¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, abril 30, 2009
 
MENINOS PODEM ESTUPRAR À VONTADE


Ontem, no Guarujá, foi preso o bancário aposentado Antonio da Paixão, de 66 anos. Ele confessou armazenar fotos eróticas de menores de idade e foi detido em flagrante. Três jovens - de 14, 15 e 16 anos - foram identificadas nas imagens apreendidas em seu computador. A polícia investiga se houve estupro.

A polícia nem sabe se houve estupro e o bancário já está preso. Há mais de milhão de adolescentes grávidas no Brasil, e muitas delas com dez ou doze anos. Segundo a legislação vigente, presume-se como estupro a relação com menores de 14 anos, mesmo consensual. Os meninos que as engravidaram jamais foram condenados como estupradores.

 
O MILAGRE DAS TETAS CHEIAS


Me conta um leitor, Vinícius Ramon:

Janer,

andei escutando umas histórias que me fizeram lembrar o celibato paraguaio.

Acontecia, com considerável frequência, em cidades minúsculas, onde ninguém havia visto nenhuma mulher grávida, aparecerem bebês nas portas dos conventos. As freiras, caridosamente, adotavam o rebento. Para alimentá-lo, faziam uma novena pedindo a qualquer santo que algumas das freiras fosse agraciada com leite. E não é que sempre dava certo! Depois da novena uma das freiras, nunca duas, aparecia com as tetas estufadas de leite!

Dizem que muitas delas iam parar no convento, pois não queriam se casar com o par sugerido pelo pai, e o convento era a única saída. Sem vocação, vinham os rebentos. Essa história é antiga, vide Soror Mariana Alcoforado.

 
SÓ NEGRO PODE?


Leio no Estado de São Paulo notícia que não mereceu primeira página e parece ter passado despercebida pelos jornalistas. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, rejeitou um pedido do Incra para que fosse liberado o processo de seleção dos interessados no curso de medicina veterinária na Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Ele concluiu que a iniciativa, criada por meio de um convênio entre o Incra, a universidade e a Fundação Simon Bolívar, favorecia os assentados em detrimento dos demais cidadãos.

"Tais dispositivos violam o estatuído no art. 206, I, da Constituição, que preconiza a igualdade de condições para o acesso e a permanência nas instituições de ensino” – afirmou o ministro. “Diversamente de outras ações afirmativas, nas quais apenas é destacado um porcentual das vagas existentes - caso das cotas, cuja constitucionalidade é objeto de impugnação perante esta corte -, o convênio celebrado pela autarquia fundiária com a Universidade Federal de Pelotas interdita o acesso de outras pessoas ou grupos ao curso de graduação".

Para o ministro, o fato de a escolha contar com a ingerência das lideranças dos assentamentos "revela-se em descompasso com a norma constitucional que determina o acesso aos níveis mais elevados do ensino segundo a capacidade individual".

Pergunta que se impõe: não estariam as cotas raciais em descompasso com a norma constitucional que determina o acesso aos níveis mais elevados do ensino segundo a capacidade individual?

quarta-feira, abril 29, 2009
 
Recordar é viver:
A FARRA DO EXECUTIVO


Aos poucos, vai-se descobrindo que todo mundo viaja no Brasil às custas do contribuinte. Por todo mundo entendam-se os funcionários do poder e eventuais amigos, porque quem está longe do poder tem de pagar para viajar. Na Folha online, escreve Fernando Rodrigues: “Enquanto deputados e senadores são massacrados em público – de maneira justa – por usarem passagens aéreas de maneira ilimitada, no Poder Judiciário continua a prática de viajar por aí com tudo pago para participar de seminários. É um costume não menos condenável do que a farra das passagens no Congresso”. E nos conta sobre ministros do STJ que participam do Congresso Nacional do Ministério Público do Meio Ambiente em um hotel de luxo em Pernambuco. Como também sobre a tentativa do STJ de organizar o seminário “O desenvolvimento em tempos de crise” no hotel Iberostar, na Bahia.

Foi necessário que um deputado fosse flagrado financiando viagens para uma prostituta de luxo para se desenrolasse o fio da meada. Ora, as viagens dos ilustres magistrados não é novidade nenhuma. No Brasil, o turismo financiado pelo contribuinte é extensivo aos três poderes. E não só a eles. A verdade, caríssimos, é que neste país todo mundo – vide meu conceito de todo mundo – viaja. Viajam juízes, deputados, senadores, funcionários do Executivo. Não estou falando das viagens necessárias ao exercício de um cargo. Falo das viagens de lazer, em geral maquiadas como viagens de trabalho.

Se você observa um pouco a movimentação de funcionários neste país, verá que seus congressos, eventos, encontros, colóquios e simpósios de modo geral se realizam em cidades de poderoso atrativo turístico, como Recife, Natal, Salvador, Rio, Florianópolis. Um dos destinos dos senhores magistrados, por exemplo, é Porto de Galinhas, balneário preferido por boa parte da classe média alta para seu lazer. Há dez anos, o must – pelo menos para ministros – era Fernando de Noronha. É professor viajando para vitais encontros de literatura, assistentes sociais viajando por um mundo melhor, funcionários da saúde viajando em nome da saúde nacional, sindicalistas viajando em defesa da classe operária. Isso sem falar nos fóruns sociais da vida, cujos participantes sempre recebem viagens e hospedagens do sistema capitalista... para denunciar o sistema capitalista.

Curiosamente, nossos jornalistas parecem ter perdido a memória recente. Ou talvez tenham esquecido o bom hábito de pesquisar em arquivos. Ou na Internet, arquivo colossal que está ao alcance de um clique de mouse. Ao que tudo indica, ninguém mais lembra que o atual presidente do Senado, José Sarney, foi viajor entusiasta a expensas do Erário quando presidente. Que viajasse como presidente, nada a objetar. Ocorre que, em 1989, quando foi a Paris para participar das festas de 200 anos da Revolução Francesa, Sarney levou 150 pessoas a bordo de um Boeing, com todas as despesas pagas pelo governo brasileiro. Isto é, pelo contribuinte. O que talvez explique o silencioso obsequioso do presidente do Senado em relação à última farra com dinheiro público denunciada pela imprensa. O Boeing da alegria foi amplamente denunciado pelos jornais, mas nenhuma providência foi tomada para coibir tais despilfarros. Saudosos tempos aqueles, em que ninguém ligava para o que diziam os jornais.

O final dos 90 foi marcado por intenso turismo à ilha de Fernando de Noronha de ministros de todas as áreas – inclusive o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro – transportados por jatinhos da FAB. Entre os turistas da época, estão ilustres figuras do panorama político atual, como José Serra, Paulo Renato, Pedro Malan. Na época, a Veja fez uma lista dos Dez Mais, arrolando os ministros que mais utilizaram aviões da FAB, em todos os tipos de viagem, desde que tomaram posse (em número de vôos):

Francisco Weffort - 499
Clóvis Carvalho - 401
Raul Jungmann - 392
Paulo Renato - 290
José Serra - 267
Pedro Malan - 260
Eliseu Padilha - 246
Luiz Felipe Lampreia - 214
Francisco Turra - 141
Renan Calheiros - 121

Nada melhor que ler jornais antigos para entender o presente. Transcrevo abaixo a reportagem da Veja, datada de 19/05/99. Texto longo, mas que merece ser revisto nestes dias de corrupção explícita do Congresso. Se a moda pega... preocupava-se a revista. Pegou, e com força. E não há sinal algum no horizonte que um dia seja extinta. Voar às custas do contribuinte virou direito adquirido do poder.

 
Recordar é viver:
A FARRA DOS MINISTROS VOADORES



A ilha da fantasia
Enquanto os ministros
descansam à beira-mar,
num paraíso no Atlântico,
você paga as contas


Sandra Brasil e Vladimir Neto

Caro leitor: como você se sentiria se chegasse a sua casa uma conta de Brasília informando que você, como todos os outros brasileiros, precisa pagar sua parte numa despesa de férias de um servidor do governo? A cobrança nunca chegou nem vai chegar de forma explícita, mas é exatamente isso que está acontecendo. Ministros e outros altos funcionários do governo federal foram descansar e se divertir com a família em fins de semana na paradisíaca ilha de Fernando de Noronha, usando de graça aviões da FAB e lançando despesas na conta de Brasília. Tudo por baixo do pano. Ao preencher a declaração de imposto de renda, cada brasileiro teve de desembolsar sua parcela para cobrir essa mordomia oficial. Até agora, sabe-se que pelo menos seis ministros e dois ex-ministros, além do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, esticaram até Fernando de Noronha nas asas do pacote gratuito. Como alguns caíram de amores pela ilha, voltaram outras vezes, de modo que as nove autoridades fizeram, pelo menos, dezesseis viagens para lá – sempre com avião oficial e hospedagem gratuita no melhor hotel da ilha, o Hotel de Trânsito, do Ministério da Aeronáutica, um casarão com cinco quartos encarapitado no alto de um morro e de cuja varanda se descortina uma bonita paisagem.

O ministro da Casa Civil, Clóvis Carvalho, já viajou a lazer para a ilha quatro vezes nos jatinhos oficiais da FAB. Uma das viagens, realizada no Carnaval passado, na qual levou a mulher, Gema, os cinco filhos, o namorado de uma filha e a namorada de um filho, ficando por lá uma semana, acabou sendo paga pelo próprio ministro. Ele não pagou pelo passeio. Mas a história acabou saindo na imprensa e o ministro mudou de opinião. Apanhado com a boca na botija, Clóvis Carvalho não teve outro jeito senão fazer um cheque pessoal de 25.000 reais, que foi depositado na conta do governo. Parecia que o problema estava contornado quando se descobriu que o circunspecto Clóvis Carvalho fizera outras três viagens de lazer ao paraíso de Fernando de Noronha – entre janeiro e fevereiro de 1996, 1997 e 1998 –, sobre as quais não deu um pio, mesmo sendo tucano de bico comprido. Para não ter de pagar a conta inteira, que poderia chegar perto dos 100.000 reais, Clóvis Carvalho preferiu silenciar para ver se colava. Não colou. Na semana passada, as três viagens secretas vieram a público. O ministro ainda não deixou claro se pagará ou não.

O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, cuja função, entre outras coisas, é ficar de olho em quem abusa do patrimônio público, também foi à ilha com a mulher e os filhos em janeiro passado. Sua visita durou dez dias, e ele pagou por ela quatro meses depois, ocasião em que foi divulgada a história da viagem gratuita de Clóvis Carvalho. Brindeiro desembolsou 18.000 reais, antes que alguém fizesse alguma cobrança. Não satisfeito com o ressarcimento, tornou seu gesto público. Exibiu o recibo de pagamento, fez uma nota à imprensa reconhecendo o erro e, na terça-feira, ainda reuniu um grupo de procuradores para pedir desculpas. Na semana passada, descobriu-se que, a exemplo do ministro Clóvis Carvalho, Brindeiro também silenciara sobre duas outras viagens à ilha a bordo de avião da FAB. Aparentemente, o procurador esqueceu essas outras excursões.

Coisa errada – É preciso não perder as medidas quando se discute um assunto como esse da mordomia oficial em Fernando de Noronha. Num país em que bilhões de dólares são torrados a todo momento para cobrir rombos que muitas vezes ocorrem por incompetência do governo, os 25.000 reais que um ministro gasta numa curta escapulida até Fernando de Noronha não representam uma soma de dinheiro tão alta assim. Há aí, no entanto, um problema de transparência, para usar uma palavra da moda. O ministro viaja e não paga. Quando o fato aparece na imprensa, ele corre ao guichê do governo e faz o pagamento. Por quê? Porque sabe que, por mais argumentos que se possa levantar a favor do seu descanso, ele fez coisa errada. Além do problema da transparência, há a questão da transferência. O ministro viaja e, sem que ninguém perceba, o governo transfere a conta aos que pagam impostos. Caracteriza-se, portanto, um comportamento que deve ser evitado.

Há ministros que, se descansam à custa do Erário, ao menos assumem claramente o que fazem. São exceção, é bom que se diga logo. Raul Jungmann, da Política Fundiária, é um deles. Na semana passada, indagado sobre suas três viagens de lazer a Fernando de Noronha, entre 1996 e 1998, sempre em jato oficial e com hospedagem gratuita – para ele, bem entendido –, o ministro não se fez de desentendido, como os colegas. Disse que não paga, a menos que a Justiça o obrigue. Segundo a explicação de Jungmann, mesmo na hora do descanso um funcionário do governo pode ser acionado por uma crise qualquer. "Não somos senhores da nossa agenda. O país precisa de seus ministros a qualquer momento. Como se tira um ministro a qualquer hora de Fernando de Noronha, se não for em avião da FAB? Ou o ministro não merece ter lazer e descansar?" Está aí um servidor que não tenta tergiversar. Com essa ressalva, é bom esclarecer que Jungmann usa um raciocínio duvidoso. Se é preciso um jato da FAB para tirar um ministro de Fernando de Noronha num momento de crise, não é necessário avião oficial para colocá-lo lá no momento de lazer.

"Viajem, aproveitem" – Outro flagrado em viagens de lazer à ilha foi Luiz Felipe Lampreia, ministro das Relações Exteriores, que esteve por lá durante três dias com a família no verão do ano passado. Esse é outro que não desconversa. Reconhece que era puro lazer e lamenta o que fez, sem deixar claro, no entanto, se pretende reembolsar os cofres públicos pelas despesas que causou. "Fiz uma viagem de boa-fé, sem considerar que estava abusando de minhas prerrogativas", afirma o ministro. "De minha parte, daqui em diante somente farei uso individual dos serviços da FAB se houver imperativo absoluto e não existir alternativa de vôo comercial." No meio de uma farra aérea em que a cada dia aparecem mais e mais protagonistas, mais e mais viagens, essa nova atitude do ministro Lampreia não deixa de ser uma boa notícia.

O ex-ministro Gustavo Krause, do Meio Ambiente, dentre todos é o que se sente mais à vontade com seus passeios à ilha. Durante os quatro anos em que ficou no governo, do início ao fim do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, Krause foi três vezes ao arquipélago, duas a trabalho. É um fã de Noronha, a ponto de ter-se tornado uma espécie de agente turístico do local entre seus colegas. "Eu dizia aos ministros: 'Vão lá, viajem, aproveitem' ", conta ele. "Eu defendi que o presidente também fosse lá. Sempre defendi a ida à ilha", completa o ex-ministro. Dentro do governo, a campanha do "viajem, aproveitem" foi um sucesso. O ex-ministro Antonio Kandir, que ocupou a Pasta do Planejamento, conheceu Fernando de Noronha por insistência de Krause. "O meu caso é o mesmo de várias pessoas. Recebi o convite do Krause para ir à ilha, viajar no avião da FAB e ficar hospedado no hotel da Aeronáutica. Estive lá a convite. Não havia nenhuma indicação de que aquilo era irregular", observa o ex-ministro. Kandir não esconde, porém, certo constrangimento. Diz que vai pedir à Aeronáutica que faça as contas para reembolsar o Erário.

Gustavo Krause promoveu tanto a ilha – que pertence a Pernambuco, seu Estado natal – que recebeu o primeiro título de "cidadão noronhense", o que o transformou, mesmo fora do governo, em militante da causa dos ilhéus. "Vou fazer um apelo, como cidadão da ilha, para que os ministros continuem indo lá", diz Krause. De fato, quando ministros visitam Fernando de Noronha acabam se encantando com suas belezas e fazem o que podem para ajudar. O ministro José Serra, hoje na Saúde, visitou o arquipélago a convite de Krause, em setembro de 1995, época em que era ministro do Planejamento. Mas Serra está na categoria dos que não assumem. Sua assessoria garante que a viagem foi a trabalho, para "assegurar" recursos orçamentários à recuperação da estrada que corta a ilha e ao sistema de saneamento do local. O Planejamento, no entanto, não tem nada a ver com estradas. Além disso, a estrada, batizada de Transnoronha, não chega a 8 quilômetros, aparentemente uma obra pequena demais para atrair o interesse e a presença de um ministro. Mas Serra esteve lá em companhia da mulher e um filho, desembarcando em Noronha na sexta-feira à noite e partindo de volta para o continente no domingo à tarde.

De volta a Brasília, o ministro Serra, segundo sua assessoria, empenhou-se com o então ministro dos Transportes, Odacir Klein, para conseguir a verba para consertar a Transnoronha. Como Odacir Klein acabou deixando o ministério, seu sucessor no cargo, Eliseu Padilha, ficou encarregado da tarefa. E achou por bem conferir o local de perto antes de liberar qualquer verba. Afinal, a Transnoronha não era uma rodovia qualquer, tendo merecido a atenção do ministro Serra e do ministro Odacir Klein. Padilha diz que só resolveu embarcar num avião da FAB depois que viu uma reportagem na televisão dizendo que os 8 quilômetros da estrada estavam em péssimas condições. Viajou com sua mulher num fim de semana. Nessa visita, em novembro de 1997, o ministro Padilha mandou tocar a obra da Transnoronha, que àquela altura já estava se tornando a mais popular estrada brasileira entre os ministros de FHC. Em março do ano passado, Padilha voltou à ilha, dessa vez para inaugurar a obra, mas deixou sua mulher em casa. "Faço questão dentro do possível de supervisionar tanto o início como o final da obra", afirma o ministro.

Um dos episódios mais divertidos nessa história das viagens a Noronha foi proporcionado pelo ministro da Educação, Paulo Renato Souza, que visitou a ilha em 1997. Ao se tornar público seu descanso em Fernando de Noronha, sua assessoria emitiu uma nota na qual deu a entender que o ministro fora convidado pelo Ministério da Aeronáutica para conhecer o local. Infelizmente, logo em seguida, a própria Aeronáutica se manifestou dizendo que jamais convidou quem quer que fosse para visitar a ilha a bordo de jatinhos da FAB. O ministro e sua assessoria não tocaram mais no assunto. Paulo Renato até poderia usar o argumento de Serra e Padilha, informando que cumpriu alguma missão oficial, mas não daria certo. De estrada não poderia falar, por mais convincente que fosse o argumento da Transnoronha. Afinal, ministro da Educação tem a ver com escola, não com rodovia. Em Fernando de Noronha, há uma escola, com 530 alunos, e uma pré-escola que atende 170 crianças. Mas o ministro nunca foi visto inspecionando essas unidades educacionais. "Se ele esteve aqui alguma vez, foi disfarçado", diz a diretora da escola Arquipélago Fernando de Noronha, Jaciane Maria Flor, que trabalha lá há quatro anos. "Estamos esquecidos aqui."

Se a moda pega – Até aqui, falou-se apenas de viagens a Fernando de Noronha – mas não é só isso, não. O ministro Francisco Weffort, da Cultura, já realizou 499 viagens em jatinhos da FAB desde sua posse. É o campeão. O vice é o ministro Clóvis Carvalho, com 401 viagens. A maioria no trajeto Brasília–São Paulo, onde mora sua família. Analisando-se o conjunto das viagens da FAB, constata-se que de cada dez viagens ministeriais seis foram nos fins de semana e apenas quatro ocorreram em dias úteis. Isso mostra que os ministros gostam muito de tomar um jatinho oficial para voltar a suas residências. Pode até ser uma coisa aceitável, mas seria bom que a lei permitisse essa prática. Criado em 1956, o Grupo de Transporte Especial, GTE, com 21 aeronaves e sessenta pilotos 24 horas à disposição das autoridades, tinha o objetivo de servir aos ministros em missões oficiais, e, é claro, não em passeios. O congestionamento aéreo de jatos oficiais chegou a tal ponto que, em outubro passado, o então ministro da Aeronáutica, Lélio Lôbo, pediu aos ministros que fossem mais seletivos nas viagens. O número de requisições de avião caiu de 400 para 250 por mês. Mas em janeiro passado o novo ministro da Aeronáutica, Walter Werner Bräuer, achou que as coisas não estavam ainda muito claras, pois os pedidos de avião para viagens de caráter pessoal continuavam sendo feitos.

Assim, em 18 de janeiro, o ministro Werner Bräuer distribuiu um comunicado no qual esclarecia que os aviões existem para servir às autoridades em "eventos oficiais" e para levá-las a "localidades não apoiadas por linhas aéreas regulares". Os ministros voadores alegam que não havia uma regra clara dizendo se podiam ou não usar os aviões oficiais para deixar Brasília de volta a seus Estados no final da semana, ou mesmo para viagens de lazer. Têm razão. A coisa era mesmo dúbia. Na sexta-feira passada, a pedido do presidente Fernando Henrique, o ministro Clóvis Carvalho – logo ele! – aprontou um decreto para disciplinar o uso dos aviões oficiais. No decreto ficam proibidas as viagens de caráter pessoal. As viagens de volta para casa foram autorizadas. Agora está mais claro. O ministro fica sabendo que não pode pedir um jato oficial para uma esticada à praia, da mesma forma que o contribuinte anônimo sempre soube que não está autorizado a tomar um avião da Varig, pago pelo governo, para se aventurar num passeio ao Caribe. Então, ficamos combinados.

Veja, 19/05/99

 
AINDA A FARRA UNIVERSITÁRIA


De um mestrando da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), recebo:

Oi Janer,

Alguns de seus posts mais recentes, especificamente os que tratavam da Planaltur, me lembraram de algo que acontece na esfera acadêmica. Quando os li pensei em escrever comentando, e agora que vejo que abordas os abusos de alguns acadêmicos me sinto na obrigação de lhe escrever isto. Talvez já tenhas conhecimento, e talvez até já tenhas escrevido sobre isso um dia mas eu não vi. Na realidade eu não sou profundo conhecedor do assunto, pois sou aluno de mestrado (na UFSC, a propósito) e o que vou falar aqui acontece com os doutorandos.

O que acontece muito, e que pode ser interpretado como mais um reflexo da corrupção que permeia a nossa sociedade, e não apenas a esfera política, como muita gente gosta de fazer de conta que é o caso, é o seguinte. Os bolsistas de doutorado recebem uma bolsa cujo valor atualmente é de R$ 1800,00, e os bolsistas do CNPq, além disso recebem uma chamada "taxa de bancada" de aproximadamente R$ 400,00. Esta taxa de bancada deve ser gasta com material para estudo, como livros, canetas, lousa, fotocópias e até computadores. O doutorando recebe este dinheiro todo mês, e deve guardar os comprovantes de que está gastando esta taxa de bancada corretamente. Ao final do curso a parte do dinheiro que não foi gasta e justificada deve ser devolvida, e todo o material (que não seja de consumo como caneta, borracha, giz, fotocópias, etc) fica com a faculdade, desta forma a biblioteca interna e a estrutura dos laboratórios saem ganhando com estas aquisições.

Agora, na sua maior parte, os bolsistas de doutorado praticamente consideram que a bolsa é de R$ 2200,00. Eles simplesmente usam o dinheiro como bem entendem e o material que compram nem sempre é deixado nos laboratórios. Existe um tipo de "pente fino", que examina as notas fiscais que os novos doutores utilizam para justificar seus gastos, mas a grande maioria nem precisa justificar nada, e aqueles que não têm como justificar são apenas obrigados a devolver o dinheiro (como exatamente os obrigam a isto eu não sei, talvez segurem o "título" de doutor até receber o ressarcimento, talvez não). Na minha opinião os orientadores deveriam ser responsáveis por conferir o destino deste dinheiro, e periodicamente entregá-lo.

A justificativa é sempre a mesma, e não chega a ser falsa - R$1800,00 com certeza não é um valor que reflete o que uma pessoa com um título de mestre espera receber por um trabalho em período integral, então considera-se este "bônus" de pouco mais de 20% como um complemento na renda.

Ao meu ver, se alguém está insatisfeito com o que recebe esta pessoa tem algumas opções: ou luta para que este valor aumente, ou vai procurar outro trabalho onde ganhe melhor. Esta taxa deveria ser utilizada exclusivamente para que os laboratórios, e conseqüentemente as pesquisas que saem de lá, sejam cada vez melhores, é algo muito valioso, mas que é mal utilizado.

Os paralelos entre isto e a história da Planaltur são muito claros, mas maiores comentários críticos eu deixo para os profissionais.

Um abraço.

terça-feira, abril 28, 2009
 
BISPO EMÉRITO BRASILEIRO
CUMPRIMENTA BISPO EMÉRITO
PARAGUAIO POR SEUS DOTES
DE EMÉRITO REPRODUTOR



Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque andavam desgarradas e errantes, como ovelhas que não têm pastor. (Mateus 9:36)


Baita bispo, Don Fernando Lugo, el semental de la Pátria! Onde boleia a perna vai deixando filho feito, como se diz lá no Sul. Caudilho como Sua Eminência não foi jamais sonhado nem mesmo pela imaginação fértil de Roa Bastos, Garcia Márquez, Alejo Carpentier ou Andrés Rivera. Nem mesmo pelo esperpêntico Don Ramón del Valle-Inclán. Príncipe da Igreja, bispo emérito de San Pedro, presidente do Paraguai e pai de três filhos, segundo as primeiras notícias. De seis ou nove, segundo outras fontes. De dezessete, segundo a oposição. Um bispo-presidente com dezessete filhos ficção alguma concebeu. Só mesmo a realidade da América Latina. Ou talvez só mesmo o Paraguai. Difícil imaginar que em algum outro país do continente um prelado conseguisse eleger-se presidente.

O bispo emérito de San Pedro, ao manter relações com uma menina de 16 anos, transgrediu o Código Penal, ao cometer estupro segundo a legislação de seu país. (Hoje ainda, talvez para salvar o que pode ser salvo, a moça declara que a relação ocorreu aos 26 anos. Melhor não arriscar a mandar para o cárcere quem lhe provê seu sustento). Como religioso, transgrediu o Código Canônico, ao desobedecer a seu voto de castidade, professado não ante os homens, mas ante seu Deus, se é que Don Fernando nele acredita, o que muito me espantaria. Como cidadão, só reconhece – ou reconhecerá – sua prole, ainda indeterminada, sob a ameaça de exames de DNA. Curiosamente, tem recebido a solidariedade até mesmo de seus colegas de cetro. Assim como um dia o cardeal Evaristo Arns escreveu uma terna missiva ao ditador Fidel Castro, Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás, saiu em defesa do emérito prevaricador.

Caro Amigo Presidente Fernando Lugo,

(...) E minha manifestação, depois ter ponderado com alguns irmãos e irmãs, é em primeiro lugar para dar-lhe os parabéns, fazendo eco à declaração do meu amigo e bispo Mons. Mário Melano Medina, seu compatriota, pelo seu ato de "valentia e sinceridade" ao reconhecer a criança. Uno-me também ao bispo metodista emérito Federico Pagura ao expressar-lhe, também em carta aberta, sua solidariedade: "ante tu decisión de hacer públicas tus relaciones com tu compañera, y tu compromisso de assumir plenamente tu responsabilidad de padre". Continue assim, caro Irmão, coerente com a inspiração evangélica, ao testemunhar, com clarividência e humanidade, o inestimável valor do relacionamento entre o homem e a mulher.


Pelo jeito, o bispo de San Pedro terá de multiplicar por três, ou seis – ou talvez dezessete – seu ato de valentia e sinceridade. E os senhores bispos terão de
manifestar solidariedade, tantas outras vezes quantas forem as conquistas de Don Fernando, ante sua decisão de tornar públicas suas relações com suas companheiras, assim no plural. Não sei se os digníssimos prelados notaram, mas ao manifestar solidariedade ao colega em apuros estão fazendo a apologia da poligamia. O que não deixa de ser um progresso, numa instituição que até hoje não aceita o casamento de sacerdotes.

Se Don Fernando pretendeu “testemunhar, com clarividência e humanidade, o inestimável valor do relacionamento entre o homem e a mulher”, que o fizesse como défroqué, e não antes de largar a batina, como de fato ocorreu. Que me conste, nada tem de coerente com a inspiração evangélica o gesto de um pastor que sai emprenhando a torto e a direito suas ovelhas desgarradas e errantes. Ó tempora, ó mores! Morro e não vejo tudo. Religiosos fornicando urbi et orbi existem às pampas. Mas jamais imaginei, em minhas seis décadas de existência, ver um bispo cumprimentando outro por sua paternidade.

Não bastasse um prelado fazer salamaleques ao reprodutor paraguaio, um ex-vice governador de São Paulo, homem que por ofício deveria zelar pelo cumprimento da lei, que mais não fosse do Código Penal, saiu ontem em defesa da lascívia episcopal. Falo de Cláudio Lembo, aquele mesmo senhor que cunhou a expressão “elite branca”, a responsável pelos males de São Paulo. Terá sido o inspirador do Sumo Apedeuta, quando este culpou os “brancos de olhos azuis” pela mazelas do mundo. Hoje, o ex-vice parece dedicar seu ócio a proferir as mesmas sandices que o bispo emérito de Goiás.

O debate é intenso. Os meios de comunicação preenchem expandem espaços para noticiar o inusitado: um bispo pai. A análise do episódio permite inúmeros ângulos de observação.

Certamente, o mais sensível sob o ponto de vista das pessoas é aquele da intimidade. Pode a vida privada das pessoas - mesmo que ocupem altos cargos - ser esmiuçada sem qualquer constrangimento?

É pergunta que se impõe. Na contemporaneidade, como doença endêmica, surgiu o deplorável vício de violação da privacidade das pessoas, tornando-as passíveis de uma exibição danosa.


Ora, por ocasião do artigo de Lembo, a mãe do filho do bispo ainda não havia alegado ter 23 anos quando do início da relação. Lembo raciocina a partir da primeira informação, a de que tinha 16. Pretende então o ilustre detrator das elites que construíram este país que estupro pertença à vida privada das pessoas, que não pode ser esmiuçada? Pretenderá que não se possa comentar a vida sexual de um sacerdote? Assim sendo, todo estuprador e todo padre pedófilo estaria ipso facto protegido por um escudo de privacidade. Belo argumento para um advogado brandir em defesa de seu constituinte: “A promotoria está invadindo a privacidade de meu cliente".

Tanto um dirigente de um país quanto um padre – ainda mais se tratando de um bispo – não podem abrigar-se no direito à privacidade para sair espalhando filhos impunemente pelo mundo. Se até a mulher de César tem de parecer honesta, com mais razões César tem de ser e parecer honesto. Que mais não seja, para que tais filhos sejam protegidos pela legislação, eles terão de vir a público para reclamar seus direitos.

“Há uma procura diabólica de novos filhos para o presidente – escreve Lembo –. Uma caça a mais um membro para a prole em franco crescimento. Nada moralista. Simplesmente, a presença de um manifesto sadismo. Sadismo coletivo”. Ora, não há caça nem sadismo. Os filhos estão surgindo por iniciativa das mães. Mas obviamente a imprensa – e muito menos a opinião pública – não manteria a fleugma ante escândalo de tal porte. Pela primeira vez no Ocidente se tem um bispo como presidente. Além de bispo, pai de muitos filhos. Não pretende Lembo que os jornalistas renunciem a trinchar tal prato.

Lembo lança a pergunta: “a imposição do celibato, em pleno século XXI, condiz com os atuais costumes e com as novas exigências da nova cultura do corpo?” Claro que não condiz. Mas isto é idiossincrasia do Vaticano, teimosia dos papas. Enquanto a Igreja de Roma não aceitar o casamento de seus padres, proibido está. Convivi com muitos padres em minha juventude, e dos mais excitadinhos. Não conseguiram suportar o jugo do celibato e tomaram a decisão correta. Largaram a batina e o sacerdócio.

Se alguém acha que tenho algo contra a poligamia, em muito se engana. Sempre fui polígamo e sempre me senti bem assim sendo. Acontece que não sou religioso, nunca fiz voto de castidade e não participo dos valores cristãos ou católicos que vêem na monogomia o modelo familiar eleito pelo Eterno para comportamento de suas criaturas.

Cada um escolhe sua cruz. Quem escolheu batina que a honre.

 
Crônica antiga:
BOLSISTAS EM TURISMO NO EXTERIOR *



Comentei, em post anterior, a corrupção universitária dos bolsistas que vão ao exterior pesquisar e voltam de mãos vazias. O leitor Felipe Svaluto me envia esta notícia do UOL, datada de 04/09/2006:

SECRETÁRIO DO MEC ESTÁ INADIMPLENTE COM A UNIÃO

O secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC), Ricardo Henriques, é um dos 659 ex-bolsistas que estão inadimplentes com a União. A dívida se deve ao custeio de curso de pós-graduação strictu sensu (mestrado ou doutorado) pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes).

Henriques deixou de ser bolsista da Capes em 1998. Ele ficou na França, por quatro anos, fazendo doutorado de economia na Universidade de Paris, às custas do financiamento do governo. No entanto, apesar de ter concluído todas as disciplinas, não chegou a defender a tese, requisito obrigatório exigido pela instituição a todos que recebem a bolsa. De acordo com o MEC, o secretário fez um pedido de prorrogação e deve apresentar o trabalho final até 2008.

Até a manhã de hoje (4/9), o nome do secretário ainda constava no Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais (Cadin) devido a essa pendência. Segundo a assessoria de comunicação da Capes, o processo de prorrogação é legal e está em andamento. Assim que eles receberem a última documentação, irão providenciar a regularização de Henriques junto ao Cadin.

A defesa da tese é uma das exigências, tanto da Capes quanto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq), para que a bolsa de estudos para o exterior seja concedida. O aluno também não pode abandonar o curso sem apresentar uma justificativa e tem que voltar para o Brasil, permanecendo, no mínimo, o mesmo tempo que ficou fora do país. Caso contrário, é obrigado a ressarcir às instituições.

O governo gasta R$ 100 mil por cada bolsista que passa quatro anos no exterior fazendo doutorado. Além dos custos com as mensalidades e taxas universitárias, o valor inclui passagens aéreas para o aluno, cônjuge e filhos, US$ 1,1 mil mensais para despesas pessoas e US$ 200 mensais para cada dependente, podendo ter até quatro.

O Tribunal de Contas da União (TCU) está analisando 43 casos de ex-bolsistas do CNPq e já condenou 118 da Capes a pagar R$ 18 milhões ao governo. Se todos os beneficiados do CNPq forem obrigados a ressarcir o instituto, os cofres públicos receberão R$ 4,7 milhões.

Em levantamento da Capes e do CNPq foram encontrados 659 ex-bolsistas que não reembolsaram os dois órgãos. Isso gerou um desfalque de R$ 97,6 milhões nos cofres públicos. Dos quase 700 nomes encontrados, apenas 73 estão no Cadin.

Valiosa, a informação do Svaluto. Eu a desconhecia. De qualquer forma, duvido que os 118 inadimplentes da Capes devolvam R$ 18 milhões ao governo. Além disso, devem ser bem mais que 659. Em meus dias de professor em Florianópolis, denunciei amplamente na imprensa esta corrupção na Universidade Federal de Santa Catarina, que eu chamava de UFSCTUR, a mais barata e confortável agência de turismo do país. Reproduzo abaixo resposta a um leitor, que já publiquei neste blog, em 2005. Só a UFSCTUR havia enviado 73 privilegiados turistas para Europa e Estados Unidos. Multiplique isto pelo número de universidades do país e tenha uma pálida idéia do volume deste fluxo turístico.

(*) Só para lembrar que a farra universitária vem de muito longe e precede a dos deputados e senadores. Esta crônica foi publicada em 07/08/2007.

segunda-feira, abril 27, 2009
 
ADENDO DO GABRIEL


Do leitor Gabriel, a respeito da crônica "CNPq financia o melhor turismo", recebi:

Vou adicionar mais duas barbaridades à tua lista. Em primeiro lugar, professores que aposentam-se e tornam a fazer concurso. Como têm uma produção enorme (mais pela idade se não pela competência), os alunos que se formaram não têm como competir e ficam desempregados enquanto o estado paga dois salários para um velhaco. Em segundo lugar, professores que usam os equipamentos e bolsistas da universidade para promover negócios próprios, promovendo uma competição absolutamente injusta com empresários que precisam pagar salários, impostos e equipamentos. A mídia olha muito para o topo, mas o comportamento anti-social permeia toda a sociedade brasileira.

 
RESPOSTA AO DR. BARGHINI


Dr. Barghini:

Como afirmei em meu artigo, não tive acesso à sua tese. Minhas considerações foram tecidas a partir de suas declarações sobre seu trabalho à Folha de São Paulo. Soou-me um tanto bizarra sua afirmação de que “os ribeirinhos e os caboclos sabem que a luz atrai insetos". Ora, Dr, quem não sabe disso? Não é preciso ser ribeirinho ou caboclo para se chegar a tal conclusão. Qualquer cidadão urbano que abra a janela de seu apartamento e deixe uma luz acesa numa noite quente sabe disto, sem maiores pesquisas nem metodologias acadêmicas.

Considero que uma tese de doutorado há de resultar em uma observação original, ainda não formulada, sobre a área de estudos. Tampouco me parece adequado submeter a uma banca a prosaica observação de que doze pessoas foram contaminadas pelo mal de Chagas por causa de uma lâmpada inadequada que iluminava uma revenda de caldo de cana. Isto é questão pertinente aos serviços de saúde de uma comunidade. De qualquer forma, acredito que sua tese seja uma útil colaboração a esses mesmos serviços. A questão é outra. Tal pesquisa tem de ser objeto de um longo doutorado? Não me parece ser o caso. Será necessário coletar insetos para provar que insetos são atraídos pela luz? Inseto coletado não prova atração alguma.

Mas a questão mesmo ainda é outra, e não é de hoje que a discuto. E sim desde meus dias de magistério universitário, quando vi em meu departamento professores em idade provecta postulando mestrados e doutorados. Para quê? Para aumentar sua aposentadoria? Para pendurar o diploma na parede para contemplação de filhos e netos? Para ostentá-lo como louros ganhos ao fim da vida? Creio inclusive ter prolongado a vida de um de meus orientandos, ao dissuadi-lo de persistir em uma tese impossível. Era cinqüentão e cardíaco e vivia sob estresse permanente, por pressão acadêmica. Mostrei-lhe por A + B que sua tese
1° - não tinha sentido;
2º - não o levaria a lugar nenhum e, pior que tudo,
3º - estava minando sua saúde.

Ele foi-me grato e respirou aliviado. Sobreviveu mais quatro anos, tranqüilos e sem maiores sobressaltos. Em verdade, vou um pouco mais longe. Questiono não apenas os doutorados em idade provecta, mas o doutorado em si. Considero mais uma perversão universitária, à qual são obrigados professores que às vezes não têm pendor algum para pesquisa. Por que um professor há de ser cientista? Isso sem falar que toda banca é uma farsa. Toda tese já está aprovada quando chega à banca. Então, para que todo aquele teatro? Para que os examinadores exibam suas plumas e exerçam seu poder sobre o examinando?

Além do mais, qual o destino das teses senão o pó das bibliotecas? Em 2005, a Capes previa investir R$ 3,26 bilhões em seis anos para passar de oito mil para 16 mil titulados ao ano. O Plano Nacional de Pós-Graduação apresentado pela Capes ao então ministro da Educação, Tarso Genro, propunha a aplicação nos seguintes seis anos de R$ 1,66 bilhão a mais em bolsas e fomento de pós-graduação, o que permitiria passar dos atuais oito mil doutores titulados por ano para 16 mil em 2010. O plano “será acolhido integralmente", disse Genro na ocasião. Se foi, não sei. Faço votos de que não tenha sido.

Ora, para que queremos 16 mil doutores? Dezesseis mil doutores constituem alguma prioridade para o país? Não bastassem os jornalistas e engenheiros formados que trabalham de taxistas ou fiscais do trânsito, teremos doutores conduzindo táxis ou aplicando multas nas ruas. Sempre formados à custa do contribuinte. O que me lembra um pouco Fidel Ruz Castro – aliás Dr. Honoris Causa pela Universidade Federal de Santa Catarina – respondendo às acusações de que em Cuba até as universitárias tinham de prostituir-se:

- Nada disso. Ocorre que em Cuba até as prostitutas têm grau universitário.

 
RESPOSTA DE ALESSANDRO BARGHINI


Prezado editor,

Um amigo me informou de um comentário sobre meu trabalho sobre os insetos, que acabei lendo no seu blog.

O texto é divertido, e apresenta uma série de informações obvias sobre o impacto da iluminação sobre os insetos que, como escreveu, estamos careca de saber.

Pena que não leu o trabalho, antes de criticá-lo, porque provavelmente não escreveria de forma irônica sobre o tema.

Honestamente, não considero que seja necessário fazer um doutorado para escrever um texto científico. Existem, porém, dois pontos que me induziram a realizar um trabalho acadêmico.

O primeiro ponto é que, como planejador no setor energético, sempre alertei as empresas sobre o tema, mas não encontrei resposta. As empresas consideram que eles devem apenas fornecer a energia elétrica aos consumidores, depois o modo de usá-la é problema dos próprios consumidores. Não é essa minha visão, acredito que, quando é feita eletrificação em área rural, as empresas deveriam alertar os consumidores sobre os riscos da iluminação, e os meios para preveni-los.

O segundo ponto é que procurava mecanismos de minimizar o impacto da iluminação artificial (afinal a iluminação é importante e não podemos simplesmente cortá-la) e, para isto, era necessário realizar testes com diferentes tipos de lâmpadas, diferentes filtros, com coleta de insetos. Existem trabalhos que um pesquisador independente pode realizar, outros exigem cooperação de instituições de pesquisa. Realizando um doutorado acadêmico foi possível obter a colaboração do IPT e do Museu de Zoologia da Universidade se São Paulo. Inclusive foi possível obter a licença de coleta de inseto por parte do IBAMA, e dessa forma não ser acusado de biopirataria. Toda a coleção de lepidópteros está hoje armazenada no museu de Zoologia da USP.

O resultado da tese, se tiver a curiosidade de consultá-la, é algo mais que uma simples alerta sobre o perigo da iluminação artificial. Em primeiro lugar é uma resenha da literatura médica, indicando as doenças nas quais existem provas que a iluminação artificial afeta a difusão (fato em geral não conhecido ou até negado). Em segundo lugar são mostrados mecanismos com os quais reduzir a atração. Indicando inclusive o tipo de filtro a ser utilizado para minimizar a atração. Essa informação é inédita na literatura científica internacional.

Com um trabalho acadêmico espero finalmente conseguir sensibilizar as empresas elétricas a estudar melhor o tema, para que não se repitam fatos como o surto de Santa Catarina, quando 12 pessoas foram contaminadas pelo mal de Chagas a causa de uma lâmpada inadequada que iluminava uma revenda de caldo de cana.

Atenciosamente

Alessandro Barghini

domingo, abril 26, 2009
 
SÃO GABEIRA, ÚLTIMA
ESPERANÇA DA NAÇÃO



Estou profundamente comovido com as entrevistas do deputado Fernando Gabeira, tanto na Veja online como na TV Globo, sobre a farra das passagens aéreas. Como se nada tivesse a ver com o assunto, o impoluto verde que desviou passagens para uma de suas filhotas visitar outra filhota no Haway deita falação sobre decadência institucional, renovação do Congresso, prática patrimonialista, julga fundamental a transparência e mais ainda, se julga no dever de lançar luz na Casa onde gira bolsinha. Atribui a desmoralização do Congresso à volta de Sarney e Renan Calheiros, jamais à sua cumplicidade com a corrupção. Pelo contrário, diz ter-se sentido aliviado depois de admitir que usou passagens aéreas indevidamente, diz que ninguém é santo, aponta saídas para o resgate da imagem do Poder Legislativo e ressalva que o Congresso não resistiria se fosse exposto inteiramente à luz do dia. “Ou o Congresso acaba com as práticas ilegais ou se transforma numa instituição fantasma”, diz o bravo deputado, em sua entrevista a Augusto Nunes.

Augusto Nunes, por sua vez, desanca Orlando Silva. Enquanto levanta a bola para Gabeira chutar, faz ironias com o ministro dos Esportes, com alusões à sua cara de réu:

“Sou muito conservador para fazer viagens internacionais, mas é difícil você não viajar uma vez a cada dois meses para cumprir alguma agenda”, anda avisando o ministro Orlando Silva com voz de quem deve e cara de réu. Decerto desconfiado de que a devassa nas partidas e chegadas dos deputados federais se estenderá ao Poder Executivo, o ministro do Esporte resolveu decorar o que dirá na hora do interrogatório.”Eu já fui presidente do Conselho de Ministro das Américas”, ensaia o campeão de milhagem aérea. Foi por isso que conheceu o continente em que nasceu. E o que o levou a paragens mais remotas? “Nas Olimpíadas, fui para Pequim e depois voltei para o Brasil, aí fui para os Jogos Paraolímpicos pouco tempo depois”, exemplifica, caprichando na imitação de velocista no fim da corrida. “Isso acaba consumindo muita energia, é muito cansativo. Mas ao mesmo tempo muito prazeroso quando vemos os resultados”.

Os resultados ainda são invisíveis. O que se pode ver com nitidez é o tamanho do desperdício em moeda estrangeira.


Gabeira, decididamente, não tem cara de réu. Pelo contrário. Apesar de participar da mesma corrupção da qual participaram seus pares, ostenta cara de juiz, de última esperança de moralização da Casa ... da Mãe Joana. Réu, autonomeou-se de repente juiz. É espantosa a cumplicidade dos jornalistas em relação a Gabeira, o jornalista que condenava dois colegas por requererem uma bolsa-ditadura, enquanto enviava seu pedido exigindo o mesmo da Comissão de Anistia.

O que me lembra antiga crônica do gaúcho Ney Messias, “A Mosca e a Vaca”, publicada nos anos 70, por ocasião da suspensão do recesso parlamentar, decretado em dezembro de 1968 pelos militares. Troque a palavra recesso por desmoralização e a crônica parece ter sido escrita ontem.

 
A MOSCA E A VACA

Ney Messias


Não sei quem é o deputado Geraldo Freire, mas vejo que ele é esplêndido como deputado que se esqueceu do resto. Comentam os jornais que este parlamentar, indagado sobre se sabia alguma coisa acerca do recesso parlamentar, respondeu: “Não sei dizer nada. Ainda não pude habituar-me à idéia do recesso. Venho diariamente à Câmara, como se tudo estivesse normal”. Depois citou um filme do Gordo e do Magro, em que o Magro, durante uma guerra, foi posto de sentinela na fronteira da Alemanha com a Alsácia. Veio a paz e esqueceram de comunicar a novidade ao Magro que, depois de vinte anos, foi encontrado em seu posto, caminhando de um lado para o outro. E o deputado Geraldo Freire conclui: “Estou como o Magro, na minha trincheira. Esta sala... o edifício do Congresso! Ainda não me dei conta do recesso”.

Isso é admirável. Dizem que o pingüim chocas os seus ovos nas patas, e que se alguém substitui os ovos por pedrinhas, ele continua chocando sem se aperceber de que não conseguirá descascar pingüins: heroísmo cego da maternidade que choca. Há ainda o caso dos místicos mergulhados nas suas visões transindividuais: com as mãos fechadas não notam o crescimento das unhas nem a passagem do tempo, motivo pelo qual as unhas crescem e atravessam a palma das mãos e vão sair triunfantes no dorso. São casos heróicos como o do Magro posto de sentinela durante vinte anos, sem saber da paz. Tudo isso me lembra a parábola da mosca encharcada de metafísica. “Esta sala... esta cadeira... o edifício do Congresso! Ainda não me dei conta do recesso” – eis o que uma mosca metafísica bem que poderia pensar indefinidamente.

Querem a história da mosca? Pois vou contá-la.

Ela estava pousada na grama do campo, a pensar na definição do indefinível, quando a vaca veio e comeu a grama em que ela sonhava. A divina mosca não interrompeu suas meditações. Quando foi engolida estava pensando no elã vital de Bergson, e em suas relações com a enteléquia de Driesch. Quando passou pela garganta da vaca, sem saber de nada a não ser dos seus transcendentes pensamentos, meditou em que, segundo os ensinamentos de Aristóteles em seu tratado De Anima, Plotino chama a inteligência de “nous poiêticos”, o que quer dizer mente ativa, distinguindo-a do “nous patéticos”, o que quer dizer mente passiva. Embora toda a escuridão em que estava mergulhada, a mosca de heróica metafísica continuou pensando: atrás do universo material, de que nosso corpo faz parte, Plotino e os antigos pensadores da Índia divisam a torrente da vida cósmica que se manifesta no Universo, e da qual o Universo é a expressão. Tudo isso não passa – pensava a mosca – de longe de Heráclito e dos estóicos, a razão imanente do fluir perpétuo das coisas. Mas os estóicos, que professavam um singular panteísmo, faziam do “Logos” ou da “razão seminal” como eles diziam, a causa primária da existência.

A mosca mal sentiu um baque surdo que sacudiu toda sua estrutura entomológica e continuou pensando: talvez estivesse na “razão seminal”, estóica, a “natureza naturante” de Jacob Boheme, que é o Deus que demarrou da “natureza inaturada” para acabar sendo, como todas as moscas, e os demais seres menos importantes da escala animal, a “natureza naturada”, que está perto do júbilo do ser, que é a alegria dos entes que perderam a transcendência mas que ganharam o gozo do pecado e a suprema possibilidade da reconciliação que decorre das paixões dominadas e dos instintos refreados. Pensava nisto a mosca quando abriu os olhos para o mundo aqui e agora do real. Viu então, com espanto, que a vaca já ia longe: viu-a de costas, sacudindo o rabo, no gesto magnífico da plena exoneração. Mas continuou pensando: “o processo mediante o qual, segundo Plotino, o “Uno” se manifesta através do “Nous” e do “Logos” não possui caráter cronológico, mas lógico. É um processo eterno, a processão criadora, a que corresponde, na natureza naturada, o contraprocesso da ascenção reintegradora”.

É como se pensasse: “esta sala... esta cadeira... o edifício do Congresso! Ainda não me dei conta do recesso”, enquanto a vaca se sumia no horizonte, que por acaso não é horizonte algum.

 
MOSCA TONTA OU MOSCA CÍNICA?


Ney Messias escrevia para um público culto, capaz de entender sua fina e ferina ironia. Como a mosca do Ney, Gabeira hoje não se dá conta da total desmoralização, tanto do Congresso como de seu mandato. Fala com a serenidade dos justos, como se a farra das passagens tivesse acontecido no Paraguai e não em Brasília, com Dom Fernando Lugo e não com ele. Como se a produção excrementícia do Congresso se abatesse sobre a cabeça de todos seus pares, mas jamais sobre a sua. Pelo jeito, não viu a vaca sacudindo o rabo e se julga puro de toda imundície.

O deplorável em tudo isso, é ver jornalistas fingindo acreditar nos bons propósitos de um corrupto como tantos outros. Mais ainda, confesso. A coragem foi refugiar-se naqueles outros corruptos, que defendem abertamente o direito à corrupção. Até mesmo o experiente William Wack, no debate na Globo, foi condescendente com a farsa. Fora este que vos escreve, só ouvi duas outras vozes na grande imprensa que não engoliu as potocas do impoluto deputado. Uma foi João Ubaldo Ribeiro, no Estadão:

"Mas o que me surpreendeu mesmo, nessa do Gabeira, foi ele ter contado uma história, na qual ele revela que acha que nós é muitíssimo mais burro que nós é. Disse que, quando veio à frente e revelou que também era agente de viagens, como tantos de seus colegas, arranhou sua imagem política espontaneamente. Quem engoliu essa deve filiar-se ao Alimárias Anônimas mais próximo de sua casa. Claro que o verdadeiro arranhão aconteceria se ele não se antecipasse à revelação, que viria mais cedo ou mais tarde. Aí é que seria chato mesmo e ele, astutamente, se antecipou para eludir o constrangimento, mas acha que pode tapear a gente com outra conversa. Quer dizer, esse negócio de ter certeza de que todo mundo aqui é cretino ou fronteiriço deve ser um vírus que dá lá no Congresso e que acabou pegando o Gabeira também".


Outra foi Cora Rónai, em O Globo:

“Para nós, cariocas, que tanto nos orgulhávamos de ter um parlamentar como Fernando Gabeira e tanto nos empenhamos na sua campanha à prefeitura, fica, além de tudo, o gosto amargo da decepção. Nunca pensei, aliás, que pudesse usar essa palavra — decepção — em relação a um político, mas aí está. Continuo achando que, apesar de tudo, existe uma grande distância entre ele e a maioria dos seus pares, mas não há como negar a mancha na sua biografia, ou a dúvida entre o seu eleitorado. O que mais ele fez que apenas ainda não veio à tona? Do que mais vai se arrepender depois do flagra?”

Para meu gosto, Cora foi muito gentil.

sábado, abril 25, 2009
 
CNPq FINANCIA MELHOR TURISMO


Em fevereiro passado, o CNPq anunciou a cobrança dos bolsistas que não voltaram para o Brasil. Os casos analisados em 2008 somam R$ 22 milhões. Alguns estudantes desistiram do curso. O CNPq pretende reaver cerca de R$ 22 milhões referentes a 65 bolsas de estudo concedidas a universitários que estudaram em outros países, mas que não concluíram a pós-graduação ou não voltaram ao Brasil. Muitos dos processos são de bolsas concedidas há anos, no entanto, só em 2008 foram finalizados e encaminhados ao Tribunal de Contas da União. Desde 2002, a CGU recebeu processos do CNPq que totalizam cerca de R$ 71 milhões (valor corrigido). Com o recurso, seria possível pagar 300 bolsas no exterior.

Na ocasião, manifestei meu ceticismo aos bons propósitos do CNPq. Se um bolsista, tendo concluído seu doutorado, recebe boa oferta de trabalho no Exterior, qual instância, humana ou divina, o obrigará a ressarcir a União? Terá seus bens executados no Exterior? Será pedida sua extradição? Qualquer destes procedimentos custará bem mais caro que o valor da bolsa.

Na ocasião, o Estado de São Paulo citou o caso do advogado Cláudio Rollemberg, de quem estão sendo cobrados R$ 608 mil (em valores corrigidos). O advogado foi para a França em 1991 fazer um mestrado em direito internacional. Até hoje, 18 anos após a obtenção da bolsa, ainda não conseguiu elaborar um ensaiozinho de 400 ou 500 páginas. Mas não pretende devolver um centavo à União. Só entregará sua tese quando conseguir elaborá-la e estamos conversados. Devo, reconheço, mas não pago. Sua atitude é a mesma dos deputados e senadores, que declararam não saber que não podiam levar mulher, filhos, sogras e amantes para Paris e Miami. Diz que quando assinou o contrato não foi avisado de que poderia ser obrigado a devolver os valores caso não cumprisse as obrigações. "Todo mundo entendia que era gratuito, que era uma questão ideológica".

Leio hoje na Folha Online que o TCU condenou a pesquisadora Ana Maria dos Santos Carmo a devolver R$ 489 mil ao CNPq, por descumprir um compromisso firmado com a instituição. Nada menos que US$ 223 mil, ao câmbio de hoje. A estudante não retornou ao Brasil após concluir seus estudos de pós-doutorado nos Estados Unidos, em química de solos, custeados pelo conselho. Carmo alega a falta de emprego em sua área de trabalho. Até se dispõe a pagar o montante, desde que parcelados em US$ 100 mensais. Em apenas 2.230 meses, a dívida estaria quitada. Ou seja, em pouco mais de 185 anos, os cofres públicos seriam ressarcidos. Proposta generosa, não chega sequer a dois séculos. O CNPq não gostou e sugeriu à moça outro parcelamento, de US$ 860,36 mensais. Não vai levar. Nesses termos, a pesquisadora prefere não pagar.

E daí? Irá o CNPq entrar com um processo de cobrança internacional? Vai constituir advogado nalgum Estado americano para executar a devedora? Pedirá aos Estados Unidos a extradição da universitária inadimplente? Segundo o TCU, Carmo garantiu que, concluído o curso, retornaria ao Brasil. Garantiu como? Disse “te juro que eu volto”? Ou assinou um termo de compromisso? A verdade é que a farra da bolsa no Exterior é tão ou mais vasta que a farra das passagens aéreas e o Estado não tem meios de coibi-la. A cobrança do CNPq é meramente retórica.

Na quinta-feira, eu comentava outra anomalia da universidade brasileira, a dos doutorandos carecas, pessoas que defendem tese já em idade de aposentar-se. A Folha noticiava – como se fosse um caso de suscitar admiração – o caso de um senhor que concluiu mestrado aos 63 anos e doutorado aos 68. Ora, segundo o TCU, o retorno exigido dos pesquisadores tem como objetivo disseminar e aplicar os conhecimentos adquiridos pelo estudante em benefício da sociedade brasileira. Como vai um professor em idade de aposentadoria aplicar os conhecimentos adquiridos em benefício da sociedade brasileira? A nortear-se pelos critérios do TCU, todo professor que defende tese e logo se aposenta também deveria devolver o que nele foi investido. Estes não são poucos no universo acadêmico nacional. Postulam o título para garantir uma aposentadoria mais gorda.

A farra com o dinheiro dos contribuintes que hoje fazem os parlamentares há muito vem sendo feita junto ao CNPq. Se deputados e senadores, que representam o eleitorado brasileiro, não estão nenhum pouquinho propensos a devolver o dinheiro gasto em turismo aos cofres públicos, por que razões devolveria o despendido em uma bolsa um profissional que não representa nada, nem mesmo a entidade que o enviou ao Exterior?

O CNPq fala em 65 bolsistas inadimplentes. A cifra é tímida. Escândalos no Brasil são como filhos de bispo, escrevi ontem. Você puxa um e vem uma fieira. O Estado tem bolso grande e ninguém cuida. Por outro lado, que moral tem um Estado - cujos credores estão morrendo às dezenas de milhares, sem que lhes seja pago o que Estado deve – para exigir cobrança de quem quer que seja? Este Estado não tem moral nem mesmo para cobrar o Imposto de Renda. Eu não sonego porque não posso. Mas considero que sonegar, neste país nosso, é legítima defesa do patrimônio.

Há um clamor nacional contra os deputados e senadores turistas. Que vai dar em nada, é claro. Mesmo que sejam cortadas as passagens aos familiares, amigos e prostitutas, nada impede que o parlamentar continue viajando a pretexto de congressos, viagens de observação e estudos por países cuja língua desconhece e não tem interesse algum em conhecer. O turismo de luxo virou objeto de desejo e nossos representantes, afinal de contas, são seres humanos, como se justifica o ex-bispo presidente do Paraguai, Dom Fernando Lugo, el semental de la Pátria. Acontece que o Congresso é a bola da vez dos jornalistas.

As viagens se tornaram constrangedoras para os senhores deputados. Hoje, quem quiser conhecer as prestigiosas capitais do Primeiro Mundo, seus monumentos, restaurantes e gastronomia, melhor fará se optar pelo magistério universitário. É a fórmula mais confortável de viajar pelo mundo sem pagar um vintém do próprio bolso.

sexta-feira, abril 24, 2009
 
CASA-DA-MÃE-JOANA DECIDIRÁ
QUANTO, COMO E ONDE GASTAR



Mal escrevi a crônica abaixo e a Câmara deu marcha a ré. A decisão de Miguel Temer, no sentido de proibir passagens para familiares, prostitutas de alto bordo e amigos de parlamentares, durou menos do que duram as rosas. Pressionado pelos congressistas, o presidente da Casa (da Mãe Joana?) desistiu de seu ato administrativo e optou por encaminhar um projeto de resolução que terá de receber o aval do plenário. "Vocês viram que deu confusão. A aprovação no plenário dá legitimidade".


Conseguirão as vestais Pedro Simon e Fernando Gabeira impedir a marcha da poderosa locomotiva da alegria? Demonstrarão os congressistas ter ainda algum resquício de vergonha na cara? Ou decidirão que vergonha na cara é algo obsoleto, inadequado aos tempos que correm e ficam vetadas as disposições em contrário?

Suspense. Mas não muito. Conhecendo os bois com que lavro, a decisão não será de surpreender. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem superou o número de viagens de Fernando Henrique ao Exterior – e isso que falam 20 meses para o término de seu mandato - criticou hoje o uso irregular de passagens aéreas de deputados e disse o Congresso precisa colocar um fim na farra dos bilhetes pagos com dinheiro público.

O PT, que apelidou o ex-presidente de Fernando Henrique Viajando Cardoso, sequer comemorou o feito do Líder Máximo. Com sua visita hoje à Argentina, Lula emplaca 348 dias no Exterior, um dia a mais que o tucano. Mas Lula não depende de verbas do Congresso bancadas pelo contribuinte. Ele, que já dispunha de um avião presidencial, comprou um outro, flamante de novo – também bancado pelo contribuinte, é verdade – para seu uso particular. Segundo Lula, é preciso chegar a um final nisso. Isto é, nas viagens dos deputados e senadores.

Quanto às suas viagens, ni pensar.

 
ENQUANTO ISSO,
NA ACADEMIA...



Escândalos no Brasil são como filhos de bispos. Basta puxar um e surge uma dúzia. Desta vez, não escapou sequer a sedizente ala ética do Congresso. Enquanto o impoluto deputado Fernando Gabeira faz pesquisas para lembrar se pagou passagens para uma de suas filhas ou para as duas, mais uma vestal põe suas barbas de molho. Desta vez, o não menos impoluto senador Pedro Simon, que goza entre seus pares a fama de levar vida monástica:

- Nesses 26 anos, fiz uma viagem à Europa, eu e a minha mulher. Uma viagem em 26 anos. Sem um extra, sem diária, sem coisa nenhuma. Usei as passagens que eu tinha. Se isso está errado, eu até reponho, mas nunca ninguém me disse isso.

Ora, será preciso dizer a estas velhas cortesãs da política nacional que não foram eleitos para brindar seus familiares com turismo em Paris, Madri, Nova York ou seja lá onde for? O senador está perplexo. Só fez uma viagem. Uminha só será pecado? Não será permissível nem mesmo a um monge visitar Paris? Mas o senador, em sua honestidade, se dispõe a reparar sua falta. “Se isso está errado, eu até reponho”.

Santas intenções. Ocorre que o Congresso está longe de considerar que fazer turismo às custas do contribuinte é errado. E se não está errado, o probo senador não tem porque repor.

Leio na Folha de São Paulo de ontem que o Senado aprovou, na quarta-feira, e a Câmara prometeu adotar medidas que proíbem a emissão de passagens aéreas para parentes e terceiros, as viagens para o exterior e determinam a divulgação na internet dos bilhetes usados. Estas medidas foram anunciadas pelo presidente da Câmara, Michel Temer, para amenizar a reação da opinião pública contra a farra das passagens.

Mas concedem uma anistia para os excessos cometidos até agora. Parece que acabou-se o que era doce. Quem gozou das mordomias, gozou. Quem não gozou ficou na mão. Probidade só daqui pra frente. Digo “parece que acabou-se” porque ainda não se sabe se acabou mesmo. A Câmara prometeu... Ora, promessas de deputados são cantigas para ninar pardais. Ainda mais quando é para restringir os próprios privilégios.

O deputado Ciro Gomes, paulista radicado no Ceará e presidenciável nas próximas eleições, indignou-se com os bons propósitos de seus nobilíssimos pares. Expressou o que todos gostariam de expressar, mas preferiram ficar silentes: "Até ontem era tudo lícito, então por que mudou? É um bando de babaca". O mesmo devem ter dito os senhores de escravos quando a escravidão foi abolida. "Até ontem era tudo lícito, então por que mudou? É um bando de babaca".

O deputado Sílvio Costa, de Pernambuco, também não gostou do anúncio do presidente da Casa e pretende recorrer em plenário caso seja aprovado o ato da Mesa que acaba com o uso da cota para parentes. E a sagrada instituição da família como é que fica? "Não é justo que mulher e filhos não possam vir a Brasília. Quer dizer que agora eu venho para Brasília e minha mulher fica lá? Assim vocês querem que eu me separe. É preciso acabar com essa hipocrisia. Ou a Câmara tem a coragem de falar a verdade ou cada dia vamos apanhar mais". Foi vivamente aplaudido.

Que mais não seja, mesmo que mais não possam levar familiares pagos “pelo meu, pelo seu, pelo nosso”, nada impede que os ilustres representantes do povo continuem ilustrando o espírito com turismo de luxo. Um convite para observar uma conferência da OEA em Nova York, a pesca do atum na Noruega, a produção de bananas nas ilhas Canárias ou de azeite nas ilhas gregas, isto é gentileza que sempre se descola. A PLANALTUR tem longo futuro pela frente.

Enquanto a imprensa escolhe o Congresso como bola da vez, no mundo acadêmico a farra corre solta. Uma passagem até as antípodas, para apresentar em Tóquio um vital comunicado de vinte minutos... sobre Literatura Comparada. Outra a Paris para discutir as relações subterrâneas entre o teatro de Nelson Rodrigues e Jean Genet. Ou a Londres para discutir a capital influência de Sterne na obra de Machado. Se o universitário for mais audacioso poderá propor uma pesquisa da poesia iídiche e ladina nos países que acolheram askenazis e sefarditas. Dá um belo tour, de Lisboa e Madri a Praga e Budapeste, mais algumas capitais de permeio. Tudo isso com hospedagem e restauração, é claro.

No Congresso, turismo soa à corrupção. No mundo universitário atende por intercâmbio acadêmico. Mas a universidade é o Santo dos Santos, onde jornalistas não podem penetrar. O Santo dos Santos era uma sala do Templo de Salomão onde ficava guardada a Arca da Aliança. Era onde se realizava anualmente uma cerimônia de sacrifício expiatório de um cordeiro sem mácula pelos pecados dos judeus. Esta sala ficava separada do templo por uma cortina de linho. Segundo a lei de Moisés, somente ao sumo sacerdote era permitido entrar no Santo dos Santos, e ele tinha que ser cerimonialmente purificado antes que pudesse falar com Deus.

quinta-feira, abril 23, 2009
 
Perversões uspianas:
O DOUTORANDO CARECA



O caso não é pessoal. Para que disto ninguém duvide, transcrevo o que escrevi em 2001: “Entre as muitas anomalias da universidade brasileira estão os mestrandos quarentões. Aquela iniciação à pesquisa, pela qual o candidato deveria optar tão logo terminasse o curso superior, é adiada para uma idade em que do acadêmico já se espera obra consolidada. Pior mesmo, só os doutorados de terceira idade. Marmanjos de cinqüenta e mais anos, em idade de aposentar-se, postulando um título que só vai servir para pendurar junto com as chuteiras. (...) Mestrado não é para carecas. Já um doutorando, este deveria defender sua tese no máximo aos trinta e poucos, para que sua experiência em pesquisa possa ser útil ao ensino e à sociedade. Que mais não seja, é patético ver um homem já maduro humilhando-se, ao tentar iniciar-se em metodologias que devia desde jovem dominar. Na universidade brasileira, o doutorado nem sempre é visto como início de uma carreira, mas como louro a coroar a calva do acadêmico quando este está prestes a usar pijamas. Quem paga tais vaidades senis? Como sempre, o contribuinte”.

Terça-feira passada, leio notícia na Folha de São Paulo sobre um senhor que concluiu mestrado aos 63 anos e doutorado aos 68. Doutorado para quê? Para aposentar-se? Ou para pendurar o diploma na parede para contemplação dos netos? Uma tese de doutorado deveria servir como instrumento de magistério futuro a um professor, não como troféu de caça. Se há nove anos eu já considerava uma anomalia um mestrando careca e considerava que um pesquisador deve doutorar-se aos trinta e poucos, eis que os jornais hoje me apresentam o doutorando careca, mais uma das tantas perversões da universidade brasileira. No caso, a USP.

Pode parecer comovente – como comovem essas vovós que terminam um curso de Direito aos 80 – um senhor em idade provecta submeter-se a uma banca que julgará sua produção intelectual. Banca esta composta naturalmente por professores mais jovens – aos 68 já estariam aposentados -, arrogantes como todos os PhDeuses, que submeterão o doutorando à ditadura do método e à humilhação da censura de um júri. Alessandro Barghini – o doutor em questão - era conhecido por seus colegas como um competente técnico, especialista em planejamento energético. Graduou-se em Ciências Políticas na Universidade de Roma em 1964. Aos 24 anos, portanto, idade adequada para uma graduação. Voltou à universidade com 60 anos e concluiu este ano sua tese de doutorado sobre a influência da luz artificial na vida silvestre.

Seu trabalho como especialista em planejamento energético o levou a diversos lugares do mundo. Motivado por observações de uma temporada de trabalho do Equador e nas ilhas Galápagos, descobriu a América. "Lá, eu trabalhava de dia na parte elétrica e, à noite, no tempo vago, eu observava aves e insetos. Havia uma ave que ficava esperando os insetos baterem na luminária e caírem para comê-los. Ela preferia ficar atrás das lâmpadas a vapor de mercúrio, que atraem mais insetos."

Não li a tese do novel doutor e posso estar cometendo injustiça. Mas não me parece que seja necessário ir até as Galápagos ou ao Equador para descobrir que luzes artificiais atraem insetos. Qualquer criança no campo ou nos centros urbanos está careca – falo agora metaforicamente – de saber disso. “Os ribeirinhos e os caboclos sabem que a luz atrai insetos", diz Barghini. Ora, nossos sambistas também sabiam. Canta Avelino Moreira:

Trocaste o meu samba
E a lua do morro
Pela luz da cidade
Segue o teu caminho Mariposa
Já que esta luz te embriaga
Mas nunca te esqueças Mariposa
Que toda a luz se apaga


Ou Adoniran Barbosa:

As mariposa quando chega o frio
Fica dando volta em volta da lâmpida pra se esquentar
Elas roda, roda, roda e dispois se senta
Em cima do prato da lâmpida pra descansar


Verdade que a linguagem não é lá muito acadêmica, nem os métodos destes observadores serão muito científicos. Claro que também sabiam que luz atrai mosquitos e muriçocas, mas mosquitos e muriçocas nada têm de poético e não é gentil compará-los à mulher amada. Mas decididamente não precisaram ir tão longe para descobrir o que está perto. Dr. Barghini descobriu indícios de que a iluminação artificial perto de áreas selvagens contribui para espalhar doenças como malária, mal de chagas e leishmaniose. Ora, se iluminação artificial atrai insetos que transmitem tais doenças, não é preciso ser nenhum Einstein para concluir que a iluminação artificial perto de áreas selvagens contribui para espalhar doenças como malária, mal de chagas e leishmaniose. O óbvio dispensa o aval de qualquer banca.

Não tenho preconceitos contra doutorandos idosos. Tenho pós-conceitos, o que é diferente. Se alguém quer investir cem mil dólares em si mesmo, para depois pendurar um diploma na parede - ou no currículo - tudo bem. O problema é quando o contribuinte, e particularmente o contribuinte de país pobre, entra com esse montante para satisfazer uma vaidade. Um dos grandes pesquisadores da história nacional, Hélio Silva, fez excelente trabalho de historiador sem jamais ter defendido tese. Diga-se de passagem, era proctologista de formação. Honestamente, não entendo alguém concluindo um doutorado em idade de aposentadoria.

 
O EXTRAORDINÁRIO REPÓRTER


Lula tem a fama de ser o Teflon da política brasileira. Nele nada gruda, nem os escândalos que avaliza, nem as bobagens que profere. Mas pelo menos recebeu a comenda por parte da imprensa. Não é, no entanto, o único em quem nada gruda na política nacional. Por mais alta que seja sua aprovação entre os eleitores, nunca conseguiu erguer-se à condição de reserva moral da nação. Fernando Gabeira sim. Nenhuma das besteiras que cometeu em sua vida – nem seu passado terrorista, nem seu requerimento da bolsa-ditadura ano passado, nem as viagens de sua família com dinheiro do contribuinte – gruda em seu nome. Pelo contrário, continua sendo visto como um dos raros exemplos de honestidade no universo político tupiniquim.

Não bastasse isto, na Folha de São Paulo de ontem, Clóvis Rossi o promove a grande jornalista. “Sou um admirador de Fernando Gabeira desde muito antes de seu envolvimento com a política partidária. É um extraordinário repórter, escreve muitíssimo bem -e quem, como eu, vive há 45 anos de fazer reportagens e escrever (não tão bem quanto ele), só pode admirar os mestres. Na política, ele manteve alta a cota de admiração, pelo que diz, pelo que faz, pelas teses que levanta, pela combinação de sensatez e firmeza com que as defende”.

Tanta sensatez e firmeza que já fez pelo menos três meas culpas de suas mancadas. Renegou seu passado terrorista, a serviço da pior ideologia do século, embora tenha preservado a fama de combatente pela democracia. Renunciou ao bolsa-ditadura, que havia requerido, mas preservou sua imagem de líder impoluto. Arrepende-se publicamente de ter financiado com dinheiro do contribuinte as viagens de suas filhas, mas continua como vítima da “cultura da Casa”, como escreve Rossi. Tadinho do Gabeira. Não sabia que a cultura da Casa era corrupta.

Mas voltemos ao extraordinário repórter, como o define Clóvis Rossi, que “escreve muitíssimo bem - e quem, como eu, vive há 45 anos de fazer reportagens e escrever (não tão bem quanto ele), só pode admirar os mestres”. Esta afirmação só demonstra uma coisa: que Rossi nunca teve de revisar um texto de Gabeira. Eu e meus colegas de Folha tínhamos de copidescá-lo diariamente, quando era correspondente em Berlim. Já vivíamos na era da informatização, mas ainda não havia Internet. Cada despacho seu, enviado por telex, era visto com extremo desconforto pelo jornalista que o recebia para revisar. O brilhante correspondente não tinha noção alguma de acentuação. Para Gabeira, acentos eram como sal. Eles os jogava sobre o texto, sem preocupar-se onde caíam. O que exigia um trabalho exaustivo do redator que o recebia: cada palavra com acento tinha de ser corrigida.

Fosse isso não era nada. Sua frase era boa, seu texto fazia sentido. O problema é que o texto final, o que chegava ao leitor, nada mais tinha que ver com Gabeira. Conto isto em meu livro Como ler jornais (http://www.ebooksbrasil.org). Como o livro é antigo e dele poucos devem lembrar, volto ao assunto.

Guerra da Iugoslávia, 1991, nos dias de independência da Croácia. Eu trabalhava na editoria de Internacional, da Folha de S. Paulo. Nosso correspondente responsável pelo Leste europeu mandava suas matérias de Berlim, que isso de cobrir guerras no front é muito arriscado. Por volta das três horas da tarde, começava a enviar seus despachos, a partir do noticiário dos jornais da manhã. Isto é, os jornais haviam sido redigidos ontem, os fatos ocorridos anteontem e o leitor brasileiro os leria amanhã, com pelo menos três dias de atraso. As agências noticiosas, mais ágeis, nos enviavam notícias fresquinhas. A nós, redatores, cabia substituir o lead da reportagem por material mais quente. Lá pelas cinco da tarde, o despacho enviado caíra para o pé do texto. Quando o correspondente informava que os iugoslavos planejavam um ataque, nós já tínhamos os alvos destruídos e os aviões de volta às bases.

A cobertura da guerra, em verdade, era feita da redação na alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Que, de certa forma, estava mais próxima dos fatos que o correspondente na Alemanha. O texto todo era redigido na redação. Começávamos a atualizar a matéria pelo lead e Gabeira ia descendo rumo ao pé. Muitas vezes não sobrava sequer uma linha do despacho original. Mas a matéria saía assinada por Fernando Gabeira, "enviado especial".

Como era feita esta cobertura? O redator recebia um punhado de despachos, que iam sendo renovados a toda hora pelo boy que os retirava do telex. (Eram ainda os dias do telex). Havia matérias quentes das agências, que tinham seus correspondentes no campo de batalha, reportagens frias que davam o clima local, análises de especialistas e informes sobre a repercussão dos fatos nas diferentes capitais do mundo. Cabia ao redator juntar todos esses relatos e criar uma história coerente. Fossem os textos assinados ou não, os fragmentos aproveitados pelo redator eram todos atribuídos ao “correspondente de guerra”, comodamente instalado em Berlim.

A segunda edição do jornal, a que circularia no dia seguinte apenas em São Paulo (na cidade), era fechada lá pela 01h da manhã. Como os redatores da Internacional eram ágeis, o leitor paulistano pelo menos tinha uma visão muito atualizada da guerra, graças ao mestre (apud Rossi) Fernando Gabeira. Ocorre que o texto que chegava ao leitor não era de Gabeira. Era nosso.

Gabeira deveria sentir-se muito surpreso se lesse sua matéria publicada, falando de fatos dos quais ele, o suposto autor do texto, nunca ouvira falar. Mas nunca reclamou, como seria de se esperar de um jornalista honesto.

Este é o extraordinário repórter louvado por Clóvis Rossi.

quarta-feira, abril 22, 2009
 
SÓ FALTA O EXÉRCITO


De Charlie, um de meus interlocutores de blog e Orkut, recebo:

A “polícia indígena” eu conheci de perto. Na verdade, tive a oportunidade de trabalhar ombro a ombro com bugres armados com cacetetes rudimentares, ou tacapes, em operações policiais dentro da reserva. E isso não aconteceu nos confins da floresta amazônica, onde só é possível chegar de barco depois de dias de viagem. Aconteceu no noroeste do Rio Grande do Sul, no município de Tenente Portela onde existe uma reserva dos índios Kaingangs (literalmente, “moradores do mato”). E sim, eles tinham um minúsculo xadrez onde jogavam os indivíduos mais problemáticos.

Se não me engano, isto configura crime de cárcere privado. Mas as autoridades, policiais e políticas, do município e da região, fazem vista grossa aos milicianos. Eu, policial civil, precisava de autorização para entrar na reserva, dada ou pelo cacique ou pelo “capitão” – o chefe da força policial clandestina. A reserva de Ten. Portela não é a única que possui uma milícia privada, trabalhei também com "índios policiais" em Miraguaí.

 
EXCELÊNCIAS QUEBRAM O PAU NO STF


Ministro Joaquim Barbosa, dirigindo-se ao presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes:

- Saia à rua, ministro Gilmar. Saia à rua! Faça o que eu faço. Vossa Excelência não está na rua não. Vossa Excelência está na mídia destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso.

Ministro Gilmar Mendes, respondendo a seu par, ministro Joaquim Barbosa:

- Vossa Excelência não tem condição de dar lição a ninguém.

Réplica da Excelência Joaquim Barbosa:

- E nem Vossa Excelência. Vossa Excelência me respeite. Vossa Excelência não tem condição alguma. Vossa Excelência está destruindo a Justiça desse País e vem agora dar lição de moral em mim? Vossa Excelência não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite!

Responde Excelência Mendes:

- Ministro Joaquim, Vossa Excelência me respeite.

 
ETNIA TICUNA
SE OUTORGA
PODER DE POLÍCIA



Diz a Constituição Federal em seu artigo 144:

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Isso é o que diz a Constituição. O mesmo não pensam os índios da etnia ticuna, que há quatro meses criaram sua própria polícia para combater o crime na aldeia Umariaçu, a 1.105 km de Manaus. É o que nos conta hoje o Estado de São Paulo. As armas usadas pelos “policiais” indígenas são palmatória, chicotes e cassetetes. Eles usam fardamento com logotipo de dois cassetetes e um facão do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), design e nome criados por eles mesmos. Os detidos são levados a uma prisão de 1,5 metro quadrado.

“Os índios estavam cansados da omissão do poder público e resolveram tomar a iniciativa para proteger sua gente e suas terras”, disse o dirigente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré. Na semana passada, Sateré foi a Tabatinga para reunir-se com pajés da aldeia Umariaçu. “Pediram apoio para a delegacia, e anteontem encaminhamos a carta ao Ministério da Justiça e ao governo do Amazonas”, conta. Eles pedem a legitimação da delegacia, treinamento para os “policiais” e pagamento, já que todos são voluntários.

Há alguns anos, quando cheguei em Higienópolis, um judeu foi assassinado por um assaltante em frente a uma sinagoga. Os moradores do bairro, em grande parte de ascendência judaica, cansados da omissão do poder público, reuniram-se e decidiram criar um serviço de segurança privado para a vigilância das ruas. Houve consenso dos síndicos de condomínios e boa parte dos condôminos, ciosos de suas vidas e seus bens, aceitaram tranqüilamente pagar uma taxa para a manutenção do serviço. Se bem me lembro, na época a taxa era de 50 reais por unidade domiciliar e muitos dos habitantes do bairro já haviam começado a pagá-la.

O que não contavam era com a pronta reação dos eternos defensores dos tais de Direitos Humanos. Alegando que poder de polícia é de competência do Estado, moveram mundos e fundos e conseguiram vetar a solução encontrada pelo bairro. A idéia de uma segurança privada foi pras cucuias e as taxas já pagas foram devolvidas. É óbvio que estes senhores não dirão uma palavra sequer de protesto contra esta nova modalidade de segurança, não prevista na Constituição, a polícia indígena.

O que os ticunas estão criando, no fundo, é uma milícia, que não encontra amparo legal nas leis do país. Bastante diferente da intenção dos higienopolitanos, que jamais pensaram em uma delegacia, muito menos em prisões de metro e meio quadrado. Queriam apenas prevenir assaltos e proteger suas posses, como fazem os bancos ou serviços de transporte. Não estavam pedindo a legitimação de uma força policial, muito menos dinheiro ao governo.

O fato é que o Estado brasileiro há muito delegou aos cidadãos os cuidados com a própria segurança, prova disto é a proliferação de grades – muitas eletrificadas – cercando casas e prédios de todas as cidades do país. Isto se permite aos “brancos”, que trabalham, pagam seus impostos e querem segurança para si e para os seus. O que não podem é contratar seguranças.

Quanto aos índios, estes podem criar delegacias nas aldeias, ao mesmo título que qualquer Estado ou município. Mais ainda: os funcionários destas delegacias não serão escolhidos por concurso público, como é normal no país. Os “policiais”, no caso, serão índios. A posição da Secretaria de Segurança do Estado de Amazonas é de “não reconhecimento da delegacia, que é uma forma de milícia e está fora da lei”.

Há duas semanas, eu comentava o novo estatuto indígena que está sendo tramado nos corredores mais que escusos do Congresso. Segundo o novo texto, para condenar um indígena, a Justiça precisará avaliar se o ato praticado está de acordo com os usos e costumes da comunidade indígena a que pertence e se o índio tinha consciência de que cometia uma ilegalidade. Os ticunas, entusiasmados com o que lhes é acenado por defensores dos tais de direitos indígenas, pelo jeito pretendem poupar este trabalho à Justiça. O que falta saber é por qual justiça se orientarão os novos policiais. Por aquela justiça que considera o assassinato um crime? Ou por aquela outra, que considera um dever enterrar crianças vivas, caso sejam gêmeos, filhos de mães solteiras ou apresentem um defeito congênito?

Os bugres estão excitados com os novos tempos, a ponto de reclamarem em um hospital a alta de uma criança para matá-la na aldeia, em obediência a suas tradições milenares. Exigem agora uma polícia própria. Mais um pouco e pretenderão uma força militar própria.

Enquanto isso, o cidadão urbano é impedido de contratar seguranças para a proteção de próprio bairro.

 
TAM PERDE OLIGOPÓLIO


Em janeiro passado, comentei uma decisão da ANAC que liberava gradualmente as tarifas aéreas a partir daquele mês, o que resultaria na liberdade total de preços a partir de 2010. A TAM, com a cobertura do SNEA (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias), questionou na Justiça a decisão da ANAC e juiz é o que não faltou para defender a manutenção de uma economia socialista no país, aquela economia que pretendia revogar a lei da oferta e da procura.

Na sentença que suspendeu o desconto, o desembargador Jirair Meguerian argumentou que a resolução da Anac gerava “efeitos imediatos e catastróficos para as companhias aéreas brasileiras e para o mercado em geral, além de favorecer a prática do dumping pelas companhias internacionais, que valem-se de subsídios governamentais e poderão praticar tarifas muito inferiores àquelas praticadas pelas empresas nacionais”.

Na época, a Anac, que propunha a liberação de tarifas, aventava redução de até 80% no prelo dos bilhetes (uma passagem de ida-e-volta para a Europa sairia por U$174). A meu ver, isto é um tanto inviável. Mas quem deve decidir isto é o mercado e não um juiz.

Hoje, os jornais nos trazem boas notícias. A liminar obtida pelo SNEA caiu. As manobras oligopolistas da TAM fracassaram. A partir de hoje, está liberado o preço das passagens internacionais em vôos para os EUA e Europa. A medida passa a viger tão logo seja publicada no D.O.U. Inicialmente, o desconto será de até 20% abaixo do piso estabelecido pela Anac. Em julho, os descontos passam a 50%. Três meses depois, em outubro, as companhias aéreas poderão oferecer preços até 80% mais baixos e, finalmente, a partir de janeiro de 2010, a tarifa será totalmente liberada.

Ou seja, quem quiser partir em julho estará mais ou menos liberado das tarifas praticadas durante a estação alta. Isto se alguma empresa se habilitar a tanto. Mas a decisão da ANAC tem algo de utópico ao prever preços até 80% mais baixos. Não creio que alguma empresa se mantenha em pé cobrando U$ 174,00 por uma travessia oceânica de ida-e-volta. Assim fosse, talvez estimulasse os mãos-de-vaca de Brasília, os deputados e senadores que adoram viajar às custas do contribuinte, a pagar de seu próprio bolso o turismo de seus familiares.

A Varig, que durante décadas afastou os brasileiros do Exterior, já morreu. A TAM, se insistir em sua política de preços altos, irá pelo menos caminho. Que a agonia lhe seja breve.

terça-feira, abril 21, 2009
 
VOE PLANALTUR, A AGÊNCIA MAIS EM CONTA


“A naides tengás envidia;
es muy triste el envidiar;
cuando veás a otro ganar
a estorbarlo no te metas:
cada lechón en su teta
es el modo de mamar.”


(Consejos del viejo Vizcacha, Martín Fierro)



Neste Brasil ninguém morre de tédio, costumo afirmar. Em qualquer órgão público onde alguém descubra um só caso de corrupção, você vai puxando o fio e descobre que não é apenas um caso, mas quatro ou cinco. É quando uma certa inquietação toma conta da guilda. Você puxa mais um pouco a fieira e lá vem a corporação toda pendurada. Que é que é que fiz de errado? – perguntam-se as inocentes alminhas. Afinal, todo mundo não faz isso? Você olha mais a fundo no balaio e descobre que corrupção era a regra e retitude, se é que ainda existe, é exceção.

Descobriu-se, cá e lá, que alguns deputados e senadores desviavam verbas destinadas a passagens para turismo de parentes e amigos. Os jornais investigaram mais a fundo e concluíram que não eram alguns deputados e senadores, mas quase todos. Quase todos, por enquanto. Não seria de surpreender que fossem todos. Até mesmo o presidente da Câmara, Michel Temer, Temer admitiu ter viajado com sua mulher à França e com seu irmão à Bahia. Afirma que usou a cota porque "havia o entendimento de que era um crédito do parlamentar".

A Câmara tem um Conselho de Ética, órgão responsável por julgar eventual quebra de decoro dos deputados. Pois descobriu-se que esse Conselho emitiu pelo menos 35 passagens para o exterior em seus próprios nomes ou no de terceiros, incluindo parentes, amigos e funcionários, para destinos como Londres, Paris, Milão, Miami e Buenos Aires.

A União tem um órgão cuja função é fiscalizar a aplicação do dinheiro público, o Tribunal de Contas da União. No ano passado, a despesa com passagens aéreas para os nove ministros do TCU chegou a R$ 720.344,38, o que representa aumento de 45,2% em relação a 2007 e corresponde a uma média de R$ 80 mil anuais por integrante da corte. Neste imenso Boeing da alegria onde todo mundo viaja, nem mesmo as reservas morais da nação resistiram ao apelo da Europa maravilhosa. Até mesmo o impoluto Fernando Gabeira admite que destinou passagens a uma de suas filhas. Protógenes Queiroz, o campeão da luta contra a corrupção nas altas esferas, recebe passagens da deputada Luciana Genro, a paladina gaúcha que combate governo e partidos em nome da honestidade.

Ontem, assistimos ao espetáculo comovente de ver um calejado senador chorando em plenário. Mesmo morando em apartamento próprio em Brasília, o senador Gerson Camata e a mulher dele, a deputada Rita Camata, ambos do PMDB do Espírito Santo, recebem auxílio-moradia do Senado e da Câmara. No total, são R$ 6.800 por mês para o casal. Segundo o senador, de R$ 3.800 brutos, ele paga contas de condomínio (R$ 1.100) e de gás (R$ 75,46), entre outros gastos. A deputada não disse quais são as despesas dela. Os dois moram no mesmo local.

Em verdade, o senador teve de admitir morar em imóvel próprio na capital para rebater uma denúncia maior, de um ex-assessor, de que alugava o seu apartamento para uma embaixada para receber o auxílio-moradia. "Eu preciso até provar que moro no meu apartamento, o que é uma coisa incrível", afirmou. Para livrar-se de uma calúnia, o ilustre senador teve de admitir participar da corrupção. A que ponto chegamos. É de cortar o coração.

Se todos os digníssimos representantes do povo e seus fiscais fazem, por que não o fariam até mesmo deputados cujos mais nobres ideais são terminar com os privilégios das elites? É o caso de Nazareno Fonteles, do PT piauiense, que emitiu cinco bilhetes em nome de terceiros para Miami. Alguém ainda lembra deste senhor? Eu lembro. É aquele que, há cinco anos, apresentou no Congresso, o nobilíssimo projeto de Lei Complementar, que estabelecia um limite máximo de consumo aos brasileiros e a tal de Poupança Fraterna. Para que se tenha uma idéia do espírito generoso do deputado, transcrevo os itens iniciais de seu generoso projeto:

O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica criado o Limite Máximo de Consumo, valor máximo que cada pessoa física residente no País poderá utilizar, mensalmente, para custear sua vida e as de seus dependentes.
§ 1º O Limite Máximo de Consumo fica definido como dez vezes o valor da renda per capita nacional, mensal, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em relação ao ano anterior.
Art. 2º Por um período de sete anos, a partir do dia primeiro de janeiro do ano seguinte ao da publicação desta Lei, toda pessoa física brasileira, residente ou não no País, e todo estrangeiro residente no Brasil, só poderá dispor, mensalmente, para custear sua vida e a de seus dependentes, de um valor menor ou igual ao Limite Máximo de Consumo.
Art. 3º A parcela dos rendimentos recebidos por pessoas físicas, inclusive os que estejam sujeitos à tributação exclusiva na fonte ou definitiva, excedente ao Limite Máximo de Consumo será depositada, mensalmente, a título de empréstimo compulsório, em uma conta especial de caderneta de poupança, em nome do depositante, denominada Poupança Fraterna.


Da proposta do sublime Nazareno resultava que seriam poupadores na Poupança Fraterna – isto é, seriam confiscadas – todas as pessoas que tivessem, em 1999 e a preços daquele mesmo ano, rendimentos mensais superiores a R$ 5.527,00. É o tipo da proposta que jamais encontrará acolhida entre seus pares, para os quais 5 mil reais é argent de poche. Quanto a passagens a Miami, bom, passagem não é rendimento. É apenas um instrumento para o adequado exercício da deputação. No caso, enviar amigos a Miami.

Os tempos são bicudos e o turismo internacional se ressente da crise. Se você gosta de cultivar o espírito e agraciar o estômago nas lojas e restaurantes da Europa e Estados Unidos e hoje não está conseguindo viajar, tome uma providência urgente ano que vem. Candidate-se a deputado ou senador e goze - você, sua mulher, sua sogra, seus filhos, suas amantes - das regalias da PLANALTUR, a agência de turismo mais em conta nestes dias de recessão. Se antes existia um vazio legal quanto à existência da generosa agência, agora ela foi legalizada. Voe tranqüilo, sem a desagradável sensação de estar sendo financiado pelo contribuinte. Em verdade, está. Mas agora é legal, digno e justo.

Mas o caso mais insólito, sem dúvida alguma, é o do deputado Fernando Gabeira, eleito pela imprensa nacional como uma espécie de reserva moral da nação. Continuo abaixo.

 
GABEIRA, O VERDE IMPOLUTO


Comecei a sentir que o tempo em um distante ano dos 80, quando lecionava na UFSC, em Santa Catarina. Eu ia para a universidade de ônibus quando, a meu lado, ouvi uma confidência surpreendente de uma aluna para outra:

- Eu conheci um cara que viveu 64.

Não foi um tapa na cara, mas o que senti soou mais ou menos como se fosse. Naquele momento, me dei conta que minha geração já passara, que minha memória era depositária de acontecimentos históricos e que não pertencia mais àquele mundo a meu lado. Em 64 eu tinha 17 anos e, bem ou mal, estava envolvido nos acontecimentos de então. Digo isto para introduzir Gabeira no assunto. Porque se há jovens que sequer têm idéia do que foi 64, certamente tampouco terão idéia de quem foi Gabeira ou do que fazia nos anos 60.

Bolchevista e terrorista, Gabeira, se alguém não mais lembra, militava no movimento terrorista MR-8, responsável pelo seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969. Gabeira é também um dos responsáveis pela sobrevida política dessa excrescência chamada José Dirceu, que foi banido do país em troca da libertação de Elbrick. Após o seqüestro, Gabeira foi fazer turismo ideológico em Cuba, foi depois para o para o Chile e acabou caindo na social-democracia sueca, onde, ao que tudo indica, tornou-se mais cordato.

Mas nada justifica seu passado. O seqüestro do embaixador ocorreu no final dos anos 60. Gabeira era jornalista e, por uma questão de ofício, pessoa bem informada. Ao aderir a um movimento stalinista, já era grandinho suficientemente para ter plena consciência das purgas de Stalin nos anos 30, dos gulags, da affaire Kravchenko, das denúncias de Kruschov no XX Congresso do PCUS, em 1956. Se optou pelo terrorismo, não foi por falta de informação.

Ano passado, ao ter notícias das bolsas-ditadura recebidas por Ziraldo e Jaguar – isso sem falar nas milhares de outras – Gabeira deitou verbo contra os dois vigaristas do Pasquim. Pois não é que a Folha de São Paulo nos noticiou, em maio passado, que seria julgado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça um pedido seu para que a União considerasse o tempo em que foi exilado, na época da ditadura militar, para efeitos de aposentadoria.

Entusiasmado com o dinheiro fácil das bolsas-terrorismo, Gabeira deixou cair a máscara de neoimpoluto e mostrou ao que vinha. Ao mesmo tempo em que se sentia moralmente obrigado a denunciar os colegas de vigarice. Na ocasião, afirmou não ter condições de demonstrar no que trabalhou. “Eu pedi para contarem, para efeito de aposentadoria, os anos que passei no exílio. Foram nove anos. Não tenho condições de demonstrar claramente que eu trabalhei. Os dois jornais em que trabalhei, o Binômio e o Panfleto, foram empastelados. O Diário da Noite e o Última Hora fecharam. Para pedir aposentadoria, preciso disso”.

Precisava mas nem precisava. No mês anterior, fora contemplado com uma bolsa-terrorismo o gaúcho Diógenes Oliveira, militante petista gaúcho e ex-secretário de Transportes da Prefeitura de Porto Alegre, que conseguiu uma indenização retroativa de R$ 400 mil e rendimento mensal vitalício de R$ 1.627,72 por, supostamente, ter sido obrigado a abandonar, em 1966, o emprego que tinha na Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE). Diógenes, hoje sessentão, integrou a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e participou de vários atentados terroristas. Foi preso e exilado em 1969, voltando ao País em 1979. Coincidentemente, o mesmo ano em que Gabeira volta ao Brasil, após ter degustado o amargo caviar do exílio no paraíso nórdico.

Diógenes, na verdade, não perdeu o emprego na CEEE por perseguição política, "por ser sabedor de que a Polícia Política do Regime Militar tinha conhecimento de suas atividades e que, em conseqüência, estava preste a ser preso", como alega. A CEEE enviou um ofício à Comissão de Anistia desmentindo. E afirmou que Diógenes abandonou o emprego. Mesmo assim, foi regiamente indenizado e bem aposentado.

Gabeira, o impoluto, queria na época indenização pelos dias bem vividos no paraíso social-democrata. Se a moda pegasse, todo lavador de pratos que saiu do Brasil naqueles anos iria querer o seu. Por outro lado, as novas gerações já estão imbuídas da consciência de que investir em terrorismo sempre garante uma velhice tranqüila. Ante o ridículo – e a incongruência – de seu pedido, o impoluto deputado acabou desistindo da bolsa-terrorismo. Mas só desistiu após ter sido flagrado pela imprensa.

Agora, resvalou de novo. Foi flagrado desviando passagens para viagens de sua filha ao Exterior. Pego com a boca na botija, Gabeira não perdeu no entanto a complacência de seus colegas de jornalismo e é visto, até hoje, como arquétipo de honestidade. Gabeira afirmou que discursará da tribuna da Câmara amanhã, quarta-feira. Disse que vai reconhecer um erro e iniciar uma batalha na Casa. Sem ser católico, parece ter intuído muito bem o sacramento da confissão. Basta pedir perdão pelos pecados e a absolvição é automática.

Mas não se dá por achado. Admite o erro de ter cedido passagens da cota a que faz jus como deputado para que familiares viajassem ao exterior. Mas pretende convencer a direção da Câmara a modificar as regras que disciplinam o uso das passagens, com as quais presenteou sua filha.

Promete devolver o valor gasto aos cofres públicos e não mais se fala no assunto. "No meu caso, há um ou dois bilhetes para familiares", disse. "Vou falar como um deputado que errou. Mas que não se compromete com o erro". Um ou dois bilhetes? Se foram tão poucos, como não lembrá-los? Que mais não seja, não poderia perguntar à filha? Ela certamente lembra. É bom que o deputado pesquise a fundo sua generosidade familiar, financiada pelo contribuinte. Pode ocorrer que sejam mais as passagens.

Gabeira não precisou a data ou o destino das passagens aéreas nem informou quem as utilizou, para proteger a privacidade das pessoas, porque, segundo ele, elas "não sabiam que era irregular". Santa inocência, a destes filhos que ignoram que o pai lhes paga passagens que são irregulares. O deputado disse considerar "inaceitável" a decisão da Mesa da Câmara na semana passada, ou seja, a decisão de legalizar definitivamente doação de bilhetes para parentes, assessores e correligionários dos deputados e senadores, para que a imprensa não mais reclame. Mas o probo deputado só considerou a decisão inaceitável após ser flagrado cometendo a irregularidade que agora o escandaliza. Repete-se a estratégia de quando pediu a bolsa-terrorismo.

Em um acesso – tardio, é verdade – de escrúpulos, o ex-terrorista diz que tentará mudar as regras pela via conciliatória. Se for malsucedido, cogita recorrer ao STF. "Senão abandono o mandato, termino o mandato discretamente e vou abandonar a política".

Melhor que a abandone logo, porque as mordomias para parentes e companheiros já foram sacramentadas. O Congresso tem uma noção muita rígida – e inamovível – de direitos adquiridos. Não voltará atrás.

Claro que não vai abandonar coisa nenhuma. Gabeira não desconhece a curta memória das gentes. Sabe muito bem que daqui a um ano não se fala mais no assunto. E continuará gozando da inexplicável e paradoxal reputação de reserva moral da nação.