¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, agosto 31, 2008
 
POR QUE LEMOS?


Em artigo para El País, o escritor espanhol Luisgé Martín propõe uma questão curiosa: ler serve para algo bom? São menos corruptos, despóticos, coléricos ou violentos aqueles que lêem? Segundo o autor, a leitura tem uma utilidade sensorial e uma utilidade prática, mas talvez não tenha nenhuma utilidade ética, que é a que mais se apregoa. “No setor editorial e no mundo literário – um castelo de homens cultos, de cultivadores desse grande bem espiritual que é a leitura – se encontraria a maior concentração de indivíduos biliosos, astuciosos, hipócritas, vaidosos, desequilibrados e tortuosos que conheço. Inclusive, é claro, eu mesmo”.

O escritor faz algumas perguntas: são menos corruptos os que lêem? São menos despóticos em seus trabalhos ou em suas casas? Respeitam mais os sinais de tráfico? Sentem menos cólera, sabem dominá-la melhor? Têm maior clarividência política? São menos violentos? E conclui que ler nem sempre traz proveito.

Sou leitor compulsivo, daqueles que andam sempre munidos de um livro ou jornal. Sofro de uma enfermidade que certos criadores de palavras chamam de biblioagorafobia, ou seja, medo de estar em um espaço público sem um livro na mão. Certa vez, ao revisitar meus pagos, um pedritense que eu não via há décadas, comentou: “me lembro de ti. Quando guri, sempre andavas com um livro debaixo do braço”. Até hoje ando. Há quem pense que estou sozinho quando estou sozinho em um bar. Nada disso. Estou sempre bem acompanhado, seja com um autor, seja com vários. Assim, na condição de leitor compulsivo, me reservo o direito a algumas considerações.

Por que lemos? Meu estímulo inicial foi o fascínio de conseguir decifrar aqueles sinaisinhos. Eu devorava o que me caísse nas mãos, fosse jornal, revista em quadrinhos ou bula de remédio. Li muito a Reader’s Digest em meus dias de campo. A revista, se alguém dela lembra, tinha artigos em seis colunas. Bom, eu lia na reta, seguindo sempre a mesma linha de uma coluna a outra. Não era fácil entender o texto com este método. Enfim, ao final da página eu acabava pondo ordem no relato. Lia muito rápido e misturava sílabas. Durante muito tempo, contei histórias de fábulos. Só bem mais tarde, me dei conta que eram búfalos.

Até aí, o encantamento pela decifração. À medida que lia, o interesse passava a ter outro foco. A leitura, fosse ficção, fosse jornalismo, me trazia notícias de mundos distantes. Ou de épocas distantes. Aos quinze anos, já estava lendo Platão e o Quixote. Sem sair de casa, eu tinha noções da Grécia de antes de Cristo e da Espanha cervantina. Nunca me ocorreu ler tendo como objetivo o aprimoramento moral. Lia para conhecer o mundo e tentar entendê-lo. Foi graças à leitura que consegui libertar-me do jugo da religião, que me fora enfiada goela abaixo quando adolescente.

Lia muito Tarzan na época. Não apenas a revista em quadrinhos, mas também os livros de Edgar Rice Burroughs. Tarzan, em meio à selva, aprendera a ler sozinho. Descobrira livros em uma casa abandonada na floresta e tentou decifrar aqueles sinais. Dava a cada letra um valor fonético, criando assim um idioma próprio. God, para Tarzan, era Bulutumanu. Como chegou lá, não me lembro. Mas sempre me tocou este gesto, de alguém que consegue aprender a ler sem professor.

No ginásio, líamos muito, eu e um pequeno grupo de alunos. Para desconforto dos padres que eram nossos professores. Se hoje há professores que lamentam que os alunos não lêem, naqueles dias nossos professores preferiam que não lêssemos tanto.

Hoje, sexagenário, continuo lendo, talvez com mais sofreguidão do que quando jovem. Durante muito tempo li ficções. Não só li, como traduzi. As ficções me traziam construções intelectuais que propunham mundos imaginários, mas factíveis. Um belo dia, concluí que as ficções não passavam de contos de fada para adultos. E deixei-as de lado. Claro que sempre vou revisitar o Quixote, Viagens de Gulliver ou 1984. Mas as ficções contemporâneas, nunca mais. Tenho me dedicado atualmente à leitura de ensaios, particularmente sobre história e religiões. São para mim muito mais envolventes que histórias inventadas.

E não estou conseguindo dar conta destas leituras. Deve ter uma boa meia centena de livros em minha cabeceira. Ainda não dei cabo de livros da antepenúltima viagem. Talvez nem os leia. Nas viagens seguintes, encontrei títulos que me atraíram mais. Um livro acaba relegando outro à estante dos não-lidos. Uma das coisas que certamente lamentarei em minha viagem rumo ao Grande Nada, será não ter lido o que me propus ler.

Volto à questão proposta por Luisgé Martín. O articulista não vê a leitura como algo que conduza necessariamente a um patamar mais nobre em nossa existência. Eu também não vejo, nem creio que uma pessoa leia para se tornar mais sublime. O mundo está cheio de canalhas esclarecidos, de pessoas que lêem muito para melhor enganar seus semelhantes. Por exemplo, os padres. Ou os psicanalistas. Mesmo os marxistas. A seu modo, como os judeus, os marxistas eram também homens do Livro. A leitura pode libertar. Mas pode também ser um tóxico poderoso. É faca de dois legumes, como diria Lula.

Pelo menos no que a mim diz respeito, leio para entender o mundo e a mim mesmo. Leio também para curtir a beleza. Um poema de Pessoa ou Hernández, um libreto de Da Ponte, são vinhos que nos inebriam a alma.

Livros aproximam pessoas. Certa vez, em Paris, sentei em um café com Sobre Heroes y Tumbas em punho. Já o havia lido há muito, mas dava mais uma olhadela em Sábato para montar minha tese. A meu lado, sentou-se uma menina com El Túnel. O namoro começou ali mesmo. Martín Fierro é outro ponto de encontro. Fiz grandes amizades mundo afora em torno a José Hernández. Um leitor de Fierro sempre adora conversar com outro leitor de Fierro.

Ainda em Paris, ao sentar-me no Deux Magots, um garçom me abordou:
- C’est vrai, Monsieur. Qu’est ce que vous désirez?
Cerveja, é claro. Mas não entendi bem a abordagem. Só fui dar-me conta quando voltei ao livro. Eu estava lendo Les Hommes ont soif, de Arthur Koestler.

Há leituras e leituras, é claro. Nesta minha última viagem, navegando pela costa norueguesa, fiquei contente em ver pessoas munidas de livros, alguns com calhamaços com cerca de mil páginas. Povo culto, pensei. Ledo engano. Sempre que vejo alguém lendo algo, tento ver o título. Tentei e vi. Melhor não tivesse tentado. Profunda decepção com a Noruega. Não encontrei um título decente. Havia muita gente lendo Paulo Coelho - em norueguês -, outros tantos Harry Potter ou o Código da Vinci. Isso sem falar naqueles best-sellers ianques, de autores que vendem milhões mas de cujo nome nem lembro.

Ou seja: ler pode significar muita coisa. Ou coisa nenhuma.

sábado, agosto 30, 2008
 
ASSIM MARCHA A UNIVERSIDADE



Janer, aí vai mais um capítulo da série "Desventuras na Universidade", ocorrido anteontem. Um eminente docente da faculdade de Direito, doutorado na Itália, figura pública que já foi secretário de segurança numa grande cidade do interior de São Paulo e atualmente é candidato a vice-prefeito desta, resolveu enveredar em seu discurso por áreas, digamos, tortuosas.

"Professor, tire-me uma dúvida" pede uma senhora durante a aula, "quando vemos negros usando aquelas camisetas com a frase 100% NEGRO, isso não é também racismo? E se eu usasse uma escrito 100% BRANCO?" Ah sim, quase esqueço um aspecto relevante sobre o ilustre doutor, Janer. A sigla sob a qual se candidata é o PT... Voltemos à história. "Sim, você seria racista" foi a resposta que a pergunta-clichê recebeu. "Os negros têm um passado de repressão, escravidão. Quantos brancos foram escravizados no Brasil? A camiseta é não mais que uma forma de resgatar o orgulho." (...) "Certa feita, tive a oportunidade de lecionar em determinada faculdade para uma turma de futuros engenheiros. Vocês sabem como engenheiros são. Tudo tem de ser exato, dois mais dois serão sempre quatro. Pois bem, a primeira coisa que notei quando entrei na sala? Não havia um único aluno negro. Também não havia um único corintiano, ou seja, a classe era totalmente pura. Opa, pensei." É claro que não posso descrever toda a gesticulação do professor petista, mas em casos como esse, por exemplo, ele sorria, se curvava e levava as mãos à testa. Bastante cativante para boa parte dos discentes em seu discurso e gesticulação. Bem, de volta à história. "Em determinada altura, a propósito de outro assunto, consegui fazer um dos alunos morder minha isca e trouxe a questão racial para a discussão. É evidente que numa sala como aquela, de engenheiros brancos, elites, ninguém conseguiria entender esse problema. Usaram muito o exemplo da camiseta, sabe. Falaram de igualdade real, que as pessoas não podem receber tratamentos diferentes apenas devido sua cor, enfim. Aquela coisa de sempre" Algumas risadinhas agora.

A coisa não ficou por aí. "É por isso que defendo as cotas" (...) "Houve tempos em que militei na Bahia. Chegava 3 da tarde, você não estava mais preocupado em ganhar sua causa. Pô, você ia pra praia. Tomar água de coco. Em alguns países europeus é assim, a hora da "siesta". É por isso que quando os irmãos nordestinos vêm para São Paulo, alguns camaradas dizem que eles são preguiçosos".

O bastante, Janer? Provavelmente você deve estar rindo da história toda, mas ainda tem mais. Meu Q.I que já não é tão alto teve a chance de diminuir em mais alguns pontos. " Por que nós cremos que o roubo é errado? Digam-me, o que faz ele errado? Por que o sujeito rouba?". "Porque precisa?" arrisca um aluno. "Porque o CP assim dispõe" se aventura outra. "Não, caros, não" diz o professor com voz de quem está prestes a revelar um grande segredo, "o roubo existe porque alguém criou a propriedade privada. Entendem? Não existisse esta, o que haveria para se roubar? Suponham que três homens estivessem perdidos numa ilha. Um deles escolhe um coqueiro para dormir naquela noite. Vocês acham que os outros irão reclamar? A fonte de todos os conflitos humanos é a propriedade privada. Isso é tão claro...".

Deu para ter uma idéia? Acho que TGE será uma matéria bacana esse semestre...

Abraço,

Raphael Piaia

 
SENADOR PETISTA RECONHECE SER
BESTEIRA PROJETO DE SUA AUTORIA



Do blog do senador Paulo Paim:

Fim da polêmica

Desde quarta passada tenho recebidas inúmeras mensagens sobre o PLS
235/08, de minha autoria, que foi aprovado na Comissão de Direitos
Humanos. Infelizmente houve um erro de redação em uma das emendas
acatadas. O projeto seria de aplicação opcional e não impositiva.
Mais, a idéia original levava em consideração a proporção da população
negra economicamente ativa de cada região para, aí sim, serem
reservadas uma porcentagem de vagas para negros em empresas com mais
de 200 funcionários. Na proposta que apresentei também eram levados em
conta os requisitos educacionais e de qualificação profissional
necessários ao desempenho de cargos ou atividades. Como esses pontos
foram retirados, e, por erro de redação o projeto acabou ficando
distorcido da vontade originária, solicitei o arquivamento da
matéria."

 
QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ!



Na véspera do Dia Nacional de Combate ao Fumo – dizem os jornais – o governador José Serra enviou à Assembléia projeto de lei que bane o cigarro dos ambientes coletivos fechados, públicos ou privados. Se a lei passar, em todo o Estado de São Paulo só será permitido fumar ao ar livre ou em casa. Os deputados devem aprovar a proposta ainda neste ano. A infração à lei pode custar R$ 3,2 milhões aos recintos.

É curioso. Quando andava catando votos para sua candidatura à Presidência da República no Rio Grande do Sul, Serra foi a Santa Cruz do Sul para dar apoio aos produtores de tabaco.

sexta-feira, agosto 29, 2008
 
PODEM LEVAR O NOME JUNTO


Vanderlei Vazelesk me escreve:

Meu caro Janer.
Acabei de ler o Ianoblefe. Busquei na internet e realmente está ótimo. Você faz muito bem o contraponto do jornal com os dados, que na verdade mostra aquela noção de que a imprensa faz ou desfaz um presidente, ou um conflito.
Fiquei pensando numa coisa: a essa altura da vida será que não seria melhor desintegrar do território por iniciativa própria as tais nações indígenas?
O que você acha?


Sou indiferente, Vanderlei. Tanto faz como tanto fez. Nunca me senti lá muito brasileiro. Nunca encontrei algo de que pudesse orgulhar-me neste país. Se quiserem separar-se, podem até levar junto o nome Brasil. Não me faz falta.

 
A SEQÜÊNCIA LÓGICA DA ARMADILHA



Há uns bons cinco anos, em artigo intitulado “Armadilha para negros”, escrevi:

“Ao defender os sistemas de cotas na universidade, os negros caíram em uma tosca armadilha. Podem hoje ter facilidades na obtenção de um diploma. Mas quem, amanhã, irá contratar os serviços de profissional que entrou na universidade pela porta dos fundos?”

O senador Paulo Paim, do PT, autor de outros projetos que só promovem o racismo negro, já percebeu a arapuca. Para desviá-la, apresentou projeto de lei que reserva para os negros e mulatos 46% das vagas em empresas com mais de 200 empregados e 20% dos cargos em comissão do grupo de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) da Administração Pública. Emenda apresentada pelo relator, senador Papaléo Paes (PSDB-AP), determina o prazo de cinco anos após a promulgação da lei para que as empresas com mais de 200 empregados tenham 46% de afro-brasileiros em seus quadros. Segundo o senador, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46% da população brasileira é composta por negros.

Ora, segundo o IBGE, a população negra do Brasil, em 99, era de apenas 5,4%. Com o acréscimo de 39,9% do contingente de mulatos, o Brasil estaria perto de ser definido como um país majoritariamente negro, como aliás é hoje considerado por muitos americanos e europeus. Com o projeto do senador, não teremos mais mulatos (ou pardos, no jargão do IBGE), mas apenas afro-brasileiros. O que os ativistas negros esquecem é que o mulato pode denominar-se tanto afro-brasileiro como euro-brasileiro. A tônica no afro tem intenções óbvias: aumentada artificialmente a população negra, torna-se fácil pressionar os legisladores para obter mais vantagens para os que não são brancos. Os ativistas negros no Congresso querem ganhar privilégios no tapetão da semântica.

O projeto do senador previa ainda a identificação racial dos negros em documentos de identidade. Segundo o Estatuto, os negros passarão a ter carteirinha de negro. Curioso observar que nas décadas passadas os movimentos negros haviam concluído que raça não existia. Agora passou a existir e deve constar em documento. Como o branqueamento é bastante generalizado no Brasil, talvez fosse melhor uma tatuagem ou adereço bem visível, como Hitler instituiu na Alemanha para judeus e homossexuais. Se aprovado tal monstrengo, este país onde a miscigenação sempre foi regra passará a discriminar oficialmente por raça. Estamos caminhando a largos passos rumo a um nazismo negro.

Há dois anos, escrevi:

“Boa parte da população negra gostou da idéia de ganhar no tapetão e não percebe a armadilha em que os negros estão caindo: tendo entrado pela porta dos fundos na universidade, serão naturalmente rejeitados no mercado de trabalho. Prevendo isso, o senador já garante em seu projeto a presença de ao menos 20% de atores e figurantes afro-brasileiros em programas e propagandas de TV. A seqüência lógica será impor estas mesmas cotas inclusive às empresas privadas em geral, acabando-se definitivamente com qualquer critério de capacitação”.

A seqüência lógica aí está, o famigerado projeto de lei que cria uma reserva de mercado. O novo projeto racista do senador Paim foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, quarta-feira passada. Quando os Estados Unidos já perceberam que a idéia de cotas foi uma péssima idéia, o Brasil a assume.

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!

quinta-feira, agosto 28, 2008
 
CRISTO NU, NADA CONTRA



Está tendo repercussão internacional a notícia de que um juiz proibiu a revista Playboy de imprimir nova tiragem com a atriz Carol Castro nua com um terço na mão. O juiz acatou uma petição do grupo católico Juventude pela Vida, que exigiu que a edição fosse retirada das bancas por conter um fotografia que, na sua opinião, é ofensiva para os católicos.

A Playboy continua nas bancas. Foi proibida a distribuição de novas revistas com a foto impugnada sob pena de multa diária de mil reais. A proibição se aplica a futuras tiragens e à publicação da foto em outras edições da Playboy.

Ou seja, atriz nua não pode. Mas o Cristo peladão, pregado a um instrumento de tortura, está em todas as igrejas do país e até mesmo em escolas e tribunais.

Contra homens nus, o Juventude pela Vida parece não ter nada contra. Sempre achei que os romanos escolheram o suplício errado. Se o Cristo fosse empalado, duvido que os cristãos andassem por aí ostentando uma estaca.

 
AINDA O ABORTO E A BÍBLIA



Jó 3,1: Depois disso abriu Jó a sua boca, e amaldiçoou o seu dia.
2 E Jó falou, dizendo:
3 Pereça o dia em que nasci, e a noite que se disse: Foi concebido um homem!
4 Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz.
5 Reclamem-no para si as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; espante-o tudo o que escurece o dia.
6 Quanto àquela noite, dela se apodere a escuridão; e não se regozije ela entre os dias do ano; e não entre no número dos meses.
7 Ah! que estéril seja aquela noite, e nela não entre voz de regozijo.
8 Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam os dias, que são peritos em suscitar o leviatã.
9 As estrelas da alva se lhe escureçam; espere ela em vão a luz, e não veja as pálpebras da manhã;
10 porquanto não fechou as portas do ventre de minha mãe, nem escondeu dos meus olhos a aflição.
11 Por que não morri ao nascer? por que não expirei ao vir à luz?
12 Por que me receberam os joelhos? e por que os seios, para que eu mamasse?
13 Pois agora eu estaria deitado e quieto; teria dormido e estaria em repouso,
14 com os reis e conselheiros da terra, que reedificavam ruínas para si,
15 ou com os príncipes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata;
16 ou, como aborto oculto, eu não teria existido, como as crianças que nunca viram a luz.
17 Ali os ímpios cessam de perturbar; e ali repousam os cansados. 18 Ali os presos descansam juntos, e não ouvem a voz do exator.
19 O pequeno e o grande ali estão e o servo está livre de seu senhor.
20 Por que se concede luz ao aflito, e vida aos amargurados de alma;
21 que anelam pela morte sem que ela venha, e cavam em procura dela mais do que de tesouros escondidos;
22 que muito se regozijam e exultam, quando acham a sepultura?
23 Sim, por que se concede luz ao homem cujo caminho está escondido, e a quem Deus cercou de todos os lados?

quarta-feira, agosto 27, 2008
 
RECÓRTER CHAPA-BRANCA TUCANOPAPISTA
HIDRÓFOBO PERDE ATÉ PARA EDIR MACEDO



Ano passado, quando Bento XVI definiu o segundo casamento como uma praga social, o recórter chapa-branca tucanopapista hifrófobo, mais papista que o papa, definiu o italiano piaga como chaga. Um considerável séquito de carolas regozijou-se, nos comentários do blog, com a tradução de Reinaldo Azevedo. O senso de caridade cristã de Bento XVI estava salvo. Como se chaga tivesse grandes diferenças de praga. Ora, na tradução oficial da bula papal ao português no site oficial do Vaticano, lá estava: praga.

Em entrevista ao Estadão, o bispo d. Karl Josef Romer, - secretário do Pontifício Conselho para a Família, órgão da Cúria Romana e um dos nomes mais influentes do Vaticano - afirmou: "É praga mesmo, é isso que o santo padre quis dizer, pois ele é muito cuidadoso na escolha das palavras."

Hoje, em sua coluna na Veja, o recórter chapa-branca tucanopapista hifrófobo se pretendeu tradutor da Bíblia:

Quanto a Igreja Universal do Reino de Deus, dizer o quê? Vejam o trecho que cita o pastor para dizer que a Bíblia admite o aborto: “Se o homem gerar cem filhos, e viver muitos anos, e os dias dos seus anos forem muitos, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é melhor do que ele".

Trata-se de uma referência estúpida, bucéfala, ignorante, rasteira ao Eclesiastes (6,3). É o que dá ouvir, na condição de “religião”, uma teologia mais jovem do que o uísque que eu bebo. Afirmar que há, no trecho, endosso ao aborto é pura delinqüência teológica e bíblica. O aborto é empregado apenas como um extremo da fealdade. Não há endosso. É o exato oposto. E de onde o pastor tirou essa pérola de interpretação? Das iluminações de autoproclamado "bispo" Edir Macedo, dono da seita.


Um dia antes do pronunciamento do bispo, eu havia citado esse versículo. Longe de mim defender Edir Macedo. Ocorre que, no caso, aborto não é sinônimo de extremo de fealdade. É aborto mesmo. Ou o recórter chapa-branca tucanopapista hifrófobo se excedeu em seu uísque jovem, ou continua tentando ser mais papista que o papa.

Leio na Bíblia de Jerusalém:

“Outro, porém, teve cem filhos e viveu por muitos anos; apesar de ter vivido muitos anos, nunca se saciou de felicidade, e nem sequer teve sepultura. Pois eu digo que um aborto é mais feliz do que ele. Ele chega na vaidade e se vai para as trevas, e as trevas sepultam seu nome. Não viu o sol e nem o conhece: há mais repouso para ele do que para o outro”.

Leio na edição francesa da Alliance Biblique Universelle:

“Un homme peut avoir une centaine d’enfants et vivre de nombreuses années. Que vaut tout cela s’il n’est pas heureux pendant sa longue vie et s’il n’est même pas enterre decemment? A mon avis, la condition de l’enfant mort-né est meilleur que la sienne. En effet, celui-ci est venu comme de la fumée sans lendemain, il disparait dans l’obscurité et personne ne se souvient de lui. Il n’a pas vu le jour et il n’a rien connu de la vie”.

Leio na Bíblia Hebraica, da Editora e Livraria Sefer:

“Se alguém gerou uma centena de filhos, viveu por muitos anos e não se contentou sua alma com tudo isto, e viu-se, ao fim, sem uma sepultura condigna, posso assegurar que ele está um natimorto, cuja vida foi vã; em escuridão ele partiu e pelo olvido foi encoberto seu nome, além do que não veio a conhecer a luz do sol”.

Ou seja, aborto é aborto mesmo. Qohélet, ao mesmo título que o Cântico dos Cânticos, é um dos livros mais transgressores do Livro, e isto o recórter chapa-branca tucanopapista hifrófobo desconhece, porque jamais leu atentamente a Bíblia. Neste sentido, perde até para Edir Macedo.

É espantoso que tal jornalista medíocre, faccioso e falacioso, tenha coluna na Veja. Bucéfalo, ignorante e rasteiro é o recórter chapa-branca tucanopapista hifrófobo.

 
DE ROSENBURG


De Carlos Vinicius Rosenburg, recebo;

Prezado Janer,

obrigado por ter postado o artigo do magistrado trabalhista. Realmente, o primeiro texto sensato que leio a respeito da celeuma criada pelo caso DD.

Seria de bom tom enviar a peça para o cronista hidrófobo tucanopapista de Veja, que a cada dia vai se tornando mais insuportável.

Um grande abraço,

Vinicius

terça-feira, agosto 26, 2008
 
SATYAGRAHA, ‘A RESISTÊNCIA DA VERDADE’ JURÍDICA (I)


Luiz Fernando Cabeda

(magistrado retirado do TRT da 12ª Região com estágio na Escola Nacional da Magistratura da França, Seção Internacional)


Por que uma longa investigação da Polícia Federal sobre lavagem de dinheiro e crime organizado abalou estruturas judiciárias e do Ministério da Justiça, trazendo a sombra da demasiada proximidade do que é corrompido e do que é corruptor sobre a administração pública. Intriga, atentados ao Direito, bodes expiatórios, sacrifícios rituais e o perigo de, pela prepotência e a retórica da indignação, renovar-se o temor de Albert Camus: haverá sempre o risco do retorno da peste para sitiar nossa cidadela novamente.




1. OS ELEMENTOS

Os dias que correm entre os semestres de 2008, quando aconteceram os fatos mais notórios da Operação Satyagraha da Polícia Federal, têm de ficar bem documentados. Não só com os muitos registros na internet, misturando fatos, opiniões técnicas ou nem tanto, e especulações. Os acontecimentos que ultrapassaram os dados formalizados nos processos judiciais, que a referida operação suscitou, são aqueles que importam - no que respeita ao interesse público - restando os demais restritos à perseguição penal. Além do que nos foi apresentado como cidadãos, é preciso fazer os registros interpretativos, que assinalem as posições marcantes, com base no Direito que tem de ser aplicado, por trazer nele próprio seu elemento justificador, sua medida e sua necessidade. Trata-se, em suma, de acessar a verità effetuale percebida por Maquiavel, em sua era inquieta.
Tempos virão em que será observado o quanto as circunstâncias de agora foram emblemáticas, puseram em teste a força das instituições, a ordem das prioridades e a lucidez das políticas públicas. Como temia o poeta Thiago de Mello em relação à liberdade (que, para ele, tinha de ser simplesmente vivida), a invocação no pântano das bocas da palavra “democracia”, ou do compromisso de garanti-la, com o uso de afirmações frementes, serviu muito ou apenas para abjurá-la, diante de um caso concreto, histórico, retumbante, em que a retórica jurídica foi uma veste curta para esconder a desmedida vontade de mandar ou de impor. Quando o Poder Judiciário foi buscado para servir a esse fim, desviou-se da sua legítima investidura para pretender implantar uma “escravatura da toga”. Ó gloria de mandar/ ó vã cobiça... prevenira-nos Camões em seu épico.

Segundo Ortega y Gasset, Galileu Galilei escreveu: aqueles que não acreditam na corrupção deveriam ser transformados em estátuas. Supostamente, o grande físico se referia à transformação dos astros, trajetórias, massas, de tudo o que observava no céu. Mas isso, na época da Inquisição, também era referir-se a outra profunda transformação, a ideológica; mudança literal da visão do mundo. A amplitude da frase até a sua dubiedade (que comoveu Ortega quando escrevia exatamente sobre matéria política, em Mirabeau ou O Político) se justifica a partir do adjetivo latino corruptibilis, que quer dizer transformado, alterado e corrupto. Diferente da Física - que trata da mudança dos corpos e dos estados - tanto no sentido penal como no dos costumes, corrupto é quem altera, pelo seu comportamento, o respeitável em vil, o honesto em fraude, o que é para o coletivo no que é um bem para si próprio. Há, neste último significado de apropriação indevida, mediante atos simulados, um conluio que sempre configura um certo grau de impostura. Na falsa suposição de que manda, pelo seu dever de ofício ou pelo poder de que está investido, o corrompido na verdade obedece, mediante algum tipo torpe de ganho. Aqueles que coonestam tais atos dão curso à aparência de legalidade, que pretende revestir tudo de uma noção repositória do certo-respeitável-absoluto, ícone da moral vitoriana só desfeito com a sistematização da psicanálise. Diante do estratagema, o bem jurídico protegido pela lei ou pelos códigos de conduta – na sua expressão mais técnica e estrita _- foge ao nosso reconhecimento como a estrela cadente no céu. Voltando a Galileu, na dramatização de Bertolt Brecht, seu pedido não era o de que os poderosos da ordem estabelecida acreditassem nele, mas nos seus próprios olhos, mirando pelo telescópio. Então, supunha ele, as “estátuas” não ficariam em pé.

2. A SINOPSE

Por cerca de quatro anos procedeu-se a uma investigação policial, com o acompanhamento do Ministério Público e a autorização judicial para buscas, quebra de sigilos e interceptações, necessários para o descobrimento dos atos ilícitos visados. Tratava-se de um conjunto complexo de movimentações financeiras vultosas, com o uso de paraísos fiscais, para controlar companhias públicas que foram privatizadas; de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, fraudes ao fisco, enriquecimento ilícito, tráfico de influência e corrupção ativa ou passiva.
Um banqueiro e sua mulher suspeitos desses crimes ingressaram com habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, postulando salvo-conduto, pois as investigações autorizadas pela 6ª Vara Federal de São Paulo visavam a seus interesses e pessoas. A pretensão foi denegada. Outro habeas foi interposto com o mesmo sentido no Superior Tribunal de Justiça, tendo a liminar sido negada pelo Ministro Relator. Mais uma ação de mesma natureza deu entrada no Supremo Tribunal Federal, apontando agora como autoridade coatora o Relator no STJ.
Embora a Súmula 691 da Suprema Corte disponha que: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar” , o ministro Eros Grau recebeu a distribuição do processo HC 95009, conheceu do pedido, requisitou informações e postergou o exame da liminar pedida para depois de que fossem prestadas. Com isso, o Supremo descumpriu sua própria jurisprudência sumulada, sem expor nenhuma fundamentação, exatamente quando vem editando rapidamente súmulas vinculantes que submetem as instâncias ordinárias às suas interpretações.
Durante o recesso do STF efetivou-se a prisão temporária de alguns implicados, por cinco dias. O Presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, concedeu a ordem liberatória, mas não tratou da questão do salvo-conduto. Pouco depois, o banqueiro paciente voltou a ser preso, desta vez preventivamente, tendo em conta o fato específico da tentativa de suborno a Delegado da Polícia Federal. Novo pedido adjutório foi formulado e concedido pela mesma autoridade.
Tendo em vista o teor das decisões, mais particularmente da última, a Associação dos Juízes Federais – AJUFE, a Associação dos Magistrados do Brasil – AMB, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, a Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho – ALJT e a ONG Juízes Para a Democracia emitiram notas públicas de desagravo ao magistrado titular da 6ª Vara de São Paulo, posicionando-se contra qualquer atentado às suas garantias funcionais. O mesmo foi feito em duas listas de juízes nominados, uma no Estado de São Paulo, outra mais abrangente (incluindo procuradores) no Estado de Santa Catarina, totalizando pelo menos trezentos e trinta e um nomes. Também a Associação Nacional do Ministério Público Federal – ANMPF – publicou nota oficial defendendo a atuação e as garantias do Procurador da República e do Juiz Federal que atuam na 6ª Vara de São Paulo. Manifestação crítica sobre os desdobramentos judiciais do caso no STF, com a soltura dos presos, foi divulgada pela Associação dos Delegados da Polícia Federal – ADPF.
De outro lado, um grupo de advogados de São Paulo e a Associação Nacional dos Defensores Públicos pronunciaram-se em apoio às decisões do ministro Gilmar Mendes. A AJUFER – Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro levou ao STF nota pública completamente anódina, defendendo a competência da Suprema Corte e manifestando-se preocupada com as repercussões. O Presidente do STF concedeu várias entrevistas e fez declarações públicas (há notícia de algumas no site do Tribunal) antes e depois de decidir. Já o Juiz Titular da 6ª Vara, Fausto Martin De Sanctis, divulgou informação à imprensa, através da assessoria do TRF da 3ª Região, no sentido de que as deliberações de instâncias superiores foram sempre acatadas por ele e que nunca existiu ordem para qualquer monitoramento no STF.
Houve, por fim, manifestações incidentais nos meios de comunicação do Presidente da República e várias outras, pateticamente contraditórias, do ministro da Justiça. Muitos falaram, tendo ou não tendo o que dizer; a confusão se instalou; pessoas leigas – que desejavam apenas estar bem informadas como cidadãos - de repente ficaram sem saber o que estava acontecendo. Em dado momento, parecia que o uso de algemas e a cobertura jornalística dos fatos teriam se convertido nos principais focos, passando a ser mais importantes que os próprios fatos. E logo tudo se encaminhou para o propósito de modificar de afogadilho a lei dos crimes de abuso de autoridade, para nela introduzir novos tipos e penas maiores (isso ainda não aconteceu). O Senado tratou de movimentar um projeto para a disciplina do uso de algemas (PLSen, 185/04, Senador Demóstenes Torres); pouco depois, o Supremo apressou-se na elaboração de uma súmula vinculante a respeito, tendo em conta o julgamento do HC 91952 e a nova redação do artigo 474 do CPP, dada pela Lei 11.689/2008, verbis : "Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do juri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. Essa lei foi publicada no DOU em 10.06.2008 e seu artigo 3º determinou a entrada vigor sessenta dias depois. Os atos culminantes da Operação Satyagraha ocorreram em 07.2008.
Ocorreu ainda o afastamento do Delegado Protógenes Queiróz (que chefiou as diligências investigatórias por quatro anos), fato obscuro que é objeto de sindicância administrativa , e de exame pelo Ministério Público da hipótese de obstrução da Justiça, por parte de seus superiores na Polícia Federal.

 
SATYAGRAHA (II)



3. O EXAME EXTERIOR DO CASO

De que trata l’affaire? Certamente é um caso amplo e continuado de corrupção, sob variados tipos penais; mas também da dificuldade do Estado brasileiro em lidar com esse problema, que gera tanta desmoralização social. Seu exame remete à pergunta: há respostas estatais possíveis para conter esse mal, ou ele é de tal modo crônico e ramificado que, ao contrário do esperado, são as pessoas que lhe dão combate as vítimas de alguma degradação?
Não foi levantada nenhuma dúvida a respeito da existência de muitos indícios de crimes e de motivos bastantes para a investigação policial. Logo, considerados os elementos existentes para caracterizar a causa legal, o inquérito policial está justificado. Há fatos e conexões suspeitas. A iniciativa da Polícia Federal não padece de nenhum questionamento de nulidade absoluta, que seja conhecido. O controle da legalidade foi feito pari passu pelo Ministério Público. Os atos de busca e interceptação que dependiam de autorização judicial realizaram-se na forma devida. Há uma suposição segura e geral de que a ampla investigação nunca teve essência de abuso.
Um casal suspeito, levado ao temor da prisão, procurou repetidamente a Justiça.
O habeas corpus visando a um salvo-conduto era o meio processual próprio. O trânsito sucessivo das impetrações no TRF-3ªR e no STJ foi normal. Já na instância extraordinária, o ministro Eros Grau descumpriu a Súmula 691 de sua própria Corte, sem fundamentar porque o fazia, conheceu do pedido, requisitou informações e reservou-se para decidir sobre a liminar após recebê-las.

4. AS DECLARAÇÕES PÚBLICAS

As primeiras declarações públicas, inclusive do Ministro Gilmar Mendes, surgiram quando da efetivação das prisões temporárias. Elas tiveram como alvo de crítica, principalmente (1) o uso abusivo das algemas, tido como distoante do entendimento adotado pelo STF; (2) o caráter “de espetáculo” na cobertura daqueles eventos; (3) o vazamento de informações, de modo a permitir a cobertura instantânea de parte da imprensa e (4) o quadro de “total descontrole de ações constritivas da liberdade” colocando as medidas da tutela judicial (interceptações, apreensão) em choque com as garantias democráticas.
Outras declarações foram feitas quando da segunda ordem de prisão, desta vez preventiva, com base no fato da tentativa de suborno de Delegado da Polícia Federal. Dessa vez foram mencionadas (1) a desobediência por via oblíqua da ordem liberatória do STF; (2) o monitoramento ilegal de autoridades daquela Corte; (3) a existência de juiz, ou juízes, na assessoria do ministro Gilmar Mendes, com quem trataram – em abordagem normal - advogados dos pacientes.

Deveres dos juízes - A Lei Complementar nº. 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) foi recebida pela Constituição Federal, está em vigor com todos os dispositivos não conflitantes, e assim permanecerá até que seja editado o Estatuto da Magistratura, cujo projeto ainda está em elaboração no STF.
No art. 36, a LOMAN dispõe: “É vedado ao magistrado (...) III – manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.” O Presidente do Supremo violou frontalmente essa regra. Criticou pelos meios de comunicação a atuação do juiz de primeiro grau e da Polícia Federal, quando esta cumpria mandado ou diligência autorizados judicialmente. Nisso incorreu em injustificável ilegalidade. Ilegalidade essa que afeta a garantia ao direito fundamental do due process of law. E isso leva ao justo temor de crítica pelo jurisdicionado pois, embora seja isso o que os seus olhos vêem, parece que o Direito só emana d’Ele, e ele, erigido em Ele, é quem diz o Direito, por considerar-se a sua fonte.
Caso tivesse ocorrido o contrário (o Juiz De Sanctis criticar publicamente as intervenções do ministro Gilmar Mendes), estaria já em curso o processo administrativo com finalidade punitiva daquele.

Algemas - Não se pode dizer que o STF tivesse firmado posição definitiva a respeito do uso legal das algemas, guardado o permissivo do CPP (art. 474, parágrafo 3º, tanto na antiga como na nova redação), que trata unicamente dos julgamentos no Tribunal do Juri.
Conforme se viu na retrospectiva acima, foi a Operação Satyagraha que despertou polêmica a respeito, dando causa a um surto de promessas e iniciativas sobre o uso adequado de algemas. As prisões realizadas ocorreram antes de entrar em vigor a Lei 11.689/2008 e não se destinavam à apresentação de preso a Tribunal de Juri.
Até então, o julgamento mais completo da Suprema Corte, com a sua exata indexação, fora aquele que se encontra no site do STF, Processo HC/89.429-1, julgado em 22.08.2006. Porém, trata-se de um pronunciamento da Primeira Turma, não do Pleno. Por ser um acórdão bastante completo, era bem previsível que viesse a ser adotado como a interpretação constante do Supremo ao longo do tempo, com a cautela e o cuidado que costumam ser característicos dos tribunais.
Quando daquele julgamento, relativamente recente em termos de jurisprudência, o Ministro Sepúlveda Pertence declarou, ao dar seu voto de acompanhamento, que – pela primeira vez – o Supremo enfrentava a questão do uso das algemas de modo sistemático e completo.
A ementa da ministra Cármen Lucia assim dispôs: “O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo.”
Do ponto de vista da técnica jurídica, não se poderia pressupor, quando das prisões ocorridas na Operação Satyagraha, a tipificação de arbitrariedade no uso universal praticado erga omnes da pulseira de contenção. Tal tipificação não existia. E ainda não existe. A Súmula vinculante que veio a ser agora editada, “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”, é uma orientação jurisprudencial impositiva. Seu texto (por ser posterior às prisões do caso Satyagraha) será examinado em outro artigo. Por ora, não será ocioso lembrar que jurisprudência não é fonte de tipificação penal, matéria reservada à lei. Hoje, o que se tem por assentado em Direito Constitucional, é que o Supremo, como intérprete maior da Carta, reconhece e declara a inconstitucionalidade e a prevalência da declaração de direitos quanto a leis e atos normativos. Não quanto a atitudes e atos infracionais. Estes estão submetido às regras do ordenamento jurídico. Têm de ser determinados à luz do devido processo legal.
O caso do banqueiro preso (e o de um ex-prefeito de São Paulo) suscitou uma repentina, obsessiva e ressentida ira, tudo a impor urgência urgentíssima, como se o fato de algemar tivesse absorvido todo o interesse processual do caso. Convém lembrar que existia um HC no STF com pleito de salvo-conduto. Nele poderia ter sido também pedido, alternativamente, no caso de não ser concedido, que não se usassem as algemas se sobreviesse o aprisionamento. Mas não foi.

Exposição indevida - Com o uso dos meios eletrônicos, inexiste “exposição indevida” de pessoas públicas, dessas que divulgam fatos de seus negócios, de sua vida pessoal, das qualidades de que se julgam portadores, concedem entrevistas narcíseas, etc. O vaticínio de Marshall McLuhan se realizou: os media são a mensagem; o mundo é a global village. Se o fato aconteceu, se há uma situação de existência real de um acontecimento da vida em sociedade, ele pode ser divulgado. Dispositivos legais que resguardam a privacidade, o uso restrito da imagem, as situações internas vividas em família, não se aplicam ao caso aqui examinado. De outro lado, o resguardo da fonte constitui garantia ao exercício do jornalismo. O próprio ministro Gilmar Mendes saudou o fato do pedido de prisão temporária de uma jornalista (flagrada em conversas telefônicas suspeitas com pessoas investigadas) ter sido negado pelo juízo de origem.
A mesma jornalista anunciou no jornal em que trabalha a iminência das prisões. Quem apostou na veracidade da notícia, obteve a cobertura no acompanhamento delas.
É isso o que se tem; nada mais que isso.

Monitoramento - O pretenso monitoramento de ministros do STF não guarda sequer indícios elementares. Foram feitas as chamadas varreduras, sem resultado. Existe um serviço especializado no Supremo para cuidar disso.
Por que, no curso de julgamentos, levantar uma questão dessa ordem, como se o juiz de primeiro grau devesse ser censurado publicamente e sitiado até o grau da paralisia, pelo que fez e pelo que não fez? Não seria essa sim a verdadeira “exposição pública” dolosa?

Competência disciplinar - O Supremo Tribunal Federal não exerce atividade censória, a não ser quanto aos seus próprios integrantes. Mesmo que ocorra o strepitus fori não se encontra na sua legítima e alta competência constitucional censurar publicamente a conduta processual de magistrado dos outros graus de jurisdição. O processo punitivo é da competência estrita dos tribunais aos quais o juiz se vincula.

Juiz assessor? – Em declarações incidentais, houve referência a cargo de juiz assessor do presidente do STF e do CNJ. Se algum juiz em atividade faz isso, está incurso em grave ilegalidade. O magistrado não pode ser afastado do exercício de sua jurisdição, a não ser nos estritos casos previstos na LOMAN, mas nunca para prestar assessoramento. As “coortes” de áulicos desapareceram com o nome barroco. Demais disso, se o juiz-assessor recebe pelo exercício dessa função que não é dele, comete enriquecimento ilícito por acumulação vedada na Carta, a qual permite apenas acumular o cargo judicial com uma função de magistério.
Se o juiz é convocado da inatividade, ainda assim a ilegalidade se faz presente, pois o entendimento (este sim reiterado) do STF é o de que não pode haver na inatividade acumulação que seja vedada na atividade.

O resumo de todos esses tópicos indica, necessariamente, que as censuras públicas do ministro Gilmar Mendes emitidas no caso, apontando o valor ou o desvalor de medidas jurisdicionais tomadas, foram indevidas. Serviriam melhor à justiça se tivessem sustentado teses nos autos, retirando-as “do pântano das bocas” que Thiago de Mello não suportava.


5. A PRIMEIRA DECISÃO

A decisão liberatória de 9/07/2008, adotada no HC 95.009, teve como base de fato a alteração do estado dos pacientes, de pretendentes a um salvo-conduto, pois eles foram presos. Invocando a base de direito na “inexistência de requisitos”, como queriam os impetrantes; pela ausência de necessidade da prisão para a coleta de mais provas e por inexistir a justa causa, principalmente frente aos direitos e garantias individuais, o ministro concedeu a soltura. Nos fundamentos, há uma breve notícia sobre a carência na individuação das imputações, não repetida na conclusão.
O dispositivo se baseia unicamente na “falta de fundamentos suficientes” e na “ausência de necessidade” para manter a prisão, tendo em conta o efetivo cumprimento dos principais mandados de busca.
A sentença de primeiro grau era minuciosa, estendendo-se por 175 páginas. Retiradas as longas transcrições e citações, a decisão do presidente do STF foi curta. Lamentavelmente não apontou, embora os tenha contado, sequer um dos 88 incisos e 4 parágrafos, instituidores dos direitos individuais, que tenha sido violado em primeiro grau. Igualmente, nenhuma nulidade foi cogitada.
Contudo, a decisão tomada no HC o foi pela autoridade competente e é uma peça de autoria, revela um tipo de entendimento que caberá somente ao coletivo do STF confirmar ou modificar. Não se deve fazer crítica apreciativa de mérito fora dos autos, salvo para a história, que só se constrói no curso do tempo, fora do objetivo visado neste texto.
É muito relevante observar, ao fim, que a liberação dos presos não foi seguida pela concessão de um salvo-conduto, quanto ao prosseguimento das investigações. E a pretensão a este último constituía o pedido originário. Logo, a possibilidade de ser decretada nova prisão, por fatos e fundamentos diversos, nunca teve nenhum impeditivo prévio, fixado judicialmente.

 
SATYAGRAHA (III)



6. A SEGUNDA DECISÃO

Nova ordem de soltura foi concedida em 11.07.2008, depois de decretada a prisão, desta vez preventiva, pela tentativa de suborno de delegado federal.
A decisão do Presidente do STF qualifica como “argumentos especulativos” os motivos adotados para o encarceramento. Entendendo que o magistrado de primeiro grau apenas supõe a possibilidade de interferência do banqueiro na coleta de novas provas, qualificou essa motivação como “rematado absurdo”.
Embora a cena da tentativa de corrupção haja sido filmada, um dos presos tenha indicado em depoimento a intermediação em favor do banqueiro, sobrevindo a apreensão de dinheiro em valor compatível com a propina prometida, o decisum diz que “a própria materialidade do delito se encontra calcada em fatos obscuros, até agora carentes de necessária elucidação”.
A apreensão de documento na casa do paciente (contendo um rol de pagamentos) foi considerada imprestável como prova de autoria, por ser ele apócrifo e conter “lançamentos vagos relativos ao ano de 2004”.
Adiante, a “duvidosa idoneidade e vago significado” da prova documental foi repisado.
A partir daí, a decisão atribui ao juiz de primeiro grau o uso de “nítida via oblíqua de desrespeitar a decisão deste Supremo Tribunal Federal”. Invoca o precedente do HC 94.016, relatado pelo ministro Celso de Mello, para apontar “reiterações de decisões constritivas” daquele magistrado. Afirma que “não é a primeira vez que o Juiz Federal Titular da 6ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, Dr. Fausto Martin de Sanctis, insurge-se contra decisão emanada desta Corte”. Determina o envio de cópias para o TRF da 3º Região, a Corregedoria-Geral da Justiça Federal, o Conselho da Justiça Federal e para a Corregedoria Nacional de Justiça.
Diante do verdadeiro levante de juízes e de associações, relatado no início deste texto, o ministro Gilmar Mendes recuou. Encaminhando ofício ao Presidente da AJUFE, afirmou que: “o envio de peças a órgãos jurisdicionais administrativos (sic) objetivou unicamente complementar estudos destinados à regulamentação de medidas constritivas de liberdade, ora em andamento tanto no Conselho Nacional de Justiça quanto no Conselho da Justiça Federal”.

Intervenção autoritária na atividade jurisdicional - As críticas pessoais feitas pelo presidente do Supremo ao Juiz da 6º Vara Federal de São Paulo não se compadecem com a atividade jurisdicional.
Se tivesse havido descumprimento de decisão do STF, o procedimento previsto no Regimento Interno daquela Corte seria o dos artigos 46 e 47, por desobediência. Nem o ministro Celso de Mello, nem o próprio ministro Gilmar Mendes procederam como ali está previsto. O primeiro desses julgadores, ao invés de censurar o Juiz De Sanctis, apenas explicitou a extensão da ordem de HC que havia deferido (de suspensão cautelar de uma ação penal). Dessa forma, não há precedente algum. Não existe nenhuma desobediência documentada.
A desqualificação de um julgador, tentada em peça processual, é ela própria auto-desqualificante; atenta, ela sim, contra o exercício jurisdicional pleno estabelecido na divisão dos Poderes.
Apreciação sumária da prova dando-lhe inidoneidade definitiva - A apreensão de um documento apócrifo não retira a validade como indício. O lugar onde foi encontrado importa. O tempo da datação pode indicar uma linha de continuidade até o presente. A regularidade do auto de apreensão preenche o requisito formal. A prova pericial posterior poderá acrescer a autenticidade e a grafoscopia, a autoria.
O depoimento circunstanciado de preso, filmado na prática de ato ilícito, não pode ser descartado definitivamente em um exame liminar. Tanto mais se o teor não foi impugnado com base em algum vício de manifestação da vontade. Não pode ser descartado definitivamente como res derelicta em um processo.
A suspeita de que o investigado venha a tentar a corrupção ativa, para interferir nas investigações, quando já existe um episódio documentado mostrando isso, não é nenhum “rematado absurdo”. Esse abuso no uso da linguagem não convém à metodologia do processo penal; ele próprio é um deslize.

A retaliação pessoal – O encaminhamento de cópias da decisão do Presidente do STF para duas corregedorias está em desacordo mesmo com a explicação dada pelo ministro Gilmar Mendes ao Presidente da AJUFE. Se o propósito fosse o de colaborar com estudos no Conselho Nacional de Justiça, por que o envio não foi feito para esse órgão. Por que escolher duas Corregedorias como destinatárias ?
O intento de intimidar o juiz de primeiro grau está claro. Essa vontade determinada superou mesmo o princípio da legalidade.
A atividade correicional se destina unicamente a retificar vícios cometidos in procedendo, nunca in judicando. Caso contrário, invadiria a competência recursal dos tribunais. Também só estes detêm poder censório, que exige processo especial e se inicia por representação fundamentada.

Supressão de instância – O banqueiro preso não foi beneficiado com salvo-conduto. Portanto, poderia ser preso novamente, por outro motivo específico não coincidente com o da primeira prisão, ainda que revelado no mesmo procedimento investigatório já deflagrado.
Foi isso o que ocorreu.
Logo, a instância recursal era o TRF da 3ª R. Da decisão dessa Corte, caberia ser formulado pleito perante o STJ. Só então, contra o último órgão, a competência decisória passaria ao STF.
O mediano conhecedor de Direito Processual sabe disso; sabe também que houve supressão de instância na segunda decisão do Presidente do STF.
Como disse bem o procurador da República que atua na 6ª Vara Federal de São Paulo, Rodrigo de Grandi, ao suprimir-se o rito nas instâncias intermediárias, criou-se um foro especial para o banqueiro no STF.
O Brasil ficou mais desigual, pois a desigualdade da sociedade foi introjetada na estrutura do Judiciário. Com soberbo despudor, a igualdade perante a lei foi assassinada.

7. A CORRUPÇÃO SEMPRE OBCECA

É digno de uma nota final o fato de que nenhuma das decisões do ministro Gilmar Mendes tratou da “exposição pública” dos presos, do “caráter espetacular” pelo envolvimento da imprensa e do uso abusivo das algemas. Tudo isso foi embutido no exame do caso como um pano de fundo sem finalidade visível.
Portanto, fica a pergunta: por que fazer repetidas declarações a respeito, como que com um propósito de desestabilizar as carreiras do juiz da causa e do delegado chefe das investigações, se isso nunca fez parte da res in judicio deducta?
O esteio deste texto é marcar um episódio de larga repercussão, muitas implicações já sabidas, outras por saber ou não, conforme ele se desenvolva.
Esta marcação deveria ser feita por todos os que pudessem, em honra a muitos que devem ser repetidamente honrados. Para lembrar um só deles, basta invocar o nome do ministro Ribeiro da Costa, que presidiu o Supremo ao tempo da escalada do estado de exceção. Foi eleito pelos iguais, independente da medida do mandato, até que se esgotasse o tempo da sua jurisdição. Ele manteve a lúcida defesa do direito efetivo de que todos nós precisamos para viver, sem pompas, sem algaravias, mas irrecusável na sua legítima grandeza, que tanto obceca poderosos fugazes, cuja herança é só a das suas mazelas.
O mestre Paulo Rónai lembra-nos a Sátira de Juvenal: concedes licença aos corvos e envergonhas, com as tuas censuras, as pombas.
Do episódio aqui já longamente exposto, foi tudo o que ficou.

 
IANOBLEFE



Amanhã, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar a ação civil pública, impetrada pelo Governo do Estado de Roraima contra a demarcação contínua das terras da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. A decisão é grave, pois dela dependerá a demarcação de mais 144 áreas indígenas. Sobre as togas dos ministros recai a decisão de manter o país unido ou dividi-lo em mais de uma centena de "nações", como já são denominadas as tribos.

Para entender melhor o que está em jogo, leia meu ensaio Ianoblefe, em
http://www.scribd.com/doc/2544728/Ianoblefe

segunda-feira, agosto 25, 2008
 
QOHÉLET E O ABORTO



Jornalistas católicos, entre eles o recórter tucanopapista hidrófobo, estão preocupados com a próxima decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o aborto em caso de anencefalia. Certamente ainda não leram o Eclesiastes. Aliás, a cada dia que passa, suspeito que os católicos não costumam ler a Bíblia. Aliás, nem suspeito. Tenho certeza.

6:1 Há um mal que tenho visto debaixo do sol, e que pesa muito sobre o homem:
2 um homem a quem Deus deu riquezas, bens e honra, de maneira que nada lhe falta de tudo quanto ele deseja, contudo Deus não lhe dá poder para daí comer, antes o estranho lho come; também isso é vaidade e grande mal.
3 Se o homem gerar cem filhos, e viver muitos anos, de modo que os dias da sua vida sejam muitos, porém se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é melhor do que ele;
4 porquanto debalde veio, e em trevas se vai, e de trevas se cobre o seu nome;
5 e ainda que nunca viu o sol, nem o conheceu, mais descanso tem do que o tal;
6 e embora vivesse duas vezes mil anos, mas não gozasse o bem, - não vão todos para um mesmo lugar?

 
MENSAGEM DO JOSÉLIO



Olá, Sr. Cristaldo,

o Humberto Quaglio fez a observação que iria fazer sobre a tradução de Almeida, mas ele a fez com muita singularidade. Ademais, as versões mais recentes de Almeida já usam a expressão filhotes em lugar de cachorros.

Josélio Silva

 
QUAGLIO ME CORRIGE



Prezado Janer,

Saudações,

Escrevi “Santos=Dumont e cachorros” no título do e-mail, mas não pretendo falar da cadelinha Fly, que o grande aeronauta criava em Cabangu.

Li seu artigo “Sobre Traduções”, e muito me interessou a obra mencionada, de Jean Soler, que quero ler, tão logo seja traduzida para uma língua que eu conheça, ou tão logo eu aprenda francês. O que vier primeiro. Mas vamos aos cachorros. Você escreveu em seu artigo: “Ora, que história é essa de cachorros de leões, de leoas criando cachorros, de ursa roubada de seus cachorros? É simples. A reputada tradução de João Ferreira de Almeida foi feita a partir do espanhol. Em espanhol, filhote é cachorro. Já o nosso cachorro é perro. Pior ainda, o insigne tradutor da Bíblia ao português desconhece palavrinhas básicas do espanhol.”

Eu posso estar errado, mas acho que não foi um caso de desconhecimento do espanhol. Se eu não estiver enganado, a palavra “cachorro”, em português, significa filhote de qualquer mamífero, assim como no espanhol, e o uso da dita palavra para designar o cão é um brasileirismo. Com o tempo, o uso da palavra “cachorro” com o significado de filhote caiu em desuso na língua portuguesa, mas alguns dicionários ainda informam, no verbete “cachorro”, o significado “cria de leão, tigre, urso etc.”, como em
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=cachorro.

Fiz apenas uma pesquisa rápida na internet, estou no trabalho e não tenho um bom dicionário por perto. Quando chegar em casa, vou tirar a dúvida.

Eu me lembro ainda, vagamente, que em um romance do Érico Veríssimo, (ou outro autor brasileiro, se não me falha a memória, mas tenho quase certeza que foi em “O Retrato”), eu li um diálogo entre dois personagens, em que um deles se refere a um cão como cachorro, e o outro, pernóstico, corrige o primeiro dizendo que o termo correto para o animal adulto é “cão”, e não “cachorro”.

Então, escrever “cachorro de urso” ou de leão, ou de lobo, não seria um caso de barbarismo, mas sim de arcaísmo, ou pedantismo mesmo. Só que, no caso da tradução do Almeida, feita no século XVII, nem arcaísmo seria. Provavelmente era linguagem corrente mesmo, em bom português, e não um espanholismo. De fato, a tradução de Almeida não é fiel, mas não é reputada sem motivo. Ela é para nossa língua o que a King James Version é para a língua inglesa.

Quanto a Santos=Dumont, em seu artigo “Porque choram nossos bravos” você escreveu que ele é produto da França, e que seria tido como maluco no Brasil da época. Não vou negar que a cultura francesa da época foi forte influência na vida dele. Isto seria absurdo. Nem vou defender a idéia de que a cultura brasileira tenha muitos méritos em relação aos feitos dele. Afinal, por ser Santos=Dumont meu conterrâneo, mineiro da Zona da Mata, ouço esse discurso laudatório que enfatiza seu local de nascimento com muita freqüência. “Grande brasileiro”, “grande mineiro”, “grande sandumonense”, até “grande barbacenense”, vivem dizendo por aqui.

Mas também não penso que ele tenha sido mero produto da França de seu tempo. Se assim fosse, a França teria gerado outros “produtos” tão expressivos quanto ele. É óbvio que ele não teria realizado o que realizou sem ter acesso aos clubes de aeronáutica que por aqui não existiam. Mas a França não teria visto os mesmos feitos em 1906, por uma só pessoa, se aquele indivíduo não estivesse lá. O que quero dizer é que seus contemporâneos franceses não fizeram nada que se comparasse ao que ele fez sozinho, e se o meio fosse o fator mais importante, teríamos, na mesma época e local, diversos engenheiros e aeronautas tão célebres pelo pioneirismo quanto ele. Vale lembrar também que Santos=Dumont só foi viver e estudar na França depois dos vinte e quatro anos, que desde sua juventude ele mostrava aptidão natural para lidar com máquinas e mecânica, e que nunca se graduou em engenharia. O mérito pelos seus feitos não é do Brasil nem da França, nem de Cabangu nem de Paris. É dele.

Um grande abraço de seu leitor,

Humberto Quaglio


Touché, Humberto.

Fui conferir no Houaiss e, de fato, essa acepção existe. Só me resta pedir desculpas ao Almeida. Mais ainda: vou suprimir este trecho da crônica, para evitar que eventualmente seja reproduzido.

domingo, agosto 24, 2008
 
SOBRE TRADUÇÕES



Entre os livros que comprei na última viagem está o excelente Aux Origines du Dieu unique, de Jean Soler, ensaísta que foi conselheiro cultural da embaixada da França em Israel. São três volumes que estou devorando com avidez: L’Invention du monotheísme, La Loi de Moïse e Sacrifices et interdits alimentaires dans La Bible. Estou concluindo o segundo volume e já lamentando que só resta um para ler. Soler conhece a fundo tanto o Livro como o judaísmo, e os disseca com a precisão de um cirurgião.

Dito isto, citei em crônica passada um trecho do Gênesis: “Sucedeu que, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, e lhes nasceram filhas, viram os filhos dos deuses que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram”.

Um leitor atento implicou com os deuses, assim no plural. Que em sua Bíblia está “os filhos de Deus”. De fato, nas traduções ao português que tenho em minha biblioteca, assim consta. Tanto na Bíblia de Jerusalém, quanto na edição pastoral publicada pelas Edições Paulinas. Também na editada pelo Centro Bíblico de São Paulo, a partir da versão francesa dos Monges Beneditinos de Maredsons, Bélgica. O mesmo consta de minha bíblia eletrônica, a reputada tradução de João Ferreira de Almeida.

É que usei a tradução proposta por Jean Soler, “les fils des dieux”. Como os judeus têm mais rigor quando se trata da palavra divina, fui consultar a Torá. Lá está: “os filhos dos senhores”. Melhorou um pouco mas não muito. O plural é mantido. Mas que senhores são esses que se opõem aos homens? Mistério profundo. Fui buscar então em minha tradução francesa da Bíblia, editada pela Alliance Biblique Universelle. Lá está: “les habitants du ciel”, também no plural. Mas quem são esses habitantes do céu cujos filhos acharam belas as filhas dos homens? O mistério persiste.

Como não entendo hebreu, prefiro ficar com a tradução proposta por Soler, que conhece hebreu: “les fils des dieux”. Pois os deuses são muitos na época do Pentateuco. Jeová é apenas um entre eles, o deus de uma tribo, a de Israel. Escreve Soler: “Ora, nem Moisés nem seu povo durante cerca de um milênio depois dele – os autores da Torá incluídos – não acreditavam em Deus, o Único. Nem no Diabo”.

A idéia de um deus único só vai surgir mais adiante, no dito Segundo Isaías. Reiteradas vezes escreve o profeta:

44:6 Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus.

Num acesso de egocentrismo, Jeová se proclama o único:

7 Quem há como eu? Que o proclame e o exponha perante mim! Quem tem anunciado desde os tempos antigos as coisas vindouras? Que nos anuncie as que ainda hão de vir. 8 Não vos assombreis, nem temais; porventura não vo-lo declarei há muito tempo, e não vo-lo anunciei? Vós sois as minhas testemunhas! Acaso há outro Deus além de mim?

Ou ainda:

45:5 Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cinjo, ainda que tu não me conheças. (...) 21 Porventura não sou eu, o Senhor? Pois não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador não há além de mim.

Só aí, e tardiamente, surge na Bíblia a idéia de um só Deus. Durante muito tempo, acreditei que a idéia do deus único havia sido contrabandeada do Egito, a partir de Akhenaton. Equívoco meu. Não havia monoteísmo nos dias de Moisés. O que me consola é saber que até Freud incorreu neste equívoco.

Mesmo assim, persistem no mesmo livro de Isaías registros dos deuses de então:

36:18 Guardai-vos, para que não vos engane Ezequias, dizendo: O Senhor nos livrará. Porventura os deuses das nações livraram cada um a sua terra das mãos do rei da Assíria? 19 Onde estão os deuses de Hamate e de Arpade? onde estão os deuses de Sefarvaim? porventura livraram eles a Samária da minha mão? 20 Quais dentre todos os deuses destes países livraram a sua terra das minhas mãos, para que o Senhor possa livrar a Jerusalém das minhas mãos?

Em suma, o deus de uma única tribo, de repente, se proclama o deus único. Soler nota uma safadeza nas traduções contemporâneas da Bíblia: Jeová está sumindo. Fala-se em Deus ou Senhor, em Eterno ou Altíssimo. Como Jeová é apenas o deus de Israel, melhor esquecer o deus tribal. Ao que tudo indica, alguns tradutores fazem um esforço para transformar um livro politeísta em monoteísta.

sábado, agosto 23, 2008
 
CIENTISTAS VENDEM FÉ



Leio na Istoé que médicos e hospitais começam a adotar a espiritualidade e a esperança como recursos para o combate de doenças. Que médicos e instituições hospitalares do mundo todo começam a incluir nas suas rotinas de maneira sistemática e definitiva a prática de estimular nos pacientes o fortalecimento da esperança, do otimismo, do bom humor e da espiritualidade. O objetivo é simples: despertar ou fortificar nos indivíduos condições emocionais positivas, já abalizadas pela ciência como recursos eficazes no combate a doenças. Esses elementos funcionariam, na verdade, como remédios para a alma – mas com repercussões benéficas para o corpo.

Sei! É o famoso poder do pensamento positivo. Há uns bons cinqüenta anos, foi moda um livrinho de auto-ajuda, O poder do Pensamento Positivo, de Norman Vincent Peal. "Os covardes nunca tentam, os fracassados nunca terminam, os corajosos nunca desistem. O pensamento positivo pode vir naturalmente, mas também pode ser aprendido e cultivado, mude seus pensamentos e você mudará seu mundo". Ou seja, se você foi premiado com um câncer, pense positivamente e terá cura garantida.

Pelo que diz a reportagem, clínicas de renome estão adotando esta postura. “No Brasil, a nova postura faz parte do cotidiano de instituições do porte do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, da Rede Sarah Kubitschek e do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), no Rio de Janeiro, três referências nacionais na área de reabilitação física. Nos Estados Unidos, o conceito integra a filosofia de trabalho, entre outros centros, do Instituto Nacional do Câncer, um dos mais importantes pólos de pesquisa sobre a enfermidade do planeta, e da renomada Clínica Mayo, conhecida por estudos de grande repercussão e tratamentos de primeira linha”.

Quando minha mulher morria, arautos do pensamento positivo logo se apresentaram. Que era preciso pensar positivamente, que uma postura otimista curava qualquer doença. Muitos tinham um viés católico e organizaram, Brasil afora, um círculo de orações. Tinham certeza de que, dadas as preces ao Todo Poderoso, ela seria salva. Quando ela morreu, adotaram subitamente uma outra postura. Que agora, na outra vida, ela estava sendo feliz. Ora, se só na outra vida seria feliz, que rezassem então para que morresse logo. Houve quem tivesse o desplante de dizer-me: “estamos apostando nossos créditos junto ao Todo Poderoso”. Aqueles abutres, que mal sentem o cheiro da morte vão visitar os moribundos, começaram a chegar ao hospital, padres, freiras e senhoras beneficentes. Pelo jeito, tinham um prazer particular em ver alguém morrer. Expulsei-os com fúria.

Segundo a revista, “a adoção desta postura teve origem primeiro na constatação empírica de que atitudes mais positivas traziam benefício aos pacientes. Isso começou a ser observado principalmente em centros de tratamento de doenças graves como câncer e males que exigem do indivíduo uma força monumental. No dia-a-dia, os médicos percebiam que os doentes apoiados em algum tipo de fé e que mantinham a esperança na recuperação de fato apresentavam melhores prognósticos. A partir daí, pesquisadores ligados principalmente a essas instituições iniciaram estudos sobre o tema. (...) O bom humor, por exemplo, é capaz de promover o aumento da produção de hormônios que fortalecem o sistema de defesa, fundamental quando o corpo precisa lutar contra inimigos. Além disso, o riso provoca relaxamento de vários grupos musculares, melhora as funções cardíacas e respiratórias e aumenta a oxigenação dos tecidos”.

Ou seja: se você tiver a desgraça de ser acometido por um câncer, ria. No bom humor ante a doença está a cura. Largue a quimioterapia, a radioterapia, a medicina de ponta. Ria, simplesmente. Que místicos digam besteiras, isto não me espanta. O que me espanta é que a imprensa as reproduza, como se verdade fossem.

Segundo a revista científica (sic!) BMC Câncer, o otimismo é um fator de proteção contra o câncer de mama. “Verificamos que mulheres expostas a eventos negativos têm mais risco de contrair a doença do que aquelas que apresentam maiores sentimentos de felicidade e positivismo”, explicou Ronit Peled, da Universidade de Neguev, de Israel, autor da pesquisa.

Ora, quando otimismo prevenir câncer, os oncólogos morrerão de fome. Estes cientistas, no fundo, são religiosos travestidos, que querem vender fé a quem precisa de medicina.

 
CONO Y COÑO


Para os leitores que não entenderam bem a diferença entre cono e coño, explico. Cono é cone. Quanto a coño, recorro ao antigo cancionero espanhol:

No me jodas en el suelo
como si fuera una perra
que con esos cojonazos
me echas en el coño tierra.

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Un hombre tras otro
así va la vida.
A mí lo mismo me da,
y al lucero del alba.
Cada hombre un voto,
cada mujer un coño;
si esto no es democracia
que venga Dios y lo diga.

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Ven pues, tus faldas levanta,
mi pija en tu coño mete,
y aunque yo apriete y repriete
estate quieta y aguanta,
ven, pues coñito adorado
de buen culo y gordas tetas,
que vales tú más pesetas,
que el tesoro más preciado.

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Do anônimo Don Juan Notório:

Ah! No es verdad ángel de amor
que en esto lecho caliente,
podremos tranquilamente
fornicar mucho mejor?
Esta sala que está llena
de esos cuadros tentadores
donde joden mil señores
ya à una rubia, à una morena;
esta picha tan amena
que está queriendo romper
sin poder contenerse
la tela de mi calzon,
no es cierto tierno pichon
que están diciendo joder?
Ese coño, cuyo aroma
me sube ya à las narices,
esas frases que no dices
pero que tu lengua asoma
à tu boca, dí paloma,
dí, lábios de rosicler,
esas gana de tener
mi picha dentro tu coño,
no es verdad, tierno retoño
que están diciendo joder?

sexta-feira, agosto 22, 2008
 
SOBRE VIAJAR



Escrevi outro dia que quem viaja em excursão não viaja. Envolto em uma bolha de brasilidade, leva o Brasil consigo nas viagens. Leio agora no Nouvel Observateur relato de um viajante mais radical, o britânico Colin Thubron. Viajante profissional, já escreveu vários livros sobre o tema e fez recentemente a rota da seda, da Turquia à China. Do que resultou um livro, L’Ombre de la route de la soie. Thubron gosta de viajar sozinho. Acha que a companhia de uma só pessoa pode envolvê-lo em uma bolha de europeidade.

- Quais são as qualidades requeridas para um bom escritor-viajante? A paciência, a vontade, a cultura, um estômago resistente? – pergunta o repórter do Nouvel Obs.

- Antes de tudo, é preciso saber deixar para trás de si sua própria cultura e seus preconceitos. Certo, não se pode jamais nos desfazermos inteiramente da própria educação e de seus reflexos culturais: é uma bagagem que se porta sempre, sobretudo quando pertencemos à tradição do Iluminismo, como ingleses ou franceses. Mas é preciso aprender a refutar esta herança. Daí a necessidade de viajar só: se eu viajo com um amigo francês, apesar de nossa diferença de nacionalidade, nós ficaríamos encerrados em uma bolha de europeidade, com o risco de achar os outros bizarros ou risíveis. Mas se eu viajo só, sou eu que sou bizarro aos olhos dos outros, o que me força a entender mais depressa onde estou. A sensibilidade exacerbada de minha própria singularidade, de minha própria vulnerabilidade, me permite fazer o esforço necessário para compreender a cultura do outro. Nestas condições, o normal, o compreensível, é o que me cerca; a diferença, sou eu que a encarno.

Longe de mim contestar quem faz das viagens profissão. Mas me permito discordar. Ninguém consegue deixar para trás sua própria cultura. Própria cultura não é sinônimo de preconceitos. A propósito, costumo afirmar que não tenho preconceitos, mas pós-conceitos. Se abomino muçulmanos, passei a abominá-los não antes de conhecê-los, mas depois. Brasileiro, sou ocidental e claro que herdeiro do Iluminismo. Não vejo razão alguma para refutar tal herança. Por que razões deveria renunciar à minha cultura para tentar entender as outras? Thubron parece ser mais um desses contestadores da cultura ocidental que só consegue se expressar... dentro da cultura ocidental.

Viajar é comparar. Em cada viagem, carregamos nosso passado como uma mochila nas costas. Não adianta tentar fugir disto. Não que eu veja o mundo como brasileiro. Vivi em outros países e tenho outros parâmetros de comparação. Mas sempre fazem parte de meu passado. Por que despir-me do que vivi? Para entender porque os chineses matam suas filhas? Para entender porque os muçulmanos cortam o clitóris e costuram a vagina de suas crianças? Para entender porque os indianos queimam as viúvas? Thubron que me desculpe. São coisas que não entendo e jamais entenderei. Ocidental, não refuto minha herança. Para viajar, não me dispo. Porto minha cultura e dela não me envergonho. Nas declarações de Thubron há um manifesto repúdio ao Ocidente que o abriga, sustenta e publica seus livros. Conheço a raça. Vivem em Paris ou Londres, mas sempre sonham com Benares ou Calcutá. Claro que jamais viverão lá. Mas sempre proclamam que viver lá é melhor.

Thubron tem um bom hábito, o de aprender as línguas dos países para onde viaja. Claro que os rudimentos, ou então viajar só seria permissível aos grandes poliglotas. É excelente idéia. Com um vocabulário mínimo podemos nos virar em qualquer país. Não custa nada munir-se de um dicionário básico antes da viagem, sem falar que todo conhecimento de línguas nos enriquece.

Thubron gosta de viajar só. É uma opção. Eu não consigo. Não entendo estar em um bom restaurante, degustando um bom prato e um bom vinho... sem ter com quem compartilhar a festa. Há restaurantes em Paris e Madri nos quais jamais entraria se estivesse só. Me sentiria um paria, um intocável. Aliás, nunca vi alguém só nesses restaurantes. Seria um reles glutão. Se eu viajasse só – hipótese que não me ocorre – acho que só comeria sanduíches, discretamente, no mais discreto boteco da esquina.

Não falo só de comer e beber. Seria para mim muito triste percorrer cidades ou paisagens deslumbrantes sem ter com quem dividi-las. Há quem goste de viajar só. Tudo bem, cada um com seu cada qual. Para mim, é deprimente. As coisas boas da vida devem ser divididas ou não têm graça.

Já tive de viajar só, por razões profissionais. Me senti como um fantasma. Vou mais longe: a companhia há de ser feminina. Amigos me convidam para viagens e sempre me recuso. A viagem só é boa quando se tem alguém para fazer cafuné.

quinta-feira, agosto 21, 2008
 
COÑO SUR?


Os europeus, olhando do alto a geografia, viram nos anos 70 um cone formado pelas ditaduras do Chile, Brasil e Argentina e criaram a expressão Cono Sur, Cone Sul. Há alguns anos, fiz um trocadilho sobre esta definição política e grafei Coño Sur. Era piada, bem entendido. Coño é algo muito distinto de cono e muito mais interessante que um cone. Mas o impossível acontece. Leio agora na Veja on line, numa coluna sobre vinhos, assinada por Roberto Gerosa, editor executivo da revista.


BRANCOS
Coño Sur Bicicleta Riesling 2006
Produtor: Coño Sur
Região: Bio-Bio
Importador: Wine Premium
R$ 23,80

Assim como a importadora Wine Premium é uma perna operacional da Expand, a Coño Sur é uma empresa da gigante Concha y Toro chilena. Trata-se de um riesling básico, mas já com as características da uva presentes no nariz e na boca, sempre aquele toque um pouco mineral dizendo “presente”! Na temperatura adequada (de 10 a 12º) vai bem com um peixinho leve.


Entender vinhos é também entender línguas. O colunista deve entender tanto de vinhos quanto de espanhol. É espantoso que tal analfabeto ainda não tenha sido demitido.

 
DE PARIS, DO LEONARDO



Olá, prezado Janer,

Aqui é o Leonardo, de Paris... Espero que se lembre de mim... Nós jantamos juntos em Saint-Germain, em maio...

Bem, escrevo-lhe para dizer que continuo acompanhando seu blog com assiduidade. Você continua afiado, bem humorado e nos brindando com sua vasta cultura. Parabéns! É sempre enriquecedor lê-lo. Gosto muito dos seus textos, principalmente aqueles sobre religião.

Dois assuntos que recentemente foram tratados por você lá no seu blog me chamaram a atenção. O primeiro é a questão da nova postura britânica com relação aos brasileiros (texto de 15/08/2008).

Os súditos da rainha estão certíssimos em aumentar o rigor no controle da entrada de brasileiros em seu território, embora estejam fazendo isso atrapalhadamente, como você bem assinalou. Infelizmente, muitos brasileiros vão para lá para desrespeitarem a lei local, à semelhança do que ocorre em outros países europeus. Não me incomodaria se ingleses, espanhóis e outros passassem a exigir o visto. É chato, claro, mas o cidadão de bem (turista, ou quem viaja a trabalho ou a negócios) fica relativamente resguardado de passar o terrível constrangimento de ser confundido com imigrante e ser mandado de volta para o Brasil, como aconteceu com alguns brasileiros na Espanha, no primeiro semestre. Se não dá para entrar só mostrando o passaporte sem o visto, que, ao menos, barrem apenas os imigrantes.

No final de julho, fui a um congresso em Chicago. Como nunca havia ido aos EUA, tive que tirar um visto. Fui muitíssimo bem tratado na Embaixada deles. E, ao desembarcar em Chicago, foi só mostrar o visto, responder a algumas perguntas que me foram educadamente feitas e pronto. Foi chato fazer o visto? Sim, mas foi muito melhor do que pousar nos EUA e ser despachado no vôo seguinte. A obrigatoriedade do visto nos traria certo aborrecimento, mas nos poupa de sermos confundidos com quem vai para se prostituir e viver na ilegalidade.

Quanto à maneira que os diferentes povos enxergam o esporte, concordo com grande parte do que foi escrito (18/08/2008), principalmente no que tange a chineses e a norte-americanos. Mas não concordo que suecos, finlandeses e outros europeus estejam nas Olimpíadas apenas por diletantismo. O atleta olímpico, venha de onde vier, tem um espírito de competitividade borbulhando nas veias. Essa gente não gosta de perder, quer é ganhar uma medalha de qualquer jeito. Não dá para imaginar que um suíço como o Federer não tenha ficado amuadíssimo por ter naufragado no torneio individual de tênis e ter visto seu rival Nadal passá-lo no ranking. Federer não foi a Pequim para passear, por passatempo. Essa não “cola”. Ele foi lá para ganhar.

A TV francesa (por sinal, muito mais ufanista que a brasileira na transmissão dos jogos) tem mostrado que, em matéria de chororô, os atletas gauleses não devem em nada aos brasileiros. Alain Bernard chorou diante das câmeras quando venceu os 100m nado livre. Laure Manadou “abriu a boca” depois de sua participação patética nos Jogos. A equipe de handebol feminino também pranteou a cântaros, em cadeia nacional. Teve uma judoca que chorou convulsivamente quando foi eliminada. Na esgrima e na ginástica, também teve francês chorando no pódio. E por aí vai.

Concordo inteiramente que Santos Dumont foi um subproduto da sociedade parisiense do começo do século XX. Mas não se pode, semelhantemente, dizer que esse menino aí, o Cielo, foi produzido nos EUA. Ele fez toda sua formação de natação no Brasil, aprendeu os fundamentos do esporte no país. Depois, é verdade, foi para os EUA (ao que me consta, há poucos anos). Em entrevista, ele disse que seu treinamento nos EUA é igual ao do Brasil, que as estruturas são as mesmas. O que diferencia são as competições, que são de nível bem mais elevado. Como em todo esporte, é na disputa com gente de alto nível técnico que se aprimora o talento. Sul-americanos se saem bem no futebol e brasileiros brilham no vôlei porque disputam os campeonatos europeus, onde estão reunidos os melhores atletas de todo o planeta. É esse o diferencial. Não é por disputar o campeonato espanhol que o Robinho (brasileiro), o Messi (argentino), o Henri (francês) e o Beckham (inglês, ex- Real Madrid) devam ser todos considerados hispânicos.

Bem, caro Janer, me desculpe pelo tamanho do email, mas é sempre muito bom conversar com você... Aliás, gostaria de lhe fazer uma pergunta: por que não há espaço para comentários no seu blog? Seria muito legal, ao menos para os leitores assíduos, como eu...

Um grande abraço! Espero revê-lo na sua próxima visita a Paris. Do seu leitor e admirador,

Leonardo

 
AL QAEDA TEME PEPINOS


Eles sabem das coisas. Os bravos machos árabes que destruíram as Torres Gêmeas em Nova York, intuíram de onde vem a ameaça ao Islã. Segundo o jornal sueco Aftonbladet, a Al Qaeda está perdendo apoio no Iraque, entre outros fatores, por proibir as mulheres de comprar pepinos. O vegetal só pode ser comprado por homens.

Sábia Al Qaeda. Dado o respeito que os muçulmanos têm pelas mulheres, pepino é concorrência desleal. A propósito, a Al Qaeda está determinando a matança de cabras, porque suas partes privadas são descobertas e suas colas estão sempre erguidas. Certamente uma tentação para os militantes.

Segundo o historiador Lars Hedegaard, em vinte anos os muçulmanos serão maioria na Suécia. Depois que uma ex-ministra e uma provável futura primeira-ministra suecas usaram véus para falar com um cabeça-de-toalha, esta afirmação não surpreende.

Conheça a Suécia antes que seja tarde.

quarta-feira, agosto 20, 2008
 
AZALÉIAS DE AGOSTO *



Era agosto. Elas se abriam em meu jardim com essa obscenidade com que sempre se abrem as flores, cumprindo sua missão natural de flores. Quanto mais floresciam, mais fenecias. Todos as manhãs eu atravessava aquele festival orgíaco de vermelho, rosa, branco e roxo, rumo ao amarelo ictérico que começava a envelopar tua pele, essa pele que por tantas décadas acarinhei. "Onde estiver, vou sentir tua falta" - me disseste, com voz que jamais senti tão grave. Querendo afagar-me, suspeitando que pela última vez, te enganavas. Não estarás em parte alguma. Partiste para o grande nada, onde nada existe e ninguém sente falta de ninguém.

Quem vai sentir tua falta, todos os dias até o último deles, é este que fica e que em algum lugar sempre estará. Pelo menos até o dia em que não mais estiver. Quem parte descansa. Sofre quem fica. O que até me consola um pouco. Quem está sofrendo, pelo menos não és tu.

De novo é agosto e elas retomaram seu ritual exibicionista. Paranóicas, escondem-se nas primaveras e agora torturam meus invernos. Não apenas os meus, mas os de tantos outros cujos seres amados escolheram agosto para partir. Certa noite de setembro, eu conversava com jovens já contaminados pela resfeber, enfermidade nórdica que significa febre de viagens. Sedentos de vida, perguntaram a este ser tantas vezes acometido pela doença: qual é a mulher mais linda do mundo? Em que geografias pode ser encontrada?

Caí em prantos. A mulher mais linda do mundo, eu a conheci. E a tive. E agora não mais a tinha. Não a encontrara em distantes longitudes nem em países exóticos. Encontrei-a a meu lado, neste prosaico país, e nunca mais a abandonei. Quis a vida - ou talvez tenha quisto eu - que tivesse centenas de mulheres, algumas muitas queridas, outras nem tanto mas também desejadas, mais uma multidão de rostos mais ou menos anônimos, corpos sempre lembrados. Mentira da vida, mentira minha. Em verdade, tive só uma. Tu, que partiste no auge das azaléias.

"Eu não tenho medo da morte" - me disseste ainda, um pouco antes da passagem rumo ao nada. Mesmo desbotada pelo palor da vida que foge, estavas linda como nunca estiveste. Em tuas quase seis décadas, conservavas ainda aquele eterno rostinho de criança, que a passagem dos anos jamais conseguiu te roubar.

Sedada, já no torpor da morte, chamaste tuas últimas energias, te ergueste no leito. Levantando o dedinho, didática qual professora falando a seus pupilos, sussurraste com o que te restava de voz: "E se fizéssemos assim: eu assino um documento: eu, TKM, em pleno uso de minhas faculdades mentais, declaro que quero ter meus restos cremados no cemitério da Vila Alpina". Reuni minhas forças e consegui balbuciar: não te preocupa, Baixinha adorada, isto há muito está combinado, verme algum sentirá o gosto de tuas carnes. Tuas cinzas, vou jogá-las de alguma ponte em Paris, uma daquelas pontes que tanto amaste, para que saias navegando mares afora.

Passada a mensagem, te reclinaste em paz. Mas descumpri o trato. Não as joguei em Paris. Ficarias muito longe de mim, navegarias talvez por mares gelados e hostis, encalharias em geleiras e te perderias em fiordes, longe de meu calor. Com carinho, te plantei entre os rododendros e todas as manhãs passo entre ti e murmuro: adorada. É bom te cumprimentar. Mas como dói.

A vida nos foi pródiga, e isso é talvez o que mais machuque. Nestes últimos meses, tenho sentido uma secreta inveja de homens que casam com megeras horrendas. Quando elas partem, começa a felicidade. Se morrer feliz é o almejo de todo homem, esta graça não mais está reservada a quem um dia foi feliz. É duro conjugar certos verbos no passado. Dizia Pessoa:

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...

Bobagens de poeta, que tanto influenciaram meus dias de jovem. Verdade que sem ti correrá tudo sem ti. Mas isto vale para as azaléias - seres insensíveis que sequer perceberam a ausência de quem as adorava tanto - e para o resto da humanidade. Para quem perdeu o ser mais lindo da vida, é mero jogo de palavras.

As azaléias em breve irão perdendo seu sorriso orgíaco, suas cores fenecerão e agosto que vem estarão de novo florescendo, despudoradas. Tuas cores feneceram agosto passado e pelo resto de meus agostos não mais te verei florir.


* in memoriam 20 de agosto de 2003

 
STJ ETERNIZA ADOLESCÊNCIA


Filhos com mais de 18 anos que ainda precisem da ajuda dos pais para se manter têm direito de continuar recebendo pensão alimentícia. Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça eternizou a adolescência. A súmula 358 – que assim determina – não estabelece nenhuma idade limite para o fim da pensão alimentícia. Teoricamente, marmanjos de 40 anos podem exigir judicialmente serem sustentados pelos pais.

Já aconteceu na Itália. Um menino de 50 anos acionou seus pais para receber mesada. Uma pergunta se impõe: e por que não trabalha? Ora, porque não encontrou trabalho compatível com sua vocação.

terça-feira, agosto 19, 2008
 
A REPULSA AO BELO


O que pensávamos ser estupidez de muçulmanos está se difundindo mesmo entre judeus e católicos. Leio em El País que a arquidiocese do México publicou uma “lista de valores” sobre o pudor, na qual recomenda às mulheres católicas que não usem roupas provocativas nem entrem em conversações ou piadas picantes com pessoas de outro sexo. Tudo isto para evitar agressões sexuais, este é o pretexto. Considera-se ainda que a pornografia é uma prostituição mental. Mais um pouco e proíbem o Cântico dos Cânticos, certamente o mais belo livro da Bíblia.

"Não usa roupa provocativa. Cuidado com teus olhares e gestos. Não fica só com um homem, mesmo que seja conhecido. Não permite familiaridades de teus amigos ou parentes. Não admite conversas ou piadas picantes”. Estas edificantes recomendações foram escritas pelo padre Sergio Roman Del Real, como material preparatório para o VI Encontro Mundial das Famílias, a celebrar-se no México em janeiro próximo.

Uma das coisas boas do mundo contemporâneo, a meu ver, é esta nonchalance com que as mulheres se despem, mesmo estando vestidas. Nenhuma mulher anda nua nas ruas, mas tem tantas nesgas de nudez que é quase como se nua estivesse. Ao pudico sacerdote não agrada nem um pouquinho a generosidade com que as mulheres nos brindam com seus encantos. Padre Sérgio considera a exibição do corpo como prostituição: “Quando exibimos nosso corpo sem recato, sem pudor, o prostituímos porque provocamos nos demais sentimentos em relação a nós aos quais não têm direito, a não ser que desejemos ser propriedade pública, isto é, que nos prostituamos mentalmente. Isso é a pornografia: uma prostituição mental”.

Se alguém imagina que isto seja pudor de católico, traduzo outra notícia, do mesmo El País. No assentamento judeu de Betar Illit, na Cisjordânia, onde vivem 40 mil colonos ortodoxos, um jovem de 19 anos, David Biton, teve a cara quebrada pelos “guardiães do recato”, por ter saído na noite de sexta-feira passada com jovens de sua idade. Qualquer semelhança com a polícia dos costumes da Arábia Saudita não é mera coincidência. Um menina de 14 anos teve o rosto queimado por ácido por vestir calças. Qualquer semelhança com os radicais argelinos que jogavam ácido no rosto de universitárias que não portavam véu, tampouco é coincidência. “Não lhes agrada quando vêem um rapaz e uma moça juntos, embora sejam irmãos, ficam muito nervosos”, diz Biton.

No Cântico dos Cânticos, livro transgressor, encontramos situação semelhante. Sulamita - finalmente uma voz feminina na Bíblia - sai pelas ruas da cidade em busca de seu amado. "Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o seu amor do que o vinho". De onde deduzimos que gostava tanto dos beijos como do vinho. É bom lembrar que Sulamita, além de ser mulher, não é casada.

“De noite, em meu leito, busquei aquele a quem ama a minha alma; busquei-o, porém não o achei. Levantar-me-ei, pois, e rodearei a cidade; pelas ruas e pelas praças buscarei aquele a quem ama a minha alma. Busquei-o, porém não o achei. Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade; eu lhes perguntei: Vistes, porventura, aquele a quem ama a minha alma?”

Mais adiante, se revela a verdadeira face de Jerusalém. Sulamita é espancada:

“Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade; espancaram-me, feriram-me; tiraram-me o manto os guardas dos muros. Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, se encontrardes o meu amado, que lhe digais que estou enferma de amor”.

Enferma de amor. A expressão é belíssima. Mas o universo predominantemente masculino de Israel não pode aceitar uma mulher enferma de amor. Os bravos filhos de Davi – aquele outro – conseguiram superar até mesmo seus primos sauditas. Se na Arábia da família Saud uma mulher não pode sair nas ruas sem a companhia de um macho da família, pelo menos pode sair com o irmão.

Em Betar Illit vivem os haredis, judeus ortodoxos que cumprem estritamente com as normas do “recato”, sempre lembradas em imensos cartazes distribuídos pela cidade: saia longa e camisa de manga longa para as mulheres. Para os homens, calças pretas, camisa branca e chapéu preto ou quipá, em função da seita à qual pertençam. Quem se desviar destas normas terá a ver-se com a polícia – clandestina – do recato.

Muitos rabinos endossam estas normas. Um outro haredi de Betar Illit, que teme revelar sua identidade, tenta explicar: “O mundo haredi não sabe muito bem como reagir. A Internet e os celulares derrubaram muros que nunca antes haviam sido ultrapassados em nossa comunidade, por isso agora os extremistas tentam levantá-los de novo. E por isso alguns rabinos legitimam a violência”.

A menina que teve o rosto queimado, de medo já nem sai de casa. Em junho passado, um desconhecido a abordou em um parque jogou-lhe o conteúdo de uma garrafa que só mais tarde ela descobriu ser ácido. “Teu rosto é lindo demais para esta cidade”, disse antes de atacá-la. Teve o rosto deformado e por sorte o ácido não lhe atingiu os olhos. O pecado da menina foi passear pela cidade de calças.

Segundo Moshe, um judeu ortodoxo de Beit Shemesh – cidade de 90 mil habitantes - que também não se atreve a dar seu sobrenome, em quase todas as cidades israelitas existe esta polícia do recato, o que varia é a intensidade da violência. “Em alguns lugares atacam e em outros intimidam. Não é um corpo oficial, atuam clandestinamente, mas todos sabemos quem são”.

Segundo Moshe, em Jerusalém há um grupo que joga ácido na roupa das mulheres quando a saia ou a manga das camisas são demasiado curtas. Outros sobem nos ônibus para assegurar-se de que as mulheres estão bem vestidas e não se misturam nos assentos com os homens. Tampouco hesitam em intimidar quem ouse organizar um concerto ou outras atividades de ócio.

Os judeus são hostis à beleza. Como também os cristãos, que surripiaram para si o Livro. Me reporto ao primeiro livro da Bíblia. Lá está, em Gênesis 6, 1:

"Sucedeu que, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, e lhes nasceram filhas, viram os filhos dos deuses que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. (...) Viu o Senhor que era grande a maldade do homem na terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente. Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração. E disse o Senhor: Destruirei da face da terra o homem que criei, tanto o homem como o animal, os répteis e as aves do céu; porque me arrependo de os haver feito".

Daí o dilúvio. Porque as filhas dos homens eram belas, Jeová extermina homens, animais, répteis e aves do céu. É de supor-se que os peixes, que nadavam, tenham sobrevivido. O Livro nada nos diz sobre esta grave questão teológica. Assim como torna o trabalho uma obrigação maldita, o primeiro livro da Torá amaldiçoa também a beleza.

O padre mexicano, os haredis e demais israelitas estão sendo apenas coerentes.

segunda-feira, agosto 18, 2008
 
SUBMISSÃO TOTAL



A palavra Islã significa submissão. Mas submissão do crente muçulmano a Alá. O Islã é intransigente. Todas as demais crenças são inimigas e seus seguidores devem ser exterminados. Diz o Corão:

"E matai-os onde quer que os encontreis. E expulsai-os... matai-os (cristãos e judeus). Tal é o castigo dos descrentes" (Sura 2.191).

"...Não tomeis amigos entre eles até que emigrem para Deus. Se virarem as costas e se afastarem, capturai-os e matai-os onde quer que os acheis. E não tomeis nenhum deles por confidente ou aliado... capturai-os e matai-os onde quer que os encontreis, porque sobre eles vos concedemos poder absoluto" (Sura 4.89,91).

"Mas quando os meses sagrados tiverem transcorrido, matai os idólatras onde quer que os encontreis, e capturai-os e cercai-os e usai de emboscadas contra eles" (Sura 9.5).

De Estocolmo, minha boa amiga Déia me envia uma reportagem insólita do Aftonbladet. Numa foto (http://blogg.aftonbladet.se/24685/perma/918894), Mohmoud Aldebe, porta-voz do Conselho Muçulmano da Suécia, conversa com Lena Hjelm-Vallen - ex-primeira-ministra substituta e ex-ministra de Relações Internacionais e com Mona Sahlin, provável futura primeira-ministra. Até nada demais. O insólito é que as duas líderes suecas usam véus para falar com o muçulmano.

No que também não há nada de novo. Desde há décadas o Ocidente começou a render-se ao Islã. Nos anos 80, Simone de Beauvoir e um grupo de feministas foram a Teerã, defender as mulheres persas junto ao aiatolá Khomeiny. Para falar com o padre, todas botaram véu.

Mais surpreendente ainda é a razão do encontro. Mohmoud está pedindo ao governo sueco 300 mil coroas para instalar um escritório de intermediação para famílias muçulmana. O cabeça-de-toalha defende a introdução das leis da sharia na Suécia, no que diz respeito a casamentos e divórcios. Isto significa que todo divórcio deve ser aprovado por um imã e que as crianças muçulmanas que freqüentam as escolas comunais terão aulas de idioma nativo e de religião separadas por sexo.

O Islã não exige a submissão dos não-muçulmanos. Mas, pelo que vemos, a Suécia já se rendeu aos bárbaros. Submissão total.