cubanos, sobretudo com a aplicação de medidas sociais e "comunistas", as senhoras de nossa oligarquia e os pró-homens de nossa democracia temem cada vez mais ter-se equivocado e já se pode ouvir muitos deles dizer que Castro continua sendo, por antonomásia, um libertador do mesmo gênero que o almirante Rojas. Vinculado a este fenômeno de definição, é fundamental o que ocorre com um personagem como Jules Dubois, que já cantou em Cuba ou para Cuba a mesma hipócrita cantilena sobre a "liberdade de imprensa".

Como foi possível chegar-se a uma situação tão equívoca e inclusive paradoxal? A análise nos levaria muito longe e não vale a pena ser feita aqui, sobretudo porque, embora sumariamente, já a fiz no folheto que lhe envio por este mesmo correio. Embora mantenha nesse ensaio algumas posições que superei ou retifiquei posteriormente, permanecem válidas em essência as reflexões que faço sobre o sentido de palavras-chave como liberdade, esquerda, democracia e revolução. A história é desgraçadamente impura e amiúde nos valemos de vocábulos que foram superados e até mesmo invertidos pelo processo histórico. Mas a força das palavras é tão grande (quase diria tão mágica) que prevalecem muitas vezes sobre os próprios e evidentes fatos. Quando, na época de nossa famosa Unión Democratica, tantos intelectuais de "esquerda" marchávamos ao lado de conservadores como Santamaria e senhoras da sociedade, deveríamos ter suspeitado de que algo estava funcionando mal.

Quando, nos momentos em que produzia a revolução de 1955, vi modestas empregadinhas chorando em silêncio, pensei (por fim) que as árvores nos haviam impedido de ver o bosque e que os afamados textos em que havíamos lido sobre revoluções quimicamente puras nos haviam impedido de ver com nossos próprios olhos uma revolução suja (como sempre são os movimentos históricos reais) que se desenvolvia tumultuosamente e ante nós mesmos.

Não creia, pois, Guevara, que estou lhe pedindo um exame ou reexame de nosso problema argentino: peço-lhe algo que muitos de nós estamos fazendo aqui com toda humildade. Você, como eu, foi um dos estudantes ou intelectuais de esquerda que rejeitaram a personalidade equívoca e demagógica de Perón. Com a diferença de que você logo se manteve longe de nossa realidade e nós, em troca, vivemos todo o processo, inclusive o revelador processo da "revolução libertadora" (neste país tudo começa com maiúsculas, passa logo a minúsculas e finalmente termina entre aspas). Quando os coronéis de extração nazista se encarregaram do governo em 1945, muitos de nós, antifascistas, repudiamos aquele golpe e, no que a mim diz respeito, devo dizer que fui expulso de minha cátedra e condenado à prisão por desacato. Este fato inicial talvez explique meu distanciamento sistemático de um processo que foi se tornando cada vez mais popular, até converter-se no processo social mais profundo que nossa pátria jamais experimentou.

Posso dizer em meu favor, no entanto, que nunca fui um antiperonista do mesmo gênero que poderia sê-lo. digamos, Victoria Ocampo. Recordo ter discutido com ela (a quem respeito como pessoa e como escritora), em pleno regime peronista, em presença do arqueólogo inglês Lawrence, sobre a essência do peronismo, mantendo naquela áspera discussão as linhas fundamentais que agora lhe explico.

Deve-se a isso o fato de não ter tomado contra o peronismo a posição de nossa oligarquia e da imensa maioria de nossos escritores e intelectuais. Sempre defendi ser mister distinguir entre a personalidade do líder e o movimento que objetivamente ocorreu à sua volta. Os fatos posteriores (relaxamento do regime, corrupção, perseguições iníquas, torturas) que culminaram finalmente com a ignóbil fuga de Perón, que não foi capaz de assumir ante seu povo o posto de chefe autêntico e valoroso, confirmaram uma idéia que era essencialmente correta.

Seja como for, o certo é que muitos como eu estivemos contra o peronismo, isto é, contra o povo trabalhador, apesar de pertencermos, por nosso "esquerdismo", a uma posição teoricamente populista. Agora, esclarecido pelo tempo todo aquele complexo fenômeno, muitos escritores começamos um processo de reajuste que, esquematicamente, consiste no seguinte: o movimento peronista teve aspectos negativos e mesmo nefastos do ponto de vista da dignidade humana (servilismo, corrupção, perseguição, torturas). A personalidade do general Perón continua sendo para nós tortuosa e corruptora. Mas o povo chamado peronista é o povo trabalhador e como ele devemos levar até suas últimas conseqüências o processo que nos dará a definitiva liberação econômica e política, assim como há de lançar as bases para a unidade do continente latino-americano, tal como Bolívar e San Martín o imaginaram e tal como as grandes potências o impediram até hoje.

Em tal perspectiva, é fácil notar a enorme transcendência que teria um reexame do movimento cubano em relação ao movimento popular na Argentina. Quem seria capaz de parar um processo combinado de tal envergadura? Você, Guevara, por sua decisão, por sua valentia, pela clareza de idéias que todos elogiam, pode ser um dos fatores decisivos deste reencontro.

Receba, junto à expressão de minha admiração mais profunda, minha fraternal saudação.

Ernesto Sábato
Santos Lugares, Argentina

 
JERICO RIDES AGAIN




Comentei o outro dia a absurda proposta de Nelson Jobim para resolver o problema de segurança aérea no país. O ministro, só porque é gordo e tem traseiro proporcional à grandeza do cargo que ocupa, teve uma idéia de jerico: aumentar o espaço entre os assentos. Pois bem, o jerico ataca de novo. Leio nos jornais que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou novas restrições para as operações no aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, que incluem a limitação de 130 passageiros nas aeronaves em pousos e decolagens.

Ora, as principais companhias aéreas do país utilizam modelos com capacidade superior a essa. O Airbus-A320 da TAM, por exemplo, tem 174 assentos. Cada avião decolará agora com 44 assentos vazios. Talvez seja difícil de calcular, mas não é difícil imaginar o gasto extra de combustível que um avião consome para levantar vôo com esse lastro inútil, 44 assentos mais o espaço necessário para sua instalação. Você já imaginou chegar num aeroporto e não conseguir embarcar em um avião que vai voar com 44 assentos vazios?

Se os aviões foram concebidos para decolar com 174 assentos, é porque podem decolar com 174 passageiros, ora bolas. A restrição do TRF não tem sentido. A menos que a EMBRAER esteja cogitando de colocar no mercado uma aeronave com exatamente 130 assentos e queira forçar sua venda. Mas esse não é o caso. É idéia de jerico mesmo.

sexta-feira, setembro 28, 2007
 
AINDA O MARXISMO NA EDUCAÇÃO




Caro Janer,

Não é de agora que a educação brasileira - não só na área das chamadas ciências sociais - é pautada pelo marxismo. Isso é coisa antiga. O que tivemos, mais recentemente (últimos trinta anos), foi um predomínio do marxismo e a exclusão das demais "teorias". Mas isso não representou uma ruptura metodológica, pois a construção imaginária central, a idéia que o Brasil tem de si mesmo, já vinha de muito tempo e foi mantida - "agora sob nova direção". O marxismo apenas "modernizou" um discurso velho.

Não é um acidente o fascínio que a intelligentsia brasileira sente pelo marxismo. Muito antes de se tornar marxista, o Brasil sempre foi anticapitalista, na medida em que o capitalismo só prospera, de fato, onde encontra uma certa ética do trabalho e onde a liberdade individual é um valor respeitado. O Brasil ama o Estado e abomina a livre-concorrência. Controlar, vigiar, traçar limites (sempre tendo o outro como objeto) são paixões que nos acompanham desde a Descoberta. A riqueza "exagerada" constitui para nós uma afronta - e só pode ser fruto do roubo, da pirataria. Os pobres são pobres porque foram pilhados pelos ricos. Muito antes que o marxismo desembarcasse em terras brasileiras, o catolicismo e, mais tarde, o positivismo já haviam lavrado profundamente nossa alma e nos haviam convencido das vantagens do anti-individualismo e do planejamento de toda a vida social. Estávamos preparados para desconfiar dos que pretendem se diferenciar do rebanho e para desejar que nossa vida fosse objeto da mais completa regulamentação, de modo a impedir que o acaso, a imprevidência, a sorte, etc., pudessem de algum modo interferir no planejamento estatal, pois só o Estado Racional e Benfeitor poderia assegurar a felicidade para todos.

O marxismo completou essa obra imemorial emprestando-lhe "profundidade filosófica" e fornecendo-lhe um discurso "moderno" que satisfazia nosso fascínio pela última moda. Na verdade, porém, "praticar" o marxismo e filosofar em alemão foi apenas a maneira "bacana" que encontramos de preservar tradições ancestrais. Para se instalar entre nós, o marxismo teve que se curvar às exigências da "alma brasileira". Abriu mão de qualquer rigor teórico, perdeu o gume "radical" e deixou-se absorver numa pasta informe de estatismo, anti-individualismo, populismo, teologia da libertação, terceiromundismo, etc. Assim como o getulismo não era fascismo, também o petismo não é marxismo. É só um destilado daquelas influências.

A rigor, é isso - petismo, lulismo, terceiromundismo - que se ensina hoje nas escolas. Um pasta ideológica de quinta categoria. Mas com séculos de tradição...

Abraço.

Odilon Toledo

 
O AVIÃO DO APEDEUTA



Sempre que falo no Aerolula - avião que o Supremo Apedeuta comprou por vaidade pessoal, como se fosse um sultão do Brunei Darussalam - não falta petista que me conteste, dizendo que estou usando de malícia, afinal o avião é nação brasileira. Parece que não é bem assim. Ouço notícia no Bandnews, sobre a inauguração feita por Lula de uma nova pista no aeroporto internacional de Cabo Brio. A manchete é:

Avião presidencial só pousa em aeroporto seguro

Não foi bem isso o que o Apedeuta disse. Vai ver que o redator quis ser gentil. O que ele disse, com todas as letras, foi: “O pessoal que cuida do meu avião só pousa em aeroporto seguro. É por isso que estou pousando aqui.”

Ou seja, os petistas podem achar que o avião pertence à nação. A ótica de Lula é outra. O avião pertence a ele. “O meu avião”, disse. Disto já sabíamos. O problema é outro: o avião presidencial só pousa em aeroporto seguro. Quanto aos demais, tanto faz como tanto fez se pousarem em aeroportos inseguros.

Passageiros da TAM, penhorados, agradecem.

 
CALIL DÁ DUAS DICAS



Caríssimo Janer,

Escrevo para congratular-te pelo teu último post no blog, a respeito do restaurante Salommão. Não conhecia, mas já o incluí na lista de restaurantes em São Paulo a visitar.

E antecipaste um pedido meu que estava na minha cabeça há dias: falar sobre lugares agradáveis em São Paulo. Claro que nossos cafés e restaurantes não possuem o mesmo charme milenar de suas contrapartes européias, mas também temos coisa boa por aqui.

A rua Avanhandava, que abriga os famosos Gigetto e Famiglia Mancini, passou por reforma relativamente recente e transformou-se num exuberante boulevard. Vale a visita - se é que já não estiveste por lá.

Deixo também duas dicas que podem te agradar:

Espaço Santa Terra (http://www.minharua.com/esantaterra.html)

Fica em Perdizes e quem passa na rua não o vê, pois ele fica ao fundo de uma entrada estreita, um corredor de lojas. Antes de chegar ao restaurante, passa-se inclusive por uma loja de vinhos - ótima idéia. Lá dentro é fantástico e sua descrição do Salommão remeteu-me ao Santa Terra, pois no fundo há um belo jardim onde as mesas ficam dispostas. Almoça-se ao vento, sob as árvores e sequer nota-se o barulho da rua. Publiquei a sugestão em meu blog e moradores de Perdizes me enviaram e-mail agradecendo a dica, pois nem eles conheciam o lugar.

Villa da Mooca (http://www.villadamooca.com.br/)

Fica no meu bairro - que por sinal adoro -, a Mooca. É uma antiga vila de casas que foi transformada em restaurante (no site pode-se ver as fotos). Cada "casa" foi transformada em uma cozinha diferente, então pode-se provar de tudo, mas o forte mesmo são pizzas à noite. Ao fundo, no bar, há uma constante exposição de carros antigos. O dono, que também viaja bastante, é colecionador de carros.

Emílio Calil


Dois ou três comentários sobre as dicas do Calil:

A Avanhandava ficou realmente aprazível após a reforma do Mancini. É um oásis em um centro bastante deteriorado. O Famiglia Mancini é muito agradável, mas tem dois problemas, as filas e a fartura dos pratos. Sábados e domingos, conforme a hora em que você chega, espera-se uma ou duas horas na fila. Parece que os paulistanos adoram isso. Eu não. Em todo caso, há solução: chegue lá pelas quatro da tarde. Aí já não há filas e você já nem precisa jantar. Segundo problema, a fartura dos pratos. Um prato serve fartamente três pessoas, e mesmo quatro, se os comensais não são de muito comer. Se for ao Mancini, leve reforços. É o restaurante onde costumo levar amigos que chegam de outras cidades.

Quanto ao Gigetto, nas duas últimas vezes que estive lá, saí frustrado. A cozinha está decadente, as carnes estão assadas demais. O cotechino - ou codeguim, como se diz por aqui -, que era um dos bons momentos do restaurante, saiu do cardápio. Há um certo ar de aviso prévio no restaurante. É uma pena, era um dos bons endereços gastronômicos de São Paulo.

Quanto ao Santa Terra e ao Villa da Moca, qualquer dia vou conferir. Mas já vejo dois senões. Primeiro, o buffet do Santa Terra. Não sou muito chegado a buffets. Considero que o melhor da refeição é o vinho e o ambiente de buffets não é muito propício ao lento degustar deste filho do sol e da terra. Os buffets são hoje vistos como um achado contemporâneo. Em verdade, são um retrocesso aos primórdios da restauração, no século XVIII, quando as estalagens ofereciam uma table d'hôte, isto é, uma mesa com as comidas dispostas em cima, onde os hóspedes se serviam à vontade.

O restaurante, como hoje o concebemos, surgiu como uma sofisticação da table d'hôte. Escreve Rebecca L. Spang, em The Invention of the restaurant (já traduzido no Brasil): No restaurante, o cliente, homem ou mulher, desfrutava de um novo tipo de atendimento personalizado, que raramente (ou nunca) teria encontrado antes, de forma que, mesmo quando os restaurantes começaram a servir refeições completas, eles não se assemelhavam em praticamente nada a uma estalagem, taberna ou casa de pasto. Pelo contrário, o restaurante deu novo significado às emoções, expressões e ações individuais e elaborou toda uma nova lógica de sociabilidade e convivência".

Sem falar que gosto muito de ser servido. Mas acho que vale uma visita pelas árvores. Se a carta de vinhos for estimulante, dá pra enfrentar. É curioso: durante uns quatro anos, nadei em uma academia nas proximidades da Turiassu, e nunca notei o Santa Terra.

Em segundo lugar, os eventos do Villa da Moca. Não suporto eventos. O infâme que um dia bolou a idéia de eventos deveria ter seu nome divulgado para eterna execração dos homens de bom gosto. Os eventos perturbam a tranqüilidade que deveria caracterizar as boas casas de Kakfa.

De qualquer forma, a conferir, Calil. Grato.

quinta-feira, setembro 27, 2007
 
CHEZ SALOMMÃO



Terei um dia feliz, escrevi em minha última postagem. E o tive.

Quem me acompanha sabe de meu apreço por cafés e restaurantes. Neles vivi boa parte de minha vida. Nos últimos quinze ou vinte anos, tenho viajado fundamentalmente para revisitar meus cafés e restaurantes na Europa. São um dos grandes achados da humanidade. Se você quer reunir amigos e sua casa é pequena ou por demais modesta, você os convida para essas salas de visita sempre abertas e que, conforme o local escolhido, podem ser belíssimas. Você está viajando por países longínquos, não conhece ninguém e quer comer e beber, ver gente e confraternizar? É simples, basta escolher um café. Lá está uma equipe de profissionais, cozinheiros e garçons, esperando-o desde sempre, para recebê-lo como se fosse alguém da família. Desde que o país tenha cafés, é claro, pois os há que não têm. Estes, meus pés jamais pisarão.

Kafka, em algum lugar de sua obra, falava de uma casa onde as pessoas podem entrar sem ser convidadas, ficar quanto tempo quiserem e sair quando bem entenderem. Respeitado os horários de fechamento, estas casas não são coisas do universo kafkeano. Estão aí, ao alcance de nossos passos. Tudo isto para dizer que tive hoje um almoço magnífico em uma dessas casas de Kafka que surgiu em meu bairro, em março passado. É o Salommão, na Angélica, próximo à Paulista.

A instalação é um achado. É um casarão de fins do século XIX, projetado e construído por um marceneiro artesão que chegou a São Paulo em 1890. Na entrada tem um comprido e aprazível misto de jardim e pomar, onde você pode comer ou beber sob as árvores, junto ao ruído cristalino de uma fonte e com passarinhos cantando sobre sua cabeça. As salas, de um pé direito mais que confortável, transpiram antiguidade. Quando entrei lá pela primeira vez, pensei com meus botões: quem concebeu este ambiente é gente que viaja. Só quem viaja é capaz de criar algo assim.

Em outra ocasião, a noite estava fria e sobre cada cadeira havia um cobertor. Aí concluí definitivamente que os proprietários tinham dado várias voltas ao mundo. Brasileiro sedentário não concebe isso. Cobertores nas cadeiras, eu os vi pela primeira vez em Estocolmo. Com um detalhe: era verão.

Almocei lá hoje, dizia. Música de fundo, a belíssima Khaterine Jenkins. Como sempre chego um pouco fora de horas nos bares, acabei ficando sozinho com aquele jardim todo meu, a passarada cantando e la Jenkins embalando minhas leituras. Conversei rapidamente com os proprietários, a Vera, a Telma e o Daniel. De fato, eram pessoas que viajavam. Os cobertores, Telma os vira em Helsinki. Vera os vira no Texas.

Para quem quiser ter uma idéia de onde almocei hoje:
http://www.guiadasemana.com.br/detail.asp?/Salommao_Bar/NOITE/SAO_PAULO/&a=
1&ID=8&cd_place=25295&cd_city=1

E para quem quiser ouvir uma mostragem da diva que embalou meu almoço:

http://www.youtube.com/watch?v=5AaA2QR8tD8

http://www.youtube.com/watch?v=KHh8isGtB6w&NR=1

 
A MADALENA DE HARVARD E A
SECRETARIA DOS CEM DIAS




Alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo. A medida provisória que determinava a nomeação de Roberto Mangabeira Unger, para a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, foi rejeitada pelo plenário do Senado por 46 votos a 22. Outros 626 cargos em órgãos públicos que também constavam do texto da MP também foram extintos.

Mangabeira, o catedrático de Harvard que desancou Lula e mal recebeu convite para uma prebenda veio, qual cachorrinho abanando o rabo, lamber os pés do Apedeuta, tomou posse no cargo em 19 de junho. Ficou exatamente cem dias no cargo. No Planalto, há quem fale da Secretaria de Planejamento de Curto Prazo.

Nem tudo é notícia ruim na imprensa. Deus não joga, mas fiscaliza. Só de imaginar a cara de pânico do catedrático venal e vira-casaca e dos seiscentos aspones que perdem suas mordomias, terei um dia feliz.

quarta-feira, setembro 26, 2007
 
MARXISMO NA EDUCAÇÃO



De um leitor que prefere manter-se anônimo, recebi:

Já havia percebido há algum tempo as técnicas marxistas que os professores de história* tanto usam, mas, apesar das bobagens que escuto diariamente na sala de aula, entre as muitas das quais já reclamei estar cansado, a famigerada "a culpa é do capitalismo', sei que, ao menos nas escolas particulares, os alunos são altamente capitalistas - mesmo afirmando desejarem uma sociedade socialista.

E é fácil apontar o porquê: são poucos os que prestam atenção nas aulas. Ao menos isso é o que eu sou levado a pensar tendo em vista que, mesmo tendo um professor de estória obviamente bolchevique, nenhum de meus colegas - nem os mais inteligentes - haviam atentado para a doutrinação ideológica das aulas. E não é coisa difícil perceber os sinais de ideologização:

O professor aponta o liberalismo como uma "ideologia" por meio da qual os ricos só querem explorar os pobres, e se esquece de falar que nenhuma outra ideologia foi capaz de assegurar bem-estar e liberdade a tantas pessoas no mundo. Críticas gratuitas aos EUA, reclamações sobre a maneira que estamos perdendo nossas características culturais (graças à tal da globalização, aquele demônio), aulas de "economia" etc. Discursos sobre a maldade da zelite, sobre como a zelite domina a política de nosso país, sobre como o Cansei é um movimento golpista que só quer beneficiar o interesse da zelite, zelite, zelite ad infinitum.

Em uma das primeiras aulas do segundo ano o estoriador-revolucionário-dialético tratou de indicar dois livros. Quais? Não lembro muito bem os títulos, no entanto é óbvio que um era do conhecido grupo sertanejo Marx & Engels, e o outro era sobre globalização. No entanto, a gota d'água foi na última aula (que ocorreu hoje). O ideólogo do proletariado, ao início de todas as aulas, tratava de fazer um breve comentário sobre os noticiários da semana - aplicando o materialismo dialético, é claro - mas hoje ele se omitiu. Talvez seja porque em suas mãos estava uma Época - porque Veja é elitista e capitalista - na qual saiu uma matéria falando justamente acerca da influência marxista de nossos colégios. Será que ele se esqueceu, ou teve medo de instigar o debate?

A única coisa que me deixa realmente triste a respeito da situação não é o fato de crer que doutrinação esteja surtindo muito efeito entre a maioria, mas entre os alunos mais atenciosos, mais inteligentes e analíticos, que certamente mereciam coisa melhor que uma utopia furada que só serviu para gerar mortes e entravar o progresso no mundo.

*E para ser justo, não só os professores de história; português, redação e, veja só!, biologia também estão claramente contaminados pela ladainha esquerdista. Cada qual atacando com o que tem: subjetividade, debates ou ecochatice.

 
BAITA MACHO



O novo diretor da Polícia Federal Luiz Fernando Corrêa, que tomou posse no dia 03 deste mês, declarou em entrevista à Veja:

- No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso eu era o número 2 da superintendência do Distrito Federal. Na operação de desocupação da fazenda dele, quem deu a ordem de prisão dos sem-terra fui eu. Eu estava a serviço do FH? Não. Havia uma propriedade invadida e eu era o delegado da circunscrição.

Nestes dias em que só com ordem judicial se consegue expulsar os invasores de uma propriedade, causa espanto que a ordem de prisão dos invasores tenha sido dada por um delegado. Em um primeiro momento, há uma imprecisão nas declarações de Corrêa. A fazenda era dos filhos de Fernando Henrique, e não do próprio. Se pertencia à superintendência do Distrito Federal e a fazenda, em Minas, estava em sua circunscrição, esta deveria ser muito abrangente. Terá o delegado mandado prender todos os sem-terra das demais invasões de sua circunscrição? Não tenho notícias.

Agora, Corrêa é diretor da Polícia Federal. Quantas invasões de sem-terra ocorreram depois do dia 03 de setembro para cá? Não tenho idéia. Mas dia 20 passado, os sem-terra estavam invadindo a sede do Incra em Belém. O diretor da Polícia Federal mandou prender alguém? Não tenho notícias. Mandará prender invasores durante sua gestão na Polícia Federal?

Duvido. O repórter perdeu uma bela oportunidade de fazer esta pergunta.

 
NUNCA É TARDE PARA SER CHAPA-BRANCA



Antes mesmo de a nova TV Pública ser criada, seu presidente já foi anunciado. Será a colunista de política do jornal O Globo, Teresa Cruvinel. A indicação, que estava sendo negociada entre Teresa e o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Franklin Martins, foi confirmada na noite de hoje pela própria jornalista. É no mínimo curiosa esta boa relação entre jornalistas do Globo e seqüestradores de embaixadores.

Jornalista, não desista. Nunca é tarde para ser chapa-branca.

terça-feira, setembro 25, 2007
 
SOBRE GUERNICA



Que Guernica é uma farsa, basta olhar o quadro para deduzir. Quando estudava em Madri, tive pelo menos duas horas de aula no Casón del Prado - onde estava então a tela - ministradas por uma professora que tentava em vão me convencer que o quadro se referia ao bombardeio. Ora, o quadro tem cavalo, tem touro, tem um homem de braços ao alto, cenas que podem evocar uma lídia, jamais um bombardeio. Tem também uma mulher segurando um quinqué, coisa que nada tem a ver com ataques aéreos. Isso me basta para denunciar o título como fraude. Comentei rapidamente a farsa em crônica passada. Sempre que a comento o assunto, leitores me pedem mais dados sobre o assunto. Vamos lá!

Já não lembro quando li as primeiras denúncias sobre o golpe magistral de Picasso. Talvez tenha sido em um artigo do jornalista italiano Vittorio Messori, em artigo publicado em 1995, que adianta vigarices outras. Segundo Messori, Hugh Thomas, em seu La Guerra Civil Española, fala em 1654 mortos em Guernica. Na segunda edição do livro, teria reduzido a 200 este número. Tenho comigo a primeira edição, mas não a segunda. Não posso conferir. No entanto, confio na informação de Messori. Jornalista algum arriscaria seu nome fazendo uma afirmação cuja falsidade seria facilmente comprovável.

O historiador inglês David Irving, em sua obra Hermann Goering, a Biography (MacMillan, NY, 1989, p. 178), afirmou seis anos antes que Guernica já estava pintado muito tempo antes da explosão da cidade de mesmo nome, idealizado como tema de uma corrida de touros. Foi rebatizado após 26 de abril de 1937, para adaptar-se às exigências político-ideológicas de seus amigos marxistas da imprensa internacional. A partir daí, o quadro iniciou sua carreira para chegar até nossos dias como "a maior obra de arte do Século XX".

Tem mais. (Estas informações me foram enviadas por um leitor). Segundo o historiador judeu-americano Raymond Proctor, em sua obra Hitler's Luftwaffe in the Spanish Civil War (Greenwood Publishers, NY, 1991), "afirma-se sempre que os aviões nacionalistas (Legião Condor, da força aérea alemã, juntamente com formações de caças Fiat CR-37 enviados por Mussolini) teriam bombardeado a cidade, mas o que realmente aconteceu é que esta foi vítima das explosões e do fogo provocados pelos vermelhos ('Reds', em inglês - comunistas das Brigadas Internacionais, os chamados Republicanos) sendo reduzida como que a uma montanha de escombros".

As investigações do Proctor, a partir das próprias fontes republicanas e de entrevistas com sobreviventes da destruição, revelam que Guenica estava sendo utilizada pelos comunistas como depósito de armamento e munições. Com a rápida aproximação das forças terrestres nacionalistas do General Franco, os comunistas, sem condições de manter suas posições na cidade, incendiaram-na e fizeram ir pelos ares os depósitos de munições, sem a mínima consideração com a população civil daquela cidade basca. Centenas de civis, homens, mulheres e crianças, fugiram espavoridos em todas as direções e muitos foram violentamente atingidos pelas detonações. Através dos serviços telegráficos, o comissário marxista de Guernica enviou para a United Press International fotografias de numerosos cadáveres como prova documental de "horrendas atrocidades fascistas" exercidas contra inocentes populações indefesas.

Reproduzo abaixo o artigo de Vittorio Messori.

 
GUERNICA

di Vittorio Messori



Da buon spagnolo, Pablo Ruiz Biasco y Picasso amava le corride. Fu, dunque, sconvolto dalla tragica morte di un suo beniamino, il famoso torero Joselito. Per celebrarne la memoria, mise in cantiere un'enorme tela dì 8 metri per 3 e mezzo, che gremì di figure tragicamente atteggiate, a colori luttuosi. Finita che l'ebbe, la chiamò La muerte del torero Joselito.

Correva però il 1937, in Spagna infuriava la guerra civile e il governo anarco-socialcomunista si rivolse a Picasso per avere da lui un quadro per il padiglione repubblicano all'Esposizione Universale in programma a Parigi per l'anno dopo. Il Picasso (che diventerà, non a caso, uno degli artisti più ricchi della storia) ebbe una pensata geniale: fece qualche modifica alla tela per il torero, la ribattezzò Guernica (dal nome della città basca bombardata dall'aviazione tedesca e italiana) e la vendette al governo "popolare" per la non modica cifra di 300.000 pesetas dell'epoca. Qualcosa come qualche miliardo - pare due o tre - di lire di oggi, che furono versati da Stalin attraverso il Comintern.

Contento Picasso, ovviamente; contenti anche i socialcomunisti, che di quel quadro di tori e toreri fecero un simbolo che è giunto sino a noi ed è continuamente riprodotto, con emozione, come simbolo della protesta dell'umanità civile contro la barbarie nazi-fascista. Stando a molti critici d'arte, Guernica è il più celebre quadro del secolo. E, ciò, grazie proprio alla "sponsorizzazione" da parte delle sinistre, a cominciare dai liberals occidentali: la tela picassiana ebbe una sala tutta per sé al Metropolitan Museum di New York e vide milioni di "pellegrini" sfilare in religioso silenzio.

Si arriva al grottesco di interpretazioni come quella - un esempio a caso tra mille -della pur pregevole enciclopedia Rizzoli-Larousse che alla tela dedica oltre venti, fitte righe, nelle quali si dice, tra l'altro: "Motivo centrale, l'angoscia della testa del cavallo che sovrasta il duro lastricato dei cadaveri: in alto, a sinistra, l'antico simbolo della violenza, il Minotauro".

Ora, il presunto Minotauro altre non è che il toro che uccise Joselito; e il cavallo è quello del picadòr, sventrato nell'arena dallo stesso animale. Una storia, dunque, di tauromachia. dove la "protesta civile", la "passione politica" non c'entrano nulla, se non, forse, in qualche particolare aggiunto per rifilare il quadro, a suon di miliardi, alle generose izquierdas iberiche.

Perché occuparsi di Guernica? Ma perché, in epoca di riletture della storia dopo il crollo delle menzogne ideologiche, è ora di andare a vedere che ci sia davvero dietro tante storie edificanti sulle quali comunisti e simpatizzanti avevano costruito un mito sul quale era terroristicamente proibito indagare. Se il quadro di Picasso è una sorta di truffa, non si può certo dire che la verità trionfi nella realtà che gli ha dato il nome.

Da un controllo, anche su libri di storia "cattolici", risulta che ciò che è accettato da tutti è quanto segue: "Guernica era una cittadina sacra ai baschi, perché sotto un suo albero i re di Spagna giuravano di rispettare le libertà della regione. Durante la guerra civile, malgrado fosse indifesa e non rappresentante un obiettivo militare, il 26 aprile 1937 fu distrutta da un selvaggio bombardamento dell'aviazione tedesca che voleva sperimentare nuove tecniche e nuovi velivoli. Per sadismo, fu scelto il lunedì, giorno di mercato: ci furono, così, ben 1654 morti e 889 feriti, tutti vecchi, bambini, donne, perché gli uomini erano a combattere contro Franco". Una "verità" codificata una volta per sempre anche nella Storia della guerra civile spagnola (stampata, in Italia, da Einaudi) di Hugh Thomas. È significativo che questo storico, nella edizione "rivista" della sua Storia, abbia poi ridotto a 200 il numero dei morti: 1454 in meno da una ristampa all'altra. E senza dare spiegazioni.

La realtà è del tutto diversa, come hanno stabilito anche commissioni internazionali di inchiesta. Come andò davvero lo si sa da decenni, ma la forza della propaganda sembra ancora invincibile.

Guernica costituiva un normale obiettivo militare, come ben sapeva anche il governo rosso che vi aveva installato pezzi contraerei e scavato sette rifugi collettivi. In effetti, la città era sede di due importanti fabbriche, d'armi leggere e di bombe d'aviazione. Inoltre era nodo stradale e ferroviario per i repubblicani che combattevano a una dozzina di chilometri dalla città, che rigurgitava di soldati e di mezzi militari. Non si dimentichi che l'importanza strategica di Guernica veniva anche dalle fortificazioni che i baschi vi avevano costruito (la "cintura di ferro", come la chiamavano) per marcare l'indipendenza della loro regione nei confronti delle altre etnie spagnole. Non era affatto, dunque, il "bucolico, sacro villaggio dove mercanti e villici portavano pacificamente le loro povere cose", per dirla con Thomas.

Alcuni bombardieri (di vecchio tipo) inviati dalla Germania e 18 aerei, tra pesanti e leggeri, del Corpo di spedizione italiano, nel pomeriggio di quel 26 aprile 1937 fecero alcuni passaggi per distruggere il ponte di Renteria, sul fiume Oca e ostacolare così i movimenti dei repubblicani. La maggioranza dell'esplosivo italo-tedesco cadde sul nodo stradale attorno al ponte e solo alcune bombe sulla città: su 39 crateri individuati dalla ricognizione aerea, solo 7 risultano nell'abitato. I morti accertati - anche da accurati controlli all'anagrafe - furono 93, cui è forse da aggiungere qualcun altro tra soldati isolati. Quasi la metà di quei 93 morì per il crollo di un rifugio appena costruito ma evidentemente inadeguato: Forse, gli appalti truccati esistevano anche tra i baschi "rossi".

In ogni caso, non si supera il centinaio, com'è provato da ripetute indagini sull'anagrafe della città, che contava 5.000 abitanti in tutto: bilancio tragico ma, purtroppo, di routine nella più sanguinosa guerra civile della storia che, alla fine, contò quasi un milione di morti. In ogni caso, si è abissalmente lontani dai 1654 caduti (e 889 feriti) che sono entrati nella leggenda sempre ripetuta. E si è ben lontani anche dalle migliaia di cadaveri che furono il tragico prezzo da pagare -in quella lotta spietata - per la conquista di tanti altri obiettivi militari, É vero che documenti fotografici e cinematografici mostrano la città semidiroccata. Ma questo perché (come dimostrò una commissione internazionale; e come fu appurato persino dal tribunale di Norimberga che giudicò i generali nazisti) prima di ritirarsi i socialcomunisti e gli anarchici cosparsero di benzina tutto ciò che poterono e vi diedero fuoco Non un solo cratere di bomba fu trovato tra le rovine bruciate del centro storico. Fu provato, inoltre, che i minatori anarchici delle Asturie. Fuggendo, fecero saltare con la dinamite, di cui disponevano in abbondanza, molti edifici per creare ostacoli alle truppe franchiste.

Ma come nacque la leggenda giunta sino a noi, malgrado le risultanze delle inchieste internazionali e il lavoro - inascoltato, per lo più - di qualche storico con il rispetto della sua professione? All'inizio della manipolazione della verità c'è un corrispondente di guerra inglese, George L. Steer, il quale, pur non essendo sul posto quel giorno, spedì da Bilbao (dopo essersi accordato con tre colleghi e connazionali per non smentirsi a vicenda) una cronaca fantasiosa al suo giornale di Londra. Da soldati baschi, Steer (che secondo molti apparteneva allo spionaggio inglese) aveva appreso che il lunedì, a Guernica, si teneva un affollato mercato; e poiché quel 26 aprile era, appunto, un lunedì, lavorò di fantasia immaginando le inermi massaie e i vecchi contadini spappolati dalle bombe tedesche (tra l'altro, visto che il miro esige "cattivi" che lo siano davvero, da allora, parlando di Guernica, si disse solo dei tedeschi, tacendo degli italiani che furono invece presenti in forze sul ponte con tre moderni bombardieri S79 e con 15 caccia CR32).

Per tornare al corrispondente inglese e ai colleghi che gli tenevano bordone: non sapevano che il mercato quel lunedì non si era svolto, poiché il Delegato militare del governo basco lo aveva vietato, temendo appunto azioni di guerra. In ogni caso, non avrebbe potuto essere colpito, visto che il mercato terminava sul mezzogiorno e l'azione italo-tedesca si svolse a partire dalle 16.15. Della corrispondenza fantasiosa di Steer e dei colleghi si impadronirono subito due propagande: quella anarco-comunista, naturalmente; ma anche quella britannica, poiché il nuovo governo di Chamberlain doveva convincere l'opinione pubblica della necessità di affrontare grandi spese per il riarmo, vista la barbarie tedesca e la potenza delle sue armi (da qui, l'invenzione che Guernica fosse stata colpita da modernissimi velivoli). Il lucroso falso di Picasso completò la leggenda che tutti, sino a qui, hanno preso per storia vera.

© Le cose della vita, San Paolo, Milano 1995, p. 240.

segunda-feira, setembro 24, 2007
 
DOUTOR PELA UNIVERSIDADE DE
NAVARRA CALUNIA NIETZSCHE




Há determinadas bobagens recorrentes na imprensa e mesmos em livros que, por mais que sejam desmentidas, voltam a ser publicadas. Uma delas é aquela sobre Guernica, o quadro de Picasso. Não há nenhum elemento na pintura que sequer de longe lembre um bombardeio, mas o quadro é tido como uma referência ao bombardeio da cidade basca de Guernica.

Outra bobagem, mil vezes repetidas, é situar Miguel de Unamuno como antifranquista no episódio do dia 12 de outubro de 1936, na Universidade de Salamanca. Ora, naquela data - Día de la Raza - Unamuno representava Franco no paraninfo da Universidade.

Outra que também se repete muito é responsabilizar Nietzsche pelo surgimento do nazismo. No Estadão de hoje, escreve Carlos Alberto di Franco: "A 2ª Guerra Mundial não foi acionada por gatilhos religiosos. O holocausto do povo judeu, fruto direto da insanidade de Hitler, teve alguns de seus pré-requisitos na filosofia da morte de Deus. Nietzsche, o orgulhoso idealizador do super-homem, está na raiz imediata dos campos de concentração e de extermínio programado".

Di Franco se assina como diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra. É espantoso que um senhor com tais títulos profira semelhante sandice. O que talvez a explique é que Di Franco tem outras titulações, que pelo jeito prefere omitir. É membro da Opus Dei, organização católica espanhola que além de pregar a castidade absoluta, recomenda a seus acólitos o uso do cilício. Como bom católico fundamentalista, o doutor por Navarra quer ver no ateísmo de Nietzsche a origem do nazismo. É curioso ver o jornalista católico de braços dados com os comunistas, que sempre viram no pensador alemão o inspirador de Hitler.

Responsabilizar Nietzsche pelo nazismo é desconhecer sua obra. Aqui vão algumas opiniões de Nietzsche sobre os alemães:

"Os alemães são incapazes de conceber a grandeza: seja Schumann o informante".

"Feito como sou, instintivamente estranho a tudo o que é alemão (a ponto de me bastar a aproximação de um deles para retardar-me a digestão)..."

"Por onde quer que passe, a Alemanha destrói a cultura".

"Primeiro, dois séculos de disciplina psicológica e artística, caros senhores alemães... Mas estas coisas não se alcançam facilmente".

"Nunca admitirei que um alemão possa saber o que seja a música!"

"Em Viena, em Copenhague, em Paris, em Nova York, por toda a parte estou descoberto: não o estou somente no país mais ordinário da Europa - a Alemanha".

E por aí vai. Verdade que na edição póstuma de Vontade de Potência pode-se encontrar momentos que possam justificar o nazismo. Mas não se pode responsabilizar um autor por uma obra que foi deturpada por terceiros, no caso a irmã do filósofo, Elisabeth Forster-Nietzsche. Elisabeth - que acabou morrendo no Paraguai em 1935 - quis acomodar o livro inacabado do irmão aos interesses do nazismo. Como dizia Nietzsche, é impossível cercar uma boa doutrina: os porcos criam asas.

Há uns 20 anos, dois professores italianos reestabeleceram o texto original de Vontade de Potência. Parece que o douto membro da Opus Dei nunca ouviu falar disto. Mesmo assim, pouco se pode afirmar sobre uma obra inacabada e não revista.

Não bastasse caluniar Nietzsche, Di Franco quer inocentar o catolicismo de quaisquer massacres: "E não foi a religião que desencadeou o Arquipélago Gulag do stalinismo. Feitas as contas, com isenção e honestidade intelectual, é preciso reconhecer que o sonho racionalista projetou poucas luzes e muitas sombras". Di Franco omite - pois não acredito que desconheça - o fato de que Stalin foi seminarista e que a Rússia dos gulags era um país fundamentalmente católico. Que mais não fosse, mesmo que se admita que não foi a religião que desencadeou o Arquipélago Gulag, foi a religião - e mais precisamente a Igreja em que Di Franco crê - quem desencadeou os massacres, torturas e fogueiras da Inquisição.

Escrevi, em crônica passada, que um jornalista não pode ser católico. Di Franco é a prova definitiva de porque não pode.

 
STALIN VIVE




Já que falei em Katyn...

Estou lendo a edição da revista francesa L’Express desta semana, que tem Joseph Vissarionovitch Djugatchivili como chamada de capa. Ocorre que a Rússia de Putin está ressuscitando Stalin, como era mais conhecido o ex-seminarista. Entendo que alguns velhotes caquéticos como Niemeyer e Ariano Suassuna ainda cultuem no Brasil o Paizinho dos Povos. São homens que fizeram suas carreiras montados no stalinismo e não podemos esperar que tais pessoas, ao final da vida, reneguem suas próprias biografias. Entende-se também que uma juventude desinformada - que nada conhece de História e é bombardeada por bibliografias marxistas - possa ter algum apreço pelo grande assassino. Afinal os gulags de Stalin não afetaram brasileiros, nem vivemos sob o tacão de suas botas.

Mais difícil é entender que os russos voltem a cultuar o tirano. O Livro Negro do Comunismo, de Stéphane Courtois et allia, credita a Stalin a morte de 20 milhões de pessoas, e a maioria destas vítimas eram russos. Só Mao conseguiu matar mais que Stalin: 65 milhões, segundo os autores. Os dois maiores matadores de comunistas da História foram... os líderes comunistas Mao e Stalin. Nem Hitler conseguiu matar tantos.

Vamos aos relatos de L’Express. Por encomenda do Kremlin, isto é, de Vladimir Putin, foi publicada em Moscou uma História Contemporânea da Rússia, 1945-2006, onde se pode ler afirmações das mais significativas. Diz o breviário que a União Soviética era "não uma democracia, mas um exemplo de sociedade justa". Que Stalin foi o dirigente soviético cuja obra foi "a mais bem-sucedida", por ter transformado a URSS em uma potência industrial e tê-la conduzido à vitória de 1945. Quanto à repressão política que fez milhares de vítimas, ela teria sido utilizada com o único objetivo de "mobilizar não só somente a base, mas a elite dirigente".

Ano passado, um museu Stalin, financiado por um homem de negócios, abriu suas portas em meio ao complexo oficial que comemora a batalha de Stalingrado. Sem que o Kremlin dissesse qualquer coisa contra. Tampouco disse nada contra a reaparição de bustos e estátuas de Stalin em diversas regiões do país. A rede televisão NTV difundiu este ano uma série em 40 episódios, intitulada Stalin Live, mostrando o tirano em vias de arrepender-se nos últimos meses de sua vida. "Há uma demanda que vem de baixo, endereçada ao poder em favor de uma revisão da História" - diz Alexandr Daniel, filho do antigo dissidente Youli Daniel -. "O poder responde na medida em que isto serve seus próprios propósitos. Não sei onde isto vai parar".

Nessa altura dos acontecimentos, já há ensaístas que se sentem à vontade para negar o que não pode mais ser negado. Um certo Youri Moukhine, por exemplo, afirma que o massacre de Katyn foi cometido pelos nazistas, e não pela União Soviética. Apesar de Boris Yeltsin ter confirmado, em 1992, ao presidente polonês Lech Walesa, que a ordem viera de Stalin.

L’Express entrevista o escritor e ex-diplomata Vladimir Fédorovski, autor de Le Fantôme de Staline. Fédorovski dá um novo enfoque às denúncias do stalinismo feitas por Kruschev em 1956:

- O objetivo do XX Congresso do PCUS, apresentado como o que desestalinou a União Soviética, em 1956, não era uma verdadeira desestalinização. Seus instigadores visavam desculpar Lênin e fazer perdurar o sistema, culpabilizando Stalin e sua sua alma danada, Beria. A astúcia de Kruschev consistiu em organizar um branqueamento do sistema, a instituir um novo culto, uma religião pagã onde os papéis eram distribuídos por antecipação. Lênin se tornava um deus eterno, Stalin o deus decaído, mas tudo permanecia no lugar: o KGB representava a Inquisição, o Partido era a ordem religiosa portadora das espadas, às quais se ajuntavam os ícones, as peregrinações ao mausoléu, etc.

Interrogado sobre o porquê da reabilitação de Stalin, diz Fédorovski:

- O personagem de Stalin é a chave do funcionamento da Rússia atual. Mais de 30 museus lhe foram consagrados, na Rússia, nos últimos três anos. Vladimir Putin o cita em seus discursos e mesmo os jovens são atraídos por sua imagem. Putin toma emprestado de Stalin o tema da Rússia, "citadela sitiada", o governo pelo medo, a nomenklatura renovada e sobretudo o recurso a um passado inventado. A diferença entre eles é que Stalin evocava um personagem de Shakespeare, enquanto que Putin faz faz pensar no Spectre, dos filmes de James Bond.

Regozijem-se as esquerdas brasileiras, os PTs e PSOLs da vida, os Zés Dirceus e Tarsos Genros, os Niemeyers e Suassunas. Nem tudo está perdido. O Mestre ressuscita de entre os mortos. Hosanas a Putin, o anunciador da Boa Nova. Voltem-se os olhos dos crentes à Nova Jerusalém.

O Paizinho dos Povos vive. Aleluia! Aleluia! Aleluia!

domingo, setembro 23, 2007
 
WAJDA FILMA KATYN




Em abril de 1940, na floresta de Katyn, perto de Smolensk, 22.500 oficiais poloneses foram executados pela NKVD russa, por ordem de Beria - avalizada por Stalin - com uma bala na nuca, e enterrados em vala comum. A carnificina foi descoberta pelas tropas alemãs, por ocasião de sua incursão em território russo, após a ruptura do pacto Stalin-Von Ribbentrop, em 1941. Durante quarenta anos, o massacre de Katyn foi atribuído pela propaganda comunista às tropas alemãs. O Ocidente conhecia muito bem a autoria do massacre, mas se manteve silente para não envenenar suas relações com a União Soviética.

Foi preciso esperar abril de 1990, meio ano após a queda do muro de Berlim, para que o presidente Mikhaïl Gorbatchev reconhecesse a responsabilidade da URSS. Mesmo assim, até hoje a Rússia não aceita esta responsabilidade. Em 2004, após 14 anos de investigações, os tribunais militares russos arquivaram o dossiê de Katyn, alegando que se tratava de um crime comum, e portanto prescrito.

Temos dezenas de filmes sobre os campos de concentração nazistas, sobre as matanças de Hitler. Não tenho lembrança de filme algum sobre os gulags soviéticos ou demais massacres stanilistas. Isso que roteiro é o que não falta. Já está inclusive escrito, é o Arquipélago Gulag, de Soljenítsin. De 1940 para cá, nenhum Spielberg da vida pensou, por exemplo, em narrar o massacre de Katyn.

Esta missão coube ao cineasta polonês Andrzej Wajda, que já nos deu filmes como Cinzas e Diamantes e O Homem de Ferro, et pour cause: seu pai era capitão do Exército polonês e foi assassinado na mesma época pelos soviéticos, na floresta de Miednoïé, crime que foi associado ao massacre de Katyn. É o que leio no Libération. O filme foi exibido em pré-estréia na segunda-feira passada na Ópera de Varsóvia.

Curiosamente, o filme não deixa de trazer embutida uma acusação ao próprio Wajda. Segundo o jornal francês, adivinha-se o jovem Wajda no personagem do jovem resistente que, no final da Guerra, vem a Cracóvia para estudar Belas Artes. Como o pai de Wajda, o pai do jovem resistente foi morto em Katyn. Mas ele recusa-se a renegá-lo em seu currículo, como muitos outros fizeram para evitar aborrecimentos sob a ocupação soviética. O jovem morre.

Na estréia do filme, um espectador perguntou ao cineasta:

- Com Katyn, você deixa entender que se você não tivesse mentido sobre a morte de seu pai, você não teria podido cursar Belas Artes nem o curso de cinema e que a escola polonesa de cinema não teria surgido.

Wajda, que tem 82 anos, se defende:

- Eu confessarei meus próprios pecados diante de um outro auditório e certamente muito em breve. Cada um milita à sua maneira.

Os críticos brasileiros, que acorrem céleres aos Estados Unidos para promover abacaxis americanos, pelo jeito até agora não tomaram conhecimento do filme de Wajda.

 
BRUTOS GINECÓFOBOS MUÇULMANOS
INSISTEM EM CASTRAR MULHERES





Em minhas discussões com leitores, tenho recebido muitas críticas quando falo da mutilação genital das meninas no mundo muçulmano. Nunca falta quem argumente que tal prática nada tem a ver com o Islã, que o Corão nada diz sobre o assunto, que o costume é ancestral e africano, mas não árabe. Isso sem falar nos que hoje chamam de circuncisão o que é, na verdade, uma mutilação.

Sei, o Corão nada diz sobre o assunto, a prática pode ser antiga, mas hoje é típica de países muçulmanos e das comunidades muçulmanas na Europa, Estados Unidos e Canadá. Apanho ao azar um antigo recorte do Corriere della Sera:

INFIBULAZIONE, 50 MILA VITTIME IN ITALIA

Esqueci de datar meu recorte. Mas deve ter mais de cinco anos. Hoje as vítimas serão mais. Quando 50 mil crianças são infibuladas em um país ocidental que foi berço do catolicismo, isto significa que a peste já contamina o Ocidente.

Notícia do New York Times nos remete a fato que já relatei neste blog. Uma menina de 13 anos, em uma comunidade rural do Egito, foi levada a um consultório médico para ser submetida à excisão do clitóris. Acabou morrendo. Mas isto não irritou ninguém. O que irritou foi o fechamento da clínica pelo governo. "Eles não vão nos impedir!", gritou o dono de uma casa de chá na rua principal da cidade.

Segundo o jornal, há séculos as meninas egípcias, geralmente entre os 7 e 13 anos de idade, vêm sendo submetidas ao procedimento. Em 2005, uma pesquisa mostrou que 96% das milhares de mulheres casadas, divorciadas e viúvas entrevistadas disseram ter passado pela excisão. E ainda há quem ache que infibulação e ablação do clitóris nada tem a ver com o Islã.

O Egito, numa iniciativa surpreendente no mundo muçulmano, está lançando uma campanha contra estas práticas bárbaras. Proibidas em 1996, restaram no entanto brechas legais tão amplas que tornaram a proibição inútil. O atual ministro da Saúde lançou um decreto proibindo trabalhadores do setor da saúde - ou qualquer outra pessoa - de realizar o procedimento. O Ministério dos Assuntos Religiosos, por sua vez, lançou um folheto explicando por que o Islã não exige a prática.

Mas não adianta. Os brutos ginecófobos não abrem mão de castrar suas mulheres.

sábado, setembro 22, 2007
 
ABAIXO OS BRANCOS PERVERSOS!


"A CPMF é assunto de branco que não quer pagar imposto, para que o povo perca o Bolsa Família. Se acabar a CPMF, acaba o Bolsa Família", disse ontem um dos personagens mais repulsivos da política nacional, o deputado federal e ex-ministro Ciro Gomes.

Como se não gostar de pagar impostos dependesse da cor da pele. Imagine se alguém dissesse que IPTU é assunto de negro que não quer pagar imposto. Seria imediatamente incurso em crime de racismo. Gomes esquece que as favelas são habitadas majoritariamente por negros, para os quais sequer passa pela cabeça a idéia de pagar IPTU ou taxas de água e luz.

Pelo jeito, todos os males do país têm sua origem nos brancos. Quem não lembra das declarações do ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, sobre a violência no Estado? Disse Lembo que o problema só seria resolvido quando a "minoria branca" mudasse sua mentalidade. "Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa", afirmou.

Sobre o movimento Cansei, nascido em protesto contra a crise no setor aéreo, a violência e a corrupção, declarou que era movimento de "um pequeno segmento da elite branca' nascido em Campos do Jordão.

Se a moda pega, em breve teremos faixas e muros pintados propondo, como solução dos problemas nacionais, a morte dos brancos.

 
CIDADES



O jornal sueco Aftonbladet mancheteava, ufanisticamente, em sua edição de ontem:

STOCKHOLM ÄR BÄST I VÄRLDEN

Ou seja, Estocolmo é a melhor do mundo. Me lembrou uma antiga canção sueca: Oh, jag är så glad, för jag är svensk. (Eu sou tão feliz porque eu sou sueco). Segundo uma enquête da Readers Digest, quem vive em busca do melhor lugar para viver devia morar na Escandinávia, pela ordem: Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia. No que se refere ao ambiente das grandes cidades, Estocolmo está em primeiro lugar, seguida de Oslo, Munique e Paris. A afirmação é altamente discutível.

A começar pelos países. Em qualquer destes quatro, se vive em alto padrão de vida. Mas padrão de vida não é tudo. O custo de vida influi muito no índice per capita de felicidade e nas relações pessoais. Todos os quatro são países onde se paga muito caro para habitar, comer e beber. O mais caro de todos é a Islândia. Além do mais, Reykajvik é uma cidade de cem mil habitantes. Ora, pagar caríssimo para viver em uma aldeia de cem mil habitantes não me parece ser idéia de pessoa inteligente. A vida certamente será pacata por lá, mas vida pacata não quer dizer vida melhor. De minha experiência de cidades, considero que cidade com menos de um milhão de habitantes não está com nada.

Estocolmo, de fato, é uma das mais lindas cidades do mundo. Sentada sobre quatorze ilhas e parte do continente, verdejante e florida, cambiante conforme as estações, é uma festa para os olhos. Sobrevoar o arquipélago de balão é uma das grandes venturas que pode viver um mortal. Navegar por entre suas ilhas, vagar pela noite em Gamla Stan, a cidade velha, freqüentar seus parques e jardins são coisas que fazem bem a quem gosta de viver bem. Há 35 anos, vivi um dia magnífico em Estocolmo. Eu estudava sueco num prédio em frente ao Kungsträdgården, praça que em língua de gente quer dizer Jardim do Rei. O dia era 22 de março, mas correspondia ao de hoje, ou seja, um dia após a entrada da primavera. Ao aproximar-me do parque, levei um choque. Estava repleto de flores. Mas no dia anterior, eu tinha certeza, não havia flor nenhuma. E eu não havia bebido. Aos poucos, entendi a coisa. Era como se o rei, ou alguma outra autoridade, tivesse ordenado: “hoje é primavera. Tirem as flores das estufas e joguem-nas na cidade”. Era uma primavera instantânea, brotada de repente.

Mas... mas... mas... viver em Paris ou Roma é também muito bom, e quem conhece estas três cidades sabe que a escolha é muito complicada. Colocar Oslo em segundo lugar me parece temerário. É interessante, diria, e nada mais. Muito cara e pacata demais para meu gosto. Munique? Ça va! É linda, alegre, esfuziante. Mas Munique antes de Paris? Jamais. Só por cima de meu cadáver. E Roma, onde fica? Na relação da Readers Digest está em um humilhante 39° lugar. Não admito. Berlim está no 32º e Viena no 38º. A belíssima Amsterdã mereceu um desonroso 35º lugar. Bolonha, a vermelha, ocupa um insultuoso 47º lugar. A charmosa Copenhague está em 10º. A meu ver, algum favoritismo em favor dos nórdicos houve nessa seleção. Mas parece que a Dinamarca foi excluída da Escandinávia. Antes de Copenhague, estão Frankfurt, Stuttgart e Düsseldorf, na Alemanha, e Lyon, na França. São cidades encantadoras. Mas não consigo colocá-las antes de Copenhague.

E a fascinante Madri, que enfeitiça quem quer que passe alguns dias por lá? Nem consta do ror das cinqüenta cidades mais lindas do mundo. O Aftonbladet não nos fornece os critérios da seleção da Readers Digest. Mas não consigo admitir que Madri fique fora de uma lista de dez. Madri não é fisicamente linda como Paris ou Estocolmo. Nem como Praga, que na lista ocupa um injusto 41° lugar. É linda por outras razões. Pelos madrilenhos, por sua vida noturna ensandecida, por seus cafés, restaurantes e tablaos. Curiosamente, Barcelona ocupa um 14º lugar. Pelos meus critérios, eu a colocaria um pouco antes, entre as dez primeiras. Seja como for, incluir Barcelona e excluir Madri significa não conhecer Madri. E não foi dada menção alguma à simpaticíssima Lisboa.

O Aftonbladet fala ora em melhor cidade, ora em cidade mais linda. São conceitos diferentes e ambos são de definição complicada. Se falamos de belezas naturais, pode-se até aceitar Estocolmo como a mais linda. Se pensarmos em belezas construídas pela mão do homem, coloco Paris em primeiro lugar. Praga, em segundo. Quanto à melhor cidade, entendo que se pretenda definir a melhor cidade para se viver. Neste sentido, excluo as cidades da Escandinávia. Muito caras. Não se vive bem em cidades muito caras. Boa cidade, em meu entender, é aquela em que a maior parte dos cidadãos tem acesso às coisas boas da vida. Estou pensando no sul da Europa. No sul, mas nem tanto. A Itália é hoje um dos países mais caros do continente.

Ficaram fora da lista cidades pequenas que excelem por sua beleza, como Veneza, Dubrovnik, Strasbourg, Toledo, Ávila, Cuenca, Orvieto, Positano, Amalfi, Taormina e tantas outras onde ainda não pus os pés. Certo, não são cidades para se viver. Mas se o critério é ser linda, não podem ficar fora de nenhuma lista.

Tais listas são sempre subjetivas e é claro que jamais agradarão a todos. Seguidamente me perguntam qual a cidade mais linda que conheço. É uma pergunta. Outra pergunta é a melhor cidade para se viver. São perguntas distintas e não sei como responder a nenhuma delas. À primeira, como disse, eu talvez até aceitasse a idéia de que Estocolmo é a mais bela. Mas... e Paris? E Praga? Difícil decidir.

Melhor cidade para se viver? De meu ponto de vista, não hesito: Madri. Mas não vou condenar quem disser Paris, Roma ou Berlim. Para conferir, a lista das cinqüenta. Aceito opiniões divergentes.

1. Stockholm
2. Oslo
3. München
4. Paris
5. Frankfurt
6. Stuttgart
7. Lyon, France
8. Düsseldorf
9. Nantes
10. Köpenhamn
11. Geneve
12. Zürich
13. Glasgow
14. Barcelona
15. New York
16. Brüssel
17. Hamburg
18. Hong Kong
19. Newcastle
20. Tokyo
21. Helsingfors
22. Washington, D.C.
23. Chicago
24. Vancouver
25. Dortmund
26. San Francisco
27. London
28. Perth
29. Melbourne
30. Manchester
31. Graz
32. Berlin
33. Ottawa
34. Wellington
35. Amsterdam
36. Atlanta
37. Marseille
38. Wien
39. Rom
40. Sydney
41. Prag
42. Brisbane
43. Denver
44. Bern
45. Singapore
46. Houston
47. Bologna
48. Montreal
49. Kuala Lumpur
50. Toronto

sexta-feira, setembro 21, 2007
 
UNIVERSIDADE EGÍPCIA REJEITA
UMA FATWA INTERESSANTE




Adoro os arabescos colaterais que os religiosos criam para burlar as prescrições de suas fés. No Irã, por exemplo, as relações fora do matrimônio são proibidas. Você só pode ter relações com a mulher com a qual é legitimamente casado. Mas e se você quer uma relação rápida e sem maiores compromissos? É simples. Para isto há o sigheh, o casamento temporário permitido pelo ramo xiita do Islã, que pode durar alguns minutos ou 99 anos, especialmente recomendado para viúvas que precisam de suporte financeiro. Reza a tradição que o próprio Maomé o teria aconselhado para seus companheiros e soldados. O casamento é feito mediante a recitação de um versículo do Alcorão. O contrato oral não precisa ser registrado, e o versículo pode ser lido por qualquer um. As mulheres são pagas pelo contrato. Esta prática foi aprovada após a "revolução" liderada pelo aiatolá Khomeiny, que derrubou o regime ocidentalizante do xá Reza Palhevi, como forma de canalizar o desejo dos jovens sob a segregação sexual estrita da república islâmica. Num passe de mágica, a prostituição deixa de existir. O que há são relações normais entre duas pessoas casadas.

Os judeus têm o eruv. O eruv - contava-me uma amiga da Finlândia - "é uma cerca, real ou simbólica, que cria uma área dentro da qual são permitidas certas atividades que as leis judaicas proíbem. O eruv pode envolver uma casa, um jardim, ou até um bairro inteiro. Foi o jeito que inventaram de aplacar os rabinos ortodoxos e aliviar as restrições do shabat ao mesmo tempo. Um amigo judeu americano (judeu reformista - tão diferente dos ortodoxos como eu e você) contou que, outro dia, o eruv de sua cidade, Sharon, em Massachusetts, rompeu-se. Os fanáticos estavam em polvorosa. Outro amigo reformista diz que o preço dos imóveis dentro dos eruvin de Nova York é astronômico. Parece aquela história dos muçulmanos segundo a qual beber álcool dentro de casa, com as cortinas fechadas, não faz mal, porque Alá não está vendo".

Em Londres, em 2002, foi instalado um eruv, limitado por 84 postes ligados por fios de náilon. A área cobre um perímetro de 17 km. Existem hoje eruvin não só em Israel, como também Austrália, Bélgica, França, Itália, África do Sul, Estados Unidos e até mesmo em Gibraltar. O de Estrasburgo abrange o Parlamento Europeu e o Tribunal de Direitos Humanos. O de Washington, a Casa Branca. Já contei isto tudo em crônicas passadas. Estou voltando ao assunto, em função de notícia que me chega do Cairo, através do Daily News.

Uma das mesquitas mais solenes do mundo árabe é a Al-Azhar. Além de mesquita é universidade e centro dA vida intelectual do Egito, sendo a instituição mais prestigiada do Islamismo sunita. Uma característica que as distingue das demais é ter um minarete duplo.(Estive lá certa vez e acabei decidindo não entrar. Já estava de pés no chão, com meus sapatos na sacola, quando dois brutamontes embuçados me atacaram. Queriam ficar com meus sapatos. Olhei para a cara dos dois e senti que não veria meus sapatos de volta, a menos que pagasse alguma bakshisha. Dei meia volta e perdi de conhecer um dos grandes monumentos da cultura árabe).

Pois bem, a Al-Azhar acaba de destituir um xeque que emitiu uma fatwa das mais simpáticas. A tradição islâmica proíbe que uma mulher esteja sozinha com um homem com quem possa contrair matrimônio, por isso só pode ficar a sós com seu pai, filho, sobrinho, irmão ou algum outro membro de sua família. Ora, isto impede que homens e mulheres dividam o mesmo ambiente de trabalho. Legitimamente preocupado com o problema, o mulá Izzat Attiyah baixou fatwa autorizando as mulheres a amamentaram seus colegas de sexo masculino. Pois se uma mulher amamenta um homem cinco vezes, torna-se sua ama de leite e assim os dois adultos podem trabalhar juntos.

A fatwa não foi vista com bons olhos pela universidade de Al-Azhar - da qual Attiyah fazia parte - e decidiu, na terça-feira passada, destituir o bem-intencionado clérigo. Decididamente, não há solo fértil para boas idéias no universo do Islã.

quinta-feira, setembro 20, 2007
 
LABORATÓRIOS DE UTOPIAS ASSASSINAS



Desde que comecei a escrever - e já lá vão mais de 40 anos - tenho denunciado a praga que infestou o século passado, o marxismo. Toneladas de estudos "científicos" inspirados em Marx e seguidores contaminaram as universidades do mundo todo e geraram outras toneladas de pensamento rumo ao inútil, quando não ao totalitarismo. Durante décadas, tese da área humanística que não citasse Marx ou profetas menores sequer chegava a uma banca. Marxismo virou gênero literário e partiu-se em subgêneros, soviético, chinês, cubano, albanês, com direito inclusive a estandes exclusivos nas livrarias.

O Estadão e a Folha de São Paulo publicaram hoje editoriais indignados a partir da denúncia feita por Ali Kamel no jornal O Globo. Em artigo intitulado "A Lata de lixo da História", diz a Folha:

"A coleção de disparates vai de uma condenação ao capitalismo por objetivar lucro a um elogio da Revolução Cultural chinesa. À vulgaridade pensativa, o livro agrega falsidade histórica, omitindo os assassinatos - eles sim incontáveis - cometidos em nome da dita revolução. Apesar disso, o governo federal adquiriu de 2005 a 2007 quase 1 milhão de exemplares da obra, campeã de distribuição gratuita. Só em 2007 gastou com ela R$ 944 mil".

Em outro artigo, "O MEC acorda tarde", escreve o Estadão:

"Diante de tanta desonestidade intelectual, custa crer que o MEC só tenha se manifestado sobre o problema após a publicação de artigo do jornalista Ali Kamel".

A denúncia é grave, mas nada tem de novo. Em 1992, o professor Gladstone Chaves de Mello denunciava que cem por cento - nada menos que isso - dos livros de História distribuídos pelo Ministério da Educação no Brasil eram ostensivamente e estruturalmente marxistas. Isto três anos após a queda do Muro de Berlim, um ano após o esfacelamento da União Soviética e em meio ao descrédito internacional em relação a qualquer regime de conotação comunista. Hoje, há um escândalo generalizado na imprensa com o livro de Mário Schmidt. As denúncias do professor Chaves de Mello, feitas há quinze anos - bem mais graves porque não falavam de um livro, mas de cem por cento dos livros de História - passou em brancas nuvens.

Este gênero literário, a literatura marxista, gerou grandes lucros e generosas mordomias em Moscou, Pequim, Berlim Oriental, Havana. A partir dos anos 90, as editoras especializadas no ramo já não tinham mais espaço físico para estocar os livros devolvidos pelos distribuidores. "Foi cair o muro de Berlim e minha editora começou a afundar", declarou um deles. Este editor, na época, só conseguia vender parte de seu encalhe para a Amazônia, o que não deixa de ser significativo: missionários e antropólogos precisam de suporte teórico para seus projetos teocráticos na América Latina. Mais ou menos desacreditada no mercado livre, esta literatura mudou-se com armas e bagagens para o mercado do livro obrigatório. Em 93, por exemplo, o Ministério da Educação distribuiu 80 milhões de livros. Pode-se então ter uma idéia do desalento dos editores que parasitaram os cofres públicos vendendo ideologias assassinas oriundas do século XIX.

O Brasil não é pioneiro nesta indústria da mistificação. Em 1928, em Siete Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana, o escritor peruano José Carlos Mariátegui via a universidade como uma máquina de demolição da sociedade burguesa, uma instituição destinada a formar ativistas e militantes. Os princípios expressos neste panfleto, com mais de quase um século de idade, ainda constituem uma espécie de carta de princípios dos sedizentes cursos de Ciências Humanas da universidade brasileira, que funcionam como laboratórios de utopias assassinas.

Não tenho em mãos o livro de Mário Schmidt. Pelos trechos citados por Ali Kamel, em momento algum o autor fala em ideologia marxista. Aposto que não desenvolve nada sobre o marxismo no livro todo. É uma forma eficaz de difundir marxismo. Como a doutrina foi desmoralizada pelo século e a filosofia está gasta, melhor expor seus princípios sem dizer a que doutrina pertencem. É por estas razões que vemos gerações inteiras pensando como pensam os marxistas sem jamais terem lido Marx ou qualquer estudo sobre o marxismo.

Todos os cursos da área humanística estão contaminados de marxismo e praticamente todos os professores oriundos destes cursos são apóstolos da nova religião. Letras, Ciências Sociais, Pedagogia, Literatura, Comunicações e até mesmo Teologia. Quanto ao curso de História, é a pedra de toque dos comunistas. Em 1984 - obra que considero a mais importante e desmitificadora do século passado - George Orwell atribuía ao Partido um lema:

Quem controla o passado, controla o futuro.
Quem controla o presente, controla o passado.


Todo marxista sabe disso. Controlando os cursos de História e suas bibliografias, podem reescrever a História a seu bel prazer. Podem fazer de Marx um visionário, de Lênin um sábio, de Stalin um benfeitor, de Mao um santo. Mas não creio que esse tipo de embuste seja muito eficaz. Como professor, sei que aquilo que os alunos ouvem em aula ou lêem em livros entra por um ouvido e sai pelo outro. Seja como for, esta atitude dos professores serve para ocultar a realidade dos fatos.

A denúncia de Kamel mostra apenas a ponta do iceberg. A denúncia do professor Chaves de Mello mostrou o iceberg todo. Isso há uns bons quinze anos. Enfim, cá no Brasil há pessoas - e até mesmo jornalistas - que se espantam quando encontram um deputado ou senador corrupto. Puxa-se o fio da meada e se descobre que a corrupção é generalizada. Leio cartas de leitores espantados com o fato de que mais de 50 mil professores escolheram o livro de Schimdt. Mas se escolhessem outro daria no mesmo.

O espantoso é que só agora um pai tenha denunciado a endoutrinação à imprensa, depois de uma década de utilização do livro. Pelo jeito, os pais não estão em nada preocupados com o que é ensinado aos filhos nas escolas. Mais um pouco de pesquisa e os jornalistas descobrirão espantados que não só o livro em questão é marxista, mas todos os demais livros didáticos da área.

 
O QUE ENSINAM A NOSSAS CRIANÇAS


Ali Kamel



(O Ali Kamel que me desculpe. Mas não resisto a reproduzir seu artigo publicado na terça-feira passada no Globo).


Não vou importunar o leitor com teorias sobre Gramsci, hegemonia, nada disso. Ao fim da leitura, tenho certeza de que todos vão entender o que se está fazendo com as nossas crianças e com que objetivo. O psicanalista Francisco Daudt me fez chegar às mãos o livro didático Nova História Crítica, 8ª série distribuído gratuitamente pelo MEC a 750 mil alunos da rede pública. O que ele leu ali é de dar medo. Apenas uma tentativa de fazer nossas crianças acreditarem que o capitalismo é mau e que a solução de todos os problemas é o socialismo, que só fracassou até aqui por culpa de burocratas autoritários. Impossível contar tudo o que há no livro. Por isso, cito apenas alguns trechos.

Sobre o que é hoje o capitalismo: "Terras, minas e empresas são propriedade privada. As decisões econômicas são tomadas pela burguesia, que busca o lucro pessoal. Para ampliar as vendas no mercado consumidor, há um esforço em fazer produtos modernos. Grandes diferenças sociais: a burguesia recebe muito mais do que o proletariado. O capitalismo funciona tanto com liberdades como em regimes autoritários".

Sobre o ideal marxista: "Terras, minas e empresas pertencem à coletividade. As decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador, visando o (sic) bem-estar social. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade para agradar à (sic) toda a população. Não há mais ricos, e as diferenças sociais são pequenas. Amplas liberdades democráticas para os trabalhadores".

Sobre Mao Tse-tung: "Foi um grande estadista e comandante militar. Escreveu livros sobre política, filosofia e economia. Praticou esportes até a velhice. Amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido. Para muitos chineses, Mao é ainda um grande herói. Mas para os chineses anticomunistas, não passou de um ditador".

Sobre a Revolução Cultural Chinesa: "Foi uma experiência socialista muito original. As novas propostas eram discutidas animadamente. Grandes cartazes murais, os dazibaos, abriam espaço para o povo manifestar seus pensamentos e suas críticas. Velhos administradores foram substituídos por rapazes cheios de idéias novas. Em todos os cantos, se falava da luta contra os quatro velhos: velhos hábitos, velhas culturas, velhas idéias, velhos costumes. (...) No início, o presidente Mao Tse-tung foi o grande incentivador da mobilização da juventude a favor da Revolução Cultural. (...) Milhões de jovens formavam a Guarda Vermelha, militantes totalmente dedicados à luta pelas mudanças. (...) Seus militantes invadiam fábricas, prefeituras e sedes do PC para prender dirigentes politicamente esclerosados. (...) A Guarda Vermelha obrigou os burocratas a desfilar pelas ruas das cidades com cartazes pregados nas costas com dizeres do tipo: "Fui um burocrata mais preocupado com o meu cargo do que com o bem-estar do povo." As pessoas riam, jogavam objetos e até cuspiam. A Revolução Cultural entusiasmava e assustava ao mesmo tempo".

Sobre a Revolução Cubana e o paredão: "A reforma agrária, o confisco dos bens de empresas norte-americanas e o fuzilamento de torturadores do exército de Fulgêncio Batista tiveram inegável apoio popular".

Sobre as primeiras medidas de Fidel: "O governo decretou que os aluguéis deveriam ser reduzidos em 50%, os livros escolares e os remédios, em 25%. Essas medidas eram justificadas assim: Ninguém possui o direito de enriquecer com as necessidades vitais do povo de ter moradia, educação e saúde".


Sobre o futuro de Cuba, após as dificuldades enfrentadas, segundo o livro, pela oposição implacável dos EUA e o fim da ajuda da URSS: "Uma parte significativa da população cubana guarda a esperança de que se Fidel Castro sair do governo e o país voltar a ser capitalista, haverá muitos investimentos dos EUA. (...) Mas existe (sic) também as possibilidades de Cuba voltar a ter favelas e crianças abandonadas, como no tempo de Fulgêncio Batista. Quem pode saber?"

Sobre os motivos da derrocada da URSS: "É claro que a população soviética não estava passando fome. O desenvolvimento econômico e a boa distribuição de renda garantiam o lar e o jantar para cada cidadão. Não existia inflação nem desemprego. Todo ensino era gratuito e muitos filhos de operários e camponeses conseguiam cursar as melhores faculdades. (...) Medicina gratuita, aluguel que custava o preço de três maços de cigarro, grandes cidades sem crianças abandonadas nem favelas... Para nós, do Terceiro Mundo, quase um sonho não é verdade? Acontecia que o povo da segunda potência mundial não queria só melhores bens de consumo. Principalmente a intelligentsia (os profissionais com curso superior) tinham (sic) inveja da classe média dos países desenvolvidos (...) Queriam ter dois ou três carros importados na garagem de um casarão, freqüentar bons restaurantes, comprar aparelhagens eletrônicas sofisticadas, roupas de marcas famosas, jóias. (...) Karl Marx não pensava que o socialismo pudesse se desenvolver num único país, menos ainda numa nação atrasada e pobre como a Rússia tzarista. (...) Fica então uma velha pergunta: e se a revolução tivesse estourado num país desenvolvido como os EUA e a Alemanha? Teria fracassado também?"

Esses são apenas alguns poucos exemplos. Há muito mais. De que forma nossas crianças poderão saber que Mao foi um assassino frio de multidões? Que a Revolução Cultural foi uma das maiores insanidades que o mundo presenciou, levando à morte de milhões? Que Cuba é responsável pelos seus fracassos e que o paredão levou à morte, em julgamentos sumários, não torturadores, mas milhares de oponentes do novo regime? E que a URSS não desabou por sentimentos de inveja, mas porque o socialismo real, uma ditadura que esmaga o indivíduo, provou-se não um sonho, mas apenas um pesadelo?

Nossas crianças estão sendo enganadas, a cabeça delas vem sendo trabalhada, e o efeito disso será sentido em poucos anos. É isso o que deseja o MEC? Se não for, algo precisa ser feito, pelo ministério, pelo congresso, por alguém.


(O Globo, 18/09/2007)