¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, março 31, 2008
 
ZDANOVISMO COM NOME NOVO



Veja desta semana pretende criar um neologismo, “pobrologia”. A reportagem, de Leandro Narloch, trata dos documentaristas brasileiros que adoram a pobreza, cujos filmes sobre o tema já constituem um gênero. Lembra a ambição vã de Reinaldo Azevedo, o recórter chapa-branca tucanopapista tomista hidrófobo que pretendeu ter criado a palavra pobrismo, que já existia há meio século.

Quanto ao personagem, diz a reportagem,

- qualquer pobre está valendo. Melhor ainda se ele for um tipo exótico e viver num ambiente pitoresco, como a doente mental de Estamira.

Quanto à fotografia,

- deve capturar “a beleza em meio à miséria”. Focalize o rosto pobre sempre em closes estourados, como em Sumidouro.

Quanto ao roteiro,

- não se preocupe com esse “detalhe”. As obras-primas da pobrologia exploram, invariavelmente, três personagens: o pobre, o rico (culpado pela situação do primeiro) e o líder de esquerda que luta para mudar a situação.

E por aí vai. Narloch deve ser jovem. Certamente nunca ouviu falar de zdanovismo. Ou realismo socialista, como ficou conhecida a nova doutrina estética russa. Coincidentemente, comentei em crônica passada o realismo socialista em Jorge Amado. Foi besteirol ideológico praticado com muito entusiasmo, não só no Brasil, como até mesmo na Europa.

Além de Jorge Amado, outros tentaram, sem maior sucesso, seguir-lhe as pegadas. Entre eles, Dalcídio Jurandir, com Linha do Parque; Alina Paim, com A Correnteza e A Hora Próxima; José Ortiz Martins, com Eles possuirão a Terra (tradução do título de um romance de Robert Charbonneau, publicado em Montreal, em 1941); Maria Alice Barroso, com Os Posseiros; Ibiapaba Martins, com Sangue na Pedra; Figueiredo Pimentel, com A Inspiradora de Luís Carlos Prestes; Lauro Palhano, com O Gororoba, Marupiara e Paracoera.

Escritores de porte, cá e lá, não deixaram de dirigir acenos à nova religião. É o caso de Graciliano Ramos, em São Bernardo e Viagem; Oswald de Andrade, em A Escada Vermelha e O Homem e o Cavalo e Patrícia Galvão, em Parque Industrial. Pagu, justiça seja feita, ao manter um contato mais prolongado com a realidade soviética, torna-se o primeiro escritor, no Brasil, a denunciar o stalinismo. Por outro lado, homens como Aníbal Machado e Dyonélio Machado, embora sendo militantes do Partido Comunista, em momento algum se renderam ao novo gênero.

Se Graciliano, apesar de seu culto crepuscular a Stalin, manifesto em Viagem, não se deixou fascinar pelas teorias de Zdanov - a quem considerava “uma besta” - Amado a elas entregou-se qual noiva ardente. Por ocasião da morte de seu mestre, em O Mundo da Paz, carpe sua viuvez:

“Foi em Varsóvia, numa cálida noite de verão, que soubemos a notícia da sua morte repentina quando tanto ele tinha ainda a nos ensinar. Estávamos numa alegre conversa, escritores e artistas de vários países, quando alguém chegou com a terrível nova: ‘Zdanov morreu!’. Entre nós estava Alexandre Fadéev, mestre do romance soviético, amigo e colaborador do homem que, nos últimos anos, deu mais concreta contribuição ao desenvolvimento da literatura e da arte. Pelo resto da noite indormida, Fadéev, emocionado, contou de Zdanov. Parecia-nos tê-lo ali, junto a nós, comandando o povo de Leningrado na resistência indomável, vencendo não só os inimigos nazistas mas também a fome e o medo, o desânimo e o desespero. Nós o víamos, depois, andando para um piano, na discussão sobre música com os compositores soviéticos, para ilustrar, tocando um ária qualquer, as teses justas que explanava, ele a quem não parecia estranho nenhum problema da ciência política, da filosofia, da literatura e da arte, esse exemplo da cultura bolchevique.

“A voz de Fadéev, molhada de dor, trazia para junto de nós, naquela noite de luto, a presença do grande desaparecido. Pensávamos na estrada aberta, sob seu comando, sob o gelo, cada dia apagada pela neve, cada dia reconstruída, que garantia o contato de Leningrado assediada com o resto da pátria. Pensávamos nele, nessa mesma cidade de Varsóvia, em 1947, fazendo seu histórico informe na primeira reunião do Bureau de Informação dos Partidos Comunistas. Gigante do pensamento humano, esse outro filho da classe operária, educado pelo Partido Bolchevique, nascido dos ensinamentos de Lênin e Stalin.”

Os novos documentaristas brasileiros estão apenas repetindo a fórmula antiga e rançosa do zdanovismo. O que o repórter de Veja pretende rebatizar como pobrologia. Não há pobrologia alguma. O que há é o velho pensamento stalinista, do qual os intelectuais brasileiros ainda não conseguiram se libertar.

domingo, março 30, 2008
 
URIBE OFERECE APOSENTADORIA
EM PARIS PARA TERRORISTAS




Após assinar um decreto que autoriza a troca de membros das Farc por reféns em poder da guerrilha, o presidente colombiano Álvaro Uribe garantiu que os guerrilheiros que se entregarem e soltarem seqüestrados não serão presos, e que a França estaria disposta a acolher os membros das Farc que seriam libertados em troca dos reféns.

Nada mau para os vieux jours de assassinos e seqüestradores. O aceno com uma aposentadoria às margens do Sena possivelmente despertará novas vocações para o narcotráfico e terrorismo.

sábado, março 29, 2008
 
A GRANDE PROSTITUTA


(Está sendo relançada no Brasil a obra do mais vil e prostituído dos escritores brasileiros. Me sinto obrigado a republicar artigo que escrevi há dez anos)


A palavra bordel, para quem não sabe, nasce em Paris. Na época em que as "maisons closes" ficavam às margens do Sena, quando alguém ia em busca de mulheres, dizia eufemisticamente: "j'vais au bord'elle". Sena, em francês, é palavra feminina, la Seine. Portanto, quando alguém dizia "au bord'elle", queria dizer "au bord de la Seine". Daí, bordel. Não é de espantar que a capital que deu ao mundo esta palavra queira homenagear, nos dias 20 e 25 de março próximos, no 18º Salão do Livro de Paris, a prostituta maior das letras contemporâneas.

O Brasil será o país homenageado do Salão e terá como convidado de honra e representante de nossas Letras, Jorge Amado, o mais vendido escritor nacional, que começou sua carreira como estafeta do nazismo, continuou como agente do stalinismo e hoje é roteirista oficioso de Roberto Marinho. Amado ainda receberá, na ocasião, o título de Dr. Honoris Causa por uma universidade parisiense. Nada de espantar: os parisienses, de longa tradição colaboracionista e stalinista, não perderiam esta oportunidade de homenagear, neste século que finda, o colega que desde a juventude militou nas mesmas hostes.

Do nazismo ao stalinismo - Autor brasileiro mais divulgado no exterior, com traduções em mais de 40 idiomas, colaborador de publicações nazistas, ex-militante do Partido Comunista, deputado constituinte em 46, Oba Otum Arolu do candomblé Axé Opô Afonjá na Bahia, membro da Academia Brasileira de Letras, Amado nasceu em uma fazenda de cacau, em 10 de agosto de 1912, no então recém-criado município de Itabuna, na Bahia, filho de pai sergipano e mãe baiana de ascendência indígena.

Em 1936, é preso no Rio, em conseqüência da Intentona de 35, tentativa de tomada do poder ordenada pelo Kremlin e liderada no Brasil por Luís Carlos Prestes. Em 1940, durante a vigência do pacto de não-agressão germano-soviético, assinado por Stalin e Von Ribbentrop, assume a edição da página de cultura do jornal pró-nazista Meio-Dia. Em uma reunião do Partido Comunista, é denunciado por Oswald de Andrade como "espião barato do nazismo" e instado pelo escritor paulista a retirar-se de São Paulo. Quando interrogado sobre o trabalho sujo deste período, Amado diz simploriamente: “Não me lembro”. Mas Oswald de Andrade lembra. Em antiga entrevista, republicada mais recentemente, em Os Dentes do Dragão, escrevia Oswald:

"Diante de tantos erros e mistificações, retirei a minha inscrição do partido. Numa reunião da comissão de escritores, diante de quinze pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo, antigo redator qualificado do Meio-Dia. Contei então, sem que Jorge ousasse defender-se, pois tudo é rigorosamente verdadeiro, que em 1940 Jorge convidou-me no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Jorge, depois me informou que esse livro iria render-me 30 contos. Recusei, e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas do mesmo alemão".

Em 45, Amado é eleito deputado federal pelo Partido Comunista e publica Vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, uma apologia ao líder comunista gaúcho e membro do Komintern. O panfleto, encomendado pelo Kremlin, foi traduzido e publicado nas democracias ocidentais e nas ditaduras comunistas, como parte de uma campanha para libertar Prestes da prisão, após sua sangrenta tentativa, em 1935, de impor ao Brasil uma tirania no melhor estilo de seu guru, o Joseph Vissarionovitch Djugatchivili, mais conhecido como Stalin.Para Amado, Prestes, é o “herói, aquele que nunca se vendeu, que nunca se dobrou, sobre quem a lama, a sujeira, a podridão, a baba nojenta da calúnia nunca deixaram rastro".

Prestes preso, segundo o escritor baiano, é o próprio povo brasileiro oprimido: “Como ele o povo está preso e perseguido, ultrajado e ferido. Mas como ele o povo se levantará, uma, duas, mil vezes, e um dia as cadeias serão quebradas, a liberdade sairá mais forte de entre as grades. ‘Todas as noites têm uma aurora’, disse o Poeta do povo, amiga, em todas as noites, por mais sombrias, brilha uma estrela anunciadora da aurora, guiando os homens até o amanhecer. Assim também, negra, essa noite do Brasil tem sua estrela iluminando os homens, Luís Carlos Prestes. Um dia o veremos na manhã de liberdade e quando chegar o momento de construir no dia livre e belo, veremos que ele era a estrela que é o sol: luz na noite, esperança; calor no dia, certeza”.

Em 46, como constituinte, Amado assina a quarta Constituição Brasileira. Dois anos depois, seu mandato é cassado em virtude do cancelamento do registro do PC. Neste mesmo ano, 1948, fixa residência em Paris, onde convive, entre outros, com Sartre, Aragon e Picasso. Em 1950, passa a residir no Castelo da União dos Escritores, em Dobris, na ex-Tchecoslováquia, onde escreve O Mundo da Paz, uma ode a Lênin, Stalin e ao ditador albanês Envers Hodja. No ano seguinte, quando o livro é publicado, recebe em Moscou o Prêmio Stalin Internacional da Paz, atribuído ao conjunto de sua obra, condecoração geralmente omitida em suas biografias.

Esta década é marcada por longas viagens, entre outras, à China continental, Mongólia, Europa ocidental e central, à ex-União Soviética e ao Extremo Oriente. “Vós sabeis, amigos, o ódio que eles têm - os homens de dinheiro, os donos da vida, os opressores dos povos, os exploradores do trabalho humano - a Stalin. Esse nome os faz tremer, esse nome os inquieta, enche de fantasmas suas noites, impede-lhes o sono e transforma seus sonhos em pesadelos. Sobre esse nome as mais vis calúnias, as infâmias maiores, as mais sórdidas mentiras. ‘O Tzar Vermelho’, leio na manchete de um jornal. E sorrio porque penso que, no Kremlin, ele trabalha incansavelmente para seu povo soviético e para todos nós, paras toda a humanidade, pela felicidade de todos os povos. Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu. Sim, eles caluniam, insultam e rangem os dentes. Mas até Stalin se eleva o amor de milhões, de dezenas e centenas de milhões de seres humanos. Não há muito ele completou 70 anos. Foi uma festa mundial, seu nome foi saudado na China e no Líbano, na Romênia e no Equador, em Nicarágua e na África do Sul. Para o rumo do leste se voltaram nesse dia de dezembro os olhos e as esperanças de centenas de milhões de homens. E os operários brasileiros escreveram sobre a montanha o seu nome luminoso”.

Em função de sua militância no PC, no início de sua trajetória foi traduzido na China, Coréia, Vietnã e ex-União Soviética. Só depois então é puxado para os países ocidentais, pelas mãos de seu tradutor para o alemão. Em Munique, em 1978, entrevistei Curt Meyer-Clason, o responsável pela introdução de Amado na Europa ocidental.

O baiano invade com sua literatura o mundo livre, que tanto caluniou, através da finada República Democrática Alemã. “Devido à proteção do PC, a RDA incumbiu-se da publicação de todos os seus livros, já nos anos 50” -disse-me Meyer-Clason -. “Depois, por meu intermédio, passou diretamente à República Federal da Alemanha”. Não por acaso, Meyer-Clason acaba de ser denunciado, pela revista alemã Der Spiegel, como espião do Terceiro Reich no Brasil.

Da mesma forma que nega seu passado nazista, Amado não comenta seu passado stalinista. Em seu último livro, Navegação de Cabotagem, declara: "Durante minha trajetória de escritor e cidadão tive conhecimento de fatos, causas e conseqüências, sobre os quais prometi guardar segredo, manter reserva. Deles soube devido à circunstância de militar em partido político que se propunha mudar a face da sociedade, agia na clandestinidade, desenvolvendo inclusive ações subversivas. Tantos anos depois de ter deixado de ser militante do Partido Comunista, ainda hoje quando a ideologia marxista-leninista que determinava a atividade do Partido se esvazia e fenece, quando o universo do socialismo real chega a seu triste fim, ainda hoje não me sinto desligado do compromisso assumido de não revelar informações a que tive acesso por ser militante comunista. Mesmo que a inconfidência não mais possua qualquer importância e não traga conseqüência alguma, mesmo assim não me sinto no direito de alardear o que me foi revelado em confiança. Se por vezes as recordo, sobre tais lembranças não fiz anotações, morrem comigo".

Realismo Socialista - Em 1954, julgando talvez insuficiente a defesa do stalinismo feita em O Cavaleiro da Esperança e O Mundo da Paz, Amado publica os três tomos de Subterrâneos da Liberdade, onde pretende narrar a saga do Partido Comunista no Brasil. Só em 58, com Gabriela, Cravo e Canela, deixará de lado sua militância comunista e passará a fazer uma literatura eivada de tipos folclóricos baianos, que mais tarde será transposta em filmes nacionais e novelas da Rede Globo. O romancista baiano foi o introdutor nas letras brasileiras do realismo socialista, também conhecido como zdanovismo, fórmula de confecção literária para a pregação do ideário comunista, concebida pelos escritores russos Maxim Gorki, Anatoli Lunacharski, Alexander Fadéev, e sistematizada pelo coronel-general Andrei Zdanov.

Nos países em que foi traduzido, Amado é visto como um escritor que faz literatura brasileira. Em verdade, obedecia a uma fórmula tosca, mais panfletária que estética, produzida por teóricos em Moscou. Wilson Martins, em A História da Inteligência Brasileira, traduz em bom português as características do novo gênero:

“... de um lado, os bons, ou seja, os que se incluem na “chave” mística do “trabalhador”, do “operário”; de outro lado, os maus, isto é, todos os outros mas, em particular, o “proprietário” e a “polícia”, as duas entidades arimânicas deste singular universo. Os primeiros são honestos, generosos, desinteressados, amigos da instrução e do progresso, patriotas, bons pais de família, sóbrios, artesãos delicados, técnicos conscienciosos, empregados eficientes (embora revoltados), imaginativos e incansáveis, focos de poderoso magnetismo pessoal, cheios de inata vocação de comando e, ao mesmo tempo, do espírito de disciplina mais irrepreensível, corajosos, sentimentais, poetas instintivos, sede de paixões violências (oh! no bom sentido!), modelos de solidariedade grupal, argumentadores invencíveis, repletos, em suma, de uma nobreza que em torno deles resplandece como um halo. O “trabalhador” é o herói característico desses romances de cavalaria: sem medo e sem mácula, ele tem tantas relações com a realidade quanto o próprio Amadis de Gaula. Já o “proprietário” é um ser asqueroso e nojento, chafurdado em todos os vícios, grosseiro, bárbaro, corrupto, implacável na cobrança dos seus juros, lascivo na presença das viúvas jovens e perseguidor feroz das idosas, barrigudo, fumando enormes charutos, arrotando sem pudor, repleto de amantes e provavelmente de doenças inconfessáveis, membro da sociedade secreta chamada “capitalismo”,onde, como todos sabem, é invulnerável a solidariedade existente entre seus membros; indivíduo que favorece todos os deboches, inclusive dos seus próprios filhos; covarde, desonesto, egoísta, ignorante, vendido ao dólar americano, lúbrico, marido brutal e pai perverso, irritante e antipático, rotineiro, frio como uma enguia, incapaz de sinceridade, sem melhores argumentos que a força bruta, verdadeira encarnação contemporânea dos demônios chifrudos com que a Idade Média se assustava a si mesma".

Wilson Martins continua enumerando detalhadamente os demais estereótipos utilizados neste tipo de romance, entre eles a polícia, o tabelião, o posseiro, o governador, o latifundiário, o camponês. Seria por demais monótono continuar a descrição deste universo maniqueísta, como tampouco teria sentidoa companhar a repetição - ad nauseam - de uma fórmula primária de fabricar livros. Vamos então enfiar logo as mãos no lixo. Os Subterrâneos também foi escrito em Dobris, no mesmo castelo da União de Escritores Tchecoeslovacos onde Amado produzira O Mundo da Paz, de março de 1952 a novembro de 1953, ou seja, no período imediatamente posterior à obtenção do Prêmio Stalin. Como pano de fundo histórico temos, como não poderia deixar de ser, a Revolução de 1917. Outras datas e fatos posteriores determinarão poderosamente a construção dos personagens.

Em 1935, ocorre no Brasil a Intentona Comunista. Em 36, Prestes é preso, e sua mulher Olga Benario, judia alemã que é oficial do Exército Vermelho, é deportada para a Alemanha de Hitler. Getúlio Vargas consegue persuadir o Congresso e criar um Tribunal de Segurança Nacional para punir os insurgentes. Ainda neste ano de 36, eclode na Espanha a Guerra Civil, confronto que envolveu todas as nações européias e constituiu uma espécie de ensaio geral para a Segunda Guerra, detonada em 1939, circunstância amplamente explorada por Amado. Em 1937, os integralistas lançam Plínio Salgado como candidato às eleições presidenciais de janeiro do ano seguinte, abortadas a 10 de novembro pelo golpe com que Getúlio consolida o Estado Novo. Para desenvolver sua história, Amado fixará um dos mais turbulentos períodos deste século, que até hoje continua gerando rios de bibliografia.

A ação de Os Subterrâneos situa-se precisamente entre outubro de 37 (às vésperas do Estado Novo e em meio à Guerra Civil Espanhola) e finda aos 7 de novembro de 39, 23º aniversário da proclamação do regime soviético na Rússia. Amado, escritor e militante, tem por incumbência várias missões. A primeira consiste na defesa dos ideais de 17, encarnado em Lênin e Stalin, potestades várias vezes invocadas ao longo dos três volumes. Segunda, fazer a defesa do Messiasque salvará o Brasil, Luís Carlos Prestes, e não por acaso a trilogia encerra-se com seu julgamento. Missões secundárias, mas não menos vitais: denunciar o imperialismo ianque, condenar a dissidência trotskista, pintar Franco com as cores do demônio e fustigar Getúlio por ter esmagado a atividade comunista a partir de 35. Seus personagens são títeres inverossímeis e sem vontade própria,embebidos em álcool se são burgueses, ou imbuídos de certezas absolutas, mais água mineral, se são operários ou militantes, estes sempre obedientes aos ucasses emitidos às margens do Volga.

A obra, composta por três volumes - Os Ásperos Tempos, Agonia da Noite e A Luz no Túnel - constituiria apenas a primeira parte de uma trilogia mais vasta, com pretensões a ser o Guerra e Paz brasileiro. Os três tomos são publicados em maio de 1954, um ano após a morte de Stalin e dois antes do XX Congresso dos PCURSS, o que obriga o autor a interromper seu projeto. Pela segunda vez, na trajetória literária de Amado, sua ficção será determinada não por uma análise da realidade brasileira, mas por decisões tomadas em Moscou.

A onipresença do novo Deus - O personagem por excelência do romance é o Partido Comunista, onipresente como o antigo deus cristão e feito carne na figura de Stalin. A luta do PC é a luta - na ótica do autor - do povo brasileiro contra a tirania, no caso, Getúlio Vargas. Externamente, os inimigos são os Estados Unidos da América, a Alemanha, Franco e Salazar. Sem falar, é claro, na IV Internacional e nos trotskistas. O PC está infiltrado na classe dominante, disperso na classe média e fervilha nos meios operários. Invade as cidades e o campo, a pampa e a floresta, os salões burgueses, as fábricas e os portos, corações e mentes.

“Quantos outros, do Amazonas ao Rio Grande do Sul”, - reflete o militante Gonçalo -“não se encontravam nesse momento na mesma situação que ele, ante problemas complicados e difíceis, devendo resolvê-los, sem poder discutir com as direções, sem poder consultar os camaradas? Gonçalo sabe que os quadros do Partido não são muitos, alguns mil homens apenas na extensão imensa do país, alguns poucos milhares de militantes para atender à multidão incomensurável deproblemas, para manter acesa a luta nos quatro cantos da pátria, separados por distâncias colossais, vencendo obstáculos infinitos, perseguidos e caçados comoferas pelas polícias especializadas, torturados, presos, assassinados. Um punhado de homens, o seu Partido Comunista, mas este punhado de homens era o próprio coração da pátria, sua fonte de força vital, seu cérebro poderoso, seu potente braço".

Esta onipresença extrapola o país, manifesta-se onde quer que andem os personagens, no Uruguai, França, Espanha, no planeta todo. Inevitáveis as referências à foice e ao martelo. E a Stalin, naturalmente, guia, mestre e pai. A litania dirigida ao grande assassino tem por vezes características de humor negro:

“- Quantos mais formos” - diz a militante Mariana - “mais trabalho terão os dirigentes. Pense em Stalin. Quem trabalha no mundo mais que ele? Ele é responsável pela vida de dezenas de milhões de homens. Outro dia li um poema sobre ele: o poeta dizia que quando todos já dormem, tarde da noite, uma janela continua iluminada no Kremlin, é a de Stalin. Os destinos de sua pátria e de seu povo não lhe dão repouso. Era mais ou menos isto que dizia o poeta, em palavras mais bonitas, é claro...”O poeta em questão é Pablo Neruda, já citado em O Mundo da Paz: “Tarde se apaga a luz de seu gabinete. O mundo e sua pátria não lhe dão repouso.”


Consta de uma ode a Stalin, subtraída às Obras Completas do poeta chileno, onde, por enquanto, ainda se pode encontrar uma “Oda a Lenin”. Hoje, temos uma idéia precisa do que planejava Stalin nas madrugadas tardias de seu gabinete. Quando Apolinário Rodrigues, por exemplo, (personagem calcado em Apolônio de Carvalho, oficial brasileiro exilado que participara da Intentona de 35) chega a Madri, sente-se em casa pois, para onde quer que se vire, lá está o Partido. A única cor local da capital espanhola parece ser a luta pela libertação de Prestes:

“Quando chegara à Espanha, vindo de Montevidéu, vivera dias de intensa emoção, ao encontrar por toda a parte, no país em guerra, nas ruas bombardeadas das cidades e aldeias, nos muros da irredutível Madri, as inscrições pedindo aliberdade de Prestes. Cercava-o o calor da intensa solidariedade desenvolvida pelos trabalhadores e combatentes espanhóis para com os antifascistas brasileiros presos e, em particular, para com Prestes. (...) Era uma única luta em todo o mundo, pensava Apolinário, ante essas inscrições, o povo espanhol o sabia, e em meio às suas pesadas tarefas e múltiplos sofrimentos, estendia a mão solidária ao povo brasileiro".

A coincidência da instituição do Estado Novo com a explosão da Guerra Civil Espanhola é uma oportunidade única para Amado de inserir seus personagens no conflito internacional que redundaria na II Guerra, expondo ao mesmo tempo a linha do Partido. Tão única é esta oportunidade e tanto o autor quer aproveitá-la, que chega a deslocar para 1938 uma greve dos portuários de Santos, efetivamente ocorrida em 1946, o que aliás provocou um certo debate. Estaria Amado realmente sendo fiel ao método que “exige do artista uma representação veridicamente concreta da realidade no seu desenvolvimento revolucionário”, conforme proclamavam os estatutos da União de Escritores Soviéticos? Ao autor isto pouco importa. Deslocando a greve para 38, pode criar um navio alemão que vem buscar, no Brasil, café para a Espanha. De uma só tacada, Amado fustiga Hitler, Getúlio e Franco:

“Em algumas palavras (o velho Gregório) historiou o motivo por que adireção do sindicato havia convocado essa sessão: o governo oferecera ao general Franco, comandante dos rebeldes espanhóis (“um traidor”, gritou uma voz na sala), uma grande partida de café. Agora se encontrava no porto um navio alemão(“nazista”, gritou uma voz na sala) para levar o café".

Na Guerra Civil Espanhola, segundo Amado, há apenas “nazistas alemães e fascistas italianos”. Tão pródigo em elogios à Stalin e à União Soviética, em sua trilogia o autor silencia sobre a presença russa na Espanha, constituída por pilotos de guerra, técnicos militares, marinheiros, intérpretes e policiais. A primeira presença estrangeira em terras de Espanha foi a soviética, com o envio de material bélico e pessoal militar altamente qualificado, em troca das três quartas partes (7800 caixas, de 65 quilos cada uma) das reservas de ouro disponíveis pelo Banco de España. Pagos adiantadamente. Silêncio de Amado: a representação veridicamente concreta da realidade no seu desenvolvimento revolucionário pode esperar mais um pouco.

A presença do Partido permeará a trilogia das primeiras páginas de Os Ásperos Tempos às últimas de A Luz no Túnel. Nestas, a militante Mariana, antes de presa, assiste ao julgamento de Prestes. A voz do líder comunista é “a voz vitoriosa do Partido sobre a reação e o terror”:

“Eu quero aproveitar a ocasião que me oferecem de falar ao povo brasileiro para render homenagem hoje a uma das maiores datas de toda a história, ao vigésimo terceiro aniversário da grande Revolução Russa que libertou um povo da tirania...”

Seria monótono e redundante perseguir esta onipresença do Partido na trilogia de Amado. Neste universo imperam o bem e o mal absolutos. O bem, evidentemente, é representado pelo novo Deus, o proletariado. O mal, pela burguesia detentora do capital. Entre um universo e outro transitam eventualmente seres camaleônicos, “traidores de classe” ou traidores do Partido. Dividir o universo em duas metades, uma boa e outra má, nada tem de novo e original. Tal princípio vem do século III, através da doutrina do persa Mani. O espantoso é que continue a viger em pleno século XX, e mais: impondo gostos, comportamentos e até mesmo filiação partidária aos personagens de um romance. Os representantes do Bem amam. Os representantes do Mal têm amantes. Os bons bebem café ou água mineral. Os maus bebem cachaça ou uísque. Os bons são magros e idealistas. Os maus são gordos e mesquinhos. Os bons têm gargalhar sadio, os maus têm dentes podres. Os bons não têm posses. Os maus são proprietários. Os bons são pobres, os maus ricos. Os bons pertencem ao Partido ou com ele colaboram. Os demais são maus. Os bons, diga-se de passagem, estão aprisionados em tal camisa-de-força ideológica que sequer podem se dar ao luxo de gostar de pintura surrealista ou naïve.

Até 1954, Amado traduzirá em sua literatura as determinações do Partido Comunista russo. Em entrevista para Isto é (18/11/81), Amado reconhece seu stalinismo:

- Não sei se o termo “realismo socialista” se aplica a todos os meus livros daquela época. Estariam em face do realismo socialista, mas o fato é que Jubiabá (1935), Mar Morto (1936) e Capitães de Areia (1937), do período ao qual você se refere, só puderam ser publicados em russo depois da morte de Stalin. Acredito que a classificação seja justa para Terras do Sem Fim (1943), Seara Vermelha (1946) e Subterrâneos da Liberdade (1954). Se existe um livro meu totalmente influenciado pelo stalinismo, é Subterrâneos da Liberdade, que reflete uma posição totalmente maniqueísta.

Denunciados os crimes do stalinismo por Kruschov, em 1954, dois anos depois Amado molha o dedinho na língua e o ergue ao ar, para sentir de onde sopram os ventos: o sentido da História é agora uma literatura popularesca, ao estilo da rede Globo. Passa então a produzir uma literatura de evasão em torno de motivos baianos. Não sem antes fazer um tímido e discreto mea culpa, publicado em 10 de outubro de 1956 pela Imprensa Popular:

“Aproximamo-nos, meu caro, dos nove meses de distância do XX Congresso do PCUS, o tempo de uma gestação. Demasiado larga essa gravidez de silêncio e todos perguntam o que ela pode encobrir, se por acaso a montanha não vai parir um rato. Creio que devemos discutir, profunda e livremente, tudo o que comove e agita o movimento democrático e comunista internacional, mas que devemos,sobretudo, discutir os tremendos reflexos do culto à personalidade entre nós,nossos erros enormes, os absurdos de todos os tamanhos, a desumanização que, como a mais daninha e venenosa das árvores, floresceu no estrume do culto aqui levado às formas mais baixas e grosseiras, e está asfixiando nosso pensamento e ação. (...) Sinto a lama e o sangue em torno de mim, mas por cima deles enxergo a luz do novo humanismo que desejamos acesa e quase foi submergida pela onda dos crimes e dos erros".

Como se o simples fato de sentir “a lama e o sangue” em torno a si o redimisse das cumplicidades passadas. Mas as denúncias dos crimes do stalinismo não geraram nenhum tribunal de Nuremberg e Jorge Amado sente-se como um ingênuo, enganado pelos ventos do século. No entanto, não mais permite a reedição de O Mundo da Paz. Quanto à sua obra ficcional, embasada no realismo socialista, esta continua sendo reeditada e traduzida.

Mas o agitprop baiano se vê obrigado a mudar de rumos e publica, em 1958, Gabriela, Cravo e Canela. Em 61, lança Os Velhos Marinheiros, considerado um dos melhores momentos de sua literatura. Neste mesmo ano, é eleito membro da Academia Brasileira de Letras, instituição que havia apedrejado e insultado em sua juventude. No discurso de posse, com a inocência de um moleque que relembra travessuras passadas, reitera sua oposição à Casa que o recebe:

"Chego à vossa ilustre companhia com a tranqüila satisfação de ter sido intransigente adversário desta instituição naquela fase da vida em que devemos ser necessária e obrigatoriamente contra o assentado e o definitivo. Ai daquele jovem, ai daquele moço aprendiz de escritor que no início de seu caminho, não venha, quixotesco e sincero, arremeter contra as paredes e a glória desta Casa. Quanto a mim, felizmente, muita pedra atirei contra vossas vidraças, muito adjetivo grosso gastei contra vossa indiferença, muitas vaias gritei contra vossa compostura, muito combate travei contra vossa força".

Em resposta aos que o condenam, diz o escritor: "Mas tudo na vida obedece a formalidades e se eu sou socialista não quer dizer que ignoro o mundo formal que me rodeia". De Moscou, recebe o apoio de Ilya Ehremburg: "Amamos Jorge Amado e temos confiança nele. Eu só o vi numa fotografia levemente mais gordo, em fardão de acadêmico. Olhei e sorri. Aos acadêmicos brasileiros dão um luxuoso fardão. Além disso usam espadas como seus colegas franceses. Não há nada de mal em que o homem simples de ontem apareça uma vez por ano na roupagem de imortal".


De amores com o imperialismo ianque - Com a transposição de seus romances para as novelas televisivas, o revolucionário aposentado torna-se uma espécie de roteirista da Rede Globo. Gaba-se até hoje de seu passado esquerdista. Mas foi o primeiro escritor brasileiro a felicitar pessoalmente Fernando Collor de Mello por sua vitória. Claro que não foi apoiá-lo durante o impeachment. Com a nova guinada, seus livros começam a ser publicados nos Estados Unidos. Em depoimento autobiográfico, concedido em 1985 à tradutora francesa Alice Raillard, em sua mansão na Bahia, de inimigo incondicional do capitalismo, Amado vira sócio:

"Sim, esta casa... Esta casa, eu digo sempre que foi o imperialismo americano que me permitiu construí-la! Era um velho sonho meu ter uma casa na Bahia. (...) Construir uma casa na Bahia? Eu tinha vontade, mas não o dinheiro. Foi então que vendi os direitos para o cinema de Gabriela à Metro Goldwin Mayer".

Em uma entrevista concedida à Folha de São Paulo, em dezembro de 94, expõe ao repórter a mansão comprada graças aos dólares da Metro Goldwin Mayer:

"Esse é o quarto do casal. Passei a vida a xingar os americanos, mas tudo o que temos é graças ao dinheiro dos imperialistas ianques. Compramos essa casa em 63 com a venda dos direitos de Gabriela para a MGM, rodado 21 anos depois. Cobrei barato, só US$ 100 mil”. A parceria com o inimigo capitalista se revela lucrativa e permite a Amado a realização de outro sonho, morar na Paris que tanto insultou quando marxista: “Em 86, os americanos me pagaram um adiantamento alto pelos direitos de tradução de Tocaia Grande: US$ 250 mil. Juntamos com os guardados de Zélia e compramos nossa mansarda no Marais, em Paris”.

Pois este senhor, que empunhou com entusiasmo as piores e mais assassinas bandeiras do século, que no final da vida confessa sem nenhum pudor seu venalismo, é quem hoje representa o Brasil no Salão do Livro em Paris. Em verdade, tal fato não é espantar: Amado vende à Europa uma imagem que a Europa aceita como sendo a do Brasil. Ainda segundo Wilson Martins:

“A verdade é que a nossa literatura é sempre encarada como algo de exótico, de tropical. É por isso que Jorge Amado é extremamente popular nos outros países, ele oferece esse estereótipo da violência, da conquista da terra, da luta de classes e da opressão racial. Essa idéia exótica, uma espécie de ilha dos mares do sul, todos de tanga pelas ruas, armados de arco e flecha, e caçando onças na Avenida Rio Branco. Quando aparece um brasileiro branco e com grande cultura internacional, ele causa um espanto extraordinário. Nós alimentamos esse preconceito com todas as forças. Fazemos questão de mostrar que somos tropicalistas, que isto aqui é um país tropical, que somos mestiços, que branco aqui não tem vez. Quem defende tudo isso são esses grupos dos baianos e dos novos baianos, dos trios elétricos. É até um preconceito contra a cultura, no sentido ecumênico da palavra”.

Interrogado recentemente sobre como gostaria de ser lembrado em uma enciclopédia daqui a 50 anos, a grande cortesã responde com a candura dos inocentes: "Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes também com as mulheres". E talvez seja um de seus personagens femininos o que melhor representa a ambivalência do “baiano romântico e sensual”: Dona Flor, a que administrava tranqüilamente dois maridos. Ao homenagear Amado, em verdade Paris está condecorando um escritor venal, que prestou os piores desserviços ao Brasil ao lutar para transformá-lo em mais uma republiqueta soviética, em nome de uma rápida ascensão literária e fortuna pessoal.

sexta-feira, março 28, 2008
 
FITNA



Quem me informa é Luís Pedro Machado, de Portugal. Foi lançado ontem na Internet o documentário do político holandês Geert Wilders sobre o carácter intrinsecamente violento do Islã. O filme chama-se Fitna, que quer dizer "discórdia" em árabe. Dura apenas 16 minutos e é bastante contundente.

A reação dos cabeças-de-toalha não se fará esperar. Ocorre que os fatos narrados no filme não foram inventados. Foram fornecidos pelos próprios muçulmanos.

http://www.liveleak.com/view?i=7d9_1206624103

Fonte alternativa:

http://wikileaks.org/leak/fitna-flash-video/index.html
http://wikileaks.org/wiki/Fitna_anti-islam_movie_by_Geert_Wilders

Blog do Luís Pedro:
http://departeincerta.blogspot.com/2008/03/fitna-finalmente.html

quinta-feira, março 27, 2008
 
OCTAVE MIRBEAU



De Angers, França, recebo do professor Pierre Michel, diretor da Société Octave Mirbeau, a notícia da publicação do n° 15 dos Cahiers Octave Mirbeau, com 384 páginas abundantemente ilustradas. O artigo transcrito na postagem anterior é minha contribuição a esta edição dos Cadernos. A tradução é do professor Pierre Michel. Na semana, publicarei o original em português.

 
NOTRE JARDIN DE TOLÈDE



Lecteurs vagabonds et sans méthode, il nous arrive de rencontrer, dans l’Histoire de la Littérature, des auteurs insolites qui ne rejettent pas seulement toutes les règles de construction d’une oeuvre littéraire, mais aussi le comportement “raisonnable” que l’on attend d’un humaniste. Swift a été l’un d’eux. Octave Mirbeau en est un autre. (Villiers de L’Isle-Adam ne devrait pas non plus être laissé de côté). Si Swift, homme du XVIIIe siècle, bénéficie aujourd’hui d’une véritable reconnaissance littéraire, il n’en va pas de même de Mirbeau, qui est mort à l’aube du siècle dernier. Politiquement incorrect avant la lettre, cet écrivain singulier est tombé dans un purgatoire d’oubli, auquel il est en train d’échapper, grâce au travail persistant de lecteurs dévoués. Parmi eux, il convient de saluer l’imposant travail de Pierre Michel. Chasseur implacable de tout ce qui touche un tant soit peu cet auteur, ce professeur d’Angers, fondateur de la Société Octave Mirbeau, a réalisé ce miracle de trouver, dans un de mes romans oubliés, des références à l’auteur du Jardin des supplices.

Grâce à Buñuel, et, plus précisément, à son Journal d’une femme de chambre, j’avais déjà une vague idée de Mirbeau. Nous avons déjà là la marque de fabrique de l’auteur : dans une atmosphère décadente, une femme de chambre se soumet au fétichisme d’un de ses patrons et finit par se marier avec un domestique assassin et violeur d’enfant, ingrédients qui ne pouvaient que plaire au cinéaste espagnol, même s’il a modifié le dénouement. Mais la lecture qui m’a marqué le plus profondément a été celle du Jardin des supplices. De ses pages, ai-je écrit à l’époque, émane une odeur lugubre de fleurs pourries.

Le personnage central de l’oeuvre est, sans aucun doute, Miss Clara, citoyenne anglaise héritière d’une fortune laissée par son père, qui faisait le commerce d’opium à Canton. Clara ne trouve de plaisir que dans la contemplation de la torture et de la mort. L’auteur nous conduit au bagne de Canton, où un bourreau exalte l’antique art de la torture des Chinois et déplore la décadence de l’Occident, qui a perdu ce raffinement:

- L'art, milady, consiste à savoir tuer, selon des rites de beauté dont nous autres Chinois connaissons seuls le secret divin... Savoir tuer !... Rien n'est plus rare, et tout est là... Savoir tuer !... C'est-à-dire travailler la chair humaine, comme un sculpteur sa glaise ou son morceau d'ivoire… en tirer toute la somme, tous les prodiges de souffrance qu'elle recèle au fond de ses ténèbres et de ses mystères... Voilà !... Il y faut de la science, de la variété, de l'élégance, de l'invention... du génie, enfin...

Le supplice du rat: un rat affamé placé dans un pot avec un petit orifice fixé contre les fesses d’un condamné. Avec un fer rougi au feu on l’asticotait pour qu’il cherche une sortie et finisse par la trouver en s’ouvrant un passage avec ses griffes et ses dents.

Le supplice de la cloche: au milieu d’un jardin paradisiaque, agrémenté de paons, de faisans, de coqs de Malaisie, une cloche immense sous laquelle était attaché un homme jusqu’à ce que mort s’ensuive sous l’effet des vibrations.

Le bourreau-esthète concluait que le snobisme occidental, avec ses cuirassés, ses canons à tir rapide et ses explosifs, rendait «la mort collective, administrative et bureaucratique... Toutes les saletés de votre progrès, enfin... détruisent peu à peu, nos belles traditions du passé... » Tout en se promenant dans le jardin des supplices, Clara manifeste à son interlocuteur sa fascination pour l’Orient.

- Vois, mon amour, comme les Chinois sont de merveilleux artistes et comme ils savent rendre la nature complice de leurs raffinements de cruauté!... En notre affreuse Europe qui, depuis si longtemps, ignore ce que c'est que la beauté, on supplicie secrètement au fond des geôles, ou sur les places publiques, parmi d'ignobles foules avinées... Ici, c'est parmi les fleurs, parmi l'enchantement prodigieux et le prodigieux silence de toutes les fleurs, que se dressent les instruments de torture et de mort, les pals, les gibets et les croix... Tu vas les voir, tout à l'heure, si intimement mêlés aux splendeurs de cette orgie florale, aux harmonies de cette nature unique et magique, qu'ils semblent, en quelque sorte, faire corps avec elle, être les fleurs miraculeuses de ce sol et de cette lumière...

Il est curieux d’entendre cette déclaration, fût-ce dans la bouche d’un personnage, dans l’oeuvre d’un écrivain aussi vigoureusement anticlérical – voir L’Abbé Jules – que l’était Mirbeau. Car cette hypocrisie n’a pas toujours été de mise en Europe, où l’Église, pendant des siècles, n’a jamais caché qu’elle torturait. De ce point de vue, l’Inquisition a été d’une honnêteté à toute épreuve... Le jardin des supplices, Mirbeau n’avait pas besoin d’aller le chercher en Orient. Savoir faire souffrir, c’est aussi un art de chez nous!

En 1376, l’inquisiteur dominicain Nicolas Eymerich a élaboré le Directorium Inquisitorum [“manuel des Inquisiteurs”], véritable traité de réglementation de la torture, qui a été complété par la suite, en 1585, par un autre dominicain, le canoniste espagnol Francisco de la Peña. Ce travail conjoint a abouti à une oeuvre minutieuse, qui comporte 744 pages de textes et 240 pages d’appendices. L’oeuvre est insolite en ce sens qu’aucune nation au monde n’a osé assumer la torture comme pratique légale et parfaitement justifiable.

L’Inquisition, elle, a osé. Pendant plusieurs siècles, à partir du XIVe, la torture a été un instrument d’investigation tout à fait légitime. On recourait à la torture quand le crime, à défaut de preuves, était considéré comme probable, quoique non certain. Même les témoin pouvaient être torturés, en cas de contradictions. On torturait aussi bien des fillettes de treize ans que des femmes de quatre-vingts. Comme on ne pouvait infliger la torture qu’une seule fois, les inquisiteurs – qui appliquaient respectueusement la loi dans toute sa rigueur – avaient créé le subterfuge de l’ajournement de la session, pour pouvoir reprendre par la suite lês séances de tortures. La suppression de l’héritage du condamné était prolongée jusqu’à la troisième génération. Et si l’accusé échappait par la fuite à l’Inquisition, ou mourait avant d’être jugé, il était exécuté en effigie, c’est-à-dire qu’on brûlait son image. Même la mort n’épargnait pas le bûcher au malheureux!

Allons aux sources, c’est-à-dire au Directorium Inquisitorum:

On torture l’accusé afin de lui faire confesser ses propres crimes. Voici les règles que l’on doit suivre pour pouvoir recourir à la torture. On ordonne la torture pour:

1. Un accusé qui se contredit dans ses réponses, ou qui nie le fait principal.

2. Celui qui, parce qu’il a la réputation d’être hérétique, ou que la preuve de as diffamation a été déjà apportée, a contre lui un témoignage (fût-il unique) affirmant qu’on l’avait vu faire ou dire quelque chose de contraire à la foi; il s’ensuit qu’un témoignage ajouté à une mauvaise réputation antérieure de l’accusé constitue déjà une demi-preuve et est un indice suffisant pour qu’on ordonne la torture.

3. Au cas où ne se présenterait aucun témoin, mais où, à la diffamation, s’ajouteraient d’autres indices forts, fût-ce un seul, on devrait aussi recourir à la torture.

4. S’il n’y a pas d’accusation d’hérésie, mais s’il y a un témoin qui dise avoir vu ou entendu faire ou dire quelque chose de contraire à la Foi, ou s’il apparaît de forts indices, un ou plusieurs, c’est suffisant pour qu’on procède à la torture. Il s’ensuit la formule de la sentence de torture : «Nous, F..., Inquisiteur, etc., considérant avec attention le processus instruit contre toi, voyant que tu as varie dans tes réponses et qu’il y a contre toi des preuves suffisantes, afin de tirer de ta bouche toute la vérité, et pour que tu ne fatigues plus les oreilles de tes juges, nous jugeons, déclarons et décidons que tel jour, à telle heure, tu seras soumis à la torture.»


Longues sont les digressions d’Eymerich sur la torture. En voici quelques-unes.

Une fois lue la sentence de torture, et pendant que les tortionnaires se préparent à l’exécuter, il convient que l‘Inquisiteur et d’autres gens de bien fassent de nouvelles tentatives pour pousser l’accusé à confesser la vérité. Les bourreaux procèderont au déshabillage du criminel avec un certain trouble, avec précipitation et tristesse, afin de le terrifier de la sorte ; dès qu’il aura été dénudé, qu’on le prenne à part et qu’on l’exhorte de nouveau à avouer. Qu’on lui promette la vie sauve à cette condition – à moins qu’il ne soit relaps, auquel cas on ne peut la lui promettre. Si tout cela se révèle inutile, qu’on le conduise à la torture, au cours de laquelle il sera soumis à un interrogatoire, en commençant par les articles les moins graves dont il est suspect, afin qu’il confesse les fautes légères de préférence aux plus graves. Au cas où il s’obstinerait toujours à nier, qu’on lui mette sous les yeux les instruments d’autres supplices et qu’on lui dise que, à moins de confesser toute la vérité, il va les subir tous. Si pour finir l’accusé ne confesse rien, on peut continuer à le torturer un deuxième jour et un troisième jour, mais à la condition de suivre l’ordre des supplices, et de ne pas répéter ceux qui ont déjà été pratiqués, car on ne peut les répéter tant que n’apparaissent pas de nouvelles preuves (mais il n’est pas interdit, en ce cas, de poursuivre dans l’ordre).

Si l’accusé a supporté la torture sans rien confesser, l’Inquisiteur doit le remettre en liberté au moyen d’une sentence dans laquelle il constatera que, après un examen attentif de son procès, on n’a trouvé aucune preuve légitime contre lui, relativement au crime dont il a été accusé.

C’est-à-dire que, si le malheureux n’a pas avoué, ou n’a rien à avouer et n’a rien contre lui, il est relâché et tout s’arrête là. Selon l’inquisiteur Bernard Gui, «l’inquisiteur doit être diligent et plein de ferveur dans son zèle pour la vérité religieuse, pour le salut des âmes et pour l’extirpation des hérésies». En 1634, à Loudun, les inquisiteurs ont torturé avec diligence – et même avec amour ! – Urbain Grandier, avant de le livrer au bûcher. L’exorciste jésuite Jean-Joseph Surin a beaucoup souffert de n’avoir pu arracher à Urbain Grandier un Abjuro, ce qui aurait au moins sauvé son âme. Parce que le corps, lui, était de toute façon condamné aux flammes.

La diligence et la ferveur des Inquisiteurs ont été telles qu’ils ont même envoyé au bûcher une vierge de dix-neuf ans, en 1431, à Rouen. Elle s’appelait Jeanne d’Arc, et elle est aujourd’hui une sainte de cette même Église qui l’a brûlée...

Il n’est donc pas vrai que, comme le prétend Clara, on ait torturé en secret au fond des prisons. En vérité, Mirbeau n’avait pas besoin de transporter ses fersonnages en Orient pour faire l’éloge de la torture. Je m’en suis rendu compte dans les années 1980, quand j’ai visité à Tolède une exposition itinérante, intitulée «Instruments de torture, du Moyen Âge à l’époque industrielle». Leur accumulation, dans le musée,n’avait rien à envier au jardin de Mirbeau!

En parcourant les ruelles de l’antique capitale espagnole, j’ai demandé à un passant où se trouvait le musée des tortures. Une brave dame a d’abord hésité à me donner l’information. «Nous avons une cathédrale imposante, pourquoi n’allez-vous pas la visiter?» La cathédrale de Tolède est en effet imposante, et je l’avais visitée. Maintenant je voulais savoir comment elle avait été construite. Les informations qui suivent sont extraites du catalogue de l’exposition.

Dès l’entrée régnait, souveraine, la Demoiselle de Fer. Pour qui a déjà vu de vieux films d’horreur, rien de nouveau. La Demoiselle en question est une espèce de sarcophage à deux portes, dans l’intérieur desquelles sont fixés des clous qui s’enfoncent dans le corps de la victime quand on ferme l’appareil. Elle a été fort en usage à partir du seizième siècle et possède des raffinements: les clous sont fixés de manière à ne pas léser les organes vitaux, car il n’y aurait décidément aucun charme à ce que le sarcophage mal fermé tue la victime...

La chronique de l’époque dit, à propos d’un faux monnayeur soumis aux embrassements de la Demoiselle: «Les pointes les plus aiguës s’enfonçaient dans ses bras, dans ses jambes, à plusieurs endroits, et dans le ventre et la poitrine, et dans la vessie et à la racine du sexe, et dans les yeux, les épaules et les fesses, mais pas au point de le tuer; et il est resté ainsi à hurler et à se lamenter pendant deux jours, au terme desquels il est mort.» Dans les films d’horreur de notre adolescence, le héros trouvait toujours le moyen d’échapper aux bras de la Demoiselle. Mais il n’en allait pas de même au Moyen Âge...

Dans la même salle on rencontrait encore la hache et l’épée à décapiter, instruments qui avaient animé de grandes fêtes publiques en Europe centrale et dans les pays nordiques il y a quelque 150 ans. Aujourd’hui encore la télévision ou les journaux nous montrent que l’on pratique cet art antique dans les pays orientaux. Si le burreau était habile, la victime avait de la chance. Dans le cas contraire, c’est dans sa propre chair qu’elle devait souffrir des diverses tentatives de l’apprenti-bourreau...

Continuons! Toujours dans l’entrée du musée, solennelle et sinistre, se dresse la guillotine qui, pendant la Révolution Française, fut considérée comme un instrument d’humanisation de la peine de mort, au point de mériter le surnom d’amie du peuple. Louis XVI et Marie-Antonette, en 1793, avaient mérité son hommage, après quoi on se mit à appeler la machine la louisette. Son inventeur, le médecin français Joseph-Ignace Guillotin, aurait été par la suite soumis à sa propre invention, mais cela n’est pas historiquement fondé, puisqu’il est mort dans son lit en 1821. Ce qui est vrai, en revanche, c’est que la guillotine n’a été abolie en France que sous le règne de Mitterrand. Rien à voir, donc, avec le Moyen Âge, mais ce n’en est pas moins sinistre.

Villiers de L’Isle-Adam, un des précurseurs méconnus du modernisme en littérature, il y a plus d’un siècle, se souciait de nouveaux instruments de mise à mort. Dans un de ses Contes cruels, un médecin, pénétré de l’esprit de recherche des Lumières, essaie de convaincre un condamné à mort d’apporter une ultime contribution à la recherche neurologique au moment de son exécution; lui, le médecin, serait à côté de la guillotine, à côté du panier destiné à recueillir la tête du condamné. Ne pourrait-il pas – au nom de la science, bien sûr – répondre en clignant légèrement des yeux, après la chute de la lame, pour confirmer la continuité de la conscience après la séparation de la tête et du corps? Le condamné accepte la proposition, mais son geste est si vague qu’il ne permet pas au chercheur de conclure quoi que ce soit. Aujourd’hui l’on sait qu’une tête coupée, à la hache ou à la guillotine, continue d’être consciente pendant qu’elle roule et tombe dans le panier. Ce qui doit être une sensation pour le moins désagréable!

Juste après vient la roue. Tous nous avons déjà vu, dans des tableaux ou des gravures du Moyen Âge, voire dans des films qui font référence à cette époque, d’interminables séquences de corps agonisants, attachés sur une espèce de roue de charrette dressée sur un pieu. Très souvent, au cours de ma vie, j’ai vu des reproductions de telles scènes et je me suis toujours imaginé qu’on laissait là les cadavres des condamnés pour servir d’exemple et pour l’édification de la plèbe. En fait, il n’en est rien, et heureux serait le condamné s’il en était ainsi!

La roue pour déchirer – comme on l’appelait – a constitué l’instrument d’exécution le plus fréquent, après le gibet, dans l’Europe germanique, depuis le bas Moyen Âge jusqu’au XVIIIe siècle. Et son emploi est un peu plus sophistiqué que je ne l’imaginais.

La victime était allongée nue, la bouche vers le haut, par terre ou sur un échafaud, les membres écartés et attachés à des piquets ou des anneaux de fer. Sous les poignets, les coudes, les genoux et les quadriceps étaient placés des morceaux de bois. Le bourreau, en assénant de violents coups avec la roue s’employait à la briser, os après os, articulation après articulation, y compris les épaules et les quadriceps, mais en prenant toujours bien soin de ne pas asséner de coups mortels.

D’après une chronique anonyme du XVIIe siècle, la victime se transformait alors en «une espèce de grande marionnette qui gémissait et se tordait de douleur, telle une pieuvre géante à quatre tentacules, au milieu de ruisseaux de sang, de chair crue, visqueuse et amorphe, mélangée à des éclats d’os brisés».

Mais tout serait trop simple si la torture s’arrêtait là. Après avoir été brisée de la sorte la victime était détachée et allongée sur les rayons de la grande roue horizontale, au bout d’un poteau que l’on dressait alors. Ensuite les corbeaux entraient en action, arrachant de petits bouts de chair, piochant dans les yeux, jusqu’à ce que mort s’ensuive. Cela faisait du supplice de la roue l’agonie la plus longue et la plus atroce que le pouvoir était en mesure d’infliger.

À côté du bûcher se trouve l’écartèlement – dit le catalogue des horreurs que j’ai déniché dans le musée. C’était un des spectacles les plus courus, parmi tant d’autres de la même farine, qui avaient lieu quotidiennement sur les places d’Europe. Des foules de nobles et de plébéiens se délectaient avec un bon dépeçage, surtout quand c’étaient plusieurs femmes à la suite qui y devaient le subir...

Il y a aussi la cage, qui est beaucoup plus simple. On suspend la victime dans une cage de bois ou de fer, jusqu’à ce qu’il meure de froid, de faim, ou dévoré par les corbeaux. Une version encore plus simple et pratique de ce mode de mise à mort est de pendre le condamné par les pieds sur une barre horizontale, à laquelle sont également accrochés, de chaque côté, deux chiens affamés.

Puis vient la scie, fort usitée au XVIIIe siècle, et de création espagnole. À part les dents qui sont davantage espacées, elle ne diffère en rien d’une prosaïque scie à bois. À en juger par la gravure qui explique son utilisation, il m’a semblé que le bourreau de ce siècle manquait d’imagination: on suspendait en effet la victime par les pieds à une barre, et deux hommes s’employaient à la scier à partir du coccyx.

Torture idiote, pensais-je, car l’homme devait mourir dès le début du supplice. Mais quelle ingénuité était la mienne! À cause de l’inversion de la position du corps, qui garantit une oxygénation suffisante du cerveau, et empêche une perte de sang trop importante, la victime ne perdait conscience que quand la scie atteignait le nombril, et parfois même la poitrine.

Bien qu’on associe ce supplice à l’Espagne, son origine remonte à une époque à laquelle personne ne pensait en Espagne. Les lecteurs attentifs des versions anciennes de la Bible doivent se souvenir que le sage roi David (II Samuel 12:31) extermina les habitants de Rabbah et de toutes les autres villes ammonites en infligeant le supplice de la scie, ainsi que d’autres supplices sophistiqués de l’époque, à tous les habitants, hommes femmes et enfants. On l’appliquait avec prédilection aux homosexuels des deux sexes. (Dans les versions modernes de la Bible on a fort atténué cette référence à la scie, qui n’est mentionnée que comme instrument de travail...).

En Espagne, elle a été utilisée comme méthode d’exécution militaire; dans l’Allemagne de Luther, elle était destinée aux chefs des paysans révoltés; et, en France, la “justice” y condamnait les femmes possédées par Satan.

Plus loin, nous trouvons le “coin de Judas”, une pyramide de bois à la pointe aiguë supportée par un trépied. Pas besoin de beaucoup d’efforts d’imagination pour comprendre sa finalité. La victime, nue, est hissée par des cordes, de telle façon que tout son poids repose sur un point situé dans l’anus ou dans le vagin. Le bourreau, selon ce qu’ont déterminé les interrogatoires, peut modifier la pression du poids du corps et aussi le secouer à plusieurs reprises sur le coin.

Au milieu de ces instruments de mort les plus brutaux, le musée en exhibait d’autres, à l’apparence anodine, mais qui n’en avaient pas moins d’efficacité. Par exemple, les cravaches avec une boule de fer aux pointes aiguës. Son utilisation ne requiert pas de pratique ou d’habileté particulières. Mais il y a une autre cravache à l’apparence plus innocente, et qui est pourtant d’une atroce efficacité: c’est la cravache pour écorcher. C’est un fouet de cuir, avec des dizaines de cordes apparemment inoffensives. À l’extrémité de chacune de ces cordelettes il y a une pointe de fer fort aiguisée. Les cordes étaient trempées dans une solution de sel et de soufre dissous dans l’eau, de telle façon que la victime, au fur et à mesure qu’elle était fustigée, voyait sa peau se réduire à l’état de pulpe et que, à la fin du supplice, ses poumons, ses reins, son foie et ses intestins étaient exposés à la vue du public. Pendant tout ce processus, la zone affectée était humidifiée avec la solution presque bouillante...

Voici quelque chose d’encore plus prosaïque, prouvant que l’imagination pour faire souffrir son prochain est ce qui fait le moins défaut à l’être humain: un simple entonnoir et quelques seaux d’eau. La victime est inclinée, les pieds vers le bas, et on l’oblige à avaler d’énormes quantités d’eau à travers l’entonnoir, jusqu’à ce que le nez soit bouché, ce qui l’oblige à ingurgiter tout le contenu de l’entonnoir avant de pouvoir respirer une gorgée d’air. Sans même parler de la terreur de l’asphyxie, constamment renouvelée, quand l’estomac se relâche et enfle d’une manière grotesque, le supplicié penche la tête vers le bas. La pression contre le diaphragme et le coeur occasionne des souffrances inimaginables, que le tortionnaire intensifie encore en frappant l’abdomen. Cette pratique est encore en usage de nos jours, parce qu’elle est facile à administrer et qu’elle ne laisse pas de traces visibles qui la dénoncent.

Quoi d’autre encore? Car nous ne faisons qu’entrer dans le musée... En continuant, il y a les araignées espagnoles, que l’on appelle aussi les araignées de sorcières. C’est un instrument à la structure rudimentaire : des griffes métalliques à quatre pointes en forme de tenailles, que l’on utilise aussi bien froides que rougies au feu, pour hisser la victime en l’attrapant par les fesses, par les seins ou par le ventre, ou encore par la tête, en général avec deux pointes dans les yeux et les deux autres dans les oreilles...

Cette promenade est encore loin de son terme, et je ne fais que la résumer. Il y a par exemple une cigogne, également appelée “la fille de l’éboueur”. Elle est constituée de quatre tiges métalliques qui attrapent en même temps le cou, les mains et les jambes du supplicié. À première vue, ce n’est qu’une méthode de plus pour immobiliser, mais en quelques minutes la victime est assaillie de fortes crampes, qui affectent d’abord les muscles de l’abdomen et du rectum et, ensuite, les pectoraux, les cervicales et les extrémités. Au fil des heures, la cigogne produit une agonie continue et atroce, qui peut être intensifiée, selon le bon plaisir du bourreau, au moyen de coups de pied ou de poing ou de mutilations diverses.

Les menottes de fer, pour les poignets et les chevilles, je les laisse de côté. Arrêtons-nous quelques secondes devant un petit instrument d’une conception rudimentaire, mais dont les effets sont abominables. C’est un écrase-tête, certifié italien, contribution vénitienne aux arts du Moyen Âge, beaucoup utilisé de nos jours. C’est une espèce d’étau muni d’un casque, qui comprime la tête du condamné contre une barre métallique. Les commentaires sont superflus: ce sont d’abord lês alvéoles dentaires qui sont démolies, ensuite les mandibules, jusqu’à ce que le cerveau se mette à couler par les cavités des yeux et à travers les interstices des fragments du crâne...

Il existe d’autres versions plus simples du même instrument, avec la même finalité, par exemple un arc métallique qui se ferme autour de la tête, avec des clous à l’intérieur, histoire de perforer la boîte crânienne.

Il y a des techniques si élémentaires qu’elles semblent avoir été conçues par un débile mental. La tortue, par exemple: on étend la victime par terre et on pose sur elle une surface carrée de bois, sur laquelle on va empiler un poids de plusieurs quintaux. Pour accroître la souffrance, on peut ajouter, sous le dos du supplicié, une cale transversale de forme triangulaire qu’on appelle “bascule”.

Ou encore le crochet à hérétiques: une vraie trouvaille, pratique, bon marché, et extrêmement efficace! Que le lecteur imagine une espèce de fourche, avec deux pointes à chaque extrémité. Deux de ces pointes sont enfoncées profondément sous lê menton, tandis que celles de l’autre extrémité sont appuyées sur l‘extérieur. Une poignée de cuir fixe le crochet contre le cou. Le crochet, au fur et à mesure qu’il pénétrait dans les chairs, empêchait tout mouvement de la tête, mais permettait à l’accusé d’hérésie de dire, d’une voix toute faible, abjuro, mot qui était gravé sur un des côtés de l’instrument.

Ou encore le bâillon, appelé également “bavoir de fer”: c’est une sorte de collier en fer, avec une espèce d’entonnoir aplati sur la partie interne du cercle, que l’on enfonçait dans la bouche du torturé, jusqu’à ce que le collier soit fixé dans la nuque. Un petit trou permettait à l’air de passer, ce qui permettait aussi au bourreau d’asphyxier son prisonnier en obstruant le trou d’un simple geste du doigt. Giordano Bruno, une des intelligences les plus brillantes de son époque – et c’est précisément en cela que consistait son crime – fut brûlé par l’Inquisition en 1900 et auparavant soumis à l’un de ces bâillons dotés de deux longues pointes, l’une qui perforait la langue et qui ressortait par la partie inférieure du menton, tandis que l’autre perforait le palais.

Dans une autre salle du musée, aussi solennelle que la Demoiselle de Fer, se trouve une chaise pour interrogatoires, une espèce de fauteuil métallique, entièrement tapissé de clous très aigus, du dossier jusqu’au siège, y compris dans sa partie inférieure, qui continue près de la jambe et sous les pieds. On pouvait augmenter le supplice en assénant des coups secs sur les membres ou en plaçant un brasier sous le siège. Des versions modernes de cet instrument sont fort appréciées par les polices de tous les pays, et au Brésil – nous devons tous nous en souvenir – nous avons eu la chaise du dragon.

Le bûcher, nous le connaissons tous, car sans lui il n’y a pas de Fêtes de la Saint-Jean. À cette différence près que, dans ce bienheureux Moyen Âge, on ne l’utilisait pas exactement pour griller des pignons, et que l’Église s’est même payé le luxe de griller une sainte. Si vous voulez davantage de détails sur ce qui s’est passé, vous pouvez lire Gilles et Jeanne, de Michel Tournier, roman que j’ai eu l’honneur de traduire au Brésil.

Mais le bûcher, qui ne requiert que peu ou pas du tout d’art, en exigeait beaucoup à cette époque où les arts, comme on le sait, ont connu un développement extraordinaire. Les bourreaux les plus créatifs ont mis au point une version plutôt ingénieuse: la victime était attachée à une échelle, que l’on penchait au-dessus des flammes, dans le plus pur style des barbecues gauchos... Dans quelques exécutions, on attachait à la poitrine des suppliciés un sac plein de poudre.

Il y avait aussi le taureau, moyen encore plus sophistiqué. Il s’agissait simplement d’un taureau de métal, dans lequel on plaçait le condamné. Après quoi on allumait dessous un bûcher, et le taureau se mettait à mugir, histoire d’amuser le public. Il paraît que, dans des versions orientales de cet instrument, un système complexe de
tubes transformait en une espèce de musique les hurlements du malheureux...

Voici maintenant le poulain, d’origine italienne. Nous en aurons tous vu, ne serait-ce que dans des revues ou de petits tableaux, car il est devenu un des instruments les plus symboliques des souterrains de l’Inquisition. C’est une table où le condamné est attaché par les pieds et les mains et où l’on passe un cabestan pour étirer ses membres. Des témoins anciens citent des cas où on a pu allonger ainsi un être humain de plus de trente centimètres, grâce à la désarticulation des bras et des jambes, au démembrement de la colonne vertébrale et au déchirement des muscles des extrémités, du thorax et de l’abdomen, et tout cela, bien sûr, avant la mort du patient...

Pour leur part, les femmes méritaient bien des attentions et des instruments spécifiques, qui tous mutilaient leurs organes sexuels. Des tenailles incandescentes pour leur écraser les mamelons, des griffes pour leur déchirer les seins ou les fesses, etc. Une trouvaille digne d’être mentionnée: la poire, objet en bois en forme de poire, que l’on introduisait dans le vagin des pécheresses ou dans l’anus des homosexuels; après quoi, au moyen d’une vis, on ouvrait la poire en quatre pour lui donner le maximum d’extension.

Le défilé d’horreurs de notre jardin se poursuit, je ne les ai pas tous compilées, et je crois que même ceux qui ont organisé l’exposition du musée de Tolède ne parviendront pas à cataloguer tous les moyens que l’homme a créés pour faire souffrir son prochain. Mais, avant de conclure, je prends la liberté de citer encore cette merveille qui permet de vérifier à coup sûr si une femme est une sorcière ou non. On attachait l’accusée par les mains et les pieds et on la jetait dans une rivière. La vérification était immédiate et d’une clarté limpide: comme l’eau est un élément pur et innocent, si la femme est une sorcière, la rivière la rejettera et la fera flotter, et il n’y aura plus qu’à conduire la femme au bûcher et à la brûler ; si au contraire l’eau acceptait la femme, celle-ci se noyait, mais du moins son innocence était-elle prouvée...

Mirbeau a préféré situer son jardin en Chine. Néanmoins, nous, les occidentaux, nous ne devons rien à la Chine en matière d’art de la torture et de la mise à mort. Faisans et paons mis à part, son jardin chinois, c’est aussi le nôtre!

quarta-feira, março 26, 2008
 
BRASIL PERDE CHANCE HISTÓRICA



Um avião Learjet, da Força Aérea Brasileira (FAB), fez um pouso de emergência no Aeroporto Internacional Gilberto Freyre, no Recife, no início da tarde de hoje. Seis pessoas estavam na aeronave, sendo três tripulantes e os ministros das Comunicações, Hélio Costa, e da Integração Social, Geddel Vieira Lima, além do Superintendente da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Paulo Fontana. Ninguém ficou ferido.

 
Miracolo in Trento:

ARCEBISPO PROÍBE COLETA
PARA CONSTRUIR MESQUITA


Quando afirmo que a Igreja Católica é uma das grandes responsáveis pela invasão muçulmana da Europa, nunca falta quem me pergunte quais as fontes dessa informação. Ora, as fontes são os jornais europeus. Mas a denúncia mais veemente foi sem dúvida a feita por Oriana Fallaci, em La Forza della Ragione:

“Esta Igreja Católica que, com o pretexto do “queiramo-nos-bem”, não se limita a exercer a Indústria da Beneficência da qual falei. Isto é, a indústria graças à qual recebe os imigrados muçulmanos quando desembarcam, os esconde em seus albergues, lhes procura asilo político e subsídios estatais, além de bloquear suas expulsões ou obstaculizá-las... Na França, por exemplo, lhes cede inclusive os conventos e as igrejas. Lhes constrói inclusive as mesquitas. (Em Clermont-Ferrand foi o próprio bispo Dardel quem cedeu aos imigrantes muçulmanos a grande capela das irmãs de São José, segundo conta Alexandre del Valle. Capela que eles transformaram imediatamente em mesquita. Em Asnières-sur-Seine foi a Congregação Católica que vendeu aos imigrantes muçulmanos os edifícios mais belos, edifícios nos quais eles construíram uma mesquita com uma escola corânica ao lado. Em Paris foram os sacerdotes Gilles Couvreur e Christian Delorme os que apoiaram a fundação do Instituto Cultural Islâmico da Rue Tanger, instituto dirigido pelo fundamentalista argelino Larbi Kechat, mais tarde preso por seus vínculos com a Al-Qaeda. Em Lyon foi o cardeal Decourtray quem mandou construir a Grande Mesquita...) Esta Igreja Católica que, no fundo, está de acordo com o Islã, porque os padres se entendem entre eles. Esta Igreja Católica sem cujo imprimatur o Diálogo, perdão, o Monólogo Euro-Árabe não teria sequer começado nem se mantido durante já mais de trinta anos. Esta Igreja Católica que cala inclusive quando o crucifixo é ofendido, humilhado, definido como um cadaverzinho desnudo, retirado das aulas ou jogado das janelas dos hospitais. Quem além disso cala sobre a poligamia, sobre o repúdio e sobre a escravidão”.

Este livro da Fallaci não foi traduzido no Brasil e certamente jamais o será. Como também não foi traduzido La Rabbia e l'Orgoglio, outra denúncia contundente da islamização acelerada da Europa. A filosofia politicamente correta de nossos editores impede que as denúncias da escritora italiana cheguem ao Brasil.

Enquanto isso, um milagre parece ter acontecido na Itália. O arcebispo de Trento, Luigi Bressan, ordenou interromper a coleta iniciada em uma igreja da cidade para ajudar a comunidade islâmica local a construir uma mesquita onde os fiéis muçulmanos pudessem rezar. O frade capuchinho Giorgio Butterini, que havia pedido ajuda aos fiéis da igreja Santíssima Trindade para construir o templo muçulmano, declarou aos jornais italianos que a decisão do prelado era “uma desagradável surpresa”. O frade tem a intenção de entregar ao imã Aboulkheir Breigheche os mil euros arrecadados desde o início da coleta, com a qual pretendia promover uma “Semana Santa interreligiosa”.

Don Bressan que se cuide. Qualquer dia ainda acaba recebendo advertência do Vaticano sobre sua intolerância em relação aos irmãos muçulmanos.

 
SOBRE VOLTAR



Janer

Em 1998, uma recrutadora de mão de obra com sede nos EUA levou
milhares de graduados em várias especialidades, especialmente T.I., para
os EUA, GB., Austrália, etc. Poucos voltaram. Foram contratados
regularmente, como pessoas normais, com boa formação profissional e não
como invasores sorrateiros. Estão vivendo melhor. Sua qualidade de vida
é impensavelmente superior ao que teriam por aqui, trabalhando nas
mesmas especialidades e funções. (Salários, saúde, segurança, conforto,
reconhecimento). Esta é a realidade...

Os lavadores de pratos estão sofrendo a concorrência do lixo europeu,
proveniente da Romênia, Rússia, Albânia, Kosovo, Polônia, etc. Lavar
pratos, tomar conta de crianças,cumprir jornadas absurdas, ouvir ofensas
e agressões nas cozinhas dos hoteis, restaurantes e lares europeus está
muito mais dificil para os latinos e brasileiros. Entretanto, há vagas
bem-remuneradas para engenheiros, profissionais de informática,
médicos e até profissionais de ofícios menores como eletricistas e
soldadores. Para "modelos", "artistas de rua", "ajudantes gerais",
"jogadores de futebol" e vagabundos diversos, a coisa está ruim.
O Brasil continua e continuará maior do que a patifaria dos governantes
e da intelligentsia brasileira.

A Pátria segue sendo amada, a nação indefinida e o país uma m...
Esperanças, muitas. Mas o meu futuro, assim como o teu, já está
passando. A turma que aqui chegou nos ventos dos anos quarenta, ouviu a
lenga-lenga quanto ao "País do Futuro". Não viveremos para nos
orgulharmos tanto quanto quisemos ou até merecemos. É uma pena. Na
próxima eleição o "monturo brasiliensis" não vai mudar. Vai sim,
continuar fermentando e suas moscas mantendo-se em sucessão hereditária.

Abraços

Raul

terça-feira, março 25, 2008
 
DÁ PRA VOLTAR


Leio nos jornais que, em 2006, 11,3 mil brasileiros foram mandados de volta do Reino Unido, uma média de 31 brasileiros por dia. Desse total, 4,9 mil foram barrados nas fronteiras e 6,3 mil, deportados. No mesmo ano, a Espanha impediu a entrada de cerca de 7,7 mil brasileiros. O cálculo foi feito segundo estimativa da polícia espanhola que indica que 40% dos 19,2 mil barrados no aeroporto de Barajas, a principal porta de entrada na Espanha, vêm do Brasil. A soma das estatísticas disponíveis em três dos principais destinos de brasileiros indica que pelo menos 21,9 mil foram expulsos do Reino Unido, da Espanha e dos Estados Unidos em 2006. A soma inclui barrados nas fronteiras e deportados após um período de ilegalidade.

Assim sendo, não é fácil entender a santa indignação que tomou conta das autoridades brasileiras, quando alguns gatos pingados brasileiros foram barrados no aeroporto de Barajas. Dona Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy Favre praticamente afirmou que todo brasileiro que vai à Espanha em busca de trabalho clandestino tem de ter respeitado seu direito – adquirido? – ao trabalho clandestino. Também afirmou – pelo que se pôde deduzir de suas sandices - que a Espanha não tem o direito de barrar os estrangeiros que não quer em seu território.

Eu também migrei um dia. Foi no início dos anos 70. Percorri toda a Europa e escolhi um país para ficar, a Suécia. Minha pretensão era não mais voltar. Eu não fugia exatamente da ditadura. Fugia, isto sim, do país do carnaval e do futebol. Havia um outro problema. No diário Associado em que trabalhava, como redator, ganhava apenas oito cruzeiros a mais que o contínuo. Certamente seria mais valorizado lá fora. Ocorre que meu instrumento de trabalho era a língua. Lá vivi um ano, aprendi a língua do país, mas não a ponto de usá-la com perfeição. Olhei, vi... e voltei. Voltei quando chegou a hora de lavar pratos. Nunca lavei pratos em minha casa, não iria lavá-los para suecos. Ganharia três ou quatro vezes mais que um jornalista no Brasil. Mas considerei que não havia nascido para lavar pratos.

Internationella diskare, era como eu os chamava em sueco: lavadores internacionais de pratos. Conforme a temporada, lavavam pratos ora na Escandinávia, ora na Alemanha, ora na França. Tinham contatos na Europa toda e conseguiam levantar uma boa grana no decorrer do ano. Conheci gaúchos de famílias ricas do Sul – um deles era Eberle – que trabalhavam 16 horas por dia em diskas (lavagem de pratos) no verão sueco, e com o ganho viviam o resto do ano nas Islas Baleares ou Canárias, na Espanha. É uma opção. Mas não era a minha.

Conheço de muito perto uma moça que por cinco meses trabalhou em Wisconsin como camareira. Ganhava bem e com o que ganhou atravessou os Estados Unidos de leste a oeste. Mas teve o bom senso de voltar. Hoje trabalha na revista mais importante do Brasil. Ganha menos do que quando arrumava camas nos States. Mas logo entendeu que arrumar camas ou lavar pratos não leva a nada. Essa moça é minha filha e creio que fez a boa opção. Arrumando camas ou lavando pratos, você pode até ganhar bem. Mas acabará convivendo apenas com pessoas que arrumam camas ou lavam pratos. Não é o melhor ambiente intelectual para quem quer entender o mundo e a vida. George Orwell viveu esta experiência e a relatou em Down and Out in Paris and London, quando trabalhou como plongeur. Se se contentasse com seus ganhos em trabalho servil, não teríamos 1984.

Ainda nos anos 70, hospedei-me certa vez no Grand Hotel Saint-Michel, na rue Cujas, em Paris, que de Grand só tinha o nome. Hotel de uma estrela, precário e desconfortável, era muito procurado por brasileiros. Era gerido por madame Salvage, que tive a suprema honra de conhecer. Segundo a lenda, teria sido a querida de Diego Rivera, Pablo Neruda e Jorge Amado. Entre outros. Certa noite, ao voltar, o porteiro noturno dormia num catre, na portaria do hotel. Acordou, ergueu-se aos poucos e me pareceu reconhecer aquela calva que se erguia na semi-escuridão. Era uma calva familiar, a de Gerd Bornheim, meu professor de filosofia durante quatro anos na Ufrgs, Porto Alegre.

Fiquei perplexo. Gerd havia sido compulsoriamente aposentado pela ditadura, em 1969. Mas não estava proibido de lecionar no Brasil. Muito menos estava ameaçado de prisão. Até hoje não consegui entender como um intelectual de seu porte – sem entrar no mérito do que pensava ou não pensava – conseguia submeter-se a ser porteiro noturno de um hotel mixuruca em Paris. Enfim, Gerd acabou voltando e passou a lecionar na Uferj.

Esta pobre gente, que foge do próprio país em busca de salário decente, eu os vi em Estocolmo, Berlim, Paris, Londres, Roma, Madri. Vivem de modo geral como clandestinos, sempre assustados ao sair à rua, temendo ser deportados a qualquer momento. Ora, isto não é vida. Há quem não possa voltar. Em Londres, tive notícias de uma nordestina analfabeta, tanto em inglês como em português, mas que ganhava muito bem como faxineira. Jamais conseguiria ganhar no Brasil o que ganha na Inglaterra. É pessoa escrava de sua insciência.

Nunca tive grandes ganhos como jornalista. Meus dias de melhor salário foram os de professor universitário. Mas estes não foram meus melhores dias. Quando ganhava menos, me divertia mais. Esta brava gente brasileira que migra para lavar pratos e ofícios similares no estrangeiro não é constituída por brutos que só serviriam de mão-de-obra na construção civil. São pessoas com certo nível de instrução, muitos com curso universitário. O migrante é sempre um homem diferenciado. Quer melhor futuro para si e para os seus.

Mas não me parecem muito inteligentes. O Brasil, apesar dos pesares, apesar de todas minhas restrições, é país onde se pode viver. Penso que um emigrado de Rwanda, Congo ou Sudão, se consegue chegar a país decente, não tem razão mais alguma para voltar. Para o Brasil, dá para voltar. Os exilados de 64, que juravam só voltar ao país de metralhadora em punho e para tomar posse do poder, voltaram sem metralhadora alguma, e muitos chorando.

Imigrante não se engana. Mesmo este país precário em que vivemos ainda atrai migrantes de todos os quadrantes. Eu, que não consigo ver futuro viável para o Brasil, tenho de considerar que o país tem suas virtudes. Ainda há ilhas onde se consegue viver bem. Assim sendo, não consigo entender muito bem esta opção dos lavadores internacionais de pratos, que imploram à Europa ou Estados Unidos o direito a um trabalho servil.

segunda-feira, março 24, 2008
 
O INIMIGO SUEZ



Fiz duas palestras nas Faculdades Campo Real, de Guarapuava. Uma para universitários, outra para professores universitários. Em ambas, comecei com a pergunta que costumo começar minhas palestras: que aconteceu no dia 9 de novembro de 1989?

Na palestra para os universitários, ninguém soube responder. Tenho repetido esta pergunta sempre que faço alguma palestra e a resposta é o silêncio. Na palestra para professores, apenas um soube responder. Era um professor italiano. Pelo que tenho observado, no Brasil ninguém mais lembra do que ocorreu no dia 9 de novembro de 1989.

Minha palestra para os universitários era sobre jornalismo. Contei então uma grande piada, publicada pela Folha de São Paulo, no dia 03 de outubro de 2001. Piada para qualquer pessoa medianamente culta. Para o jornal, a abordagem do assunto se pretendia séria.

Uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso versava sobre o abate de aviões clandestinos sobre o território nacional. "Precisamos fazer um esforço grande para controlar o terrorismo, que é um inimigo suez" - assim redigiu a repórter a declaração do presidente. A moça, que desconhecia o adjetivo soez, escreveu como pensou ter ouvido e resolveu esclarecer o leitor, que talvez não soubesse o que significava suez: "FHC se referia aos combatentes egípcios que lutaram contra os israelenses na região de Suez, em 1973, e atacavam seus oponentes por meio de túneis subterrâneos abandonados, de surpresa: ninguém sabe de onde vem".

Explicação mais que oportuna, já que nem mesmo eu saberia dizer o que significa suez como adjetivo. Ora, diria o jovem editor, o presidente se permite tais palavras porque é um erudito. Acontece que não se exige erudição de ninguém para falar em soez. As gerações novas, hostis à leitura e viciadas pelo parco vocabulário televisivo, não mais conhecem palavras elementares do vernáculo e ainda se julgam no dever de elucidar para o leitor vocábulos de cujo significado apenas suspeitam. Com este material humano, que sequer conhece a própria língua, faz-se jornalismo. Pois jornalismo, hoje, só pode exercer quem faz curso de jornalismo.

Esperei da platéia uma explosão de gargalhadas. Ninguém riu. Contei então outra gafe clássica da Folha, a história dos perdigotos. A notícia era sobre a epidemia de uma gripe, que se disseminava por perdigotos. O repórter, ciente de sua ignorância, fez o que deveria fazer: consultou o dicionário. Só que ficou na primeira acepção da palavra. Os leitores foram então informados que a gripe era transmitida por filhotes de perdiz. O cidadão urbano foi tranqüilizado. Como nas urbes não existem perdizes, muitos menos filhotes das ditas, não havia porque temer a gripe.

De novo, ninguém riu. De onde concluo que meus interlocutores não tinham a mínima idéia do que significasse soez ou perdigotos.

 
EM LOUVOR DO MOSQUITO


Não do mosquito da dengue, é claro, esta vergonha nacional. Falo de um outro mosquito, salutar e benéfico, que ataca na Inglaterra. Trata-se de um aparelho que emite um som de baixa freqüência, que só pode ser ouvido por menores de 25 anos. Seu zumbido irrita os jovens e o aparelho já foi instalado por cerca de 3.500 comerciantes em seus quiosques.

Você está irritado com o barulho dos jovens? Basta acionar o aparelhinho. O Comitê para a Infância da Inglaterra e o grupo de direitos Liberty querem proibir o mosquito. Mas o governo saiu em seu apoio, respaldado pelo ministério do Interior britânico.

A empresa que fabrica e distribui os aparelhos, Compound Security Systems, protegeu-se com estudos que demonstram que os mesmos não são nocivos à saúde, embora o ruído seja irritante, e consideram que sua utilização não é uma violação dos direitos humanos das crianças.

O inventor do mosquito é Howard Stapleton, que mereceu em 2006 o Ig Nobel. Descobriu quando, jovem, acompanhou seu pai a uma fábrica que ele dirigia e logo ao entrar teve de sair, pois não conseguia suportar o nível de ruído. Os adultos estranharam sua saída, pois não ouviam nada. Era o ruído das máquinas da fábrica, do qual os funcionários não se queixavam nem protegiam os ouvidos. Engenheiro eletrônico, Stapleton intuiu o princípio da coisa e concebeu o aparelhinho.

Ou seja, um prêmio Ig Nobel pode ser mais útil à sociedade do que um Nobel. Nós, adultos, sempre precisamos de alguma proteção contra os jovens. A humanidade, penhorada, agradece Stapleton.

domingo, março 23, 2008
 
Y REPETIMOS LA SÉTIMA!


Ramón María del Valle-Inclán (1866-1936) foi um dramaturgo, poeta e novelista galego, criador do gênero literário conhecido como esperpento, que teria o grotesco como forma de expressão e buscava deformar sistematicamente a realidade. Este novo estilo teatral teria se originado em um bar situado nas proximidades de Puerta del Sol, cuja característica mais chamativa era a fachada, ornada como espelhos côncavos e convexos que deformavam a imagem dos passantes e serviu de inspiração para Valle-Inclán. A deformação da realidade bem podía ser divertida, como o era para os transeuntes, mas também podia converter-se em um espelho social, em uma deformação exagerada da realidade.

Autor pouco conhecido no Brasil, creio que entre nós só foi traduzida sua novela mais importante, Tirano Banderas. Personagem singularíssimo, em 1892, Valle-Inclán realizou sua primeira viagem à América, mais precisamente ao México. E por que ao México?

- Porque se escribe com equis (x) – disse Valle-Inclán.

Em 1899, em uma briga com um jornalista no Café de la Montaña, foi ferido no braço esquerdo com uma bastonada. A ferida gangrenou e o escritor perdeu o braço. Em 1921, foi convidado para uma nova viagem ao México, desta vez pelo presidente do país, Álvaro Obregón. Que, por sua vez, não tinha o braço direito. Em uma peça de teatro, ambos sentaram-se na primeira fila, lado a lado. Na hora de aplaudir, Valle-Inclán não teve dúvidas:

- Presidente, presteme su mano para que aplaudamos.

Já contei, creio que há mais de ano. Sempre que vou a Madri me hospedo no Hotel Inglés, que fica na Calle de Echegaray. José Echegaray, personagem polêmico de fins do século XIX, era engenheiro, matemático, dramaturgo, político... e recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1904. Valle-Inclán, que vivia na mesma rua, dava como endereço Calle del Viejo Idiota. E consta que mesmo grafando assim o endereço, recebia correspondência.

Enfim, lembrei-me do autor em função da crônica anterior, na qual comentava entrevista de uma sexóloga, que via perversão na compulsão sexual exagerada. Certa ocasião, falando de suas conquistas amorosas, escreveu Don Ramón:

- Hicimos siete homenajes a Venus. Y repetimos la sétima.

sábado, março 22, 2008
 
PSICOTERAPEUTAS VÊEM
DOENÇA ONDE HÁ SAÚDE



Essa, agora! Leio entrevista com três psicoterapeutas que definem pessoas com uma sexualidade mais exigente como tarados, pervertidos, ninfomaníacos ou depravados. Ser entusiasta do bom esporte passa a constituir algum tipo de patologia do sexo. “Mais conhecida como compulsão sexual, esse transtorno atinge homens e mulheres, sem distinção de idade”. Segundo a sexóloga Maria Cláudia Lordello, o desejo sexual hiperativo acaba resultando em uma inquietude da pessoa. "Isso a impede de fazer outras coisas importantes da vida. Tarefas cotidianas como trabalho, estudo e vida familiar acabam ficando comprometidas, pois ela deixa de realizá-las para fantasiar ou mesmo para vivenciar esses desejos".

É curioso observar como comportamentos que admiramos no mundo da ficção ou em pessoas famosas viram vício quando cultivados pelo comum dos mortais. Don Giovanni, por exemplo. Até hoje, a famosa listina de Leporello fascina multidões em todos os salões de ópera do mundo.

Madamina!

Il catalogo e questo,
Delle belle, che ano il padron mio!
Un catalogo egli e ch'ho fatto io:
Osservate, leggete con me!

In Italia seicento e quaranta,
In Allemagna duecento trentuna;
Cento in Francia, in Turchia novantuna,
Ma, ma in Ispagna, son gia mille e tre!


Verdade que Mozart, para satisfazer uma Áustria puritana, acabou jogando Don Giovanni nos infernos. Mas o personagem que nos fascina é o galantuomo ante o qual cedem todas as mulheres e não aquele que o Commendatore manda para os abismos.

V'han fra queste contadine.
Cameriere cittadine;
V'han Contesse, Baronesse,
Marchesane, Principesse,
Ev'han donne d'ogni grado,
D'ogni forma d'ogni eta.

Nella bionda, egli ha l'usanza
Di lodar la gentilezza,-
Nella bruna la costanza,
Nella bianca la dolcezza!
Vuol d'inverno la grassotta
Vuol d'estate la magrotta;
E la grande, maestosa;
La piccina, ognor vezzosa.


Certo, Don Giovanni é um ente de imaginação. Mas se como ente de imaginação nos fascina é porque seus feitos nos fascinam. Così ne consolò mile e ottocento, diz Leporello.

Delle vecchie fa conquista
Per piacer di porle in lista:
Sua passion predominante
E la giovin principiante
Non si picca, se sia ricca,
Se sia brutta, se sia bella!
Purche porti la gonnella,
Voi sapete quel che fa!


Se você, pobre mortal de carne e osso, tenta consolar não digo mil e oitocentas, mas pelo menos algumas centenas, você deve ser um tarado, pervertido, ninfomaníaco ou depravado. Enfim, deixemos de lado o mundo da ficção. Não terão sido poucos os homens que terão tido mais de mil mulheres. Afinal, se nossos jantares e vinhos memoráveis se contam em quatro dígitos, porque o mesmo não ocorreria com as mulheres? Comentarei dois casos dos mais notórios.

CASANOVA - Para começar, Giacomo Casanova di Seingalt (1725 - 1798). Que, aliás, teve um encontro com Lorenzo da Ponte, o libretista da ópera de Mozart. Cidadão da Sereníssima República de Veneza, lista em suas Memórias algo em torno de duas mil mulheres, que perseguiu a cavalo e em diligência, de Madri e Londres a Moscou, na segunda metade do século XVIII. Quem for procurar o verbete na Internet, vai encontrar referência a 122 ou 123 mulheres. Isso é bobagem, cifra de qualquer moleque contemporâneo.

Aos sessenta anos, Giacomo Casanova aceita o convite do conde Emanuel de Waldstein para organizar a sua biblioteca e escrever as suas memórias. Os dias do veneziano acabam no palácio de Dux, na Boêmia, ao norte do território checo, onde encontrou teto, alimento e tempo para escrever. “Agora que não posso mais viver, sento e escrevo sobre o que vivi”. Sem jamais ter pretendido fazer literatura, Casanova entra na História da Literatura, em função de sua vida aventureira. Freqüentou cortes e bordéis, prisão e caserna, clero e políticos, conventos e salões literários. Quem quiser se debruçar sobre o século XVIII - seja historiador, seja sociólogo, seja mero curioso - terá em Casanova um excelente guia. Na edição brasileira (Rio, Livraria José Olympio Editora, 1957), suas Memórias abrangem dez volumes. “Sei que existi, porque senti; e, dando-me o sentimento este conhecimento, sei igualmente que deixarei de existir quando cessar de sentir. Se me acontecer sentir depois de morto, não duvidarei de mais nada; mas darei um desmentido a todos aqueles que me virão dizer que estou morto”.

Apesar de busca frenética de mulheres – que o caracterizaria como tarado, segundo as nossas sexólogas – teve vida intelectual intensa. Diz Agrippino Grieco no prefácio às Memórias:

“Se procurassem em Casanova o intelectual, o erudito, encontrariam o matemático preocupado com a duplicação do hexaedro e a quem Charles Henry consagrou longo estudo que põe insones os amadores de raridades bibliográficas; o crítico, o filólogo, o escoliaste que esmiuçou as idéias de Homero e traduziu a Ilíada em oitavas à maneira de Boiardo e Tasso; o escritor clássico capaz de efigiar mentalmente um d’Alembert e de fornecer pitorescos detalhes sobre a intimidade do trágico Crébillon e seus gatos; o humanista à altura de discutir com Voltaire e forçá-lo a recuar em mais de um conceito sobre as letras transalpinas. (...) Jogador, sonetista satírico, duelista, marinheiro, antiquário, jurista, naturalista, dando-se à magia para engodar os tolos, foi também agente secreto dos Inquisidores e correu as estradas da Europa quando estas se achavam cheias de mascates da arte, titereiros, mímicos, músicos, dançarinos, de negociantes de perfumes, de jesuítas que haviam largado o hábito, de militares alugados, de inúmeros cavalheiros de indústria e não cavaleiros da Távola Redonda”.

Paradoxalmente, escreveu um tratado do pudor e começou a redigir um dicionário de queijos. Escreveu também uma novela utópica, Icosameron.

“Cultivar o prazer dos sentidos foi sempre minha principal preocupação; nunca encontrei outra coisa mais importante. Sentindo-me nascido para o belo sexo, sempre o amei e por ele me fiz amar quanto pude. Apreciei também os bons manjares com transporte, e sempre me apaixonaram todos os objetos capazes de me excitar a curiosidade”.

Se Don Juan pertence ao território do mito, Casanova faz parte da história. Lenda ou realidade, ambos passaram a ser considerados gênios do amor. Com uma diferença: enquanto Don Juan conquista e vence as mulheres, deixando atrás de si um rastro de ódio e despeito, Casanova não quer humilhar ninguém. É uma festa para suas parceiras, que não hesitam em convidar filhas e irmãs para o bom folguedo. Em seus dias em Dux, confessa:

“Não me quererão mal quando me virem esvaziar a bolsa de meus amigos para atender aos meus caprichos, pois esses amigos tinham projetos quiméricos, e, fazendo-os esperar o êxito, esperava eu mesmo curá-los desenganando-os. Enganava-os para torná-los prudentes, e não me considerava culpado, pois nunca agia movido por espírito de avareza. Para custear meus prazeres, empregava somas destinadas à obtenção de posses que a natureza não possibilita. Se hoje estivesse rico, sentir-me-ia culpado; mas nada possuo, tudo esbanjei, e isto me consola e me justifica. Era um dinheiro destinado a loucuras: pondo-o a serviço das minhas, não desviei absolutamente seu emprego”.

Ó tempora, ó mores! Três séculos depois de Casanova, Inquisição já enterrada no passado, depois da pílula e da revolução sexual do século passado, ainda há pretensos cientistas que considerariam um pervertido esse magnífico personagem do século XVIII.

SIMENON - Vamos então a um espécime mais contemporâneo, o escritor belga Georges Simenon. Nos anos 80, creio, li uma entrevista concedida pelo escritor ao cineasta Federico Fellini, na revista Nouvel Observateur, onde ele admitia ter tido cerca de dez mil mulheres. Não tinha porque falsear dados. Tarefa mais difícil seria escrever os 431 títulos que lhe são atribuídos, entre livros publicados com o próprio nome e com pseudônimos. Isso sem falar em suas viagens por todos os quadrantes do planetinha. Consta que, em sua melhor forma, Simenon podia trabalhar onze horas corridas em sua máquina de escrever, produzindo 80 páginas por dia.

Cultor de putas alegres, de criadas gorduchinhas e de “rapidinhas” nos hotéis – segundo seus biógrafos – ele foi um Don Juan impudico, mal dissimulando sua bigamia, quando dividia sua vida entre sua cozinheira e sua segunda mulher, Denyse Ouimet. “Nós fazíamos amor todos os dias, antes do café, depois da siesta e antes de dormir”, diz Denyse. “Ele era prolixo em tudo: em sua maneira de falar, de escrever, de publicar, de fazer amor”. E, pelo jeito, tinha ainda de atender a cozinheira.

Não me parece que este apetite sexual desmesurado tenha atrapalhado a vida profissional de Simenon. Como diria – e disse – Casanova: “Devo dizer que achei o excesso para menos bem mais perigoso que o excesso para mais; porque se este último ocasiona uma indigestão, o outro acarreta a morte”.

Para Simenon, em nenhum momento as tarefas cotidianas como trabalho, estudo e vida familiar ficaram comprometidas por sua sexualidade voraz, como pretende a sexóloga. O que vemos, na declaração da moça, é um moralismo tolo – típico de terapeutas – que vê doença onde existe pujança de vida.

sexta-feira, março 21, 2008
 
BESTEIROL DA PAIXÃO



Sexta-feira Santa é época propícia a proferir bobagens. Em Roma, o Papa Bento XVI disse hoje aos fiéis, no término da Via-Sacra, que parassem para contemplar a cruz de Cristo, que é "fonte de vida, escola de Justiça e de paz e patrimônio universal de perdão e misericórdia".

É o culto ancestral da Igreja por um instrumento de tortura. Os romanos escolheram o suplício errado. Se Cristo fosse empalado, duvido que o papa conclamasse fiéis a contemplar uma estaca.

A cruz é prova também de um "amor infinito, que empurrou Deus a tornar-se homem vulnerável como nós, até morrer crucificado", disse Bento. Só o que faltava, o criador de um cosmos todo, estar preocupado com esta raça efêmera deste planetinha. A idéia de deus faz carreira quando se imaginava que a Terra era o centro do universo. Com o desenvolvimento da astronomia coloca-se um problema: o tal de deus é mesmo o criador de tudo? Então por que esta preocupação toda com um pontinho insignificante de seu universo de bilhões de corpos celestes?

A astronomia destrói com o conceito de qualquer criador preocupado com a tal de raça humana. Cristo não foi empurrado à cruz por seu amor infinito. Ser humano algum pediu que se sacrificasse pela humanidade. Foi empurrado à cruz pelos judeus, que temiam a reação de Roma ante o surgimento de um messias. Tanto que, em seus momentos finais, se queixa: Eli Eli, lama sabachtani!

A cada pronunciamento deste papa, me torno mais convicto de que este senhor nada entende das escrituras.