¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV
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Janer Cristaldo escreve no Ebooks Brasil Arquivos outubro 2003 dezembro 2003 janeiro 2004 fevereiro 2004 março 2004 abril 2004 maio 2004 junho 2004 julho 2004 agosto 2004 setembro 2004 outubro 2004 novembro 2004 dezembro 2004 janeiro 2005 fevereiro 2005 março 2005 abril 2005 maio 2005 junho 2005 julho 2005 agosto 2005 setembro 2005 outubro 2005 novembro 2005 dezembro 2005 janeiro 2006 fevereiro 2006 março 2006 abril 2006 maio 2006 junho 2006 julho 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 dezembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 novembro 2008 dezembro 2008 janeiro 2009 fevereiro 2009 março 2009 abril 2009 maio 2009 junho 2009 julho 2009 agosto 2009 setembro 2009 outubro 2009 novembro 2009 dezembro 2009 janeiro 2010 fevereiro 2010 março 2010 abril 2010 maio 2010 junho 2010 julho 2010 agosto 2010 setembro 2010 outubro 2010 novembro 2010 dezembro 2010 janeiro 2011 fevereiro 2011 março 2011 abril 2011 maio 2011 junho 2011 julho 2011 agosto 2011 setembro 2011 outubro 2011 novembro 2011 dezembro 2011 janeiro 2012 fevereiro 2012 março 2012 abril 2012 maio 2012 junho 2012 julho 2012 agosto 2012 setembro 2012 outubro 2012 novembro 2012 dezembro 2012 janeiro 2013 fevereiro 2013 março 2013 abril 2013 maio 2013 junho 2013 julho 2013 agosto 2013 setembro 2013 outubro 2013 novembro 2013 dezembro 2013 janeiro 2014 fevereiro 2014 março 2014 abril 2014 maio 2014 junho 2014 julho 2014 agosto 2014 setembro 2014 novembro 2014 |
sexta-feira, julho 31, 2009
FOLHA CONTINUA DANDO ESPAÇO A IMORTAL IMORAL Sexta-feira é o dia em que a Folha de São Paulo dá espaço a três cronistas canalhas: um senador corrupto, um deputado corrupto e um jornalista contemplado com a bolsa-ditadura. Espanta constatar como a Folha envelheceu tão rapidamente. De jornal jovem e corajoso, que denunciou e ainda denuncia os desmandos da ditadura e a corrupção do Congresso, transformou-se em casa que dá abrigo ao que de pior existe no país. Não há dia em que não se descubra uma maracutaia de José Sarney e sua família. Os setores de artes dos jornais têm de atualizar a cada semana os infográficos dos Sarney com os tentáculos que controlam roubos, evasões fiscais, nepotismo, tráfico de influência e crimes outros. O empresário Fernando Sarney já foi indiciado por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica – diz a própria Folha de São Paulo. Pela investigação, o órgão mais beneficiado pelos crimes foi o Ministério de Minas e Energia – controlado politicamente por seu pai. A folha corrida do filho do presidente do Senado é tamanha que já fez esquecer a folha corrida de Fábio Luís da Silva, o Lulinha, filho mais velho do homônimo. Suas negociatas com a Telemar, maior operadora de telefones do país, lhe renderam apenas R$ 5 milhões, concedidos no amor a uma produtora de programas de TV sobre games da qual Lulinha é um dos sócios, a Gamecorp. Qual a diferença entre as corrupções do filho de Sarney e as do filho de Lula? Uma só: um é filho do presidente do Senado e o outro é filho do presidente da República. O Estadão de ontem revelava o acúmulo de salários com aposentadoria do qual se beneficia José Sarney, superando o limite constitucional de R$ 24,5 mil. E superando muito além do imaginável. Segundo o jornal, o senador imortal – e bota imortal nisso! – tem aposentadoria como ex-presidente da República, como ex-governador do Maranhão e ainda uma aposentadoria do Tribunal de Justiça do Maranhão, que poderiam somar algo em torno de R$ 45.000, além de receber mensalmente seu salário como senador, de R$ 16.512. O que dá um simpático salariozinho de 61.512 reais. Por mês. Não é de espantar que o senador sequer tenha notado os 3.800 reais que o Senado lhe pagava a título de auxílio-moradia, apesar de Sarney ter residência em Brasília. Sessenta mil reais só de salários. Aqui não está computado o que o ilustre acadêmico recebe por fora, em decorrência de suas roubalheiras. Interrogado sobre porque político tão corrupto continua assinando coluna na Folha, o secretário de Redação sempre responde cinicamente que o jornal abriga toda gama de opiniões e que Sarney ainda não foi condenado em juízo por crime algum. Precisa? Em poucas décadas de existência, a Folha adquiriu uma craca que a desmoraliza perante seus leitores. Hoje, olimpicamente, o imoral imortal disserta sobre Aristóteles e a arte da política. Escreve que a ojeriza à política é coisa de tiranos. “Hitler tinha horror à política. Na tentativa de evitar a Guerra Mundial, um seu general disse que era chegada a hora da política e ele respondeu: "abomino a política". O ser autoritário é sempre amargurado com a política: o move a força como solução e, para alcançá-la, veste-se do ressentimento, da inveja, do puritanismo, como uma máscara para esconder a hipocrisia”. Está passando um recado a seus eventuais leitores. Este asco que hoje todo cidadão honesto nutre pelos políticos seria comportamento de ditadores amargurados com a política e movidos pelo ressentimento, pela inveja, pelo puritanismo, como uma máscara para esconder a própria hipocrisia. Queixa-se da imprensa, abstratamente, mas jamais da Folha que publica seus tijolos: “Hoje, com a sociedade de comunicação, os princípios da guerra aplicados à política são mais devastadores do que a guilhotina da praça da Concorde. O adversário deve ser morto pela tortura moral disseminada numa máquina de repetição e propagação, qualquer que seja o método do vale-tudo, desde o insulto, a calúnia, até a invenção falsificada de provas”. Coitadinho do senador, morto pela tortura moral, pelo insulto, pela calúnia, até mesmo pela invenção falsificada de provas! Sarney mente descaradamente para justificar seus desmandos e ainda ousa alegar invenção falsificada de provas. “Como julgar uma democracia em que não se tem lei de responsabilidade da mídia nem direito de resposta, diante desse tsunami avassalador da internet e enquanto a Justiça anda a passos de cágado? Como ficam os direitos individuais, a proteção à privacidade, o respeito pela pessoa humana?” Como se na legislação brasileira não houvesse lei que responsabilizasse a mídia nem direito de resposta. Curiosamente, nestes dias, o tiranete Hugo Chávez, através de um mandalete, apresentou à Assembléia Nacional da Venezuela um projeto de lei que prevê a prisão de jornalistas e outros profissionais da imprensa que cometam o que chamou de "crimes midiáticos", que poderão ser punidos com até quatro anos de prisão. O projeto prevê que a pessoa que divulgar informação considerada "falsa", "manipulada", que cause "prejuízo aos interesses do Estado" ou atente contra a "moral pública" ou a "saúde mental" estará incorrendo em "crime midiático". O que o imortal imoral está pedindo é censura à imprensa que denuncia seus crimes e que contesta o que ele chama de direitos individuais, proteção à privacidade e respeito pela pessoa humana. Isto é, o direito de roubar, para si e para os seus, o direito de não responder por tais crimes e o respeito à sagrada instituição da corrupção familiar. É espantoso ver um jornal que se considera honesto e combativo dando acolhida a tal pústula. quinta-feira, julho 30, 2009
BR-319 E AMAZÔNIA Caro Janer, Finalmente algo para discordarmos. Porque, para mim, o asfaltamento da BR-319 não deve ser levado adiante. Concordo que alguma forma digna de se chegar a Manaus que não seja pela água nem pelo ar precisa ser criada. Não há a menor dúvida. Mas que seja então uma ferrovia, conforme sugerido por todos os estudos de impacto ambiental apresentados até agora. Explico. Não é a falta de estrada que isola Manaus. O que isola Manaus é a sua localização. Porque, em primeiro lugar, uma rodovia não vai tornar os produtos mais baratos - veja que o caminho até Rio Branco é asfaltado e o tomate não é mais barato por lá do que em Manaus por isso. Também não vai melhorar o transporte de passageiros. Em que lugar do mundo se anda milhares de quilômetros de carro (ou pior, em ônibus balançando para lá e para cá) e não, majoriamente, de trem? Mais do que isso, imagine o custo da manutenção de uma estrada em uma região que chove (e chove e chove e não para de chover) que nem a amazônia brasileira. Vai ser uma luta interminável para ela não ficar intransitável novamente. E, por último, uma estrada nova, na amazônia, leva consigo um rastro de devastação florestal ao seu redor. Logo aparece o gado, logo aparece a soja. E vai embora a floresta, causando impactos climáticos no mundo inteiro, matando a fauna e a flora que um dia poderiam render descobertas científicas e dinheiro. Não é esse modelo de desenvolvimento, terceiro-mundista, de produção barata de produtos sem valor agragado, que desejo. A ferrovia, por não permitir que os infelizes desçam no meio do seu caminho e derrubem a floresta o quanto quiserem, diminui esse impactos. Mais do que isso: pela distância ser grande, no final os custos de frete e as passagens ficam bem menores do que se for feita uma ferrovia. Quando nossos avós eram piás já se sabia disso, sempre se soube. A opção da ferrovia é uma realidade, já foi levantada várias vezes. Mas parece que pode acabar perdendo pro fator psicológico bobo de "precisamos de uma rodovia, todo mundo que se preze tem uma". Veremos. Abraço, Ricardo Mioto BRASIL PERDE O TREM DA HISTÓRIA De acordo, Ricardo! Ocorre que o Brasil, desde Juscelino, fez uma opção pelo carro. Perdemos o trem da história, sem trocadilhos. A rodovia já está feita e me parece tarde para pensar em trilhos. Em meus dias de jovem, eu ia de trem de São Paulo a Dom Pedrito. Hoje não se vai nem ao Rio. Viajando pela Europa com minha filha, para minha surpresa, ouvi dela: "é a primeira vez que entro em um trem". Ela nascera em um mundo que renunciara ao conforto, praticidade e prazer de viajar de trem. Há horas afirmo que sempre importamos o pior do Primeiro Mundo. Pior ainda, abandonamos o melhor. Em todo caso, duvido que os ecochatos e ornitólogos aceitem a idéia de uma ferrovia. Eles são contra todo desenvolvimento. Há alguns anos, vi uma reportagem no 60 Minutes sobre uma região da Índia que abrigava quarenta milhões de habitantes. O programa começava mostrando mulheres e crianças carregando em baldes, para próprio consumo, uma água preta e lamacenta. Outras juntavam esterco de vaca, usado como combustível. Havia um projeto de uma represa para abastecer de energia elétrica e água potável a região toda. Uma ONG vetou o projeto junto ao Banco Mundial, com a argumentação de que a represa ameaçava uma espécie qualquer de tigre. A represa gorou e quarenta milhões de pessoas continuaram a beber água podre e cozinhar com esterco de vaca. A reportagem entrevistava em Nova York, em um elegante apartamento, a porta-voz da ONG que conseguiu sepultar a represa. Não sei se a moça percebeu a ironia, mas o repórter a filma enchendo um copo de límpida água de torneira. O repórter quer saber porque privar milhões de pessoas de água limpa. A moça dizia mais ou menos o seguinte (cito de memória): não queremos que aquelas populações adquiram os hábitos de consumo do Ocidente. É como se dissesse: esses hábitos do Ocidente são privilégios de ocidentais. Vocês aí, continuem catando esterco de vaca. Mais de trezentos projetos de barragens já foram engavetados no mundo, especialmente na África, Ásia e América Latina, por obra de ONGs. Estas organizações estão cometendo crimes contra a humanidade, ao condenar milhões de pessoas a viver longe da água potável e energia elétrica. Seus militantes são sempre oriundos de países desenvolvidos, todos pontilhados de represas. Sua ação sempre incide sobre países do Terceiro Mundo, que precisam de energia para abandonar esta condição. É preciso olhar com cautela para os defensores aguerridos da fauna. Tigres ou passarinhos, bichinhos comoventes tipo o mico-leão-dourado, constituem uma ameaça ao desenvolvimento de países pobres quando manipulados por ongueiros. AINDA SOBRE A PERICULOSIDADE DOS ORNITÓLOGOS Caro Janer Felizmente, para Curitiba, o macuquinho só serviu mesmo para atrasar um pouco as obras da Barragem do Iraí, que já a mesma está concluída e em operação. Mas que foi uma picaretagem das grossas, foi. Depois, descobriu-se que o tal passarinho, além de não sofrer qualquer ameaça, é também muito comum, pelo menos nos campos de Paraná e Mato Grosso do Sul. O resultado, além de render viagens aos EUA para os ornitólogos e elevá-los ao cargo de consultores (se bem me recordo, foram a Washington expor o caso ao banco financiador) só serviu mesmo para atrasar a obra e, acredito que isto deve tê-los deixado felizes, diminuir o lucro do malvado do empreiteiro que a executou. Lembro ainda mais dois casos. 1 - Os índios do Morro dos Cavalos, em Palhoça, Santa Catarina, que atrasaram a construção de um túnel nas obras de duplicação da BR-101, sob a alegação que tal obra iria prejudicar o seu comércio de artesanato. 2 - O papagaio-do-peito-roxo, que até hoje impede a completa duplicação do trecho paulista da Régis Bittencourt (Curitiba-São Paulo), lá pelos lados de Miracatu. Saudações, Ivo Meu caro Ivo: Em janeiro de 2007, dois simpáticos passarinhos ameaçados de extinção ilustraram uma reportagem na Folha de São Paulo, o papa-formigas-de-topete-branco e o rapazinho-carijó. Segundo estudo feito por cientistas brasileiros - e americanos, como não poderia deixar de ser - as unidades de conservação pequenas têm potencial limitado na conservação da biodiversidade na Amazônia quando se trata de espécies de pássaros. A conclusão é de um estudo de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, a partir de levantamentos feitos desde 1979 numa área desmatada perto de Manaus. Os cientistas tentam entender qual é fator mais crucial para a sobrevivência de espécies em um determinado fragmento de mata que tenha restado numa região desmatada. É mais importante que esse fragmento seja grande ou é mais importante que ele não esteja muito isolado de outros trechos de mata? Seja qual for a conclusão, é óbvio que se opõe a qualquer iniciativa para desenvolver a região. "Fragmentos de cem hectares perdem a metade do número de espécies de ave em cerca de 15 anos", dizia o pesquisador, que alertava para um problema: "Para diminuir dez vezes a velocidade de perda, é preciso aumentar cem vezes a área". Ora, desde quando passarinho é prioritário ante um projeto de agricultura ou pecuária? Por outro lado, pássaros voam. Se um território tornou-se hostil, eles buscam outro. Pássaros migram. Não é preciso ser ornitólogo para saber disto. Quando migram, não migram a pé. Asas vão longe e a Amazônia é vasta. CATADORES DE MACACOS AMEAÇAM REFORMA DE RODOVIA NA AMAZÔNIA Há mais de três anos, comentei o perigo que os ornitólogos representavam para a economia de um país. A idéia que temos destes senhores é a de pacatos cidadãos que adoram observar essas maravilhas da natureza, os passarinhos. Até pode ser. Mas sempre é bom desconfiar quando ornitólogos apresentam um pássaro na televisão. Normalmente, há grossa sacanagem de ONGs e ambientalistas atrás disto. Até hoje estou recebendo bicadas de uma revoada de ornitólogos furiosos. Nos dias em que vivi no Paraná, durante semanas foi vedete dos noticiários televisivos um pequeno pássaro, uma espécie de pardal, que estaria ameaçado de extinção. Chamava-se curiango-do-banhado e habitava nos arredores de Curitiba. Durante longos minutos, o bichinho era exibido em seus ângulos mais simpáticos, sempre com a mensagem: corre perigo de extinção. Ano seguinte, foi a vez de uma nova espécie de tapaculo, da família Rhinocryptidae, batizada com o nome popular de macuquinho-da-várzea. Também vivia nos arredores de Curitiba. Algumas semanas mais tarde se soube ao que vinham o curiango-do-banhado e o macuquinho-da-várzea. Para preservá-los, era preciso preservar seu habitat natural. E para preservar seu habitat natural, as tais de ONGs fizeram uma ferrenha campanha para impedir a construção de uma barragem que abasteceria a capital paranaense. Me consta que o projeto de barragem morreu na casca. Tão ou mais perigosos que os ornitólogos são os ecólogos. Fabio Rohe, da Wildlife Conservation Society, de Nova York, especializou-se em catar macacos no Brasil para impedir o desenvolvimento do país. Em 2007, um grupo de cientistas liderados por este senhor, andou achando uma nova subespécie de macaco no Amazonas, batizado cientificamente como Saguinus fuscicollis mura. A descrição do animal foi publicada na revista científica International Journal of Primatology, em junho passado. Segundo o Globo, o nome mura é uma homenagem aos índios muras, que viviam próximos ao lugar onde o macaco foi encontrado. A escolha, diz Rohe, serve para dar um alerta: “os mura foram muito prejudicados pelos brancos. De certa forma, eles representam a resistência da natureza ao mundo civilizado”. Para onde aponta a nova descoberta? O mura foi encontrado entre os rios Madeira e Purus, justamente sob o traçado da rodovia BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). A rodovia, que hoje está abandonada e intransitável, tem a reforma prevista no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). A obra aguarda apenas a licença do Ibama para começar, e ambientalistas afirmam que a estrada poderá trazer uma devastação sem precedentes para a região. Não é evidentemente por acaso que o símio, descoberto em 2007, só agora foi registrado numa revista científica, exatamente quando se planeja a reforma da rodovia. Mas nem só os ecólogos ameaçam a rodovia. Os ornitólogos também voltaram à carga. Uma nova gralha foi descoberta adivinhe o leitor onde? Entre os rios Madeira e Purus, justamente no traçado da BR-319. Segundo o ornitólogo Mário Cohn-Haft, a ave – que ainda nem foi batizada - coloca seu ninho sempre próximo à margem dos campos, em capões de mata. Somando toda a área que pode ser ocupada pela espécie, concluiu-se que esse espaço é tão pequeno que a ave já pode ser considerada vulnerável à extinção. Com a ocupação da estrada, essa ameaça torna-se real. “Só se precisa permitir que gente chegue perto para destruir o ambiente dela. O ser humano parece não saber conviver com campos naturais sem queimá-los. Os campos próximos à cidade de Humaitá, por exemplo, não hospedam a gralha porque queimam todo ano”, disse Cohn-Haft à reportagem do Globo. “Todos os exemplos que temos de asfaltamento de estradas na Amazônia levaram a muita degradação ambiental. Não temos porque acreditar que neste caso será diferente. Só que ao longo da BR-319 perderemos animais e plantas que não ocorrem em nenhum outro lugar do planeta”, alerta o ornitólogo de alta periculosidade. Uma gralha e um macaco ameaçam o asfaltamento de estradas no Brasil, isto é, a comunicação entre cidades e Estados, precisamente nas regiões mais desprovidas de recursos do país. Ornitólogos e ecólogos unidos jamais serão vencidos. Enquanto isso, o governo brasileiro assiste passivamente, de braços cruzados, a intervenção de fundações estrangeiras em obras fundamentais para o desenvolvimento nacional. quarta-feira, julho 29, 2009
JEAN ASSMANN: MONOTEÍSMO E VIOLÊNCIA A violência é inerente às religiões monoteístas? Esta pergunta é equacionada pelo egiptólogo alemão Jean Assmann, autor de Violence et monothéisme, entrevistado pela revista francesa Le Point. Traduzo alguns excertos de suas declarações: - Meus livros precedentes, e principalmente Moisés, o Egípcio, foram percebidos erradamente como um ataque contra o monoteísmo e o judaísmo, não tanto pelos judeus, mas principalmente pelos cristãos, e sobretudo pelos alemães, sempre sensíveis ao problema do anti-semitismo. Pensei então que seria importante aprofundar o problema da violência nas religiões oriundas do mundo bíblico. Esta violência, com efeito, é específica. Enquanto a violência ritual, por exemplo, que se exprime pelo sacrifício, permite ao homem entrar em comunicação com os deuses e operar uma reconciliação, a violência que se exprime na Bíblia, a partir do momento em que Moisés recebe as tábuas da lei, se faz em nome de Deus: após o episódio do bezerro de ouro, três mil hebreus são assassinados para saciar sua vingança. - Durante muito tempo se considerou que a religião era o principal ponto de apoio a partir do qual um homem podia estabelecer uma comunicação com outro. Isto é verdadeiro para as religiões da antigüidade, que eram estruturadas de maneira completamente diferente do que hoje se entende por religião. As religiões egípcias, gregas ou mesopotâmicas repousavam sobre uma relação entre o homem e o mundo dos deuses, que era o cosmos. O homem se comunicava com as divindades graças aos cultos. Pouco importava então se o vizinho adorava Mitra ou Horus: desde que alguém cresse nos deuses, podia-se confiar nele. Este reconhecimento mútuo dos deuses do Outro permitia o estabelecimento de contratos internacionais, que tornavam possível a comunicação entre os povos. - O monoteísmo rompeu esta comunicação mútua porque ter um deus único é considerar os adeptos de outras religiões como os inimigos de Deus. A religião torna-se então o mais importante gerador de oposições, entre judeus e gentios, cristãos e pagãos, muçulmanos e não crentes... - O que se chamou de “revolução amarniana”, a partir do nome de Amarna, a capital que Akhenaton fez construir em pleno deserto, foi sem dúvida uma revolução monoteísta, todos os deuses foram proibidos e seus nomes apagados. Mas sua importância foi muito relativa, já que após a morte de Akhenaton os egípcios voltaram a seus deuses ancestrais. - Além do mais, seu deus não era revelado nem transcendente e não tinha poder político. Só Faraó representava o Estado. Ora, progressivamente a religião dos hebreus vai evoluir de um deus exclusivo, que nega os outros deuses que lhe fazem concorrência, a um deus único, que é o Poder e a Justiça. É uma première na história da humanidade: não é mais o rei deificado que detém o poder, como no Egito ou na Mesopotâmia, mas uma divindade que enuncia a Lei e se arroga a violência inerente ao poder político. - O direito e a justiça vão se impor face aos ritos sacrificiais. Mas como podem eles ter efeito? Graças à violência jurídica, indefectivelmente ligada ao conceito de lei. Aquele que exerce esta violência em nome de Deus faz prova de “zelo”, isto é, ele cumpre a lei. Mata-se em nome da vontade de Deus. Os fundamentalistas de hoje, sejam judeus, cristãos ou muçulmanos, não pensam de outra forma. - Não é por acaso que o Deus da Bíblia faz uma aliança com seu povo, aliás excludente de toda outra associação e comunicação humana. Numerosos judeus foram deportados para a Babilônia e os redatores da Bíblia retomaram um esquema que eles conheciam, aquele do rei assírio fazendo aliança com seus súditos. - A noção de união entre o poder e o povo, entre o céu e a terra, pode assim encontrar suas raízes no casamento secreto entre o rei assírio e a deusa Ishtar, ritual que lhe permitia afirmar seu poder. Na Bíblia, Deus é o Pai, mas também o rei e o esposo de Israel, o povo eleito, que é a virgem casada. O cristianismo, de sua parte, vai se inspirar mais no Egito, onde Amon, o deus-sol, tomba amoroso de uma rainha que ele fecunda e à qual ele dá o novo rei. Jesus será também o filho de Deus e oriundo de uma linhagem real, através de José, pai de Davi. - Em sua origem, o discurso crístico é não violento e separado do político. “Daí a César o que é de César”. Mas desde que o cristianismo tornou-se a religião de Estado do império romano, a política e a violência dele tomaram conta. Talvez porque, justamente, a intolerância está na raiz do princípio do deus único e revelado. - As religiões monoteístas devem se desconectar do político. Uma religião que assume a violência resta ligada à política e falta à sua função no mundo: liberar os homens da onipotência do cosmos, do Estado, da sociedade e de todo sistema com pretensões totalitárias. O CRESCIMENTO ABSURDO DA ATIVIDADE DO ESTADO Caro Janer, Gostei muito dos seus artigos sobre o "sistema" de cotas e o sobre a Cracolândia. Num livro antigo, Os Dez Mandamentos, da Civilização Brasileira, o último mandamento (salvo traição da memória) era um conto do João Antônio, e na minha opinião seu melhor texto, sobre a fragmentação da zona em São Paulo. Nestes mesmos endereços onde você viu a degradação da cracolândia. Paulinho Perna Torta era o herói. Este episódio da proibição ao fumar tabaco (não fumo e nunca fumei) mostra tantas coisas: o crescimento absurdo da atividade do Estado, o despropósito de quem não consegue coibir o uso de drogas proibidas e investe contra as legalizadas e, sobretudo, revela como o sistema repressivo é todo voltado contra uma parcela da população. Nem os muito ricos, nem os muito pobres, nem os muito minoritários (por mais maioria que sejam), só para a passiva clase média pagante de impostos. Será que vão proibir fumar nos candomblés? Nas salas de umbanda? Fumar não é característica cultural de minoria alguma? Não podem deixar de ser ridículos? Feliciano Swerts C. Dias Pelo que me consta, Feliciano, nos candomblés e umbandas o fumo continuará permitido. Mas essa lei ridícula do Serra tem tudo para não pegar. Sem falar que provavelmente será revogada em suprema instância. Legislação estadual não pode revogar legislação federal. Ou qualquer dia qualquer Estado libera a maconha, cocaína, heroína. Drogas que, de fato, estão liberadas. O que quer se proibir agora é a droga legal. terça-feira, julho 28, 2009
QUANDO BAIXA AUTO-ESTIMA É ESTIMA DEMAIS Leio nos jornais que a Ana Paula Meira, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), descobriu que estudantes cotistas, mesmo depois de passar em concorridos vestibulares, ainda se escondem por causa de baixa auto-estima e do racismo. "O racismo coloca as pessoas sempre à margem. Você duvida que possa estar fazendo o que é certo, que pode ser bonita e inteligente", afirma Ana Paula. "É dificílimo achar um cotista, as pessoas se escondem", descreve a mestranda em Política Pública e Gestão de Educação. Racismo é existir o sistema de cotas. Racismo é achar que um negro vale mais que um branco só porque é negro. Racismo é excluir alunos pobres da universidade só porque têm a pele branca. Racismo é o que o sistema de cotas quer incentivar no país. Luta de classes morta, luta racial posta. Com o desmoronamento da União Soviética e do comunismo, o conflito de classes não pode mais ser empunhado como bandeira política. Era preciso encontrar um novo conflito. Existem pretos e brancos no mundo? Então vamos jogar os pretos contra os brancos, sempre em nome da liberdade e dos direitos humanos. Segundo o que leio, Ana Paula Meira critica a iniciativa do partido Democratas que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra o sistema de cotas. Ela classifica a iniciativa de "reacionária" e refuta o argumento de que o recorte pela renda tornaria a política afirmativa mais justa e eficaz. "A maioria dos negros é pobre, mas o que está em voga não é só o econômico. O que socialmente está torto é o racismo", defende. De fato, minha cara doutoranda, o que socialmente está torto é o racismo. Está torto este racismo que privilegia alguém em função da cor, seja qual cor seja. Sou contra cotas seja para homens brancos, negros, azuis, verdes ou amarelos. Racismo é defender cotas. Se cotista tem baixa auto-estima é porque tem auto-estima demais. Cotista não devia nutrir sequer um pingo de estima por si mesmo. Entrou na universidade pela porta dos fundos. Deveria sair pela mesma porta e não pela porta da frente. Pessoalmente, penso que devia constar de todos os diplomas, daqui pela frente, se o diplomado entrou pelo sistema de cotas ou se disputou lealmente sua vaga na universidade. Afinal, se cotas é algo do qual nenhum beneficiado não deve envergonhar-se, por que não constar do diploma? segunda-feira, julho 27, 2009
OS ZUMBIS DA GUAIANASES Enquanto José Serra, candidato enrustido à Presidência da República, tenta lançar seu nome através de uma legislação antifumo demagógica e pior – inconstitucional -, a droga corre solta nas ruas de São Paulo. A poucos minutos de táxi daqui de casa, na região da estação da Luz, há um vasto território onde o consumo de toda e qualquer droga é livre. Como a droga mais consumida é o crack, convencionou-se chamar aquele espaço de Cracolândia. Mas lá você encontra o que quiser, desde a canabis até a cocaína. Não imagine o leitor que este comércio é operado na clandestinidade. Nada disso. Ocorre à luz do dia, em plena rua, na frente de viaturas de policiais. Não gosto muito da palavra dantesco, me parece um lugar comum, mas é a única que encontro para definir o local. Dante ilustrado por Doré. Certo dia, passei de táxi por uma extremidade da rua Guaianases, a que mais concentra drogados. Dantesco e assustador. Centenas de zumbis, crianças e adultos, homens e mulheres, enrolados em cobertores e capuzes, cachimbando crack, coalhavam a rua. Nenhum taxista ousa entrar no pedaço. Tudo isto no centro da mais imponente capital do continente. A Prefeitura quer revitalizar a Cracolândia. Para isso, está tocando um projeto que chamou de Nova Luz. Uma vasta área está sendo desapropriada e será demolida para dar lugar a um centro administrativo. O que me parece uma ótica de cegos. Centros administrativos se tornam desertos depois das seis da tarde. Mesmo que os marginais sejam afastados durante o dia, todos voltarão à noite a seu habitat. Todas as semanas, os jornais nos trazem fotos de pobres coitados fumando crack. Alguns permanecem dias deitados, já nem conseguem parar em pé. Só a polícia, que tem um distrito policial justo na Cracolândia, parece não ver nada. Ou melhor, vê. Só sendo cego e surdo para não ver. Vê mas não faz nada. Considera-se que o problema é social, não policial. Às vezes, para mostrar serviço, esvaziam as ruas do crack por algumas horas. Apenas por algumas horas. Ninguém é preso, nem usuários nem traficantes. Em pouco tempo, no mesmo dia, os zumbis estão de volta à Guaianases. Em recente reportagem da Agência Brasil, o psicólogo Lucas Carvalho afirmava que a Cracolândia, em vez de sumir, “está se fragmentando em diversos pontos da cidade". Se você passar pelo centro da cidade, em torno à praça da República, verá farrapos humanos amontoados na rua, sempre em grupo e sempre enrolados em cobertores, puxando crack à luz do dia, com a tranqüilidade dos justos. A polícia nada faz, afinal o “problema é social”. A polícia será chamada, promete Serra, para retirar fumantes de restaurantes. A fragmentação da Cracolândia, segundo Carvalho, está facilitando o acesso das crianças à droga. "O crack está chegando mais perto delas, antes precisava ir até a Cracolândia. Agora, a Cracolândia está por aí", afirmou. A única providência até agora tomada por ONGs que querem resolver o problema foi fornecer um cachimbo de madeira aos usuários de crack, com o objetivo de incentivar o não compartilhamento do instrumento. Isso porque os viciados constroem modelos artesanais de metal, que queimam a boca, causando feridas, e podem transmitir doenças quando compartilhado com outras pessoas. Semana passada - leio nos jornais - vinte órgãos públicos e mais de 250 policiais não foram suficientes para acabar com a cena que se vê há 20 anos na Cracolândia. Seis horas após o início de nova operação destinada a revitalizar uma das áreas mais degradadas da capital, centenas de viciados voltaram às ruas, com cachimbos em mãos e cobertas nas costas, nos pontos tradicionais de consumo da droga. Em vez de atacar o problema com o rigor devido, autoridades fornecem cachimbos aos pobres diabos para que se droguem sem maiores problemas. Enquanto isso, semana que vem, começam os Blitze contra os fumantes nos restaurantes. Last but not least: ao lado da Cracolândia, está a Santa Ifigênia, vasto mercado de contrabando de eletrônicos e produtos piratas. A dez metros de um distrito policial, a muamba está exposta nas calçadas. Lá de vez em quando a Receita Federal dá uma batida, recolhe dez ou vinte caminhões de contrabando. A medida não faz nem mossa. Dia seguinte, as ruas estão reabastecidas de mercadorias, como se nada tivesse acontecido. Ama com fé e orgulho, a terra em que nasceste. Criança! Não verás nenhum país como este. Não verás mesmo. AINDA A FARSA DO INSTITUTO MILLENIUM De Moisés Glasman recebo: Prezado Janer: Bem se diz mais rápido se pega um mentiroso que um coxo. Do e-mail a ti enviado: "Acompanhamos os seus artigos na web e temos ciência de que o senhor trata de assuntos muito caros para nós". Ora, vê-se logo que não te lêem mesmo. Um abraço. Pelo que soube, Moisés, eles querem se firmar como uma fonte de apoio ao DEM e ao PFL. Só o que faltava eu me envolver com essas histórias sórdidas de políticos vagabundos. domingo, julho 26, 2009
MENSAGEM DO PITUCO Prezado Janer, saudações! É completamente compreensível que, se os católicos e membros de outras religiões menos fundamentalistas, tivessem pleno conhecimento da bíblia, suas crenças em um deus bondoso e misericordioso fossem por água abaixo. Isto é ponto pacífico. Ok. O que me assusta, são seitas como a dos Testemunhas de Jeová, que conhecem muito mais o antigo testamento e aprovem, pasme, aprovem todas as barbaridades cometidas por Jeová, as matanças, enfim, tudo o que já sabemos. Tive um colega de trabalho que era Testemunha de Jeová, e ele era sarcástico ao dizer que todos os "ímpios" - melhor seria dizer, os não-Testemunhas de Jeová - seriam destruídos; e parecia haver nele um sentimento de satisfação, de prazer, ânsio de que logo isso acontecesse, para que apenas ficasse no mundo o Povo Eleito, feliz por acreditar que um holocausto sem precedentes eliminasse do planeta 6 bilhões de pessoas. Quando há ignorância dos textos bíblicos, até é justificável que pessoas de bem sejam manipuladas por uma ou outra religião. Mas tratando-se dos Testemunhas de Jeová é abominável. Gostaria muito que o Sr. comentasse sobre isso. Um abraço de seu mais assíduo leitor, Jean Rodrigo Pituco. Meu caro Pituco: não se trata de ignorância dos textos bíblicos. Mas de conhecimento profundo. Os Testemunhas são coerentes com o Antigo Testamento. Jeová era, inicialmente, apenas o deus de Israel. Todas as demais tribos, cada uma com seu deus, eram tribos inimigas. Em todo o Pentateuco, não temos informação nenhuma de que Moisés acreditasse na existência de um só Deus. A idéia de um deus único só vai surgir mais adiante, no dito Segundo Isaías. Reiteradas vezes escreve o profeta: 44:6 Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus. Num acesso de egocentrismo, Jeová se proclama o único: 7 Quem há como eu? Que o proclame e o exponha perante mim! Quem tem anunciado desde os tempos antigos as coisas vindouras? Que nos anuncie as que ainda hão de vir. 8 Não vos assombreis, nem temais; porventura não vo-lo declarei há muito tempo, e não vo-lo anunciei? Vós sois as minhas testemunhas! Acaso há outro Deus além de mim? Ou ainda: 45:5 Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cinjo, ainda que tu não me conheças. (...) 21 Porventura não sou eu, o Senhor? Pois não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador não há além de mim. Só aí, e tardiamente, surge na Bíblia a idéia de um só Deus. É um deus ciumento - ele próprio o declara e não aceita o culto a nenhum outro deus. Incoerentes são os cristãos que acham que Jeová é um deus cheio de amor. sábado, julho 25, 2009
CANALHAS SE MERECEM Que queixas tens contra o governo Lula? – me perguntava um amigo -. A atual economia te prejudica? Bom, prejudicar não me prejudica, afinal estou fora do mercado de trabalho. Mas não me prejudicar não é critério para julgar bom um governo. Falta saber se prejudica os demais. Sem falar que não consigo engolir a idéia de ter como presidente um analfabeto, restam outras questões. Por que o contribuinte tem de pagar bolsa-ditadura aos celerados que um dia quiseram reduzir o país a uma imensa Cuba? Por que tem quem trabalha honestamente sustentar quem não trabalha com a tal de bolsa-esmola? Por que meio Brasil que trabalha tem de pagar a outra metade que não trabalha? Por que tem o contribuinte, caloteado em seus precatórios, contribuir com a reconstrução da Faixa de Gaza? Por que temos, brasileiros, de suportar um presidente que apóia e absolve a corrupção generalizada de deputados e senadores e, pior ainda, os desmandos de um canalha como José Sarney? Leio nos jornais que Lula da Silva disse que é preciso evitar o que chamou de "morte precoce" do presidente do Senado, José Sarney. Mesmo depois da revelação de conversas em que Sarney orienta o processo de contratação do namorado da neta, Lula minimizou o teor das denúncias, defendeu a permanência do presidente do Senado no cargo e censurou condenação precoce no país. "O que você não pode é vender tudo como se fosse um crime de pena de morte", afirmou. Velha estratégia comunista. Sem ser comunista, o Supremo Apedeuta aprendeu bem a lição. Lança-se no ar uma tese que não foi defendida por ninguém e argumenta-se contra a tese fictícia. Ninguém está pedindo pena de morte para Sarney. Cadeia já nos satisfaria plenamente. Ao falar das gravações, Lula disse que "é preciso saber o tamanho do crime. Ou seja, uma coisa é você matar, outra coisa é você roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby". Pode-se acreditar que o presidente da República, com todos os serviços de informação que tem sob seu mando, não saiba qual o tamanho do crime? Sarney usou o Senado como se fosse seu feudo, personalíssimo e intocável. Usou e abusou do dinheiro do contribuinte para remunerar seus familiares e apaniguados. Já não se fala mais em formação de quadrilha, mas em formação de família. Se este crime ainda não consta do Código Penal, está na hora de tipificá-lo. A imprensa tem denunciado os crimes de traficantes como Fernandinho Beira-Mar e Juan Carlos Ramirez Abadia. São criminosos óbvios, disto ninguém discorda. Mas pertencem ao universo da iniciativa privada. Jamais enfiaram a mão no bolso do contribuinte. Sarney enfiou, e enfiou fundo. Lula o apóia. Canalhas se merecem. INSTITUTO MILLENIUM, O MAIS NOVO BASTIÃO DO OBSCURANTISMO Há alguns anos, já nem lembro quando, fui convidado a escrever em um jornal eletrônico, o Mídia Sem Máscara, que pretendia denunciar as mentiras da grande imprensa. É comigo mesmo, pensei, afinal isso eu vinha fazendo há muito tempo, vide meu ensaio Como Ler Jornais. Colaborei com entusiasmo no novo site e disto não me arrependo. Com o decorrer do tempo, descobri que fora convidado por minha posição radicalmente anticomunista. Ocorre que não me manifesto apenas contra a opressão comunista. Sou contra todas as opressões. E se o comunismo teve existência relativamente curta – a rigor, apenas sete décadas – há uma outra opressão milenar, que até hoje ainda vige e tem prestígio, a opressão da Igreja Católica. Milenar é modo de dizer, em verdade tem dois milênios. Bastaram algum artigos denunciando a ditadura vaticana e comecei a provocar mal-estar no Mídia Sem Máscara. Certo dia, escrevi um artigo mostrando por A + B que Cristo havia nascido não em Belém, mas em Nazaré. Artigo inocente, afinal o local de nascimento do judeu não constitui dogma para os católicos. Meu artigo foi censurado. Mandei um recado ao editor: não admito censura. Ou meu artigo é publicado, ou não colaboro mais com o jornal. Não foi publicado, deixei de colaborar. Soube mais tarde que a razão da censura não fora precisamente aquele artigo, mas um outro anterior, em que eu discutia o transcendental problema teológico dos destinos do prepúcio do Salvador. Judeu sendo, havia sido circuncidado. Se subiu aos céus em sua integridade, persistia uma pergunta: e seu prepúcio? Teria ficado na Terra? O enigma preocupou teólogos durante séculos na Idade Média, que acabaram concluindo não ser anátema afirmar que o prepúcio não teria subido aos céus, tanto que várias igrejas na Itália pretendem tê-lo em seus relicários. Cá entre nós, é pouco prepúcio para tantos templos. Em suma: ao que tudo indica, foi esta discussão que gerou minha censura no jornal do astrólogo-editor. Junto comigo, abandonaram o barco outros colaboradores de talento, e o Mídia Sem Máscara se revelou um porta-voz ridículo de papistas fanáticos, muitas vezes mais papistas que o papa. Hoje, investe contra dois fantasmas, o Foro de São Paulo - uma espécie de Woodstock das esquerdas que já morreu à míngua após a derrocada da União Soviética – e a ameaça de uma ditadura gay universal. É o que eu chamaria de a Quinta Internacional, la Internacional del Culo. Só que não existe. O que existe são pessoas reivindicando usufruir dos prazeres que bem entendem, afinal ninguém tem nada a ver com a sexualidade de outrem. A Inquisição terminou há bons séculos. Exceto para os Aiatolavos de Carvalho e Júlios Severos da vida. A militância anti-homossexual de ambos é tal, que imagino que um bafinho na nuca lhes seria salutar. Com a ausência de redatores independentes, o Mídia Sem Máscara tornou-se, infelizmente, um jornal monocórdio, tipo aqueles jornais de esquerda dos anos 70. Neles não havia novidade alguma, constituíam sempre um sambinha de uma nota só. O leitor não tinha surpresa alguma, sabia antecipadamente o que iria ler. Mas não é disto que quero falar. Recebi há pouco esta gentil missiva: Prezado Sr. Janer, sou coordenadora de redes do Instituto Millenium de Pesquisa Para divulgar estes valores, temos uma presença constante na mídia e no debate público. Por esta razão, é tão importante que tenhamos uma ampla rede de especialistas, atuando em variadas áreas, que escrevem artigos, dão entrevistas, participam de eventos e dos diversos programas realizados pelos veículos de comunicação. Acompanhamos os seus artigos na web e temos ciência de que o senhor trata de assuntos muito caros para nós. Seria uma honra tê-lo em nosso quadro. O que o senhor acha? Atenciosamente, Anita Lucchesi Coordenadora de Redes Instituto Millenium O que eu achava? Achei a idéia interessante. Gosto de tribunas. Mas fiquei com um pé atrás. Quando me falam em “promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade, porque acreditamos que estes valores podem gerar mais prosperidade e desenvolvimento humano para o Brasil”, fico desconfiado. Estou cansado de bons propósitos. Consultei um amigo que tinha conhecimento do Instituto. Me informou ser o Millenium mantido pelo Armínio Fraga e pelo Gustavo Franco. “A idéia seria formar o que se chama de um think tank de pensamento liberal, anti-esquerdista ou anti-socialista, estas coisas. São mais liberais e (bem) menos conservadores que o MSM”. Bom, vá lá. Enviei meus dados e curriculum ao Millenium. Com uma ressalva: não aceito censura a nenhum artigo que pretender publicar no site Millenium. Se houver hipótese de censura, considere-me excluído do Instituto. Resposta de Anita Lucchesi, minha interlocutora: Caro Sr. Janer, consultei a nossa editora, Cristina Camargo, para que pudesse lhe informar sobre nossa linha editorial, com mais certeza, pois é ela que cuida da publicação dos artigos. Envio-lhe, portanto, a linha editorial do Millenium: Não publicamos artigos que contenham defesa ou condenação dos seguintes assuntos: - Aborto - Pena de morte - Células-tronco embrionárias - Eutanásia - Suicídio - Legalização das drogas - Homossexualismo - Adoção de crianças por casais homossexuais Minha resposta a Anita Lucchesi: Desolé, Anita! O Millenium não me serve. Não entendo como uma instituição que pretende promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade, não aceite discutir assuntos como aborto, pena de morte, células-tronco embrionárias, eutanásia, suicídio, legalização das drogas, homossexualismo, adoção de crianças por casais homossexuais. Os propósitos desta instituição são uma farsa. Considere-me excluído dessa arapuca. Suponho que sirva para promover nomes que permanecem ocultos, tipo Armínio Fraga e Gustavo Franco. Não conte comigo para isso. Obrigado pelo convite. Surge mais um embuste no jornalismo eletrônico. Pelo jeito é o MSM do B. Se o MSM pelo menos discute tais questões, o tal de Instituto Millenium as veta de cara. São mais papistas ainda que os papistas do MSM. O MSM conseguiu enganar por algum tempo. O Millenium não engana desde já. É mais um reduto de carolas, que acham que ser contra as esquerdas é suficiente sinônimo de honestidade. Não é. A Santa Inquisição era mais liberal. Embora mandasse homossexuais para a fogueira, pelo menos aceitava discutir a questão. O Instituto Millenium é o mais novo bastião do obscurantismo que tenta fazer carreira no jornalismo eletrônico. Não irá longe. Está desmascarado desde o berço. Começa desmoralizado. R.I.P. sexta-feira, julho 24, 2009
PROSTITUTAS DA LITERATURA TERÃO TRADUÇÕES SUBSIDIADAS NO EXTERIOR PARA AFAGO DE SEUS HUMILDES EGOS Li há pouco, na Veja on line, reportagem sobre o escritor Pedro Bandeira, de 67 anos, considerado o "Paulo Coelho dos livros infanto-juvenis". Já chegou a vender 100.000 livros em um único ano e, em toda a carreira, vendeu 21 milhões de exemplares. Confesso que nunca ouvi falar deste senhor. Não costumo ler autores que vendem milhões de exemplares, assim da noite para o dia. Mas sempre vemos seus nomes, seja nas livrarias, bancas de jornais ou nas listas dos mais vendidos veiculadas pela imprensa. Não leio bestsellers, mas sempre tropeço, ainda que à revelia, com o nome dos autores. Do Bandeira, não tenho idéia de quem seja. Mistério profundo. Mas o mistério logo se elucida, quando o repórter pergunta: - Em um país com tantos analfabetos, o senhor chegou a vender 21 milhões de exemplares. Como explicar? - Não é bem assim. Na realidade, existem dois mercados: o mercado das escolas e o mercado do governo. O governo compra muitos livros para repassar às instituições públicas. Dos 21 milhões que vendi, cerca de 10 milhões foram graças a essas compras. Então, o que conta para mim são os outros 11 milhões, efetivamente escolhidos, seja pelos leitores, seja pelos professores. Ah, bom! Agora entendi. O insigne beletrista tem como comprador preferencial o governo. Governo é leitor dos bons. Quando compra, compra dez milhões de exemplares. Já os outros 11 milhões, segundo o Bandeira, constitui o mercado das escolas. O mercado das escolas também é ótimo leitor. Quando compra, compra 11 milhões de exemplares. E empurra, goela abaixo para os estudantes, um autor que ninguém conhece. O Brasil é pródigo nestas mercancias. A imprensa, sempre tão preocupada com a corrupção de senadores e deputados, deixa passar batido esta corrupção do mundo editorial, que está longe de ser miúda. Pedro Bandeira descobriu a fórmula mágica, como ganhar milhões em direitos autorais sem que leitor algum – fora de seu público cativo – tenha conhecimento de sua obra. Mas as corrupções do universo literário não terminam aqui. Leio no Estadão que a Fundação Biblioteca Nacional divulgou na segunda-feira a lista das bolsas de literatura de 2009, abrangendo pesquisa literária, conclusão de obras, co-edições e traduções. A seleção deste ano, na área de tradução, vai dar bolsas de US$ 3 mil (R$ 6 mil) para a tradução de obras de autores brasileiros no Exterior. A maior parte dos autores são vivos. O premiado livro O Filho Eterno, do autor curitibano Cristóvão Tezza, será publicado na Austrália pela Scribe Publications. O Anjo do Adeus, de Ignácio de Loyola Brandão, sairá nos Estados Unidos pela Dalkey Archive Press. Escrita em contra-ponto: Ensaios Literários, de João Almino, sairá na Argentina pela Leviatan. Mais ainda: o ensaísta e atual curador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), José Roberto Teixeira Coelho, terá sua obra Dicionário crítico de política publicada na Espanha pela editora Gedisa. Será publicada na Croácia a obra Laços de Família, de Clarice Lispector, e na Itália sairá Para viver com poesia, de Mário Quintana. Outros contemplados são O Enigma de Qaf, de Alberto Mussa, que será publicado na França; uma coletânea de textos de Sérgio Sant’Anna, que sairá na República Checa; e a obra Sem Dizer Adeus, de Heloneida Studart, que será publicada em Israel. Quer dizer: quando o normal no mercado livreiro é a editora do país estrangeiro pagar o tradutor, este magnífico país nosso se antecipa: nós pagamos a tradução. Mais ainda: nós escolhemos os escritores a serem traduzidos. Isso de oferta e procura é lei obsoleta do antigo capitalismo, que precisa ser revogada. Se nós já empurramos goela abaixo nossos campeões a nossos jovens, não nos custa internacionalizar este goela abaixo. O contribuinte brasileiro é dócil, não vai chiar se tiver de subsidiar a tradução de nossos escritores comportadinhos – aqueles que não criticam o PT nem o governo – em países ricos como os vossos. Recebam, senhores do Primeiro Mundo, esta modesta cortesia do Terceiro. Deixemos de lado desta lista infame Mário Quintana, Heloneida Studart e Clarice Lispector, que já morreram. A infâmia é legado dos herdeiros. Se a maracutaia terminasse aqui, não seria cousa de espantar. Mas vai mais longe. Ainda segundo o Estadão, oito autores com obras em fase de conclusão foram selecionados: Afonso Cláudio Machado do Carmo, Alexandre Jorge Marinho Ribeiro, Beatriz Antunes Onofre, Jorge Alan Pinheiro Guimarães, Manoel José de Miranda Neto, Priscila Costa Lopes, Rafael Mófreita Saldanha e Ronaldo Eduardo Ferrito Mendes. Ou seja, os insígnes beletristas sequer concluíram suas obras e já têm subsídios para serem traduzidos no exterior. O escritor ainda nem existe, mas já tem tradução garantida. O contribuinte brasileiro, que já paga turismo em Paris para senadores, putas em Miami para deputados, silicone para travestis, é chamado agora a pagar traduções de prostitutas literárias, que não se pejam em escorchar quem paga honestamente seus impostos, desde que seus egos sejam afagados no Exterior. A bola da vez é a corrupção no Congresso. Quando a imprensa decidirá que a universidade e a literatura nacionais se beneficiam de corrupção semelhante, senão mais vasta? quinta-feira, julho 23, 2009
RESPOSTA AO FELIPE Bom, Felipe, pra começar, devo dizer que não vejo a matemática como ciência. E sim como sistema axiomático. Por outro lado, grandes matemáticos, pelo que sei, nunca fizeram doutorado. De Pitágoras, Tales, Euclides e Aristóteles a Gassendi, Gauss, Euler, Fermat, Pascal ou Descartes, não vejo doutorado algum. Doutorado é vício da universidade contemporânea. Por outro lado ainda, não vou dizer que os pensadores que você cita sejam medíocres só porque acreditam em Deus. Aquino, por exemplo, era um intelecto poderoso. Mas leia a Suma. Quanta bobagem! Quanto esforço intelectual despendido rumo ao nada. Quando não ao ridículo. A que distância um anjo deve estar do outro para que quando um fale o outro ouça? Acho que o intento do Aquinata, de sistematizar o saber teológico de sua época, mostrou a atroz fragilidade conceitual do cristianismo. A meu ver, o Boi Mudo fez gol contra. Prefiro a literatura confessional do Agostinho, mas nem por isso endosso suas crenças. Para o bispo de Hipona, sentir atração física pelo cônjuge é algo equivalente ao adultério. Lá está, em De Nuptiis et Concupiscencia: Se os dois cônjuges a isso se entregam (ao prazer na união sexual), não merecem o nome de esposos; e se, desde o início, assim se buscaram, não é para casamento que se uniram, mas para entregarem-se à fornicação. Ouso dizer: ou aquela que assim procede é, de uma certa maneira, a prostituta de seu marido, ou este é o adúltero de sua mulher. Pergunta que se impõe: para que serve tanta sabedoria? Borges via a teologia como a primeira manifestação da literatura fantástica. É uma brilhante percepção. De minha parte, eu a vejo como algo semelhante à geometria. Não por acaso, Euler e Pascal foram também teólogos. O triângulo é um ente de razão, é algo que de fato não existe. Mas se você me dá a medida dos catetos, eu lhe devolvo a hipotenusa. Parte-se do princípio de que existe um ser eterno, todo-poderoso, onisciente, onipresente. Daí a construir uma teologia é um passo. Teologias são castelos na areia. Têm como alicerce o nada e erguem construções intelectuais fabulosas, desde a escolástica católica ao judaísmo rabínico. Devo confessar que a arquitetura desses castelos me fascina, como me fascinam tanto a Notre Dame como a catedral de Toledo ou Sevilha. Mas isto não implica aceitar a fé dos homens que as erigiram. A pergunta que você me faz sobre Agostinho, Mestre Eckhart, Chesterton, Leibniz, Kierkegaard, Jaspers, Pascal, René Girard, é a mesma que me fez um sacerdote lá pelos meus quinze anos, em Dom Pedrito. Eu tinha sérias dúvidas a respeito da existência de Deus e dos textos bíblicos. Como eu exercia certa liderança entre meus colegas de ginásio, o padre veio voando de Bagé para tentar recuperar o herege. Discutimos um dia todo. "Quem é você para discordar do que homens muito mais sábios já decidiram? O que o autoriza a pensar diferente?" O Torquemada gaúcho brandia o argumento da autoridade, um dos mais pérfidos instrumentos da Inquisição. - O que me autoriza, padre - respondi - é a razão. O pensamento lógico. Lógica é lógica, não admite autoridade. Eu discordo desse pensamento anterior baseado exclusivamente em meu intelecto. E não fosse assim a humanidade não avançaria. 35 anos me parece ser ainda idade útil para enfrentar uma banca de doutorado. Ainda sobra tempo para exercer o magistério. O que me parece uma perversão da universidade brasileira são esses mestrados a partir dos 40, doutorados a partir dos 50, quando o professor já está chegando à idade de aposentar-se. Só servem para aumentar salário ou para pavonear-se com o título pendurado na parede. Ora, isso nada tem a ver com desejo de conhecimento. Quem quer conhecimento, estuda. Não precisa postular títulos. Para estudar, idade não tem limite. “Sempre gostei de considerar minha posição, num laivo de orgulho, como uma reminiscência cultural dos tempos onde eram concedidos privilégios a quem via na busca pelo conhecimento verdadeiro o destino da sua existência”. Mes compliments, Felipe. Também penso assim. Não tenho respeito algum por homens que apenas detêm poder ou fortuna. Mas todo meu respeito ao homem que detém cultura. Grande abraço! AINDA OS DOUTORADOS Prezado Janer, Se alguém indagasse qual seria o primeiro atributo responsável pelas minhas constantes visitas ao seu eclético diário eletrônico, eu responderia: o notório capricho literário. Estimo intensamente esse cuidado. (Apesar de não conseguir ser nem tão ateu nem entender que o velho Olavão, como certo leitor afirmou, encarne o modelo perfeito da figura vulgar. Sejamos honestos, ele passa longe disso. Não permitamos nossa descrença imputar talento intelectual exclusivamente aos descrentes; tomemos um pouco de ar, façamos um esforço e, por favor, lembremos de Aquino, Agostinho, Mestre Eckhart, Chesterton, Leibniz, Kierkegaard, Jaspers, Pascal, René Girard e etc. Pergunto-me o seguinte: todos esses jovens que vêem na incredulidade um triunfo arrasador imaginam, sem trair seus instintos, ter superado intelectualmente e espi ritualmente aqueles mestres? Pensam? Conseguem mesmo encarar esses e outros colossos da raça humana com seus focinhos orgulhosamente elevados, como quem dissesse "são pobres ultrapassados"? Será? Acho melhor não especular sobre uma resposta positiva a essa questão. Pois se assim for então é porque a barbárie, ao que tudo indica, vive em estado latente tanto em homens e mulheres privados de qualquer senso educacional autêntico quanto naqueles intumescidos pela "educação". Igualmente discordaremos quanto à relevância de Edmund Husserl. Enfim...). Voltemos. Sem ignorar sua oportuna ressalva - "refiro-me às ciências humanas" - parece-me conveniente fazer uma diversa. Antes dela, gostaria de associar-me a tua voz quando se mostra contrária a realização de pós-graduações por indivíduos já próximos de idade provecta. Não entrarei em detalhes, mas admito casos realmente patéticos. Defendi tese aos 35 anos (esse semestre), e, sinceramente, acho que já conclui na idade limite. Aos 29, época da minha decisão, somente iniciei após bem assimilar os vários conselhos de amigos e constatar que, afinal, aos 35 ainda não seria tão tarde assim. Encontrei valioso estímulo psicológico no manifesto fato de ótimos matemáticos nacionais — aqui revela-se meu campo de estudos acadêmicos - terem defendido suas dissertações com a mesma idade ou até mais velhos. No meu caso, após anos de uma juventude completamente entregue ao absurdo (o que não deixou de constituir um acréscimo à resolução de estudar), praticamente um conto de Kafka, resolvi iniciar meu doutorado. Por quê? Primeiro, por aceitar com relativa tranqüilidade as argumentações algébrico-geométricas, e segundo porque, no meu entender, e aí talvez esteja uma das raízes da minha biografia fantástica, o único ouro que justifica a busca sempre foi o tempo disponível; não, evidentemente, no cretino sentido adquirido em frases como "tempo é dinheiro", mas no de que nele, sim, está a vida. Por este motivo, e apenas por ele, resolvi aventurar-me nessa empreitada. Não queria chegar aos 45 como mero batedor de carimbos, ou fiscal da receita, oficial de justiça, ou de precisar me submeter aos dísticos humilhantes da empresa privada desses nossos dias - "vista a camisa", "atualize-se regularmente", "dê o sangue pelo grupo". Como professor universitário, especificamente incluído no deserto inabitado e antipatizado do Cálculo, tenho a liberdade de não ser burocrata (um dos poucos empregos públicos nos quais isso é possível), de não ter qualquer "chefe" nem de muito menos ser um deles. Além disso, posso ler o que me interessa, sem precisar especializar-me em "crítica desconstrucionista", ou ter de defender a glória humanística erigida por Fulano. Tenho, portanto, tempo para Geometria de Riemman, mas também para Swedenborg ou André Gide. (Há outro detalhe conveniente: em proveito dos seus pesquisadores, a matemática tem sua estética própria e jamais prescindirá dela. O espírito da "teoria literária" não encontra abrigo na ciência de Gauss e Euler). Chesterton estava correto ao notar que "a enorme heresia moderna é alterar a alma humana para adaptá-la às condições impostas à vida, em vez de alterar as condições para adaptá-las à alma". No amor ao tempo livre sou, confesso o crime, um aristocrata fanático. Não em louvor da desocupação tediosa, por Deus!, mas em razão da urgente tarefa de fazer algo de mim ...("O importante não é o ´livre de quê´, mas livre pra quê". Não foi Nietzsche quem colocou na boca de Zaratustra essa terrível verdade?) Isso, ou seja, uma pá a mais de espaço nesse mundo apressado e louco, os anos de teoremas e demonstrações laboriosas puderam me proporcionar. Sempre gostei de considerar minha posição, num laivo de orgulho, como uma reminiscência cultural dos tempos onde eram concedidos privilégios a quem via na busca pelo conhecimento verdadeiro o destino da sua existência. Desnecessário dizer que a caminhada nunca foi movida pelo sonho de ser um "funcionário público". Em realidade, deploro toda a ideologia do "funcionarismo". Todavia, o meu parêntesis era simplesmente enfatizar que as censuras direcionadas a doutorados inúteis não valem para as matemáticas e ciências exatas em geral. Na matemática, por exemplo, ao contrário de outras áreas, sobram vagas nas universidades, tamanha é a escassez de doutores. Vou mais longe: sem um bom doutorado cursado sob a tutela de cientistas experientes, dificilmente alguém progredirá de estudante promissor a matemático. A explicação resumida é bastante simples. A matemática — bem como a física e a química, embora a rígida abstração da "rainha das ciências" forneça a ela uma configuração especial - está imersa numa longa tradição de provas rigorosas e de métodos particulares extremamente lógicos e necessários. Ela também pode exprimir facetas masturbatórias, sem dúvida; entretanto, devido a sua incurável surdez ideológica, será uma masturbação muito menos comprometedora porque passível de ser eliminada pela maturidade. Saudações, Felipe Filho quarta-feira, julho 22, 2009
DA INUTILIDADE DOS CURSOS DE LETRAS Um mal-estar perpassa os cursos de Ciências Humanas neste final de século. É como se as vagas concêntricas provocadas pela queda do Muro de Berlim começassem a fazer submergir, em ondas tardias, o apoio logístico que a universidade sempre emprestou ao marxismo. Durante décadas, nos cursos mais alinhados com o finado "sentido da História", ai do candidato a mestre ou doutor que não citasse em suas pesquisas Marx ou epígonos menores. Se hoje marxismo não passa de verbete de enciclopédias, para esclarecimento dos mais jovens, até quatro ou cinco anos atrás a "filosofia da praxis" era tida como ciência. Todas as áreas humanísticas da universidade, de Letras a História, passando pela Filosofia e Sociologia, foram contaminadas pela peste. No caso específico da Sociologia, estávamos ante um laboratório de utopias. Os acadêmicos brasileiros parecem ter adotado a receita de José Carlos Mariátegui que, em 1928, em Siete Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana, via a universidade como uma máquina de demolição da sociedade burguesa, uma instituição destinada a formar ativistas e militantes. Com o fim da URSS, as ditas Ciências Humanas perdem seu eixo. A história não era ciência, o marxismo muito menos. Cursos, cátedras, metodologias, teses, bibliografias, bibliotecas, perdem o sentido. Em outras palavras, os próprios professores, antes firmemente ancorados nas certezas da dialética, perdem o pé e soçobram neste maremoto. Em um século em que mesmo - e principalmente - a literatura foi contaminada pela ideologia, os cursos de Letras não permaneceriam ao abrigo da intempérie. O Circo das Letras - Uma lufada deste mal-estar de fin de siècle parece ter atingido o professor Flávio Loureiro Chaves. Em entrevista para Porto e Vírgula, desvelou um segredo de polichinelo ao afirmar que "a área de Letras está morta". Por um lado está cheio de razão e ao mesmo tempo não tem razão alguma. Se sua afirmação acabasse aqui, englobando os cursos de Letras do país todo e do estrangeiro, eu seria o último dos escribas a contraditá-lo. Mas sua afirmação é tímida. Se restringe ao Curso de Letras da UFRGS, onde trabalhou durante 30 anos. Ou seja, onde colaborou por três décadas para levar o curso à condição de área morta. Agora, protegido pelo escudo da aposentadoria, dispara sua artilharia contra seus pares. O professor vai mais longe ao falar do curso que o nutriu e embalou: "é uma área caracterizada por sua absoluta inutilidade social". No que não lhe falta razão. Se o programa nuclear brasileiro se revelou um projeto inútil, de qualquer ponto de vista que se olhe, que dizer dos currículos de um curso de Letras? Mas nosso crítico peca mais uma vez ao restringir sua crítica ao curso da UFRGS, como se o da USP, onde se doutorou, tivesse alguma outra utilidade social fora a de garantir-lhe uma prebenda melhor remunerada na província. Se os cursos de Letras um dia forem encerrados, só serão pranteados pelos professores que deles tiram seu sustento e mordomias, pelo mundo editorial e agências de turismo que os parasitam. Nenhum estudante precisa freqüentá-los para conhecer literatura. Pelo contrário, é melhor deles tomar distância, assim será poupado de carradas de leituras absolutamente chatas, que só servem para afastar um jovem dos bons autores. Esta inutilidade do curso cujas mordomias usufruiu por trinta anos foi muito bem percebida por Loureiro Chaves quando afirma que homens como Erico Verissimo, Maurício Rosenblatt e Paulo Fontoura Gastal, que não pertenciam à academia, lhe ensinaram mais que o curso de Letras inteiro. Precisou de três décadas para perceber isto? Ou preferiu aposentar-se para afirmá-lo? Se lhe sobra razão em sua constatação, faltou-lhe a coragem de dizê-lo em alto e bom som quando militava nos quadros da guilda. Quantas vezes Loureiro Chaves participou, de um lado e de outro da banca - ora como réu, ora como inquisidor - dessa farsa que se chama tese? Quantas vezes participou dessa outra farsa, o concurso para o magistério, em verdade uma ação entre amigos, com cartas previamente marcadas? De quantos espetáculos circenses, chamados simpósios ou congressos, participou o professor Loureiro Chaves? São absolutamente inúteis do ponto de vista social, custam fortunas, e as viagens, hotéis e mordomias outras são pagas, em última instância, pelo contribuinte. Passo Fundo parece ter entendido o espírito da coisa, tanto que costuma organizar o Circo das Letras. Neste circo universal, cujas sessões ocorrem tanto em Florianópolis ou São Paulo, como em Paris ou Londres, acodem professores de todos os quadrantes para desfilar suas vaidades e acrescentar seus ensaiozinhos recitados a uma platéia adormecida a seus currículos chochos. Quando estudava em Paris, tive oportunidade de testemunhar uma dessas sessões de circo. Vi professoras transportadas de Brasília ou São Paulo a Paris - com dinheiro público, evidentemente - para apresentar uma comunicação anódina de vinte minutos, que ninguém estava interessado em ouvir. Imagine-se, por exemplo, o absurdo de uma professora deslocando-se de Porto Alegre a Tóquio, para uma exposição crucial sobre... Literatura Comparada. Mas a comunicação fica nos anais do simpósio, no currículo da professora e nos créditos do curso. Maravilha de país o nosso: crianças morrendo de fome nas ruas e a universidade pública financiando viagens transoceânicas para comunicações literárias - certamente de importância vital para o futuro do continente - de vinte minutos lá nas antípodas. Claro que em Passo Fundo a entrada para o circo é mais barata. Mas o show, salvo o fato de ser em português, em nada difere do exibido em Paris. Mas não era disso que pretendia falar. A quem aproveita o crime? - Para algo hão de servir os cursos de Letras, já que estão disseminados mundo afora e parecem gozar de boa saúde. Bens materiais não produzem, é claro. Espirituais, muitos menos. Aliás, vivem da exploração destes mesmos bens, produzidos por criadores que, muitas vezes, morreram ou vivem na miséria. Para que serve então um curso de Letras? Em primeiro lugar, para dar bom padrão de vida aos professores de Letras. Que outra profissão oferece quatro meses de férias ao ano, isso sem falar nas greves? Não será fácil achar melhor mordomia numa sociedade que se pretende capitalista. Uma vez aceito pela corporação, o professor tem estabilidade e escapa deste cruel mundo competitivo. Isso sem falar em férias vendidas em períodos de recesso universitário, turismo acadêmico, muita viagem ao exterior, tudo isso pago pelo contribuinte, é claro. Não que estas mumunhas sejam exclusivas dos cursos de Letras. Mas a eles são extensivas. Em segundo lugar, para manter a boa saúde da indústria textil. Textil, assim mesmo, sem circunflexo. Não confundir com a têxtil, esta é honesta e necessária. Por indústria textil, entenda-se a do texto universitário, essa fábrica de teses e pesquisas inúteis, que às vezes envergonham o próprio autor e são guardadas como segredo de Estado. Isso sem falar na fantástica máquina editorial acionada pelos cursos de Letras. Ela dá vida a autores de ficção que de outra forma jamais seriam publicados e a teóricos que ninguém leria a não ser sob coação. Se nos primórdios da universidade o livro era um instrumento da vida acadêmica, hoje a universidade se tornou um instrumento do mundo editorial. Se um dia os cursos de Letras fechassem suas portas, nenhum editor seria suficientemente insano para publicar esses elefantes brancos tipo Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, etc. Dou um doce para quem me apresentar um jovem que, espontaneamente, compre um livro qualquer desses autores. Eles só existem porque são empurrados goela abaixo por exigências de vestibular e programas acadêmicos. Depois, a indústria editorial dos teóricos. Nenhum leitor mentalmente sadio compraria autores como Greimas, Kristeva, Lacan ou Saussure. Forçado pelos professores, principalmente na pós-graduação, o coitado do aluno tem de gastar parte de sua bolsa adquirindo essas enfermidades gálicas. Aqui, de cambulhada, ganham também todos os participantes do ciclo do livro: gráficos, distribuidores, livreiros, etc. Em terceiro lugar, não esqueçamos os interesses do turismo. Em Florianópolis, para facilitar o "intercâmbio" acadêmico, uma agência se instalou no prédio da própria reitoria. Cada congresso de Literatura Comparada ou Semiótica em Tóquio, Helsinki ou Amsterdã é uma festa para a indústria do turismo. Ganham as agências, as companhias aéreas, a indústria hoteleira, a restauração local, afinal literatura e gastronomia sempre constituíram boa parceria. Ora, direis, os cursos de Letras formam professores de português. Cantiga para ninar pardais, como dizem os lusos. A formação de professores de português não exige curso superior. Vi quartanistas de Letras escrevendo "eu poço" por "eu posso" e outras analfabetices do gênero. Minha mãe, que só fez o secundário em Dom Pedrito, tinha uma redação impecável, de fazer inveja a muito jornalista egresso dos cursos de Comunicações. Aliás, de minha passagem pelo magistério universitário, cheguei a uma desoladora conclusão: a formação que tive em meus quatro anos de ginásio, lá naquela cidadezinha da Fronteira Oeste gaúcha, que mal tinha na época vinte mil habitantes, nenhum diplomado em Letras a tem hoje. Saí de lá falando espanhol, francês e inglês, arranhando um bom latim e escrevendo um português do qual até hoje não tenho porque envergonhar-me. Em meus dias de UFSC, raros eram meus alunos de final de curso que conseguiam escrever em vernáculo não digo elegante, mas pelo menos correto. Pode-se alegar que os cursos de Letras formam tradutores e intérpretes. Bobagem. Quem quer realmente especializar-se nestes ofícios, vai para o exterior ou busca cursos privados. Sem falar que os grandes tradutores que Porto Alegre produziu, como Erico Verissimo, Mário Quintana, Herbert Caro, jamais passaram por um curso de Letras. Permito-me um testemunho pessoal. Já traduzi vinte títulos, do sueco, francês e espanhol, sem jamais ter passado por um curso de tradução. A encampação da tradução pela universidade é muito suspeita. Ao que tudo indica, a guilda quer regulamentar a profissão, crime de lesa-cultura que já cometeram contra o jornalismo. Quanto aos cursos de línguas fornecidos pela universidade, estes jamais levaram a qualquer lugar. Nestes dias de CDs-ROM, professor de línguas virou peça de museu. Professor que ainda não percebeu isso, em breve será mais um desses tantos malucos que andam falando sozinho nas ruas. Com a diferença de que será bem pago para falar para quatro paredes. Muitos outros setores ganham com esta indústria do inútil. Quem então sai perdendo? No caso das universidades públicas, em primeiro lugar o contribuinte, que ignora a festança que estão fazendo com seu dinheiro. Tudo em nome dos sagrados interesses da cultura, é claro. Em segundo lugar, o estudante de Letras. Caso não encontre colocação no escalões inferiores da Máfia, terá perdido preciosos anos de sua juventude, percorrendo currículos absurdos, teorias estapafúrdias e literaturas insossas. Quando poderia ter-se dedicado a estudar algo mais concreto, que lhe garantisse profissão decente, reservando seu lazer para um estudo sério da boa literatura. Por experiência, tanto de rua como de campus, sei que é muito mais fácil encontrar uma pessoa com boa cultura literária em um bar do que nos cursos de Letras. Sobre meu desencanto - Meu depoimento carrega o desencanto de quem perdeu boa parte de sua vida navegando pelas tais de Ciências Humanas. Estudei Filosofia na UFRGS, de 1965 a 1968. Discutimos, durante quatro anos, essa bosta de religião laica, o marxismo. Ou seja, foram quatro anos jogados ao vento. De minha passagem pela Filosofia me restou um ensinamento, o de que as diferentes visões de mundo se atropelam e se anulam com a passagem dos séculos. E só. Foi importante, eliminou em mim qualquer tentação de dogmatismo. Mas para chegar a essa conclusão, não precisava ficar com o traseiro pregado na universidade por quatro anos. Boas leituras de história me bastariam. Fiz também o curso de Direito em Santa Maria. Mais cinco anos jogados ao lixo. Optei pelo jornalismo, em época em que não existia esta excrescência criada pela ditadura militar, os cursos de jornalismo. Desta opção não me arrependo, embora o jornalismo hoje seja mais ficção que tradução dos fatos. Mas não o aprendi na universidade. Em jornalismo, me formei nos bares e redações. Universidade não forma ninguém em jornalismo. É outro curso inútil: o professor de comunicações, que muitas vezes jamais pisou numa redação, ganha muito mais que o redator ou repórter que sofre a profissão. Sem falar que goza de estabilidade no emprego, sonho que jornalista algum ousa sonhar na empresa privada. Viajei pelo mundo das Letras. Durante quatro anos, estudei Letras Francesas e Comparadas, na Université de la Sorbonne Nouvelle, em Paris. Só não foram mais quatro anos jogados ao vento porque o que menos fiz foi estudar literatura. Dediquei-me a pesquisar Paris, a França e a história deste século. De meus professores de literatura, de meu curso, não recebi nada, mas nada mesmo. Tive um professor de poesia francesa contemporânea que se chamava M. Décaudin. Eu vivia mordendo a língua para não incorrer em um ato falho e chamá-lo de M. Décadent. Tinha um projeto de tese em torno à literatura de Ernesto Sábato. Levei-o a bom termo por respeito a Sábato e ao Ministério de Cultura francês, que me concedera uma bolsa. Defendi minha tese, fui ator bem comportado durante toda a encenação. Mas tinha perfeita consciência de que tudo era farsa. Para que serviu minha tese? Para mim, garantiu quatro anos de Paris. Para meu orientador, abriu novos rumos em suas pesquisas. Mas e daí? Para Sábato, foi mais um título em sua fortuna literária. E só. Meu país não se tornou mais rico com minhas pesquisas, nem econômica nem espiritualmente. Muito menos a França ou a Argentina. Do ponto de vista da construção de uma sociedade, minha tese é uma peça perfeitamente inútil, descartável. Como aliás todas as teses literárias. Outra coisa é uma pesquisa sobre uma proteína mais barata, sobre uma vacina mais urgente, sobre um chip mais rápido. Estima-se em torno de 100 mil dólares ao ano a formação de um doutor. Logo, a França terá gastado uns 400 mil comigo. De minha parte, muito honrado. Mas para quê? Se analisarmos a questão a fundo, para nada. Lecionei mais tarde Literatura Brasileira e Comparada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, nos cursos de graduação e pós-graduação em Letras. Para isso também serviu minha tese, para dar-me de comer e beber por mais quatro anos. Foi o período mais inútil de minha vida, que só me rendeu uma hipertensão. Cingido a obrigações curriculares, tive de digredir sobre esse suposto movimento literário, o modernismo brasileiro, no fundo uma ficção criada pelos PhDeuses uspianos. Lecionava para alunos que só queriam um papelucho ao final do curso para aumentar seus proventos na função pública. Durante quatro anos fui pago para realizar um trabalho rumo a nada. Como eram, são e continuam sendo pagos, para marchar na mesma direção, as dezenas de colegas que tive no colegiado e os milhares de professores de Letras do país todo. Puta velha - Quem presta este depoimento não é portanto uma virgenzinha que olha espantada para a realidade de um bordel, mas uma puta velha que muito girou bolsinha nos corredores universitários. Se vejo as defesas de tese e concursos como farsas, é porque também participei delas e por isso sei do que estou falando. Dezenas de professores foram, são e serão enviados ao exterior para mestrados e doutorados. Muitos cumprem seus compromissos. Mas não poucos voltam de mãos abanando e tudo fica por isso mesmo. No caso do curso de Letras, observei que os candidatos a bolsas no exterior eram, em sua quase totalidade, moças mal-amadas, em geral solteiras ou divorciadas, que partiam em busca de maridos ou similares. Ao final de alguns anos, as mal-baisées voltavam sem tese nem marido. Não sei se o mesmo fenômeno ocorrerá na UFRGS. Mas deveria ser capitulado como crime, na legislação sobre a função pública, usar dinheiro do contribuinte para fazer turismo sexual às margens do Sena ou do Tâmisa. Quanto à crítica mais radical, que agora faço, me permito citar Chesterton: "só podemos conhecer uma catedral quando a olhamos de fora". O absurdo do ritmo de tartaruga dos cursos da área humanística me saltaram com força aos olhos quando passei a trabalhar com jornalismo eletrônico em São Paulo. A pesquisa que um professor achava difícil cumprir em cinco meses, um redator da Folha de São Paulo, por exemplo, tem de executá-la em cinco horas. E sem direito a errar. Essa passagem da empresa pública para a privada, do emprego eterno para aquele sob a ameaça diária de um pontapé no traseiro, permite o contraste que evidencia o obsoletismo e a inutilidade de um curso de Letras. Se um professor de uma universidade pública fica quatro, cinco ou dez anos no estrangeiro para defender uma tese e volta de mãos vazias, nada acontece com ele. Não devolve o dinheiro público que lá despendeu nem perde seu emprego. Se um jornalista interpreta mal a declaração de um político - ou pior, se a interpreta com clareza excessiva - no dia seguinte pode estar no olho da rua. O leitão e o cocho - Resumindo: os cursos de Letras constituem uma máquina autofágica, que se alimenta de si mesma. Professores de Letras formam professores de Letras que formarão professores de Letras, ad nauseam. Se a bicicleta pára, o ciclista cai. Loureiro Chaves ouviu o galo cantar, só não soube dizer onde. Intuiu a inutilidade dos cursos de Letras. Em um gesto de auto-defesa, excluiu a si mesmo do projeto do qual participou durante trinta anos. Foi cúmplice de todos os atos e fatos que levaram o curso a ser área morta. Agora acusa seus pares, como se suas mãos fossem imaculadas. Se levar a crítica mais a fundo, terá de constatar a inutilidade de seus ensaios, de sua carreira, de sua tese, de sua vida, tão socialmente improdutiva quanto o curso que critica. Se o curso de Letras da UFRGS se caracteriza, nas palavras do professor, por sua “absoluta inutilidade social”, o mesmo pode se dizer de sua obra. Por que não estender, reitero, esta crítica à USP? Qual a utilidade social do curso de Letras da USP? A meu ver, a mesma de qualquer curso de Letras. Isto é, nenhuma. Em meus dias de campo, tínhamos uma expressão para tal tipo de comportamento. Era o gesto do leitão mal-educado, que costumava virar o cocho onde comia. (Texto escrito nos estertores do século passado) terça-feira, julho 21, 2009
EM RESPOSTA AO RODRIGO Meu caro Rodrigo: Não creio que vaidade seja pecado. O problema é ter vaidades pessoais financiadas com dinheiro público. Se um cinqüentão quer investir em um doutorado, pagando do próprio bolso seus estudos, não vejo mal maior. O mal está, a meu ver, em usar dinheiro do contribuinte só para ter um diploma na parede, sem que isto se traduza em magistério. A vontade de ter PhD aos 30 é tão vaidade quanto obtê-lo aos 60 – você afirma. Não é bem assim. As universidades hoje estão exigindo doutorado para o magistério. E 60 já é idade de aposentadoria. Para mim é patético ver um sexagenário - idade que significa muitas leituras e experiência de vida – submeter-se a metodologias estéreis de doutorezinhos jovens, que mal sabem onde têm o nariz. Este é o mal dos doutorados, sejam doutorados jovens ou senis, a maldita metodologia. Falo das ciências humanas, é claro. Quelle est votre méthode? – perguntou-me um de meus inquisidores na defesa de minha tese. Nenhum, respondi. Ou, se quiser, ma méthode c’est la cristaldesque. Não estou aqui para refletir sobre dois escritores tomando emprestado o pensamento de um terceiro. Eu também sei pensar. A banca relutou, demorou uma boa meia hora para chegar a um veredito, mas me concederam o título. Não o busquei por vaidade, nem mesmo pela intenção de lecionar. Meu doutorado teve uma única motivação: conhecer Paris, suas mulheres, sua cultura, sua gastronomia, seus queijos e seus vinhos. Nada mais do que isso. A condição para tal era defender uma tese? Ok! Defendo. Passei meus dias de jovem defendendo teses em bares, de nada me custaria defender mais uma em um anfiteatro. Fiz um doutorado por mero diletantismo. Estava em meus trinta anos, junto a colegas da mesma idade. Me sentiria muito mal se tivesse sessenta, disputando com jovens o que deve se disputar quando se é jovem. Mais ainda: não tinha compromisso algum em defender tese. Eu a defendi primeiro porque costumo honrar meus compromissos. Segundo, porque me havia comprometido, junto a um dos autores estudados – Ernesto Sábato – a escrever um ensaio sobre sua obra. Foi o que fiz. Canudos não me interessam. Tanto que nem peguei o meu em Paris. Havia uma burocracia tão tola para apanhá-lo que me irritei. Deixei-o então por lá. Devo ser o único doutor que desistiu de pegar seu título. Tive um amigo, já perto dos sessenta, que decidiu enveredar por esse caminho. Formou-se pela USP. Por circunstâncias acadêmicas, trocou duas vezes – ou talvez três, já não lembro – de orientador. Cada orientador tinha seus gurus prediletos. A cada troca, novas bibliografias, novos enfoques. Este meu amigo – que fizera guerrilha urbana, diga-se de passagem – fora preso, torturado e condenado a quatro anos de prisão. Não se intimidou com prisão nem com tortura nem com condenação. Mas curvou a cerviz bonitinho ante os PhDeuses uspianos. Foi cerceado em sua liberdade de pensamento, foi obrigado a escrever o que banca queria que escrevesse, e cumpriu o ritual ridículo, a defesa de tese. Ora, se a USP exige uma prévia para aprovar uma tese, para que a cerimônia se a tese já está aprovada? Puro teatro. Muito triste, um homem já no entardecer da vida, ter de submeter seu pensamento ao arbítrio de jovens arrogantes. Você diz, Rodrigo, gostar de meus textos pela qualidade intelectual, não por meu curriculum. Flatté. Mas o doutorado teve a ver algo com isso. De pouco me serviram as escassas aulas que tive na Sorbonne Nouvelle. Mas de muito me serviram os quatro anos que vivi em Paris. Tive um bom conhecimento da França e de sua cultura, como também da Europa. E, conseqüentemente, do Brasil. Gosto de repetir a frase de Chesterton: não se conhece uma catedral permanecendo dentro dela. Sair do Brasil foi fundamental para conhecer o Brasil. O homem não conhece exatamente valorando. Mas comparando. Quanto a crônicas sobre religiões, com a devida vênia, você vai ter de me suportar. É um de meus temas prediletos e, a meu ver, o que mais causa comoção entre meus leitores. Quando escrevo sobre o assunto, recebo em geral uma saraivada de xingamentos. É porque toco em chaga aberta. Sem falar que hoje, liberto de qualquer preocupação acadêmica, tenho me dedicado a ler sobre história das religiões. Um tratado de teologia me diverte mais do que qualquer ficção. Mas, enfim, essas crônicas você pode muito bem deixar de lado. Em sua honra, vou reproduzir um texto que publiquei há bem mais de quinze anos – “Da inutilidade dos cursos de Letras” – e que até hoje tem sido lido e relido por quem estuda Letras. Grande abraço. MENSAGEM DO RODRIGO Caro Janer, Permita-me considerar o estudo de pós-graduação para qualquer idade, sem limites. Estudar como uma meditabundagem - como já escreveu uma vez o Ezio Flavio Bazzo -, aquele estudo despretensioso que o senhor fala, baseado em temas de interesse próprio, refinando o pensamento, é tão relevante quanto um quarentão pra cima pretender um canudo de mestre ou doutor. Sou mais inclinado ao primeiro, pois minha vaidade não contempla a chatice acadêmica. Mas considero perfeitamente adequado um cinqüentão, um sessentão pretenderem seu stricto sensu. O efeito mais interessante das pessoas é a capacidade de maximizar benefícios a si próprias. Vemos tantas pessoas aborrecidas, mortas para a vida e de repente, resolvem modificá-la. Às vezes passa por um novo emprego, uma nova cidade, um novo amor, uma nova profissão. Quem sabe aquele advogado cinqüentão diz: eu não sou feliz advogando, quero ser professor, e parte para uma pós-graduação. Seus últimos 10, 15 anos de vida profissional na academia talvez sejam mais recompensadores que os 30 anos de, vamos dizer, admirável advocacia. Escrevo isso pensando muito em Gauguin, que não quis ser acadêmico, claro, mas largou a estabilidade material de financista para ser um artista marginal. A idéia é esta: dar uma reviravolta em sua vida e, contra tudo e contra todos, adentrar naquilo que não se considera usual, mas se satisfazer pessoalmente com a nova aventura. A vontade de ter PhD aos 30 é tão vaidade quanto obtê-lo aos 60. E ambos vão se aborrecer um bocado com leituras maçantes e inúteis. "Tem gente se doutorando para logo depois aposentar-se. Isto é, o doutorado não foi de utilidade alguma ao magistério. Só serve então para aumentar o salário ou satisfazer vaidades senis." Nesse ponto eu recordo, doutorado para o magistério jamais será de utilidade, é pura vaidade. Ora se o cara quer ter vaidade em ser doutor aos 30, mesmo sabendo que essa joça é inútil para lecionar, será da mesma forma aos 60, pois se me chamarem para fazer um curso na minha área - mesmo apenas com graduação e com bastante afinco, menos do que é preciso para obter um canudo, passaria uma boa impressão, ou melhor, daria meu recado com cuidado e qualidade. Este é ponto Janer: da minha parte acho PhD em humanas, para qualquer idade, uma plena inutilidade. Mas tem quem queira sofrer. Janer, o senhor sem canudo, ou com canudo, tem a mesma importância. Gosto dos seus textos por sua qualidade intelectual, não por seu curriculum. De outra parte, compreendo bem as suas críticas, mesmo porque, a massa que se orienta para o stricto sensu nas humanas é, em maioria, maçante, enganadora, poseur e repetidora de clichês. De vez em quando aparecem uns cabras machos pra dizer que esse trololó é picaretagem, mas são logo abafados pela voz uníssona do Grande Irmão Virtual no subsconsciente de nossos bravos PhDs. Entendo isso tudo. Terminei minha graduação e disse: pra mim chega! Eu só leio aquilo que quero. Eu sou um estudante/leitor eterno. Stricto sensu não é muito a minha não. Mas se daqui há 10, 20 anos me interessar em fazer, ah, eu faço, na boa. E para que? Ora, por vaidade. Não é por isso que todos fazem? Sou seu leitor há uns três anos e esta é a primeira mensagem que encaminho diretamente ao senhor. Aproveito a oportunidade para responder a esta pesquisa de mercado: quando as crônicas do Janer Cristaldo são menos interessantes? Quando ele resolve "implicar" com religiosidade. E explico. Acho chatíssimo assuntos de religiosidade. Quando as pessoas próximas a mim falam de religião eu concentro minha respiração para não bocejar. Mas existe algo mais chato que falar bem de religião. É falar mal de religião. Religião... o assuntozinho chato. No mais, grande abraço, Rodrigo Xavier segunda-feira, julho 20, 2009
BRASIL DESCONHECE VESPASIANO Nada mais deprimente que ver, em pleno século XXI, uma cidade multando seus habitantes por urinarem na rua. É admissão total de ausência de civilidade e organização urbana. É o caso do Rio de Janeiro, candidata a sede dos jogos finais da Copa do Mundo de 2014. O problema foi resolvido há apenas... dois mil anos. Suponho que meus leitores, em sua maioria, um dia estiveram no Coliseu, em Roma. Se não estiveram, sabem do que se trata. Também conhecido – mas não muito – como Anfiteatro Flaviano, é a obra máxima de Titus Flavius Vespasianus, imperador romano que viveu entre 9 e 79 d.C. Deve seu nome à palavra Colosseum, devido à estátua colossal de Nero, que ficava perto a edificação. Fica no no centro de Roma, pode abrigar 50 mil pessoas que podiam, dada sua arquitetura, esvaziá-lo em 15 minutos. Não sei se um estádio moderno consegue isto em nossos dias. Mas não é esse, penso, o maior legado do imperador romano à humanidade. E sim as chamadas vespasianas, mictórios públicos ornados com mármores, pelo menos nos dias da Roma antiga. A França só os assumiu em 1834, com o nome de vespasiennes, em homenagem ao imperador. Eram mictórios mais ou menos a descoberto – e gratuitos – que serviam para ocultar dos transeuntes pelo menos o ato da micção. Foram substituídas nos anos 80 pelas chamadas sanisettes, cubículos mais fechados aos quais se tem acesso mediante a introdução de uma moeda, suponho que hoje de um euro. Se as vespasiennes só serviam ao uso destes seres que urinam em pé, as sanisettes servem também às mulheres. E – diga-se de passagem – a prostitutas e travestis que precisam de um lugar prático e discreto para o exercício de seus ofícios. Que se vai fazer? Vinte séculos depois, o Rio ainda não descobriu as vespasiennes e quer aplicar multa ao xixi na rua. Hoje, a multa é de R$ 80, mas apenas 30 pessoas foram pegas em flagrante neste ano, todas no Carnaval e em dias de jogos no Maracanã. A Prefeitura quer punição maior para quem for flagrado urinando nas calçadas. A nova legislação vai prever a conduta específica -"urinar em lugar público"- e o valor da multa será maior. "Não definimos o valor, mas tem que ser algo que doa no bolso", diz o secretário municipal da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem. Nobre propósito. Mas como cobrar 80 ou mais reais de um pobre diabo que não tem um vintém no bolso? Ora, são exatamente estes os que mais usam as calçadas – e não só para urinar – para aliviar-se. Há mictórios públicos no Brasil. Mas são raros, distantes de quem os necessita e deprimentes. Em geral, constituem um atentado ao olfato e à higiene. Quando não aos ditos bons costumes. Vespasiano resolveu o problema há vinte séculos. O Brasil ainda não chegou lá. domingo, julho 19, 2009
QUAL A MELHOR IDADE PARA PARAR DE ESTUDAR? Verba volant, scripta manent, diziam os romanos. As palavras voam, a escrita fica. Pelo menos assim foi traduzido o antigo brocardo até bem pouco tempo. Nestes dias de Internet, surge uma nova interpretação. Que a escrita, sim, permanece. Mas imóvel. E que as palavras voam, isto é, vão mais longe. Texto eletrônico é escrita ou palavra? É tanto escrita que fica como palavra que voa, diria eu. Minhas crônicas dos dias de jornal em papel sumiram no tempo. Estarão guardadas em arquivos de jornais ou bibliotecas, algumas em arquivos pessoais de alguns leitores. Já as crônicas eletrônicas, estas, além de voar, permanecem vivas na rede. Um leitor está pesquisando uma palavra e de repente cai numa delas. Assim, é com prazer que recebo retorno de crônicas que escrevi há cinco ou mais anos. Há alguns anos, comentei a ridícula condição dos mestrandos carecas. Dizia que mestrado é para jovens, não para cinqüentões. Um magoado leitor me escreve: Caro professor Janer: Não gostei da parte que fala que as pessoas mais velhas não devem obter títulos. Tenho 47 anos e estou fazendo a minha primeira pós na área de educação. Estou adorando filosofia e pretendo estudar muito mais ainda e a sua coluna veio como um balde de água fria. Eu não concordo com os seus dizeres. O estudo pode vir em qualquer idade. Pedro Nava só começou a escrever muito tarde e foi um grande memorialista. Já pensou se ele pensasse como o Sr? Vamos por partes. Estou com 62 e me sinto eterno estudante. Meu doutorado, eu o concluí aos 33. Foi uma fase de minha vida. Uma vez titulado, fui lecionar. Tive de ler bibliografias obrigatórias que, de meu grado, jamais escolheria ler. Mesmo nos dias de formação universitária, tive de estudar o que não queria estudar. O currículo obriga. Em Filosofia, se me deliciei com Platão e Sócrates, tive mais a frente de enfrentar os textos áridos de Kant e Hegel e a parlapatagem de vigaristas intelectuais como Sartre, Heidegger e Husserl. Ler obras como O Ser e o Tempo ou O Ser e o Nada – perdoem-me os adictos – nada mais é do que pura perda de tempo. Para estudar nunca é tarde, meu caro. Não tive tempo de ler o que queria ler nos dias de Direito ou Filosofia. Passei cinco longos anos lendo tratados jurídicos. Fiz meu curso em Santa Maria. Ao concluí-lo, quando voltava a Porto Alegre, sobre a ponte do Guaíba, simbolicamente joguei ao rio os Washingtons de Barros Monteiros e Clóvis Beviláquas da vida pela janela do ônibus. Doutorei-me em Letras Francesas e Comparadas, em Paris. Como pesquisei sobre dois escritores dos quais gostava, não fui forçado a leituras compulsórias. Mas quando fui lecionar na Universidade Federal de Santa Catarina, fui contratado para lecionar literatura brasileira. De novo as leituras forçadas. Lecionava modernismo. Tive de ler autores que não recomendo ninguém a ler: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e outros que tais. Pior ainda, tive de forçar minhas alunas a lerem tais elefantes brancos. Mas pior mesmo, tive de ler teóricos literários, para acompanhar as teses de meus mestrandos. Teoria literária é uma das mais sofisticadas técnicas de masturbação intelectual que a universidade conseguiu criar. Hoje, liberto das obrigações de universitário ou professor, leio apenas o que me agrada ler, e isso é ótimo. Virei estudante. Mas estudante sem professor nem orientador. Leio para onde os ventos me levam. Me dedico atualmente a algo que me fascina, o estudo de História e da História das Religiões. Eram leituras para as quais não tinha muito tempo nos dias de universidade. Por outro lado, os ensaios que têm me fascinado raramente são traduzidos no Brasil. Tenho de viajar para encontrá-los. Sem falar que muitos não existiam na época. Ultimamente, se alguém me encontrar em um bar, provavelmente me verá mergulhado no Dictionnarie critique de théologie, obrinha de 1588 páginas, coordenada por Jean-Yves Lacoste. Me diverte imensamente, muito mais que Asterix. Qual a melhor idade para parar de estudar? Não há idade para parar de estudar, caro leitor. Uma das coisas que lamento é saber que morrerei sem ter lido todos os livros que me esperam na cabeceira. Mas para fazer mestrado ou doutorado há uma idade adequada. Isso de mestrandos ou doutorandos carecas, costumo afirmar, é coisa de Brasil. Tem gente se doutorando para logo depois aposentar-se. Isto é, o doutorado não foi de utilidade alguma ao magistério. Só serve então para aumentar o salário ou satisfazer vaidades senis. Você cita Pedro Nava, um dos bons memorialistas nacionais. Ora, ele não fez doutorado algum para desenvolver sua obra. Era médico e encontrou seu caminho na literatura. Hélio Silva, um dos grandes historiadores do país, autor de vasta obra, era proctologista. Por enquanto, pelo menos por enquanto, não se exige diploma específico para escrever. Continue estudando, meu caro. Nada o impede. Mais ainda: se você estudar por conta própria, não será obrigado a engolir leituras estéreis impostas por estéreis orientadores. Era Stephan Zweig que dizia, ou talvez Thomas Mann, agora não lembro: “por que ler livros bons, quando podemos ler os melhores?” sábado, julho 18, 2009
QUANDO O FUTEBOL ERA LAICO Caroline Celico é a mais nova pastora da igreja Renascer. A Renascer, se alguém não lembra, é aquela igreja criada em fundo de quintal, pelos publicitários Estevam Hernandes e Sonia Hernandes, doravante denominados bispa Sônia e apóstolo Estevam. Ambos estão cumprindo prisão nos Estados Unidos por entrarem no país com dólares não declarados, dentro de uma bíblia. O livro sagrado tem muitas utilidades. A pastora é também casada com o futebolista Kaká, grande doador da igreja do apóstolo e da bispa vigaristas. Kaká é aquele crente que decidiu casar virgem. Quando jogava no Milan, declarou à edição italiana da Vanity Fair que levava uma vida regrada dentro dos preceitos da Bíblia e que por isso chegou virgem ao casamento. Melhor falasse de futebol. Futebolista falando de Bíblia é algo como o Lula falando de gramática. "Sou um jovem normal com valores fortes. Sou religioso, seguindo a confissão evangélica, e tento viver seguindo os preceitos da Bíblia" – disse na ocasião. Falando de sua mulher, Caroline, disse que ambos decidiram casar virgens e que não tiveram relações sexuais desde o início de seu noivado em 2002 até a noite de núpcias, em dezembro de 2005. "Optamos por chegar castos ao casamento. A Bíblia ensina que o amor verdadeiro é alcançado apenas com o casamento, um laço de sangue no qual a mulher perde a virgindade. Para nós, a primeira noite foi magnífica". Caiu no conto do vigário. Pois se a Bíblia pune a mulher que não chega virgem ao casamento, não exige virgindade alguma do homem. Caroline, por sua vez, vai instalar uma franquia da Renascer em Madri. O que motiva o casal – diz Mônica Bergamo em sua coluna – "é que nós vamos estar podendo abrir uma igreja lá". "O Senhor estava nos querendo lá em Madri", diz a novel pastora. Uma primeira pergunta se impõe. Qual Senhor estará querendo criar uma igreja em Madri? Porque aquele Senhor, o antigo Jeová, tem igrejas à beça, não só em Madri como em toda Espanha. Mais curiosa é a relação que a pastora Carol estabelece entre teologia e futebol, ao explicar o compromisso de Deus com a ida de Kaká para a Espanha. "Como pode no meio da crise alguém ter dinheiro? O dinheiro do mundo tem que tá em algum lugar. E Deus colocou esse dinheiro na mão de quem? Do Real Madrid, pra contratar o Kaká. Foi uma grande bênção." Essa é nova. Antes, o bom Jeová investia em templos. Agora, segundo a pastora, está aplicando suas poupanças no futebol. Outra pergunta se impõe: declarará o Senhor sua aplicação às autoridades da Receita? Ou estará o Todo-Poderoso acima de todo fisco? Houve época em que o futebol era laico. |
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