¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, janeiro 26, 2013
 
A QUE PONTO CHEGAMOS


Muçulmanos suspeitos de "patrulha religiosa" detidos em Londres Polícia britânica prendeu hoje um quinto muçulmano suspeito de fazer "patrulha religiosa" com objetivo de implantar a sharia, conjunto de leis islâmicas, na capital do Reino Unido.

Muçulmanos defendem implantação em Londres de zonas controladas pelas leis islâmicas

Cinco muçulmanos estão detidos em Londres, suspeitos de realizarem perseguições nas ruas de Londres e recriminarem as pessoas por serem gays, estarem a consumir bebidas alcóolicas ou usarem minissaias. O quinto suspeito foi preso hoje, pela Scotland Yard.

O grupo, que se descrevia como uma espécie de "patrulha religiosa", advertia as vítimas de que o seu comportamento não era aceitável em áreas do leste de Londres, onde reside um grande número de muçulmanos.

As ações eram filmadas e colocadas na Internet.

Recorde-se que em 2011, de acordo com o blogue belga Talpa Brusseliensis Christiana, o grupo islâmico "A Call to Islam" pretendia estabelecer, na capital da Dinamarca, zonas controladas pela sharia.

"Liderados pelo imã Abu Ahmed, que possui ligações com atividades terroristas, um grupo de 50 integrantes patrulha os bairros de Copenhaga para repreender os muçulmanos que estiverem a jogar ou a beber. A punição para o consumo de bebidas alcoólicas, segundo a lei islâmica, é de 40 chicotadas", dizia o texto escrito no blogue em 25/10/2011.

Também em Londres, os líderes muçulmanos querem implantar essas áreas controladas pela sharia, alegando que a sociedade britânica está "destruída por drogas, crime e prostituição".


sexta-feira, janeiro 25, 2013
 
CRONISTA NO ESTALEIRO
Volto em breve.

quinta-feira, janeiro 24, 2013
 
A HISTÓRIA DO GRANDE RACIONAMENTO DE PALAVRAS


Conto de Tage Danielsson

Tradução do sueco de Janer Cristaldo


Um dia disse Nosso Senhor à sua mulher:

- Ouve, Elvira, é algo absolutamente incrível o que os homens falam e falam sem parar. Acho que a situação piorou nos últimos tempos com tagarelices cada vez mais sem sentido. Para alguém como eu que tudo vê e tudo ouve, devo confessar que isso se torna um pouco irritante.

- Não seja idiota, Karl-Ragnar - disse a mulher de Nosso Senhor -. Uma conversinha de quando em quando, podes muito bem permitir aos pobres coitados.

- Besteiras aqui, besteiras lá, besteiras por todo lado - disse Nosso Senhor - mas agora vou terminar com este eterno blá-blá-bá. Acho que vou racionar um pouco as palavras.

- Então faz o favor de te limitar aos teus homens - atalhou a mulher de Nosso Senhor -. Não te mete com minhas colegas, lembra-te bem disto.

- Não vamos brigar por uma coisinha destas - disse Nosso Senhor, conciliante -. Se todos os homens se tornam um pouco mais silenciosos, a coisa já melhora.

Nosso Senhor sentou-se e pensou: "Não será agora que vou ser parcimonioso, mas, pelo contrário, fartamente generoso. Vou dar-lhes dez mil palavras por dia, isto certamente lhes será suficiente. Vejamos... isto dá três milhões e seiscentas e cinqüenta mil palavras ao ano... acho que posso deixar de lado um acréscimo extra para os anos bissextos, este dia eles podem muito bem calar a boca em nome da paz... e assim em 78 anos teremos... bem, se ofereço a cada um cem milhões de palavras, contadas desde o nascimento, eles têm em todo caso uma boa margem para conversa fiada".

Nosso Senhor expediu uma circular com este conteúdo a todos os seres humanos do sexo masculino. Comunicava ainda que cada ocasião que alguém ultrapassasse a cifra exata de um milhão de palavras, soaria uma pequena campainha no ouvido do próprio. E quando a provisão de palavras estivesse quase esgotada e restassem apenas dez palavras, a campainha emitiria sinais curtos durante um minuto.

Nosso Senhor calculara certo, como sempre. A consciência de que a provisão de palavras era racionada fez com que muitos dos mais loquazes senhores na terra se pusessem a pensar um pouco mais cada vez que soava a campainha. Talvez eu tenha falado demais, pensavam. Talvez eu deva pensar um pouco mais e falar um pouco menos. E assim pensavam um pouco antes de continuar a falar. Para suas alegrias, observaram que suas conversas dali por diante se tornaram mais coerentes e interessantes de serem ouvidas, e tiveram grande sucesso na vida graças à sábia decisão de Nosso Senhor. Até aqui, apenas três pessoas deram cabo de suas cem milhões de palavras.

O primeiro foi um sacerdote que durante muitos anos de serviço desfiava as escrituras em tão longas prédicas que a campainha lhe tilintava freqüentemente no ouvido. Ele no entanto não se preocupava muito com aqueles avisos da campainha, pois achava que na condição de servidor de Nosso Senhor, certamente teria direito a uma reserva extra de palavras caso sua quota chegasse ao fim.

Um dia, justo quando havia começado sua prédica dominical, ouviu os curtos e insistentes sinais que significavam que agora ele tinha apenas dez palavras. Mas nem ligou para isso. "O chefe certamente me fornecerá um acréscimo extra, bom como ele é", pensou despreocupadamente.

Encontrava-se em meio a um raciocínio que começara com a caminhada de Jesus sobre as águas e continuava com uma comparação entre o passeio divino e o comportamento ímpio que dão prova muitos escravos do pecado em nossos tempos dissolutos ao banharem-se embriagados e nus, à noite, nos chafarizes em frente a nossos museus e instituições de cultura. E continuou como se nada tivesse acontecido em seus ouvidos:

- Objetará então o pecador: não é pecado gozar a vida.

Um silêncio divino inundou a igreja. Os paroquianos despertaram surpresos de suas semi-sonolências. Terminaria a prédica com estas palavras? Sim, pelo jeito, pois o pastor mantinha o rosto entre as mãos e nada mais dizia. Após alguns instantes, um órgão perplexo começou a soar.

Naquele dia todos chegaram alegres da missa em bom tempo para escutar programas da velha guarda, fortalecidos na alma pelas palavras finais do pastor que diziam não ser pecado gozar a vida.

- Foi uma prédica extraordinariamente linda - diziam os paroquianos um para o outro, e ninguém entendeu porque depois daquele domingo o pastor foi conduzido para um silencioso serviço na secretaria da paróquia.

O segundo pela ordem a ser atingido pelo racionamento de palavras foi um relações-públicas do ramo de detergentes. Sua profissão consistia em ser excepcionalmente gentil, da manhã à noite, e em especial durante o almoço e a janta, com todas as pessoas que sua firma entrava em contato. Então vocês podem imaginar que o relações-públicas conhecia todas as histórias engraçadas sobre detergentes que existiam e mais algumas ainda, e além disso dominava a arte de sorrir todo o tempo com seus dentes alvíssimos enquanto falava, de forma que as pessoas ficavam loucas por ele e por seus detergentes.

- Cada vez que eu abro a boca, um par de meias é jogado em nosso detergente em alguma parte do mundo - costumava dizer com seu sorriso irresistível e, como isto havia sido calculado pelo departamento de estatística de sua firma, era indubitavelmente verdade.

Para um tal relações-públicas, a campainha evidentemente soava com freqüência. Após cada sinal ele ficava algo pensativo e naquele dia não tomava nenhum Dry Martini, pois Dry Martini lhe soltava de tal modo a língua que lindas palavras e lindos slogans lhe fluíam da boca sorridente como um lindo rio onde as associações de donas-de-casa e revendedores se afogavam prazerosamente.

Quando soaram os últimos e repetidos sinais curtos em seus ouvidos ele estava almoçando, por custa de sua firma, com uma delegação do Instituto de Pesquisas Domésticas. Já havia tomado seu Dry Martini aquele dia, e antes de perceber exatamente que soara o último sinal, deixou escapar:

- Apanhem o detergente que quiserem e comparem-no ao nosso.

Então controlou-se. Por Deus, a campainha das dez palavras. E nove já haviam sido ditas! Uma única palavra, pensou ele, uma única!

Enfiou a mão no elegante bolso de seu casaco e apanhou um pacotinho com o deteergente de sua firma, que sempre carregava consigo. Despejou uma dose mortal do detergente em sua taça de vinho, ergueu com seu sorriso alvíssimo a taça ante os encantados delegados do Instituto de Pesquisas Domésticas e disse:

- Delicioso.

Bebeu e caiu, elegantemente morto. Pois um relações-públicas não pode viver sem a possibilidade de dizer sem cessar coisas lindas.

Naturalmente agora vocês se perguntam quem foi o terceiro homem a dar cabo de suas cem milhões de palavras. Pois bem, vou dizer-lhes, foi um político. Ele desenrolava textos e conversava fiado e lançava acusações e sofismava e esbravejava tanto que antes mesmo de ter chegado aos cinqüenta a campainha já havia soado em seus ouvidos noventa e nove vezes. E agora se aproximavam as eleições e nosso político sentou-se em uma mesa em companhia de seus adversários e de um apresentador, para um debate na TV.

O político do qual falo olhava fixamente para a câmara e disse no seu minuciosamente ocupado espaço onze mil quinhentas e sessenta e três palavras, entre as quais podemos escolher, ao azar: segurança, todos, aposentadoria, vocês mentem, padrão de vida, conspiração, eleitores querem saber, aposentadoria, besteiras, 1956, orçamento, homens do povo, grupos de baixo salário, confiança e aposentadoria.

Ao chegar ao apelo final soaram os pequenos sinais curtos nos ouvidos daquele político. Ficou tão estupefato que disse espontaneamente a todo mundo:

- Já disse tantas bobagens que agora eu calo a boca.

Graças a este apelo final aquele político foi escolhido para ministro e governou por muitos anos. Como não podia mais dedicar-se a cacetear os eleitores com conversa fiada, dispunha então do dia inteiro para pensar um pouco e executar uma série de medidas, de modo que se tornou um dos melhores ministro de Estado que este país teve, como consta nos Anais do Partido. E se não estivesse morto, estaria governando ainda.

Enquanto vocês lêem isto, Nosso Senhor fez um levantamento para sua mulher do resultado de seu grande racionamento de palavras.

Podes notar que tudo ficou significativamente mais silencioso agora, Elvira - disse ele -. Seria agora o caso de pensarmos em estender as determinações de racionamento inclusive ao campo das mulheres, não achas? Hás de convir, tu que falas a todo instante de emancipação e dessa papagaiada toda. (Lá no fundo, Nosso Senhor pensou que seria melhor se inclusive sua mulher fosse submetida ao racionamento, mas evidentemente nem tocou no assunto).

- Emancipação aqui, emancipação acolá - disse a mulher de Nosso Senhor -. Mas um racionamento desses para mulheres tu só vais estabelecer em cima de meu cadáver, Karl-Ragnar.

E o fato é que a mulher de Nosso Senhor nunca morre. Esta é a sorte de vocês, adoráveis tagarelas.

quarta-feira, janeiro 23, 2013
 
FSP PROMOVE PAULO
COELHO A ESCRITOR



Há escritores e escritores, não é verdade? Há Cervantes e há Chico Buarque. Sem dúvida alguma, ambos são escritores. Como também há poetas e poetas. Há Fernando Pessoa e Ferreira Gullar, ambos fazem poemas. A propósito, Ferreira Gullar acaba de ser indicado, pela enésima vez para o Prêmio Nobel da Literatura. Junto a uma surpresa insólita, o também poeta Luiz de Miranda. Para quem não o conhece, é um medíocre escrevinhador de versos, que ao falar em pampa já se sente intérprete da alma gaúcha. Promete, o Nobel deste ano.

Mas há uma distância, bem entendido, entre Cervantes e Pessoa e seus similares tupiniquins. Cervantes e Pessoa falam ao homem e ao mundo, no sentido mais pleno destas palavras. Buarque, Gullar ou Miranda falam a seus cupinchas. Uma coisa é Paganini. Outra, bem distinta, é André Rieux.

País incrível este nosso. Há gente por aí que, só por vender milhões de exemplares, se julga escritor. Falo de Paulo Coelho. Que, ano passado, declarou considerar-se o maior intelectual do país por ter ensinamentos acessíveis a toda população. "Eu sou o intelectual mais importante do Brasil. Por quê? Porque tenho alguma coisa a dizer. E para todo mundo, e não entre os intelectuais", declarou em entrevista à revista Rolling Stone Brasil" de setembro.

Que escreve de forma acessível, nada contra. Daí a ter ensinamentos acessíveis, são outros quinhentos. Quanto a ser intelectual mais importante do Brasil, a distância ainda é maior. Qualquer jornalista competente do país, tem mais cultura e erudição do que Paulo Coelho. E escreve melhor. O que não é difícil. Pelo pouco que li do maior intelectual do país, o homem escreve mal.

Já vou avisando que não li nenhum livro do autor. Não leio autores que vendem milhões de livros. Isto, para mim, já é sinônimo de péssima literatura. A bem da verdade, li alguns artiguetes de dez ou quinze linhas que ele assinava no Globo. Nem sempre conseguia chegar ao fim. Quando ainda nem sabia quem era Coelho, dei uma olhadela em Caminho de Santiago, tema que sempre me interessou. Li umas cinco páginas numa livraria e joguei-o de volta à mesa.

Paulo Coelho, por mais que venda, é pessoa que eu jamais qualificaria como escritor. É mais um desses produtores de best-sellers que, por mais que se esprema, deles não sai nada. Por que vende tanto? Não sei. Certamente não será por ser inteligente. Mas dinheiro acaba subindo à cabeça. De tanto vender – vende mais do que qualquer outro autor nacional – se julga o mais importante intelectual do país. Volto ao André Rieux, aquele violinista que faz shows espetaculosos mundo afora. Por mais que se julgue músico, não é músico. Qualquer músico que se preze tem brotoejas quando ouve falar dele.

Coelho pôs na cabeça que é o intelectual mais importante do Brasil e está tratando de chegar lá. Ilustríssima, o suplemento de letras da Folha de São Paulo, concedeu-lhe ontem duas páginas inteiras, assinadas pelo PhDeus uspiano Fernando Antonio Pinheiro, que pretende colocar Coelho no pedestal que lhe é devido. Não vou discutir o artigo porque não há nada a discutir no artigo. Li as duas páginas e não encontrei uma frase sequer que justificasse ler o autor. Mas houve uma manifesta intenção de levar Paulo Coelho a “encontrar assento no domínio culto da literatura brasileira.

Não bastasse esta louvação descabelada do autor, o suplemento concede ainda mais uma página ao próprio Coelho, para que mostre ao que veio. O mago não se furta a um vulgar pastiche de Borges, “A Tradução de Pierre Ménard”. E debulha citações eruditas de livros desconhecidos e provavelmente inexistentes, como se isto bastasse para equiparar-se ao argentino. “Pierre Menard, autor del Quijote” é um contos de Borges, constante de Ficciones.

Não é de hoje que Coelho quer ombrear com Borges. Há não muito tempo, andou lançando O Aleph, livreco de auto-ajuda onde o autor, “num relato pessoal franco e surpreendente, revela como uma grave crise de fé o levou a sair à procura de um caminho de renovação e crescimento espiritual”, como diz a editora. Por esta frase você já tem uma idéia da obra. Para se reaproximar de Deus, o mago resolve fazer turismo por três continentes.

Com tantas palavras no mundo, por que teria Coelho escolhido logo o mesmo título de Borges? Será que o antigo roqueiro elegeu como alterego o sofisticado Borges? Nunca se sabe. Agora, ao pastichar o argentino, o mago parece confessar sua paixão inútil.

Que Coelho tenha sido eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras, já está de bom tamanho. Convive com seus pares, medíocres apenas um pouco mais ilustrados, como José Sarney ou Carlos Heitor Cony. Daí a cotejar-se com escritores de alto coturno, é mágica para a qual Coelho não tem condão.

Coelho navega em águas mais rasas. Poucas pessoas hoje lembrarão de seus ilustres predecessores, que também venderam milhões, como Carlos Castañeda e Lobsang Rampa, autores que falsificaram suas biografias. Castañeda se pretendia mexicano e teria tido uma iniciação mística com um xamã chamado Don Juan Matus, índio da tribo yaqui do deserto de Sonora, no México. Enganou meio mundo, foi best-seller e vendeu horrores, entre eles A Erva do Diabo, que se tornou um best-seller entre os hippies e no dito mundo da contracultura. Castañeda se tornou um guru da nova era e criou legiões de admiradores que queriam, por conta própria, reviver as experiências descritas no livro. Caiu em decadência quando se descobriu que era um brasileirinho de Mairiporã, aqui ao lado de São Paulo. Guru brasileiro não convence.

Lobsang Rampa teve grande fortuna no Brasil, com seu livro A Terceira Visão. Alegava ser um lama tibetano e ter vivido a maior parte de sua vida no Tibete. Na verdade, era o pseudônimo de Cyril Hoskins, escritor que jamais saiu das Ilhas Britânicas. Dizia ter adquirido conhecimento suficiente no Tibete para poder transmitir-nos nas suas obras. Seus livros tratavam do lamaísmo tibetano e vigarices outras, como viagem astral e o poder da mente.

A Folha de São Paulo – ou a USP? - parece estar querendo vender Paulo Coelho como escritor. Por mais artigos vazios que publique, não vai convencer. Mágica tem limites.

terça-feira, janeiro 22, 2013
 
MEU COQUEIRO *


Leitores de minha idade certamente curtiram um dia os quadrinhos de Carlos Estevão, na revista O Cruzeiro. Uma historieta que jamais esqueci foi a do João do Coqueiro. Um certo João decidiu um dia fincar seu rancho à beira de uma estrada e frente à fachada plantou um coqueiro. Mal a árvore cresceu, não faltou passante que o apelidasse de João do Coqueiro.

João não gostou do apelido. E tomou uma decisão radical. Numa calada de noite, pegou um machado cortou seu coqueiro. Se achava que bastava um machado para eliminar o problema, enganou-se redondamente. Passou a ser chamado de João do Toco. Irritado, João decidiu arrancar o toco. Mas infatigável é a malícia humana. Dia seguinte, era o João do Buraco. João tapou o buraco. Passou a ser chamado de João do Buraco Tapado. Já não lembro como terminava a história. Creio que João, que queria apenas ser João, bateu na marca e mandou-se à la cria. Cronista, desde há muito vivo os avatares de João do Coqueiro.

A partir de meus primeiros artigos, publicados em um pequeno jornal de Dom Pedrito, o Ponche Verde, no início dos 60, passei a ser tachado como comunista. Meus artigos tinham um forte viés anticlerical, no que nada havia de espantar, afinal eu sofria a opressão intelectual de um colégio de padres oblatos. Se era anticlerical, obviamente era comunista. Ora, na época eu tinha 16 ou 17 anos e desde os 15 já lia filosofia. Quando os comunistas tentaram cooptar-me - afinal a cidade toda me julgava ser um deles - eu já tinha nítida consciência de ser o marxismo uma filosofia excessivamente tosca, sem fundamento racional algum. Mesmo assim, fiquei marcado na paleta: comunista.

Uma vez na universidade, em Porto Alegre, um de meus primeiros artigos publicados no Correio do Povo, em 06 de janeiro de 1969, intitulava-se "Marxismo Gaúcho Contemporâneo", e constituía uma sátira aos membros do PC gaúcho, alguns deles ministros ou ex-ministros do atual governo. Na universidade, passei a ser visto como um perigoso reacionário e agente do imperialismo. No curso de Filosofia, era tido como agente do DOPS e perdi não poucas mulheres por essa pecha. Em Dom Pedrito, quando fui rever meus pais, fui preso por um delegado, que via em mim um perigoso comunista. Motivo? O artigo publicado no Correio, do qual o delegado só havia lido o título. Ou talvez tivesse lido o artigo mas não tivesse bestunto para entender ironia. Minha prisão foi rápida em Dom Pedrito. Ao voltar a Porto Alegre, fui interrogado no DOPS, por suspeição de ser elemento subversivo. Enquanto isso, na universidade, ora era nazista, ora era fascista.

Finda a universidade, viajei. Fui para Estocolmo e, honestamente, não pretendia mais voltar ao Brasil. Na época, a Suécia constituía um dos locais de asilo preferidos pelos comunistas brasileiros, que comunista que se preze não é maluco a ponto de pedir asilo em Cuba ou Moscou. Em 71, assistindo uma palestra de um desses heróicos senhores, nos salões da ABF, ouvi gritos de vitória como "A revolução é amanhã", "O povo está nas ruas", "O país está pronto para explodir". Da platéia, enviei um bilhetinho ao palestrante. Que, de fato, o povo estava nas ruas... comemorando a vitória do Brasil na Copa do Mundo. Perguntava se ele não se pejava de estar viajando pela Suécia, hospedado em hotéis cinco estrelas, paparicado como herói pelas árdegas louras nórdicas, enquanto seus companheiros de luta sofriam tortura e prisão no Brasil.

Eu escrevera em sueco. Meu bilhete passava de mão em mão, como brasa quente, e nenhum dos participantes da mesa ousava traduzi-lo. Como me pareceu que não iam lê-lo, acabei abandonando a palestra. Em boa hora. Meu bilhete acabou sendo lido e, se eu lá estivesse, talvez não fosse linchado pelos bravos suecos, mas certamente passaria por maus momentos. De agente do DOPS, fui imediatamente promovido pelo palestrante a agente do SNI, pago pela ditadura militar para vigiar os revolucionários no exílio.

Em 77, após ter percorrido toda a Europa, ganhei uma bolsa em Paris. Nova e imediata promoção. Agora não havia mais dúvidas. Eu fora finalmente desmascarado: trabalhava para a CIA. Assim fosse. Escassos eram meus francos. Bem que os dólares da CIA me seriam muito oportunos nos bistrôs de Paris.

Curiosamente, boa parte de meus amigos era ou fora comunista. Coisas do Sul: para um gaúcho da Fronteira, a amizade sempre fala mais alto que as ideologias. Estes amigos passaram um recado aos militantes: tirem isso da cabeça, o Janer não tem nada a ver com a ditadura. Estes boatos cessaram. Que fazem as gentes quando insultos ideológicos não colam? Apelam aos insultos sexuais. Apesar da generosa rede de proteção feminina que me cercava, passei a ser nada menos que homossexual. O raciocínio era de uma lógica impecável: homem que anda sempre atrás de mulheres, no fundo está procurando um homem. De mulher deve-se gostar moderadamente. Gostar demais é politicamente incorreto. "Use com moderação". Não faltou quem me apodasse de paxá dos pampas. Fui também chamado de Robin Hood às avessas, o que tira de todos e não dá nada a ninguém. Ou ainda de Savonarola às avessas, o que nos condena por não pecarmos.

Fui lecionar em Florianópolis. Lá, longe da memória gaúcha, voltei a ser comunista para uns, porco imperialista para outros. Certos setores da universidade me consideravam maçom. Os maçons, por sua vez, juravam que eu era um líder petista em disputa pela Reitoria. Outros, mais gentis, me definiam simplesmente como um libertino.

Esgotados os chavões da Guerra Fria, algum novo epíteto eu mereceria. Em São Paulo, passei a ser racista. Se o leitor presta atenção na imprensa, deve ter notado que após a queda do Muro de Berlim, as palavras racismo e racista brotaram nos jornais como cogumelos após a chuva. Luta de classes morta, luta racial posta. Fui inclusive denunciado ao Ministério Público por sete entidades ligadas à questão indígena por crime de racismo, por artigo escrito na Folha de São Paulo, no qual negava a farsa do massacre de ianomâmis montada em agosto de 1993. Os afáveis indigenistas pediam para mim nada menos que cinco anos de prisão. Claro que não levaram nada.

Não é tarefa fácil agradar gentes. Pior ainda, agradar leitores. Embora tenha recebido cumprimentos efusivos por minhas crônicas, os descontentes são legião. E pelos mais diversos e descabidos motivos. Em recente crônica, ironizei de alto a baixo a hipocrisia do abbé Pierre, um dos ícones das esquerdas francesas, por suas práticas sexuais enquanto religioso, religioso que um dia fez voto de castidade. Estas práticas foram confessadas pelo próprio abade, em livro intitulado Mon Dieu... Pourquoi? . Ora, não faltou o leitor que reclamasse. Voltei a ser comunista ou algo similar:

"Esse último artigo de Cristaldo, em 31/10, exalta a figura de um herói dos esquerdistas franceses, Abbé Pierre. O objetivo do jornalista é tão somente dar razão às suas taras e para isso, com o maior descaro, faz elogios a esse senhor que só é considerado "santo" pelos comunistas. Só nos falta agora ter de ler do sr. Cristaldo elogios a D. Hélder Câmara, frei Betto, Leonardo Boff por causa das posições anticlericais destes".

Parece estar faltando massa cinzenta ao leitor. Ou, pelo jeito, nunca ouviu falar do que seja ironia. Lembrou-me o delegado de Dom Pedrito, que me prendeu como comunista, por um artigo em que eu baixava a lenha nos comunistas. Mas, pelo jeito, ainda não perdi a antiga fama. Outro dia, aqui em São Paulo, me dizia um súbito amigo: "nós, da direita...". Polidamente, o interrompi: "Nós, não. Eu nada tenho a ver com a direita".

Em função das últimas crônicas que escrevi, fui definido como apóstata, herege e cheguei a merecer o trocadilho infame de Satanaldo. Parece que andei machucando os leitores tefepistas do MSM, que não conseguem admitir que um ser humano não creia em deuses. Mas nem tudo está perdido, senhores devotos de Maria. Eu comentava outro dia com uma amiga de Orkut um versículo de Isaías (14:12), e minha interlocutora, num acesso de ira, pespegou-me um epíteto que jamais imaginei merecer: cristão fanático. Perplexidade total. Por este eu não esperava. Ou seja, não é muito evidente que eu seja exatamente um herege.

Parece que há Cristaldo para todos os paladares. Seja como for, não pretendo cortar meu coqueiro.

*14/11/2005
PS - A última gentileza a mim dirigida foi islamófobo. Mudam os tempos, mudam os insultos.

segunda-feira, janeiro 21, 2013
 
EUA HOMENAGEIAM
PLAGIÁRIO CONTUMAZ



Centenas de pessoas foram ontem ao memorial de Martin Luther King, em Washington, nos Estados Unidos, para lembrar o mártir dos direitos civis dos negros. O vigarista ninguém mais lembra. Luther King fez sua fama montado na mentira e no embuste. Acadêmico, viveu de plágios.

De Ana, minha fiel correspondente nos Estados Unidos, recebo este apanhado:

- Seu primeiro sermão como reverendo foi plagiado de uma homilia do pastor protestante Harry Emerson Fosdick, intitulada Life is What You Make It, e tal afirmação está de acordo com as palavras de um dos melhores amigos de King na época, o também reverendo Larry H. Williams.

- O primeiro livro de MLK, Stride Toward Freedom, é um compendio de plágios das mais variadas fontes, todas sem o devido crédito. Tal informação e' corroborada pelos escritores Keith D. Miller, Ira G. Zepp, Jr., and David J. Garrow, que longe de serem agentes da CIA, são, ao contrario, entusiastas admiradores do vigarista de Atlanta.

- E se isso não for o bastante como evidência, o Centro Martin Luther King para Mudanças Sociais Não-Violentas (Martin Luther King Center for Nonviolent Social Change, Inc.), de cujo staff faz parte a própria viúva de King, Coretta Scott King, publicou o livro The Papers of Martin Luther King Jr., no qual diz-se sobre os escritos de MLK na Boston University e no Crozer Theological Seminary: "Julgados reatroativamente de acordo com critérios acadêmicos, são tragicamente manchados por diversas evidências de plágio, especialmente aqueles no campo de sua principal graduação, Teologia Sistemática."

- Ainda de acordo com o The Martin Luther King Papers, na dissertação referida acima, "apenas 49% das sentenças no capitulo sobre Tillich contém cinco ou mais palavras escritas pelo próprio Dr. King."

- O ensaio escrito por King na época em que estudava no Crozer, The Place of Reason and Experience in Finding God, foi amplamente pirateado de trabalhos do teólogo Edgar S. Brightman, autor de The Finding of God.

- Outra tese escrita por King, Contemporary Continental Theology, escrita logo após seu ingresso na Boston University, é plágio de um livro de Walter Marshall Horton.

- A tese de doutorado de King, A Comparison of the Conceptions of God in the Thinking of Paul Tillich and Harry Nelson Wieman, pela qual lhe foi conferido um PhD em Teologia, contém mais de cinqüenta frases completas plagiadas da tese de doutorado do Dr. Jack Boozer, The Place of Reason in Paul Tillich's Concept of God.

- No The Journal of American History, junho de 1991, página 87, David J. Garrow, um acadêmico esquerdista simpático a MLK, afirma que Coretta Scott King, viúva e secretária de MLK era sua cúmplice nos plágios (King's Plagiarism: Imitation, Insecurity and Transformation.

- Lendo o acima mencionado artigo de Garrow, somos levados à conclusão de que King plagiava porque havia escolhido uma carreira política na qual um PhD lhe seria útil, e na falta de talento para criar algo de sua própria lavra, usava de todos os meios possíveis, incluindo o roubo de trabalhos e méritos alheios. Por que, então, os professores de King no Crozer Seminary e Boston University, fizeram vistas grossas e garantiram-lhe seu PhD, apesar de sua óbvia falta de méritos? Garrow responde na página 89: "os trabalhos acadêmicos de King, especialmente os da Boston University se compõem basicamente de descrições de sumários e comparações de outros escritos. No entanto, seus trabalhos sempre receberam notas altas, numa clara indicação de que seus professores não esperavam muito mais dele. O editores de The Martin Luther King Jr. Papers concluem que "a omissão por parte dos professores de MLK em perceberem seus repetidos plágios são de fato impressionantes."

- Mas o pesquisador Michael Hoffman esclarece: "... na verdade, a má fé dos professores não é assim tão impressionante. King era politicamente correto, era negro e tinha ambições. Professores esquerdistas dariam com alegria um PhD a um candidato com tais atributos, pouco importando quanta fraude estivesse envolvida. Por essas mesmas razões, também não é de admirar que tenha levado mais de 40 anos para que o constante hábito de plágio por parte de King tenha finalmente se tornado público.

- Professores universitários, que na verdade compartilhavam com King sua visão de uma América racialmente misturada e marxista, ajudaram a acobertar suas fraudes durante décadas. E o acobertamento ainda persiste. No jornal New York Times, do dia 11 de outubro de 1991, página 15, aprendemos que no dia anterior um comitê de pesquisadores da Boston University havia admitido que "não há dúvidas de que Dr. King plagiou sua tese de doutorado." No entanto, esse mesmo comitê concluiu: "Decidimos afastar a idéia de que o título de doutor concedido a MLK deveria ser revogado, pois tal ação serviria a nenhum propósito."

Ou seja, mesmo diante de fraude comprovada, a instituição de ensino de 172 anos preferiu a autodesmoralização a retirar de King a honraria recebida indevidamente. Sobre as conexões comunistas de MLK, também a documentação é farta.

Suas ligações com líderes comunistas americanos como Myles Horton e Don West, Abner Berry e James Dumbrowski, todos conhecidos membros do Partido Comunista americano. MLK se reuniu várias vezes com eles em 1957 com a intenção de juntos planejarem passeatas e badernas nos Estados do Sul do país.

Bayard Rustin, secretário pessoal de King de 1955 a 1960 era membro da Youth Communist League no New York College em Nova Iorque. Outro associado a King, reverendo Fred Shuttlesworth, era o fundador da Southern Conference Educational Fund, uma conhecida célula comunista, cujo diretor Carl Braden também era membro do comitê Fair Play for Cuba, uma organização de comunistas americanos de apoio à ditadura castrista. Rustin, após retornar de uma viagem a Moscou, ajudou King a planejar a sua mais famosa marcha a Washington em 28 de agosto de 1963. Na época, The Worker, o diário oficial do Partido Comunista americano, declarou em suas páginas que as tais marchas lideradas por King eram um projeto do Partido Comunista.

Outro associado de King, Robert Williams, apenas 20 dias após a mais importante marcha de King a Washington, viajou para a China, onde solicitou apoio de Mao para as campanhas de MLK, e esse mesmo Robert Williams mantinha uma segunda residência em Cuba, de onde transmitia três vezes por semana um programa de radio AM chamado Radio Free Dixie. Nos seus programas de rádio, Williams conclamava os negros americanos a se insurgirem violentamente contra os brancos. Nesta mesma época, Williams escreveu o livro Negros with Guns, que tinha o prefácio escrito por MLK e foi editado e publicado pelas mesmas figuras do comitê Fair Play For Cuba.

De acordo com o biógrafo e simpatizante de King, o já citado David J. Garrow, "King se definia na vida privada como marxista". Em seu livro The FBI and Martin Luther King, Jr., Garrow cita a seguinte fala de MLK durante uma reunião com seu staff: "nós estamos em uma nova era, que deverá ser a era da revolução... a estrutura inteira da vida americana tem que ser mudada... nós estamos empenhados na luta de classes".

O judeu comunista Stanly Levison foi um dos maiores financiadores de MLK. Também foi Levison quem editou e arranjou para que o primeiro livro de King, Stride Toward Freedom, fosse publicado, e King o considerava um de seus melhores amigos. A ligação estreita de King com Levison foi o que chamou a atenção do FBI.

A última noite de sua vida foi passada em um motel, onde King fez sexo com duas mulheres, enquanto batia e abusava fisicamente de uma terceira. A orgia foi gravada pela FBI e se encontra naquele arquivo que um juiz simpatizante de King proibiu de ser aberto. No entanto, alguns detalhes foram vazados em livro do ex-agente do FBI William C. Sullivan, e de acordo com o livro, MLK pode ser ouvido nas fitas gritando coisas como "eu estou fodendo em nome de Deus!" e "esta noite eu não sou negro". As orgias sexuais com dinheiro doado para sua organização eram constantes, e as provas também são fartamente documentadas, além dos desvios de dinheiro para outros fins pessoais.

domingo, janeiro 20, 2013
 
NOVILÍNGUA SAPA DEMOCRACIAS


Costumo afirmar que há décadas não leio ficções. Mas há aquelas que se impõem, às quais voltamos sempre. O livro mais importante do século passado, a meu ver, é 1984, de George Orwell, publicado em 1948. Em verdade, não é exatamente uma ficção. Mas um denso e premonitório tratado de lingüística. Que é 1984?

Estamos em uma sociedade que, em 1948, Orwell situará trinta anos atrás. O mundo está dividido em três grandes superpotências — como hoje — em guerra permanente: a Eurásia, que situamos nas atuais Rússia e Europa; a Lestásia, coincidindo com a China e o Japão; e a Oceania, incluindo a Grã-Bretanha, as três Américas e Austrália. Há ainda um vago território em disputa, que inclui o Oriente Médio, a África e o Afeganistão.

A ação do romance transcorre em Londres, capital da Oceania. O personagem central é Winston Smith, funcionário do Ministério da Verdade, cuja função é criar e divulgar inverdades. Winston relaciona-se com Júlia, "rebelde da cintura para baixo", o que, entre outras coisas, o levará à perdição, pois neste Estado não se admite relações mais sólidas entre um cidadão e outro do que as relações entre o cidadão e o Estado. Temos ainda Goldstein, de hipotética existência, membro de uma oposição subterrânea denominada Fraternidade.

Temos o Grande Irmão, de abstrata existência, tão abstrata que sequer talvez exista, ou pelo menos tenha deixado há muito de existir, mas que exige de todos amor e submissão. E temos outro elemento importante, o tecnocrata O'Brien, o mantenedor da Ordem, definida como eterna e imutável. Toda transformação, toda revolução, é impensável no universo orwelliano. A relação entre dominante e dominado será possível através da dor. Ouçamos O'Brien, enquanto tortura Winston:

" — O verdadeiro poder, o poder pelo qual temos de lutar dia e noite, não é o poder sobre as coisas, mas sobre os homens. Como é que um homem afirma seu poder sobre outro, Winston?

"Winston refletiu.

" — Fazendo-o sofrer.

" — Exatamente. Fazendo-o sofrer. A obediência não basta. A menos que sofra, como podes ter certeza que ele obedece tua vontade e não a dele? O poder está em se despedaçar os cérebros humanos e tornar a juntá-los da forma que se entender. Começas a distinguir que tipo de mundo estamos criando?"

Às antigas civilizações fundadas no amor ou na Justiça, O'Brien contrapõe um mundo de medo, traição e tormento, onde o progresso será no sentido de maior dor.

" — Já estamos liqüidando os hábitos de pensamento que sobreviveram de antes da Revolução. Cortamos os laços entre filho e pai, entre homem e homem, entre mulher e homem. Ninguém mais ousa confiar na esposa, no filho ou no amigo. Mas no futuro não haverá esposas nem amigos. As crianças serão tiradas das mães ao nascer, como se tiram os ovos da galinha. O instinto sexual será extirpado. A procriação será uma formalidade anual como a renovação de um talão de racionamento. Aboliremos o orgasmo. Nossos neurologistas estão trabalhando nisso. Não haverá nem arte, nem literatura, nem ciência.(...) Mas sempre... não te esqueças, Winston... sempre haverá a embriaguez do poder, constantemente crescendo e constantemente se tornando mais sutil. Sempre, a todo momento, haverá o gozo da vitória, a sensação do pisar um inimigo inerme. Se queres uma imagem do futuro, pensa sempre numa bota pisando um rosto humano — para sempre".

Para manter ad aeternum este poder, os tecnocratas de Oceania utilizam instrumentos simples e eficazes, ao alcance de qualquer ditador contemporâneo:

— a vigilância permanente, através de um aparelho emissor-receptor de TV, o olho onipresente do Grande Irmão. Permanentemente ligada, transmite o tempo todo propaganda estatal, enquanto ao mesmo tempo vigia o espectador involuntário.

— a destruição do passado, mediante o recurso elementar de controlar o registro da História, rescrever documentos e jornais, eliminar qualquer possibilidade de memória.

— a criação de um novo vocabulário, a Novilíngua, ou melhor, a redução sistemática do acervo vocabular então existente. O discurso se reduz a slogans, o que permite dizer: guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força. As palavras se transformam em siglas, não temos mais socialismo inglês, mas Ingsoc. A palavra é substituída por módulos. Em vez de mau, temos inbom. Uma pessoa que desapareceu não é uma pessoa que desapareceu, é uma impessoa. Nunca existiu.

— a aniquilação imediata, através de uma eficiente polícia política, de toda e qualquer oposição ao sistema.

Objetivo final desta filosofia: a eliminação total daquilo que se convencionou chamar um ser humano.

" — Se és homem, Winston, és o último homem. Tua raça está extinta. Nós somos os herdeiros. Entendes que estás sozinho? Estás fora da história, tu és não existente". Mas o mais profético da obra de Orwell é certamente o newspeak. Ou novilígua. Eliminar palavras antigas e conferir-lhe nova forma e novo significado. É o que estamos vendo, em todos os países do Ocidente, através do politicamente correto.

Comentava ontem a nova mania na Alemanha, que pretende eliminar da literatura a palavra negro. Comentei ainda há pouco o ousado passo dos suecos, que pretendem eliminar da escola os pronomes ele e ela. Em Estocolmo, a pré-escola proíbe que crianças sejam tratadas como meninos e meninas. Em conformidade com um currículo escolar nacional que busca combater a "estereotipação" dos papéis sexuais, uma pré-escola do distrito de Södermalm, da cidade de Estocolmo, incorporou uma pedagogia sexualmente neutra que elimina completamente todas as referências aos sexos masculino e feminino. Os professores e funcionários da pré-escola Egalia evitam usar palavras como "ele" ou "ela" e em vez disso se dirigem aos mais de 30 meninos e meninas, de idades variando entre 1 e 6 anos, como "amigos".

O han e o hon (ele e ela), foram trocados pelo pronome neutro hen, palavra que não existe nos dicionários. Mas tampouco é nova. Foi proposta por Hans Karlgren em 1994. Mas já havia sido aventada por Rolf Dunas, no Upsala Nya Tidning, em 1966. Nesta proposta, hen era apresentado como substituição a han e hon e mais: henom substituiria henne/honom (dele/dela). A palavra parece ter sido inspirada no finlandês hän.

Chez nous, temos a homoafetividade e o poliamor. Homossexualismo já era. Agora vige homoafetividade. A velha poligamia morreu. Viva o poliamor. Negro é insulto. O correto agora é afrodescendente. (Como se não fossemos todos afrodescendentes). Para o PT não existem mais crimes. Mas malfeitos.

O idioma fictício criado por Orwell só podia existir em um Estado totalitário, que controla inclusive a História, reescrevendo livros e jornais. Em 2013, estamos em pleno 1984 orwelliano. Removendo-se a palavra ou um de seus sentidos, as pessoas não podem se referir a algo. Logo, este algo não existe mais. Controlando a linguagem, o governo controla o pensamento.

Alguns conceitos da novilíngua:

Duplipensar - Duplo pensamento, duplicidade de pensamentos, saber que está errado e se convencer que esta certo. "Inconsciência é ortodoxia".

Crimidéia - Crime ideológico, pensamentos ilegais.

Impessoa - Uma pessoa que não existe mais, e todas as referências a ela devem ser apagadas dos registros históricos.

Crimideter – Segundo Orwell, "faculdade de deter, de paralisar, como por instinto, no limiar, qualquer pensamento perigoso. Inclui o poder de não perceber analogias, de não conseguir observar erros de lógica, de não compreender os argumentos mais simples e hostis ao Ingsoc, e de se aborrecer ou enojar por qualquer trem de pensamentos que possa tomar rumo herético", como é descrito pelo próprio autor no livro.

Negrobranco - A palavrinha tem dois sentidos mutuamente opostos. Quando é aplicada a um adversário, é o hábito de se afirmar que o negro é branco, apesar dos fatos evidentes. Quando aplicada a um membro do Partido, simboliza a lealdade de afirmar que preto é branco, se isso for exigido pelo Partido. Também significa acreditar que o preto é branco, ou até mais, saber que o preto é branco, e acreditar que jamais foi o contrário.

Daí a afirmar que guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força, basta apenas um passo.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. O curioso é que a novilíngua contemporânea não é imposição de um Estado totalitário, mas de grupos de pressão vivendo em Estados democráticos. É a universidade, o mundo editorial e a imprensa que o impõem.

Os jornais escrevem catilinárias contra o politicamente correto. Mas ai do jornalista que, na hora de publicar, não seja politicamente correto. Morto o comunismo, as democracias estão sendo sapadas desde dentro. É como se as viúvas do Kremlin, não mais dispondo de um instrumento para exercer sua tirania, pretendessem exercê-la sem o suporte do Estado.

Se colar, colou. O pior é que está colando.

sábado, janeiro 19, 2013
 
POLITICAMENTE CORRETO
AVANÇA NA ALEMANHA



Comentei há pouco frase que me pareceu inteligente, apesar de ter sido pronunciada por um representante do alto clero francês: "Este Parlamento decidiu mudar o sentido do casamento. É uma grande violência para o povo mudar o sentido de uma palavra", disse Monsenhor Phillipe Barbarin, arcebispo de Lyon.

A técnica é a mesma em todos os países. Se não se pode mudar a realidade, muda-se a palavra, que passaria a designar uma outra realidade – na verdade, a mesma – mas com outro sentido. Foi brincando assim com palavras que o STF introduziu o casamento homossexual no Brasil, quando aprovou por unanimidade, com as fanfarras da imprensa, o reconhecimento da tal de união homoafetiva. A nova palavrinha designa o que antes chamávamos de homossexual. E ainda trouxe outra em seu bojo. O ministro Carlos Ayres Britto, relator do caso, pretende ter criado, por analogia, o neologismo heteroafetivo. Assim sendo, atenção à linguagem, leitor. Homossexuais não mais existem. Agora são todos homoafetivos.

Pior de tudo, as doutas eminências do STF demonstraram um crasso desconhecimento de etimologia. O homo de homossexuais nada tem a ver com homossexual. Quer dizer mesmo, em grego. Homossexual, mesmo sexo. Que seria homoafetividade? Aí, a idéia de sexo – que é fundamental na discussão – desaparece e temos: mesmo afeto. Que é isso? É a antiga homossexualidade com um novo nome. Desta vez mais palatável.

Outra safadeza é o tal de poliamor. Já escrevi sobre o assunto. Apesar de ter vivido muito mais de duas relações paralelas, confesso desconhecer tal teoria. Em meus dias de jovem, chamava-se isto amasiamento, adultério, infidelidade. Ou ainda, vendo a coisa por outro ângulo, de donjuanismo. Ou casanovismo.

Mais adiante, anos 70 para cá, começou-se a falar em relação aberta. Tudo dependia do consenso do casal. Conheci casais que viveram unidos a vida toda, mantendo este tipo de relação. Era um relacionamento honesto, sem mentiras. Mas o Direito jamais reconheceu direito à herança por parte de quem não fosse a mulher legítima. Neste sentido, o matrimônio funcionava como proteção. O marido podia ser infiel à vontade, sem precisar dividir seus bens com a Outra, como se dizia então.

Poliamorismo soa mais elegante. Procurei a palavrinha nos dicionários. Não encontrei. Nem meu processador de texto reconhece a palavra, sempre a sublinha em vermelho. Fui ao Google. Já está lá. Escreve um jurista: “As relações interpessoais de cunho amoroso, por vezes destoam do padrão habitual da monogamia entre os casais formados por pessoas de sexos diferentes. Assim, encontramos relacionamentos afetivos que envolvem um casal, vale dizer um dos cônjuges e um parceiro ou parceira, os quais se desenvolvem simultaneamente. Ditas relações são denominadas de poliamorismo ou poliamor, e se constituem na coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas ao matrimônio”.

É a antiga poligamia, com novas vestes. Mas se há quem mude o sentido das palavras, substituindo-as por outras que têm nova conotação mas o mesmo significado, há também aqueles que querem banir, definitivamente, certas palavras dos dicionários. Tivemos há dois anos o ridículo parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), datado de 2010, que sugeriu que o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, não seja distribuído a escolas públicas, ou que isso seja feito com um alerta, sob a alegação de que é racista.

Conforme o parecer do CNE, o racismo estaria na abordagem da personagem Tia Nastácia e de animais como o urubu e o macaco. "Estes fazem menção revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano", diz a conselheira que redigiu o documento, Nilma Lino Gomes, professora da UFMG. Entre os trechos que justificariam a conclusão, o texto cita alguns em que Tia Nastácia é chamada de "negra". Outra diz: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão".

A palavra negro, no sentido de raça, está prestes a ser banida do vernáculo. Esta mania vem de longe, desde os dias em que as esquerdas adotaram o politicamente correto, em verdade um eufemismo para o stalinismo na literatura e nas artes. O MEC liberou, em ato homologatório do mesmo ano, a presença da obra no programa, desde que os exemplares distribuídos fossem acompanhados de uma nota explicativa. A nota deveria discutir "a presença de estereótipos raciais na literatura" de Monteiro Lobato e oferecer a devida contextualização histórica.

Esta censura, a bem da verdade, não tem origens tupiniquins. Nasceu nos Estados Unidos, quando os negros americanos passaram a julgar nigger pejorativo e quiseram retirá-la de Huckleberry Finn, de Mark Twain. Alguns editores tiveram dignidade e não aceitaram tais mudanças, por não aceitarem censura.

Um dos livros mais famosos de Agatha Christie, O Caso dos Dez Negrinhos (no original em inglês, Ten Little Niggers) - cujo título se baseia numa cantiga infantil tradicional de Inglaterra - causou muita polémica na época em que foi publicado nos Estados Unidos. Acusado de racismo, suas edições mais recentes receberam o título And Then There Were None (E Não Sobrou Nenhum).

A moda está invadindo o planetinha. Leio na imprensa alemã que o livro Die kleine Hexe (A bruxinha), um dos livros infantis mais populares da Alemanha, está sob a ameça do politicamente correto. O livro de Otfried Preußler, publicado pela primeira vez em 1957, tem uma cena de carnaval, na qual a pequena heroína encontra crianças fantasiadas. Aqui, no texto original, fala-se em "negros" e "negrinhos", como era comum na época. Diante de tal conteúdo, muitos pais hoje interrompem a leitura. Eles explicam então para seus filhos que essa expressão não é mais usada nos dias de hoje e por que ela machuca outras pessoas.

A editora Thienemann, de Stuttgart, pretende retirar essas expressões das novas edições da bruxinha. Com isso a editora também reage às cartas de leitores que tem recebido sucessivamente nos últimos anos. A censura tem tal força que o escritor e sua família concordam com a mudança. Pois não era a intenção de Otfried Preußler ofender pessoas com cor de pele diferente.

Em seu ímpeto de censurar, várias outras editoras têm de lidar com expressões racistas em seus livros infantis. Em 2009, a Friedrich Oetinger lançou uma nova edição de Pippi Långstrump, de Astrid Lindgrens. Agora o pai de Pippi não será mais chamado de Rei Negro, e sim como Rei do Mar do Sul.

As palavras, como os seres humanos, nascem, crescem, vivem e morrem. Mas morrem pelo desuso. Estamos vivendo uma estranha época, em que o poder difuso de uma censura que reside sabe-se lá em que escaninhos do Estado – ou da sociedade – pretende assassinar palavras.

A levar-se a sério esta filosofia, até a Bíblia teria de ser reescrita. Pois Sulamita é negra. Pior ainda: negra, mas formosa. Lá está: nigra sum, sed formosa. A Vulgata, por sua vez, deriva da tradução dos Septuaginta - feita a partir do original hebraico - onde está, em grego: Melaina eimi kai kale. Esse "mas" tem sido até hoje uma espinha na garganta dos ativistas negros.

sexta-feira, janeiro 18, 2013
 
PARA CTGs, SER GAÚCHO
É UM LUXO PARA RICOS



Escreve um leitor:

- Tche Janer: não te güento. Queres cuspir nas tuas origens é problema teu. Mas o que tu ganhas em tentar denegrir o Rio Grande e todas tradições que lá são cultuadas? Basta que tu dias que nasceste na França ou em algum país escandinavo. Não teve um vivente por aí que escreveu: "Infeliz do povo que renega suas tradições"?

E aqui reside o problema: as tradições apregoadas pelos CTGs nunca existiram. Foram criação da mente de alguns intelectuais, sedentos de poder cultural, que criaram um personagem que nunca existiu com danças e adereços que nunca teve. Se alguém quer ter uma idéia do que foi o gaúcho, busque as antigas ilustrações de Fierro. Se conseguir imaginar Fierro vestindo camisa de tricoline, viscose, linho ou vigela, microfibra não transparente ou oxford, bom, então você já foi definitivamente doutrinado pelos CTGs. Isto explica porque os cetegistas ignoram Hernández: o poeta argentino é a negação mais cabal de suas fanfarronadas.

Não denigro o Rio Grande do Sul. O texto citado não é meu, companheiro. As diretrizes são do movimento tradicionalista gaúcho. Não é todo o Rio Grande do Sul que admite tal embuste. Se alguém denigre o Rio Grande do Sul, fazendo do gaúcho um palhaço, são os cetegistas. De minha parte, guardo uma terna lembrança daqueles homens rudes e taciturnos de meus dias de criança. Que se sentiriam até intimidados se um dia pusessem os pés nos bailes de CTG.

Escreve outro leitor:

- CTGs são clubes regrados, a aceitação depende de respeitar regras. Aceita quem quer! Quem não quer pode perder tempo criticando.

De fato, clube aceita quem quiser aceitar. O que não pode é um clube assumir a identidade do gaúcho e dela excluir quem é pobre. Haja alambre – como se dizia lá fora – para pagar o enxoval de gaúcho. O que os CTGs estão arrogantemente afirmando é que pobre não é gaúcho. Ser gaúcho é luxo de endinheirados.

De brinde, ofereço as pilchas das prendas, o que já multiplica por dois os gastos de uma família.

II - PILCHA FEMININA

a) SAIA E BLUSA OU BATA: 1) Saia: com a barra no peito do pé, godê, meio-godê ou em panos. 2) Blusa ou bata: de mangas longas, três quartos ou até o cotovelo (vedado o uso de “boca de sino” ou “morcego”), decote pequeno, sem expor os ombros e os seios, podendo ter gola ou não. 3) Bordados e pinturas: se utilizados, devem ser discretos. As pinturas com tintas para tecidos. 4) Tecidos: lisos. Nas Blusas ou batas, mais encorpados. 5) Cores: escolher cores harmoniosas e lisas, esquecendo as cores fortes, proibidas as cores berrantes e fosforescentes. 6) Cuidados: Nas apresentações artísticas, o traje feminino deve representar a mesma classe social do homem. 7) Vedações: enfeites dourados, prateados, pinturas à óleo e purpurinas.

b) SAIA E CASAQUINHO: 1) Saia: com a barra no peito do pé, godê, meio-godê ou em panos. 2) Casaquinho: de mangas longas (vedado o uso de mangas “boca de sino” ou “morcego”), gola pequena e abotoado na frente. 3) Bordados e pinturas: se utilizados, devem ser discretos. As pinturas com tintas para tecidos. 4) Tecidos: lisos. Nas Blusas ou batas, mais encorpados. 5) Cores: escolher cores harmoniosas e lisas, esquecendo as cores fortes, proibidas as cores berrantes e fosforescentes. 6) Cuidados: Nas apresentações artísticas, o traje feminino deve representar a mesma classe social do homem. 7) Vedações: enfeites dourados, prateados, pinturas à óleo e purpurinas. 8) Roupa de época: a saia deve ser lisa. O casaquinho poderá ter bordados discretos.

c) VESTIDO: 1) Modelo: Inteiro e cortado na cintura ou de cadeirão ou ainda corte princesa com barra da saia no peito do pé, corte godê, meio-godê, franzido, pregueado, com ou sem babados. 2) Mangas – longas, três quartos ou até o cotovelo, admitindo-se pequenos babados nos punhos, sendo vedado o uso de “mangas boca de sino” ou “morcego”. 3) Decote – pequeno, sem expor ombros e seios. 4) Enfeites – de rendas, bordados, fitas, passa-fitas, gregas, viés, transelim, crochê, nervuras, plisses, favos. É permitida pintura miúda, com tintas para tecidos. Não usar pérolas e pedrarias, bem como, os dourados ou prateados e pintura a óleo ou purpurinas. 5) Tecidos - lisos ou com estampas miúdas e delicadas, de flores, listras, petit-poa e xadrez delicado e discreto. Podem ser usados tecidos de microfibra, crepes, oxford. Não serão permitidos os tecidos brilhosos, fosforescentes, transparentes, slinck, lurex, rendão e similares. 6) Cores – devem ser harmoniosas, sóbrias ou neutras, evitando-se contrastes chocantes. Não usar preto, as cores da bandeira do Brasil e do RS (combinações) 7) Na categoria mirim: não usar cores fortes (ex: marrom, marinho, verde escuro, roxo, bordô, pink, azul forte).

d) SAIA DE ARMAÇÃO: 1) Modelo: Leve e discreta, se tiver bordados, estes devem se concentrar nos rodados da saia, evitando-se o excesso de armação. 2) Cor: branca. 3) Comprimento: deve ser inferior ao do vestido.

e) BOMBACHINHA: 1) Modelo: de tecido, com enfeites de rendas discretas. 2) Cor: Branca 3) Cumprimento: abaixo do joelho, sempre mais curta que o vestido.

f) MEIAS: 1) Cor: branca ou bege 2) Cumprimento: longas o suficiente para não permitir a nudez das pernas.

g) SAPATOS e BOTINHAS: 1) Cores: preta, marrom (vários tons de marrom) e bege. 2) Salto: de até 5 centímetros. 3) Modelo: com tira sobre o peito do pé, que abotoe do lado de fora. 4) Vedações: proibido o uso de sandálias e sapatos abertos.

h) CABELOS: 1) Arrumação: podem ser soltos, presos, semi-presos ou em tranças. Para prendas adultas e veteranas é permitido o coque. 2) Enfeites: com flores naturais ou artificiais, pequeno passador (travessa) para prendas adultas e juvenis. 3) Vedação: vetados os brilhos, purpurinas e peças de plástico.

i) MAQUIAGEM: Discreta, de acordo com a idade e o momento social.

j) JÓIAS: 1) Cuidados: devem ser sempre discretas, de acordo com a idade, a classe e o momento social. 2) Uso da pérola: São permitidas as jóias e semi-jóias com uso de pérolas, nas cores branco, rosado, creme e champanhe, nos brincos, anéis e camafeus. 3) Uso de Pedras: permitido, desde que sejam discretas.

k) OBSERVAÇÕES: 1) A Categoria Mirim (masculino e feminino) usará pilcha de acordo com o que prescreve o “Livro de Indumentárias”, editado pelo MTG. 2) Nas apresentações artísticas, o traje feminino deve representar a mesma classe social e a mesma época retratada na indumentária do homem.

quinta-feira, janeiro 17, 2013
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR




Mais tarde, um pouco antes de perder a fé, militei na Juventude Estudantil Católica (JEC) e Juventude Universitária Católica (JUC). Os religiosos que nos orientavam eram mais abertos, desciam do púlpito e não se escondiam atrás das grades dos confessionários para enfrentar os jovens. O conflito sexual persistia. Em Santa Maria, eu apertava o padre Carlos Pretto contra a parede: "Se mulher é tão bom, por que é proibido?" Pretto armava uma longa história, de final curto e grosso. Que não devíamos ir para a cama com uma mulher por amor a ela. Nada mais fácil para um crente do que inverter uma evidência. De minha parte, era por amá-las que as queria na cama.

Mas Pretto não era de ferro, e as militantes de JEC e JUC, secundaristas e universitárias cheias de charme e desejo, fizeram um excelente trabalho de sapa. Mais adiante Pretto já ousava heresias desde "mulher e religião não se discute, se abraça" a outras do tipo "se batina fosse bronze, que badaladas!". Os sacerdotes que desceram do púlpito para falar conosco acabaram largando a batina, casando e fazendo filhos. Foi nossa revanche a longo prazo.

Naqueles dias de férias no Upamaruty, mal despontava uma tempestade, eu montava um cavalo em pêlo e o esbarrava frente às casas de meus tios e primos, espalhados num raio de várias léguas. Se caía um raio, eu berrava: "Manda outro, grande Filho da Puta!" Era uma forma de manifestar minha revolta ante o engodo. Tios e primos, camponeses que viam em Deus algo assim como um gestor das chuvas e raios, cobriam espelhos com panos, escondiam tesouras e facas de ponta e se persignavam assustados. Ensopado pela chuva, mais ou menos ébrio sem ter bebido nada, eu exercia minha liberdade recém-conquistada. Claro que se um raio atingia algum eucalipto mais alto, o culpado era este herege. Quando tive melhores noções de eletricidade, no curso científico, gelei ao perceber minha temeridade. Galopando na pampa deserta e junto a umbus e alambrados, minhas chances de receber um raio eram bem maiores do que imaginava. Pior ainda: acabaria dando razão ao suposto gestor dos raios.

Revoltas da adolescência. Hoje, jamais me divertiria às custas da fé dos simples. Gosto de reptar, isto sim, a fé dos cultos. Ninguém me convence que um Karol Wojtyla ou um Evaristo Arns, lidos, cosmopolitas e dominando várias línguas, acreditem naquele Deus sedento de sangue nascido no deserto.

Assumida minha condição de ateu, gozo particularmente de uma de suas vantagens, o senso de mistério. Para o crente, tenha caído um avião em sua cabeça, ou tenha acertado na loteria esportiva, tudo é normal, já estava escrito: foi Deus quem quis. Para o ateu, tudo é mistério e em boa parte obra do Acaso. Fosse crente, não me surpreenderia ter saído das grotas para viver em Estocolmo ou Paris, seria determinação das altas instâncias celestiais e teria sido por isso que Deus me apresentou a uma professora de francês. Ateu, até agora estou surpreso com meu passado e curioso com os dias que me sobram. O homem de fé jamais vai experimentar esta excitação que contamina o ateu, a de ver o amanhã como um mistério permanente. A primeira surpresa ocorreu ainda no campo. Estudei em escola rural, a uma légua de casa, a cada rancho na beira da estrada o grupo de crianças aumentava. No inverno, saíamos de pés nus quebrando geada, as alpargatas debaixo do braço para não ficar de pés molhados durante as aulas. Em uma sanga antes do colégio, lavávamos os pés, e só então se calçava as alpargatas. Mais tarde meus pais compraram um aranha, eu me sentia quase adulto ao ajudar a atrelar um tordilho percherão. Da confluência desta aranha e do tordilho, mais Ivone Garrido, uma professora de Dom Pedrito, dependeram minhas futuras andanças.

As professoras do primário nos ensinavam fundamentalmente a ler, escrever e contar. Poucas noções tínhamos de outras disciplinas. O que, visto de hoje, já foi muito. Não poucos universitários, hoje, desconhecem tabuada. Na hora de conferir uma conta, puxam uma maquininha de calcular. Volto ao Grupo Escolar de Três Vendas. No quinto ano primário, com escassas noções de história ou geografia, fomos informados que professoras "da cidade" viriam fiscalizar as provas. Pânico total de nossas professoras. Fora escrever e as quatro operações, mais alguns poemas cívicos, ninguém conhecia muita coisa além disso. Mas para tudo há solução. As provas chegaram numa sexta-feira. Numa época em que sequer havia rádio na região, fomos todos convocados – sei lá como, suponho que à pata de cavalo – num raio de léguas, para uma aula no domingo. Violadas as provas, recebemos as respostas para decorar.

Dia seguinte, as fiscais de Dom Pedrito constatavam, boquiabertas, a excelência pedagógica de nossas mestras. Os alunos escreviam tranqüilos, sem hesitar um segundo, foi nota dez pra todo mundo. Minha mãe era professora e claro que cúmplice. Mas não muito. Sempre exibiu uma vara de marmelo quando eu me recusava a estudar. Não só exibia como tampouco foi avara ao aplicá-la. Naquela segunda-feira, minha sorte estava selada. Findo o curso primário, bom em matemática, o máximo que podia aspirar era ser caixeiro nalgum bolicho das Três Vendas ou Ponche Verde, uma das poucas chances de escapar ao rabo do arado. Findas as provas, atrelei o tordilho à aranha. Uma fase havia terminado em minha vida. Voltava ao campo, talvez para lá morrer.

Dei de rédeas ao tordilho, a aranha já descia o lançante da coxilha. Foi quando Dona Ivone Garrido, a fiscal implacável, atravessou o alambrado de sete fios que cercava o colégio e gritou: "pára, Clotilde, teu filho é um gênio, ele não pode voltar para o campo". Minha mãe, que só queria ouvir isto, me tomou as rédeas das mãos e esbarrou o tordilho. Daqueles segundos geridos pelo deus Acaso – e aqui começa o mistério – decorrem minhas andanças e estas linhas.

Revisitei mês passado o grupo das Três Vendas. Na foto, o curto trecho de estrada em que o bom deus dos ateus, o Acaso, decidiu tirar-me do campo e jogar-me no mundo.

quarta-feira, janeiro 16, 2013
 
GAÚCHOS DE UNIFORME


Tropecei com o texto abaixo. Descobri porque não sou gaúcho. Com o preço do enxoval, já tenho um pé na Europa. A regulamentação das pilchas mostra que ser gaúcho não é para qualquer um. Peão de estância, nem pensar. Isso sem falar no uniforme das prendas. Com estas exigências para cultuar as tradições, fica excluído o sofrido homem do campo, aquele que ainda trabalha com a terra e com o gado, aquele último gaúcho que ainda teima em existir. Apesar desta regulamentação ridícula, os CTGS pretendem representar o gaúcho.

Segundo os catarinenses, o menor circo do mundo é a bombacha. Só cabe um palhaço dentro.


DIRETRIZES PARA PILCHA GAÚCHA 2011

MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO (76ª Convenção Tradicionalista Gaúcha – Taquara, 29 de julho de 2011) DIRETRIZES PARA A PILCHA GAÚCHA

Art. 1º - O Movimento Tradicionalista Gaúcho, cumprindo o que determina o parágrafo único do Art. 1º da Lei n° 8.813 de 10 de janeiro d e 1989, reunido em Convenção Ordinária, na cidade de Taquara, no mês de julho do ano de 2011, resolveu alterar as DIRETRIZES para a pilcha gaúcha, com fim de complementá-las e torná-las mais claras. Art. 2º - DA PILCHA PARA ATIVIDADES ARTÍSTICAS E SOCIAIS: Indumentária a ser utilizada nas atividades cotidianas, apresentações artísticas e participações sociais, tais como bailes, congressos, representações, etc.

I - PILCHA MASCULINA a) BOMBACHAS: 1) Tecidos: brim (não jeans), sarja (lã), linho, algodão, oxford, microfibra. 2) Cores: claras ou escuras, sóbrias ou neutras, tais como marrom, bege, cinza, azul-marinho, verde-escuro, branca, fugindo as cores agressivas, fosforescentes, fugindo das cores contrastantes e cítricas, como vermelho, amarelo, laranja, verde-limão, cor-de-rosa. 3) Padrão: liso, listradinho e xadrez discreto. 4) Modelo: cós largo sem alças, dois bolsos na lateral, com punho abotoado no tornozelo. 5) Favos: O uso de favos e enfeites de botões (devem ser do tamanho daqueles utilizados nas camisas, vedados os de metal) depende da tradição regional. As bombachas podem ter, nos favos, letras, marcas e botões. Quando usar favos, deverão ser da mesma cor e tecido da bombacha. Os desenhos serão idênticos em uma e outra perna 6) Largura: com ou sem favos, coincidindo a largura da perna com a largura da cintura, ou seja, uma pessoa que use sua bombachas no tamanho 40, automaticamente deverá ter, aproximadamente, uma largura de cada perna de 40 cm de tal forma que não seja confundida com uma calça. 7) Uso: As bombachas deverão estar sempre para dentro das botas 8) Vedações: É vedado o uso de bombachas plissadas e coloridas.

b) CAMISA: 1) Tecido: preferencialmente algodão, tricoline, viscose, linho ou vigela, microfibra( não transparente), oxford. 2) Padrão: liso ou riscado discreto 3) Cores: sóbrias, claras ou neutras, preferencialmente branca. Evitando cores agressivas e contrastantes. 4) Gola: social (ou seja, abotoada na frente, em toda a extensão, com gola atual, com punho ajustado com um ou mais botões). 5) Mangas longas: para ocasiões sociais ou formais, como festividades, cerimônias, fandangos, concursos. 6) Mangas curtas: para atividades de serviço, de lazer e situações informais. 7) Camiseta de malha ou camisa de gola pólo: exclusivamente para situações informais e não representativas. Podem ser usadas com distintivo da Entidade, da Região Tradicionalista e do MTG. 8) Vedações: Vedado o uso de camisas de cetim e estampadas.

c) BOTAS: 1) Material: de couro liso 2) Cores: preto, marrom (todos os tons) ou couro sem tingimento. 3) Cano: a altura do cano varia de acordo com a região. Normalmente o cano vai até o joelho. 4) Solado: o solado deve ser de couro, podendo ter meia sola de borracha ou látex. A altura máxima de um centímetro. (entra em vigor em 1º de janeiro de 2012). 5) Botas “garrão de potro”: são utilizadas exclusivamente com trajes de época. 6) Vedações: é vedado o uso de botas brancas. Proibidos quaisquer tipos de bordados ou palavras escritas nas botas.

d) COLETE: 1) Uso: se usar paletó poderá dispensar o colete. 2) Modelo: tradicional, sem mangas e sem gola, com uma única carreira de botões na frente, podendo ser abotoado ou não. Com a parte posterior (costas) de tecido leve, ajustado com fivela, de uma cor só, no comprimento até a altura da cintura. 3) Cor: da mesma cor das bombachas, podendo ser tom sobre tom. 4) Tecido: mesmo tecido e cor das bombachas.

e) CINTO (GUAIACA): 1) Material: de couro. 2) Guaiacas: de uma a três guaiacas internas ou não. 3) Fivelas: uma ou duas fivelas frontais com, no mínimo, sete cm de largura. 4) Cinto de couro cru: com ou sem guaiacas, mas sempre com uma ou duas fivelas frontais com, no mínimo, sete cm de largura. 5) Vedação: Cinto com rastra (enfeite de metal com correntes na parte frontal).

f) CHAPÉU: 1) Material: de feltro ou pelo de lebre. 2) Abas: a partir de 6 cm. 3) Copa: de acordo com as características regionais. 4) Barbicacho: de couro ou crina, podendo ter algum enfeite de metal e, ou fivela para regulagem. 5) Vedação: é vedado o uso de boinas e bonés.

g) PALETÓ: 1) Uso: usado especialmente para ocasiões formais. 2) Cor: A combinação de cor, com as bombachas, deve ser harmoniosa, evitando cores contrastantes. 3) Vedações: é vedado o uso de túnicas militares substituindo o paletó.

h) LENÇO: 1) Cores: vermelho, branco, azul, verde, amarelo e carijó (nas cores citadas e ainda, marrom e cinza). 2) Tamanho: no caso do uso com algum tipo de nó, com a medida de 25 cm a partir deste. Com o uso do passador de lenço, com a medida de 30 cm a partir deste. 3) Passadores: de metal, couro ou osso.

i) FAIXA: 1) Uso: opcional. 2) Cor: lisa, na cor vermelha ou preta de for de lã. Bege cru se for de algodão. 3) Largura:, de 10 a 12 cm.

j) PALA: 1) Uso: opcional. 2) Tamanho: tamanho padrão, com abertura na gola. 3) Opções: poderá ser usado no ombro, meia-espalda, atado da direita para a esquerda, com todos os trajes.

k) ESPORAS: 1) Uso: trata-se de peça utilizada nas lides campeiras. É admissível o uso nas representações coreográficas de danças tradicionais. 2) Vedação: é vedado o uso em bailes e fandangos.

l) FACA: 1) Uso: é opcional, para grupos adultos, veteranos e no ENART, nas apresentações artísticas. 2) Tamanho: de 15 a 30 cm de lâmina 3) Vedação: é vedado o uso nas atividades sociais, exceto apresentações artísticas.

terça-feira, janeiro 15, 2013
 
SOBRE UM MONUMENTO


Nasci em um deserto verde, onde o ser humano vivia longe do ser humano. Eu tinha um tio a meio quilômetro de minha casa, outro a meia légua
e depois o Uruguai, em cuja fronteira só havia um castelhano, Don Floro Rocha. Nesta geografia, cada gesto toma um sentido distinto do sentido urbano. Uma visita não é apenas uma visita. Se alguém aperava seu cavalo e ia até algum vizinho próximo – coisa de mais de légua, digamos – e na casa do vizinho havia moça solteira, a visita era quase um compromisso de noivado.

A vida social era feita nos bolichos, as vendas de secos e molhados, onde aos domingos o que mais se vendia era cachaça. Ou nas missas dominicais, na capelinha das Três Vendas, que eram mais um pretexto para o jogo de osso e mais tarde – quem sabe? – um baile. Não havia telefone e radiotransmissores eram privilégio de estancieiros. A comunicação de casa a casa era feita por espelhos.

O gaúcho que conheci – e que não mais existe – era um homem taciturno. Vivia sempre calado, que mais não seja porque não tinha com quem conversar. Trabalhava de sol a sol na lavoura ou com o gado, acompanhado apenas de seus pensamentos. Esta solidão está manifesta no poema de Hernández. Na pampa, Martín Fierro tem poucos interlocutores: o sargento Cruz, el viejo Viscacha, el Moreno e, mais tarde, seus filhos.

O encontro com outro ser humano era sempre uma festa, ocasião para uma charla e para inteirar-se do que ocorria nos pagos. Se um gaúcho cruzava por outro na Linha, sempre o cumprimentava, mesmo que não o conhecesse. O mais provável é que encostassem cavalos e ficassem proseando, sentados no lombilho. Ou apeavam e ficavam de cócoras conversando, durante horas, em uma posição em que poucos suportam dez minutos. As ocasiões de conversar eram raras e não podiam ser desperdiçadas.

Já provoquei não poucas discussões entre a gauchada, ao comentar a paz farroupilha, paz que não foi paz, mas rendição. Os rio-grandenses – como também os paulistas, ao celebrar a Revolução de 32 – comemoram uma derrota. Algo como se os franceses celebrassem Waterloo, como se os portugueses festejassem Alcácer Quibir, ou os espanhóis saudassem a derrota da Invencível Armada para Francis Drake. Com um agravante: os rio-grandenses consideram-se todos brasileiros da gema e cultuam um movimento separatista.

Independentemente de discussões sobre os farrapos, encontrei em Dom Pedrito um monumento dedicado a tal de paz farroupilha que me fez evocar meus dias de campo. O monumento tem elementos que talvez passem despercebidos aos contemporâneos.

Primeiro, a forma com que soldado e farroupiha se cumprimentam. É uma maneira antiga, hoje em desuso. Cada um avança o braço, bate a mão na mão, a mão no cotovelo e a mão no ombro. Se eu cumprimentar assim alguém de minha idade, serei correspondido. Os mais novos já não entendem esse gesto.

No monumento, o farroupilha usa botas de garrão de potro. Confesso não saber se os farrapos as usavam, são calçados dos tempos de Fierro. Tirava-se o garrão do potro inteiro, que era enfiado no pé. Os dedos ficavam de fora, livres para segurar um braço da boleadeira.

De meus dias de guri, lembro de uma adivinhação, gênero muito cultivado entre a gauchada. Propunha-se um enigma, geralmente em forma de verso, e o interlocutor tinha de adivinhar do que se tratava. Uma das quadrinhas falava da filha de um prisioneiro, que levava como presente ao juiz um potrilho:

En los brazos tengo el hijo,
En los pies traigo su madre.
Adevine, señor juez,
O entonces suelte mi padre.

O enigma exigia algum conhecimento dos tempos antigos. A mulher usava botas feitas com o garrão da mãe do potrilho.

Hoje, as botas de garrão de potro são usadas em CTGs, aqueles circos onde homens urbanos se fantasiam de gaúcho para relembrar um passado mítico. Nem tão mítico, pois de fato existiu, mas não da maneira como é narrado. Lembro ter visto algumas, mas apenas cobrindo a canela, com uma espécie de sapatilha em baixo. Que isso de andar de dedinhos de fora não é para gaúchos de asfalto.

Enfim, se a homenagem repousa numa ficção, o escultor sabia o que era o gaúcho.

segunda-feira, janeiro 14, 2013
 
A QUINTA INTERNACIONAL AVANÇA


Comentei há dois dias uma entrevista do secretário municipal da Promoção da Igualdade Racial de São Paulo, Netinho de Paula (PCdoB), na qual saiu-se com esta pérola:

- A gente precisa convencer a sociedade paulistana de que ela é racista, ela precisa entender que ela é racista. A partir do momento que ela se assumir como racista, ela pode trabalhar isso, porque a gente perde economicamente, a gente exclui uma sociedade que pode ajudar muito o país.

Ou seja, se paulistano não é racista e elege um prefeito negro, é preciso convencê-lo de que é racista apesar de ter eleito um prefeito negro.

Raciocínio idêntico empunhou o ator Miguel Falabella ao explicar ao UOL por que, apesar de haver um casal de mulheres entre os protagonistas, na série de humor que a Globo exibe a partir do próximo dia 24, o público não corre risco algum de ver um beijo entre elas.

- Não vai ter beijo, a relação delas é muito light. A gente ainda está com uma pena na cabeça e um tacape na mão. É um milagre que a gente tenha computador neste país. Aeroporto nós não temos, o Galeão é uma favela, uma vergonha. Então você acha que vai ter beijo em um país onde as pessoas não sabem ler? Ninguém lê nada, ninguém sabe de nada - disse ao repórter Renato Damião, do UOL.

Ou seja, se não tem beijo homossexual na TV a culpa é do público. Deste público inculto nada se pode esperar. Temos de educar a população, alfabetizar os analfabetos, introduzi-los no bom hábito da leitura – Dostoievski e Shakespeare, quem sabe? – para que todos peçam um beijo homossexual na telinha. Se não há público para beijos homossexuais, urge educar o respeitável público para o homossexualismo, para que exijam da televisão beijos homossexuais.

Não dou fé a teorias conspiratórias. Mas hoje vejo com mais atenção o alerta de um velho amigo uruguaio, o Anibal Abadie Aicardi, ex-professor de história na Universidade Federal de Santa Catarina, quando falava de uma Quinta Internacional, la Internacional del Culo. Há, pelo jeito, uma intenção declarada de certos setores da burritsia nacional de homossexualizar o país.

Nada tenho contra homossexualismo. Sempre defendi a idéia de que, em matéria de sexo, só não vale dedo no olho. Só lamento que não se façam mais homossexuais como antigamente. Tanto que viraram gays, homoafetivos, tudo menos homossexuais. Convivi com eles desde o ginásio à universidade e mais tarde na vida profissional. Ostentavam uma certa aura, não digo de heróis, mas de rebeldes avessos à sociedade bem comportada, à ética vigente, ao casamento e à religião.

Entre os homossexuais com os quais convivi – e alguns eram companheiros de bar – nunca vi casais nem pessoas com pendores religiosos. Todos tinham consciência de que as religiões vigentes condenavam seus comportamentos, e das igrejas só queriam distância. Eram geralmente pessoas cultas e sensíveis. Quando penso nos homossexuais de minha juventude, sempre me vem à mente o “non serviam” de Lucifer, a primeira afirmação de liberdade ante a arrogância do Altíssimo.

Eram também avessos ao convívio familiar e trocavam de parceiros como quem troca de roupa. Não havia namorinhos na época, nem mãozinhas dadas. Mas uma sexualidade intensa e diversificada. Dispensavam aquelas longas conversas que tínhamos de suportar, na época, para levar uma menina à cama. Bastava um olhar trocado na rua. O tempo entre o olhar e os fatos era igual ao necessário para encontrar o quarto mais próximo. Não enganavam parceiro algum com promessas de amor duradouro, muito menos de casamento, aliás nem se cogitava disto na época.

Tampouco pretendiam casar na Igreja. O cristianismo, pelo menos enquanto não jogar no lixo o Velho Testamento – que considera o homossexualismo abominação e o condena com a morte – não pode aceitar homossexuais. Por uma questão de coerência, tem de condenar a prática. Pelo menos entre homens, já que no Livro nada obsta que mulher deite com mulher. Há homossexuais hoje que querem casar de véu e grinalda, com a benção de um sacerdote. Por que querem estes senhores participar de cerimônias religiosas de uma religião que os condena como abominação?

Tampouco eram proselitistas. Um homossexual podia muito bem sentir-se atraído por um hetero, poderia até assediá-lo, mas jamais pretenderia que aderisse ao clube. Hoje, ser homossexual está tomando ares de religião, em que apóstolos querem converter os gentios.

Se a sociedade paulistana não é racista, ela precisa tornar-se racista. Se o público televisivo não é homossexual, ele precisa tornar-se homossexual, para que a televisão produza filmes homossexuais. Se o mercado não existe, a gente cria. Nem o PT almejou tanto.

Os franceses estão agindo com mais bom senso. Em resposta à vontade governamental de impor uma lei regulamentando o casamento homossexual, 340 mil (segundo a polícia ) a 800 mil manifestantes se reuniram ontem para dizer não ao projeto. Balões rosas, brancos e azuis estavam acompanhados de numerosos slogans como "Un père, une mère, c'est élémentaire", "Les papas, les mamans, dans la rue on descend, le mariage on défend", "tous nés d'un homme et d'une femme" ou ainda "On veut du sexe, pas du genre".

"Este Parlamento decidiu mudar o sentido do casamento. É uma grande violência para o povo mudar o sentido de uma palavra", disse Monsenhor Phillipe Barbarin, arcebispo de Lyon. Aqui no Brasil, ao arrepio da vontade popular, o STF mudou o sentido da palavra casamento e rasgou a Constituição ao institucionalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se a Suprema Corte do país autoriza as uniões homossexuais, por que beijos homos ou lésbicos seriam proibidos na televisão?

A Primeira, a Segunda, a Terceira e a Quarta Internacional morreram no século passado. A Quinta avança célere.

domingo, janeiro 13, 2013
 
PAUTAS PARA O
CORRESPONDENTE
XIITA EM TEERÃ



Em setembro passado, escrevi um artigo na Folha de São Paulo, intitulado “A morte da Europa que amo” (http://migre.me/cN8sA), no qual afirmava na linha fina:

Desde Rushdie, o islã crê que o mundo está sob sua jurisdição. Na Europa, imigrantes trocam a lei local pela sharia. Não viverei para ver a 'Eurábia', ainda bem

E concluía:

- Como boi que ruma ao matadouro, a Europa está se rendendo às aiatolices de fanáticos que ainda vivem na Idade Média. Já se fala em uma "Eurábia" daqui a 50 anos. Ainda bem que não estarei lá para testemunhar a morte de uma cultura que tanto amo. No dia seguinte, recebi via Facebook, este lapidar comentário de Samy Adghirni, o correspondente muçulmano da Folha em Teerã:

- Islamofobia, ou o racismo moderno socialmente aceito.

Não é a primeira vez que sou acusado de racista. Islamofobia é o mais recente insulto criado pelas esquerdas para substituir os antigos palavrões ideológicos, hoje um tanto fora de época. Já fui reacionário, imperialista, direitista, hoje sou islamófobo. Há também quem me acuse de eurocêntrico. O que dá mais ou menos no mesmo.

A Folha mandou para Teerã um jornalista de origem árabe, muçulmano e xiita, que em razão de sua crença transcreve press releases de Ahmadnejad e louva os encantos turísticos do Irã, sem jamais enfrentar de cara os horrores de uma ditadura teocrática. Adghirni jamais escreverá esta singela expressão: o ditador Ahmadnejad.

Para Samy, o ditador Ahmadnejad é “o presidente Ahmadnejad”. Ou, à la limite, “Mahmoud Ahmadnejad”. Jamais ditador. Ditador é o Bashar al Assad, da Síria. Ou Kadafi. Para Samy, "não há força capaz de tomar conta da Líbia caso o ditador Muammar Gaddafi deixe o poder". Ahmadnejad continua sendo presidente. Em resposta ao correspondente xiita, escrevi neste blog:

- Entendo as dificuldades de um correspondente internacional, sediado em um país cuja língua desconhece, com dificuldades de acesso à Internet e escrevendo sob a censura de uma ditadura. É inclusive o caso de se perguntar: se desconhece a língua do país que cobre e se não tem liberdade de escrever o que bem entende, que está fazendo o correspondente lá? Enfim, as ditaduras são pródigas em press releases, e algo sempre se pode escrever.

E sugeri ao correspondente algumas pautas:

- Seus leitores esperam mais que a reprodução de press releases, Samy. Há instituições interessantes na cultura do país onde você vive, praticamente desconhecidas entre nós. Poucos sabem, cá no Brasil, que uma mulher não pode andar na rua acompanhada de um homem que não seja seu parente. Se anda com um namorado, não faltará policial para pedir documentos aos dois. Poucos sabem que no Irã uma mulher não pode olhar um homem nos olhos. Você, jornalista que se criou em sociedade onde qualquer um anda com quem bem entende e olha nos olhos de quem quiser, você não nos contou nada disso, Samy.

- Nem todos os leitores sabem que, no Irã, os homossexuais são condenados à morte. Jamais o vi condenar esse atentado ao direito de cada um exercer a sexualidade que bem entender. Em nosso atrasado continente, salvo alguma ilhota da América Central, homossexualismo há muito deixou de ser crime. Neste ano da graça, a punição com morte só ocorre no Irã e quatro países árabes. No país dos aiatolás, com uma curiosa peculiaridade. Se homossexualismo é proibido e punido com morte, trocar de sexo é inclusive incentivado pelo Estado. A medida foi avalizada pelo revolucionário aiatolá Khomeini.

- Não ouse, no Irã contemporâneo, travestir-se. Macho é macho e fêmea é fêmea. Homem não pode usar chador, nem mulher pode usar vestes masculinas. Mas os sábios aiatolás lhes permitem trocar de sexo. Feita a cirurgia, o homem passa a usar chador. (Nada de vestir-se despudoradamente à ocidental, é claro). Mas atenção: não volte a usar vestes masculinas. Trate de renovar o guarda-roupa. Usar suas antigas roupas agora é crime. Em verdade, a mudança de sexo não é exatamente uma permissão. E sim uma imposição. Se você, homem, gosta de homem, trate logo de cortar o que o identifica como homem e transforme-se em mulher. Só então poderá ter relações com homens.

- Ou vice-versa. Se você é mulher e gosta de mulher, trate de fechar essa fenda obscena e construa um pênis, ainda que discreto. Antes da cirurgia, não ouse desfilar pelas ruas sua futura condição. A menos que porte consigo um documento provando que a cirurgia foi permitida. No entanto, Samy, como correspondente, você nos subtraiu esta curiosa característica da atual cultura persa.

Escrevi isto em 27 de setembro do ano passado. Hoje, três meses e meio depois, o correspondente xiita houve por bem assumir minha pauta. E publica na Folha reportagem intitulada “Por um Irã sem gays”, a qual tem como linha fina:

Com a bênção dos aiatolás, governo do Irã incentiva e subsidia cirurgias de mudança de sexo em nome de manter o país 'livre do homossexualismo'

Antes tarde do que nunca. Estas cirurgias existem desde 1984, quando o aiatolá Ruhollah Khomeini emitiu um decreto tornando o procedimento lícito. E persistiram após sua morte, em 1989, como observa o jornalista. Que só agora, em 2013, comenta o assunto, após pelo menos dois anos como correspondente em Teerã.

Comenta mais não muito. Samy esqueceu de dizer – ou propositadamente omitiu – que triste é a sina dos transexuais iranianos. Rejeitados pela família e pelo mercado de trabalho, têm de buscar na prostituição o seu sustento. Os aiatolás estão fornecendo carne para o mercado de carne humana. Isto o correspondente xiita não conta.

Falta ainda falar de outras instituições peculiares do islamismo iraniano, meu caro Samy. Você nunca nos falou da fórmula genial que os aiatolás encontraram para resolver esse problema jamais resolvido pelo Ocidente, a prostituição.

Da mesma forma que não há homossexualismo no Irã, como disse “o presidente Ahmadnejad”, também não há prostituição no país. Se o Ocidente ainda debate a questão do sexo pago, coube ao islâmico Irã desatar o nó, apelando também à castidade. Há mais de dez anos, o jornal Afarinesh noticiava que duas agências do governo haviam encontrado a fórmula para resolver o problema. Seriam criadas as chamadas "casas de castidade", onde o cidadão poderia exercitar sua luxúria em ambiente seguro e saudável. De acordo com o artigo, o plano envolvia o uso de forças de segurança, líderes religiosos e do judiciário para administrar as casas.

De acordo com os números oficiais da época, cerca de 300 mil profissionais trabalhavam nas ruas da capital, que tinha então 12 milhões de habitantes. Para o aiatolá Muhammad Moussavi Bojnourdi, as casas de castidade se justificam "pela urgência da situação em nossa sociedade. Se quisermos ser realistas e limparmos a cidade dessas mulheres, precisamos usar o caminho que o Islã nos oferece".

Este caminho é o sigheh, o matrimônio temporário permitido pelo ramo xiita do Islã, que pode durar alguns minutos ou 99 anos, especialmente recomendado para viúvas que precisam de suporte financeiro. Reza a tradição que o próprio Maomé o teria aconselhado para seus companheiros e soldados. O casamento é feito mediante a recitação de um versículo do Alcorão. O contrato oral não precisa ser registrado, e o versículo pode ser lido por qualquer um. As mulheres são pagas pelo contrato.

Esta prática foi aprovada após a "revolução" liderada pelo aiatolá Khomeiny, que derrubou o regime ocidentalizante do xá Reza Palhevi, como forma de canalizar o desejo dos jovens sob a segregação sexual estrita da república islâmica. Num passe de mágica, a prostituição deixa de existir. O que há são relações normais entre duas pessoas casadas. Não há mais bordéis. Mas casas de castidade. A cidade está limpa.

Já que você assumiu minha primeira pauta, Samy, poderia pensar em mais duas, as casas de castidade e o sigheh. Somos todos ouvidos.

sábado, janeiro 12, 2013
 
QUANDO VIAJAR É PERIGOSO


Em uma discussão no Facebook, ouvi de uma conterrânea uma frase curiosa: viajar é perigoso. Dado o contexto – discutíamos questões de Dom Pedrito -, a moça não falava dos riscos usuais de uma viagem, tipo queda de avião, doença no estrangeiro, roubo, perda de bagagens. Nada disso. A moça se referia ao risco de o viajante adquirir senso crítico. Ora, esta é a mais nobre motivação de uma viagem.

A frase que vou citar é de Chesterton e nada tem de novo para quem me acompanha: não se conhece uma catedral permanecendo dentro dela. Você não conhece seu país se dele não sair. Muito menos sua cidade. Para mim, sair do Brasil foi fundamental para conhecer o Brasil. O homem não conhece exatamente valorando. O homem só conhece comparando.

Viajar ilustra, costuma dizer-se. É verdade, embora haja pessoas que podem dar voltas ao mundo e não vão aprender nada. Mas o mais inculto dos viajantes – mesmo aquele que só viaja em excursões - tem olhos, e olhos servem para ver. Digamos que alguém vá a Paris, Londres ou Estocolmo. Ao pegar um ônibus urbano, pode ocorrer que pegue um daqueles que inclinam um lado para o passageiro subir. Por mais curto que este alguém seja, vai perceber que há países onde o ônibus se inclina para facilitar seu embarque. Então surge a pergunta: por que em meu país os ônibus não se inclinam para que eu suba?

Quando voltei da Suécia, em 72, fui convidado para uma entrevista na televisão pelo jornalista Ernani Bês. Fui à emissora, fiquei esperando em uma sala, o programa entrou no ar e nada de ser chamado. Perguntei o que estava ocorrendo.

- É a policial federal. Há dois agentes aqui que não querem tua entrevista.

Fui falar com os policiais. Qual é a restrição? Não sou comunista, não vou falar de socialismo nem países socialistas, a entrevista é sobre a Suécia.

- Você não pode comparar.

Estavam ali para proibir qualquer comparação entre Suécia e Brasil. Que não se preocupassem. Eu pretendia falar apenas da Suécia. A entrevista finalmente saiu e as comparações – inevitáveis – ficaram com o telespectador. Se eu dizia que todo cidadão sueco pagava até quinze coroas em medicamentos – o que fosse além das quinze era subsidiado pelo Estado – é claro que lá do outro lado da tela o brasileiro se perguntava: e por que eu tenho de pagar tudo?

Comparar também é perigoso.

Nos anos 70, o que mais atraía turistas à Suécia era a propalada liberdade sexual, divulgada até mesmo por instituições oficiais para atrair mão-de-obra imigrante ao país. A Suécia foi o primeiro país europeu a liberar a pornografia e era procurada pelos liveshows, espetáculos em que atores faziam sexo em um teatro e os assistentes eram muitas vezes convidados a participar da festa. (Aqui no Brasil, livrinho sueco dava cadeia, como se constituísse uma ameaça às instituições do país). Além da pornografia, o bem-estar da social-democracia nórdica era sua segunda marca registrada. Mas não foi a pornografia nem o bem-estar social o que mais me marcou na Suécia. E sim um pequeno incidente do cotidiano.

Fui postar uma carta. Na fenda de uma caixa automática, pus uma moeda de duas coroas. Em vez de uma cartela com selos, recebi de volta um impresso com um pedido de desculpas. Não havia mais selos na caixa. Para recuperar minhas coroas - ou os selos - teria de telefonar para um número X.

Decidi pagar para ver. Estava na Suécia há menos de um mês e falava o sueco precariamente. Os problemas começaram com meu nome, que na língua lá deles se pronuncia Ianér. Do outro lado da linha, uma voz me pediu para soletrá-lo. E como é que diz jota em sueco? Pacientemente, a moça aventou outras palavras. Confirmei a letra que, descobri então, pronunciava-se "ií". Mas o pior estava por vir. Eu morava na Öregrundsgatan, informação que tampouco foi fácil de passar. Muito bem - disse a moça - amanhã, às 11hs, o senhor receberá o equivalente, em selos, a duas coroas. O senhor prefere a série do rei ou a série da ponte?

Recém-chegado naquelas bandas, apenas balbuciando o idioma local, eu preferia mesmo era piedade. Qualquer uma, respondi. Dia seguinte, mal passavam dois ou três minutos das onze, o carteiro enfia um envelope em minha porta. Nele vinham os selos, série do rei, com um compungido pedido de desculpas dos Correios.

Estou na Europa! - pensei, incrédulo. Este terá sido o episódio mais marcante de meus dias de Suécia. Lá, o Estado respeitava os direitos mínimos do cidadão. Um ano depois, encerradas minhas deambulações por aqueles nortes, voltei ao Brasil. Em Porto Alegre, fui telefonar de um orelhão e a máquina engoliu a ficha. Chamei a CRT, expliquei o caso, perguntei como devia fazer para telefonar. Ora, ponha outra ficha - me respondeu a moça.

Subi em meus tamancos. Eu quero a minha ficha de volta. A moça disse nada poder fazer. Pedi para falar com seu superior. Ela me passou alguém que também me sugeriu pôr outra ficha. Respondi que não pretendia pôr ficha nenhuma, queria a minha de volta, etc., pedi falar para com seu superior, falei com outro superior, repetiu-se toda a lenga-lenga e esta terceira e última instância me bateu o telefone na cara. Indignado, fui à televisão reivindicar meus direitos. O próprio jornalista que comentou o fato deveria estar pensando que eu havia voltado pirado da Escandinávia, contaminado talvez por alguma escandinavite aguda.

Nada disso. Eu havia vivido em um país onde o cidadão era respeitado. Para um brasileiro, isto era mais marcante que qualquer liveshow. Não por acaso, os países socialistas proibiam seus cidadãos de viajar à Europa ocidental. O viajante voltaria comparando.

Por que um operário, alemão como eu e meu vizinho - perguntava-se o alemão oriental - pode comprar na hora um Mercedes e eu tenho de esperar cinco anos para comprar um Trabant? Por que os dentistas usam anestesia em outros países, enquanto eu tenho de extrair dentes sem anestesia? Por que as universidades européias têm máquinas de xerox à disposição dos alunos e eu tenho de registrar na polícia até mesmo uma máquina datilográfica? Estas notícias não chegavam apenas a partir das viagens de ocidentais a seus parentes do outro lado, mas também através da televisão e do rádio que conseguiam burlar fronteiras. Os soviéticos consideravam um perigo viajar. E por isso proibiam as viagens.

Mais tarde ocorreu o inverso. O PC português, por exemplo, proibia seus militantes de ir a Moscou. Ao voltar, eles nada queriam saber com o comunismo.

De fato, viajar é perigoso. Viajar leva a comparar. E comparar leva a pensar. Melhor ficar em Dom Pedrito.

sexta-feira, janeiro 11, 2013
 
O BRASIL É VOSSO!


Luta de classes morta, luta racial posta, costumo afirmar. Como falar em classes se tornou no mínimo démodé, os velhos comunistas tentam agora lançar uma classe contra outra. Se fazer pobre lutar com rico perdeu seu prestígio após a queda do Muro e do desmoronamento da União Soviética, ainda bem que existem brancos e negros para impulsionar a Idéia – como se dizia antes – através da História. Quem mais aposta no racismo hoje, para obter dividendos políticos, são os velhos comunistas. E também os jovens comunistas, que também os há.

O secretário municipal da Promoção da Igualdade Racial de São Paulo, Netinho de Paula (PCdoB), que se licenciou da função de vereador para assumir a pasta na administração do prefeito Fernando Haddad (PT), diz que a sociedade paulistana é racista e que pretende criar uma TV para exibir conteúdo feito com "a visão da população negra".

Soa no mínimo curioso tachar de racista uma cidade que elegeu um prefeito negro e também o elegeu vereador. O mesmo insulto tem sido dirigido aos gaúchos, que elegeram para sua capital um prefeito negro e depois o guindaram ao governo do Estado. Na Bahia, o Estado de maior contingente negro do país, sempre elegeram brancos para a prefeitura de sua capital. Ou para o governo estadual. Mas baiano não é racista. Baiano é predominantemente negro e negro, por definição, não é racista.

No final de dezembro passado, em entrevista ao G1, Netinho saiu-se com esta pérola:

- A gente precisa convencer a sociedade paulistana de que ela é racista, ela precisa entender que ela é racista. A partir do momento que ela se assumir como racista, ela pode trabalhar isso, porque a gente perde economicamente, a gente exclui uma sociedade que pode ajudar muito o país.

Ou seja, se paulistano não é racista e elege um prefeito negro, é preciso convencê-lo de que é racista apesar de ter eleito um prefeito negro. Que aliás manchou a causa negra. Seu mandato foi marcado por corrupção, denunciada principalmente por sua ex-mulher. As denúncias envolviam vereadores, subsecretários e secretários, destancando-se entre elas o escândalo dos precatórios. O valor das denúncias somadas alcançou 3,8 bilhões de reais, equivalente a quase metade do orçamento do município na época. Pita foi condenado à perda do cargo pela justiça. Só pode ter sido racismo do Judiciário. Depois o recuperou. Vai ver que o Judiciário redimiu-se de seu racismo.

O cachimbo entorta a boca. Netinho lembra Lula, que em suas campanhas eleitorais, sempre lutou contra as elites. Hoje, que virou elite, esqueceu de mudar o disco e continua vituperando as elites que o elegeram.

Além da TV com conteúdo negro, seja lá o que isso for, Netinho pretende criar cursos de qualificação e parcerias com empresas privadas para inserção da população negra no mercado de trabalho em cargos de liderança. Vai mais longe: também estuda um turismo étnico na cidade e diz que entrou em contato com entidades negras para definir quais serão os pontos escolhidos.

- A gente poder receber, dialogar e mostrar a nossa história na cidade. Isso tem muito a ver com autoestima e com geração de emprego. Entre os pontos que devem fazer parte do roteiro estão locais em que os escravos moravam e igrejas construídas por negros, como a Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu.

E quando passar por obras realizadas por brancos? Deixa-se de lado, é de supor-se. Só negros construíram São Paulo. Que os brancos cultuem seus brancos. Netinho é ambicioso. Quer introduzir racismo na mídia, no mercado de trabalho e até mesmo no turismo.

Em abril do ano passado, a suprema corte judiciária do país oficializou, por unanimidade, o racismo no Brasil. No dia 26 daquele mês, o STF revogou, com a tranqüilidade dos justos, o art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. A partir de então, oficializou-se a prática perversa instituída por várias universidades, de considerar que negros valem mais do que um branco na hora do vestibular. Parafraseando Pessoa: constituições são papéis pintados com tinta. Que podem ser rasgados ao sabor das ideologias.

A escalada avançou no início de outubro passado, quando Marta Suplicy, então ministra da Cultura, anunciou o lançamento de editais para beneficiar apenas produtores e criadores negros. "É para negros serem prestigiados na criação, e não apenas na temática. É para premiar o criador negro, seja como ator, seja como diretor ou como dançarino", disse a ministra à Folha de São Paulo.

O nó de tope foi dado ainda em outubro, quando o Palácio do Planalto anunciou para novembro daquele ano um amplo pacote de ações afirmativas que inclui a adoção de cotas para negros no funcionalismo federal. A medida, defendida pessoalmente pela presidente Dilma Rousseff, atingiria tanto os cargos comissionados quanto os concursados.

Segundo o jornal, que teve acesso às propostas, a cota no funcionalismo público federal propõe piso de 30% para negros nas vagas criadas a partir da aprovação da legislação. Hoje, o Executivo tem cerca de 574 mil funcionários civis.

Existe também a idéia de criar incentivos fiscais para a iniciativa privada fixar metas de preenchimento de vagas de trabalho por negros. Ou seja, o empresário não ficaria obrigado a contratar ninguém, mas seria financeiramente recompensado se optasse por seguir a política racial do governo federal. Mérito ou capacitação profissional não mais interessam. O que interessa, definitivamente, é a cor da pele.

Aleluia, afrodescendentada! O Brasil é vosso.